O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA ESCRITA NO 1º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL NA PERSPECTIVA DA LINGÜÍSTICA
Leni Castilho Ferreira de Arruda*
Gilce Maria Neves Biancão
Ana Cláudia Gonçalves de Araújo Pereira
Leila Mateus Potric
Olga Maria dos Reis Ferro**
1. INTRODUÇÃO
O objeto discutido nesse texto é: “O processo de construção da escrita no 1º ano
do ensino fundamental na perspectiva da lingüística”. Objetivou nessa pesquisa analisar
como a lingüística pode contribuir no processo de alfabetização das crianças do 1º Ano do
ensino fundamental de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande, Mato
Grosso do Sul e, também, analisar as concepções que o professor tem sobre o funcionamento
da escrita e as suas possíveis intervenções durante as análises que as crianças promovem
sobre o funcionamento da língua, considerando na oralidade a presença da marca fonêmica
alfabética e na escrita a marca ortográfica, a categorização das letras e a relação
fonema/grafema que esta categorização produz.
A preocupação em pesquisar essa temática se assenta na necessidade de buscar
respostas às inquietações que se manifestaram de forma latente no processo de
desenvolvimento do Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu “Organização do Trabalho
Pedagógico do Professor Alfabetizador na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental”, uma Parceria entre o Instituto de Ensino Superior da (FUNLEC) – (IESF) e a
Secretaria Municipal de Educação – (SEMED) (2006-2007).
A problematização que motivou a realização da pesquisa foi a constatação, no ano
de 2006, por meio da avaliação externa, do péssimo resultado da escrita produzida pelas
crianças da 1ª série do ensino fundamental. Com base nessa problemática formulou-se as
seguintes questões: Qual é a concepção de escrita dos professores alfabetizadores? Qual é a
concepção que o professor tem sobre a relação da oralidade e a escrita? Como se dá a
*
Pedagogas, Pós-graduadas e Professoras alfabetizadoras nos 1º e 2º anos do ensino fundamental de
escolas públicas da Rede de Ensino Municipal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
*
*
Mestre em educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – (UFMS), Profª universitária
da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – (UEMS) e da Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal – (UNIDERP), Profª no Curso de Pedagogia do Instituto Ensino de Superior da
FUNLEC – IESF e integrante do coletivo de pesquisadores de “História, Sociedade e Educação – (HISTEDBR)”
de Mato Grosso do Sul.
construção da escrita em crianças do 1º ano do ensino fundamental na perspectiva da
lingüística?
Para balizar este estudo, procuramos inspirações nos textos de Cagliari (20041999), Matencio (1994) e Faraco (1994) que versam sobre a importância do processo de
letramento e da lingüística, na fase de alfabetização da criança. Na realização deste trabalho,
pelo menos dois momentos foram fundamentais. No primeiro momento, analisar as
concepções de escrita dos professores e alunos envolvidos na pesquisa. Nesse momento foram
analisadas as produções de textos realizadas pelos alunos. As professoras e os alunos que
participaram desta pesquisa foram selecionados de escolas públicas da Rede Municipal de
Educação. No segundo momento, foram feitos questionários com os professores. Foi
realizada, também, a observação do envolvimento dos alunos nas produções de textos e as
intervenções que as professoras faziam nesses trabalhos.
2. A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA PELA CRIANÇA NA PERSPECTIVA
LINGÜÍSTICA: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS.
Este capítulo apresenta a fundamentação teórica deste trabalho. Inicia-se com as
concepções de linguagem. Igualmente, entreabrimos uma discussão sobre oralidade e escrita.
Em seguida, explicamos o papel do letramento na construção da escrita na perspectiva
lingüística.
2. 1. CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM
Nesta seção, apresentamos o arcabouço teórico lingüístico deste estudo, com base
nos autores lidos e citados neste trabalho monográfico. Faremos sucintas considerações sobre
a concepção de linguagem. Enfocamos o conceito de signo lingüístico, significado e
significante.
Escolher uma perspectiva teórica relativa à linguagem se tornou indispensável para
esta investigação, que pretende compreender a natureza dos textos produzidos pelos alunos
que participaram desta pesquisa.
A linguagem, para Cagliari (2004:30), é vista como uma manifestação de sentidos
que expressa um significado e um significante. Essa relação entre significado e significante
que constitui o signo lingüístico pode ser encontrado na fala, na escrita e na leitura como
elementos inerentes da linguagem.
Dessa forma, Cagliari define os termos citados
anteriormente como:
A linguagem existe porque se uniu um pensamento a uma forma de
expressão, um significado a um significante, como dizem os lingüistas. Essa
unidade de dupla face é o signo lingüístico. Ele está presente na fala, na
escrita e na leitura como princípio da própria linguagem, mas se atualiza
em cada um desses casos de maneira diferente. Essa procura das relações
entre significado e significante é em outras palavras saber como uma língua
funciona e quais os usos que tem. (CAGLIARI, 2004, p.30)
Estes termos “significado” e “significante” foram usados por Saussure (Apud
MATENCIO, 1994, p.25) e Vygotsky (Apud MATENCIO, 1994, p.36). Mas, Vygotsky vai
além de Saussure, usando o termo símbolo de segunda ordem para signo lingüístico. Nesse
sentido, a criança inicialmente, não atribui significado à escrita, pois a mesma é apenas código
ainda não decifrado, marcas em um espaço. O significante só terá significado no momento em
que o indivíduo conseguir atribuir sentido à escrita. Quando a escrita passar a ter sentido se
remeterá a primeira ordem, pois nesse sentido houve o desenvolvimento das funções
complexas da escrita.
Ainda de acordo com as idéias de Matencio, a natureza da palavra escrita tem
origem no simbolismo humano, uma especificidade humana. Pois, enquanto a fala é uma
convenção cultural espontânea, a escrita é uma convenção social sistêmica e ambas (oralidade
e escrita) são tecidas por uma mediação simbólica. O que faz entender a questão sóciocultural que Vygotsky teorizou.
A criança no decorrer do seu desenvolvimento do processo de alfabetização
começa a perceber que a escrita é arbitrária, ou seja, não se escreve do mesmo jeito que se
fala, pois a palavra escrita terá que obedecer às normas da língua padrão que tem uma
lingüística própria. “A língua portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado
somente em relação à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades falantes, não
existe o certo e o errado lingüisticamente, mas o diferente”. (CAGLIARI, 2004, p.35)
Levando em conta esse raciocínio, pode-se dizer que tanto a fala como a escrita
são construções cultural e social, pois por meio delas (fala e escrita) determinamos os objetos
e os seus respectivos nomes.
A fala evolui com o tempo e numa mesma língua nacional podem ocorrer vários
dialetos. Quanto a esse assunto, Cagliari teoriza que: “O português, como qualquer língua, é
um fenômeno dinâmico, não estático, isto é, evolui com o passar do tempo”. (2004, p.36)
Quando os dialetos se diferenciam muito, podem acabar se tornando uma nova
língua. Desse modo, não pode ser considerado errado, mas uma forma de uso lingüístico
diferente do outro dialeto. Um exemplo, citado por Cagliari (2004:36), é que o latim gerou o
português, o francês, o espanhol e o italiano. O que se observou é que os vários dialetos do
latim formaram outras línguas.
Na fala não são considerados os erros, pois o mais importante é que ocorra a
comunicação. Enquanto, na escrita será considerado um erro lingüístico quando se afasta da
convenção social da linguagem escrita.1
2.2. ORALIDADE E ESCRITA
A oralidade é uma variação da linguagem, sendo que a escrita também ocupa este
papel, porém é mais conservadora que a modalidade oral, até porque a escrita está organizada
em torno de um padrão fixo. Mas, não se deve esquecer que, mesmo a escrita tendo um
padrão fixo, ela também já sofreu mudanças. A esse respeito, Vygotsky contribui dizendo
que:
[...] a aprendizagem da fala e escrita são modalidades lingüísticas distintas
[...], Vygotsky define a fala como um signo de entidades reais, e a escrita
em um primeiro momento como mediada pela fala. (VYGOTSKY apud
MATENCIO, 1994, p.36)
Desse modo, a criança num primeiro momento acredita que a escrita representa a
fala. Mas, com o processo de alfabetização, ela dará sentido ao que escreve e,
conseqüentemente, perceberá que a escrita representa a língua. “A escrita é inicialmente
apenas um símbolo de segunda ordem, que se remete à fala, signo de primeira ordem”.
(VYGOTSKY apud MATENCIO, 1994, p.36)
Há uma controvérsia sobre a relação da palavra escrita com a palavra falada, pois
não é necessário que a palavra falada venha antes da palavra escrita, é o que comprova os
estudos sobre a história da escrita. Sobre esse assunto, Matencio contribui com os estudos
sobre a lingüística:
[...] a hipótese de que a fala precedeu a escrita não seja mais verdadeira do
que uma outra que aponta para o fato de que as primeiras marcas humanas, a
pintura nos corpos de nossos ancestrais, ou as primeiras interpretações de
índices, rastros de animais, representam a origem da invenção da escrita.
(MATENCIO, 1994, p.34).
Sobre a perspectiva de Luria (Apud MATENCIO, 1994, p.38) a escrita da criança
acontece antes de entrar em contato com o conhecimento sistematizado, pois a criança adquire
técnicas primitivas com funções semelhantes ao da escrita. A criança terá acesso a um
1
1
Para o aprofundamento desta questão sugerimos a leitura de Cagliari (2004).
“sistema de signos padronizados e econômicos, culturalmente elaborados” (MATENCIO,
1994, p.38). É necessário, que nesse processo, o professor conheça a (pré) história da criança
para poder encaminhar melhor o seu trabalho.
O desenvolvimento da escrita, nesse sentido, se dá inicialmente por rabiscos, onde
a criança dá sentidos diferentes dependendo do contexto que ela está inserida.
Exemplificando: ora um rabisco pode significar a mãe, ora pode significar o gato. Mas, os
rabiscos começam a se tornar signos diferenciados. A partir dos três anos, mais ou menos, as
crianças já têm a estrutura mental (reflexão sobre a língua) desenvolvida sobre a escrita, ou
seja, são capazes de produzir bilhetes, histórias, cartas, desde que haja outra pessoa como
escriba.
Toda criança é capaz de aprender independente do contexto social que está
inserida, ou seja, mesmo vindo de família com condições econômicas e culturais
desfavorecidas tem total condição de aprender: ela aprende a falar e a conviver socialmente,
pois está inserida a um mundo de interlocutores que utilizam algum tipo de linguagem.
A criança que não tem muita oportunidade de ter materiais escolares, revistas,
gibis e não tem exemplos de leitores a sua volta, como já se sabe, encontram dificuldades
com o sistema de escrita ao ingressar na escola. Mas, não devemos esquecer que mesmo não
tendo grandes oportunidades, ela tem um certo contato com a palavra escrita, como por
exemplo, rótulos de produtos, cartazes, anúncios de jornais e de televisão, entre outros.
As competências lexicais2 da criança não são pequenas em relação à lingüística,
ela possui estrutura gramatical da língua e utiliza regras gerais para o seu uso devido ao seu
convívio social. A essa questão, Cagliari afirma que “[...] quando se diz que a criança já é um
falante nativo de uma língua, significa que ela dispõe de um vocabulário e de regras
gramaticais”. (2004, p.18). Matencio (1994:26-27), por sua vez, considera que a relação entre
fala e escrita acontece no âmbito físico, situacional e funcional. Quanto ao aspecto físico, a
fala acontece por “representação sonora”, a escrita por marcas espaciais, relação
fonema/grafema. Já no aspecto situacional, a fala não se baseia na verbalização oral, mas em
contextos paralingüísticos (movimento da cabeça, olhar), contrária à escrita que se sustenta
em elementos puramente lingüísticos. Finalmente, no aspecto funcional, a fala é utilizada
mais em contatos sociais, a escrita, por sua vez, objetiva fixar os registros e as informações
para a posterioridade.
2
Competência lexical significa que a criança já tem um certo domínio do vocabulário.
Com o desenvolvimento da criança na escola, a mesma assimila e diferencia letra
do desenho (rabiscos), a partir daí, ela dará novos significados aos escritos. Perceberá que
existe um conjunto de letras que servem para escrever as palavras, entretanto, não consegue
ainda atribuir a relação entre letra e o som (grafemas e fonemas).
[...] a habilidade para escrever não significa necessariamente a compreensão
do processo da escrita pela criança, pois não seria a compreensão a gerar o
ato, mas o ato gerando a compreensão, chegando mesmo a precedê-la.
(MATENCIO, 1994, p.39)
Partindo do pressuposto dos autores referidos, pode-se dizer que a escrita é uma
representação simbólica da língua. Sob a perspectiva vygotskiana, a escrita não ocorre apenas
por evoluções, pois acontece num movimento progressivo, mas não é linear.
2. 3. A AQUISIÇÃO DA ESCRITA PELA CRIANÇA
A atividade de escrever, na criança, inicialmente acontece na memória, escrita de
memória. A criança representa as letras como desenhos. Luria (Apud MATENCIO, 1994,
p.39), teoriza que a transição da escrita acontece de um estágio a outro, através de signos
diferenciados, como foi citado anteriormente nesse trabalho, pois nesse caso, não é a
compreensão que gera o ato, mas o ato que gera a compreensão. Deixando claro que o ato de
escrever não significa a compreensão do processo da escrita.
É relevante a maturidade de relacionamento da escrita na criança, pois a imagem
escrita está vinculada ao desenho. A criança faz relações com o desenho da escrita e o que ela
representa, denominado por Luria como “jogo da leitura”. Desse modo, a criança quando faz
uma leitura, ela o faz de acordo com sua memória, ou seja, ela pode identificar um rótulo de
um produto conhecido, mesmo ainda não sabendo ler e escrever, pois é de seu uso freqüente.
Para Cagliari, “a escrita, seja ela como for, tem o objetivo primeiro de permitir a
leitura” (2004:13). Alguns tipos de escrita valem a pena serem comentados. Há textos que se
preocupam com a expressão oral e também com a transmissão de significados específicos,
decifrados por quem é habilitado, como por exemplo, os sinais de trânsito. Há também, textos
que são baseados no significante, como a transcrição gráfica de uma língua desconhecida.
Sendo assim, um desenho também poderá ser considerado um escrito, desde que alguém o
interprete e relacione a expressões da fala. Para o autor, “a motivação da escrita é sua própria
razão de ser; a decifração constitui apenas um aspecto mecânico de seu funcionamento”.
(2004:105)
Para entender melhor o que foi exposto anteriormente, deve-se levar em conta que
a leitura não se restringe ao um ato mecânico. Além de decifrá-la, tem como relevantes os
aspectos semânticos e pragmáticos. Considerando também “elementos do universo cultural,
social, histórico etc, que o escritor se baseou para escrever”. (CAGLIARI, 2004, p.105)
A alfabetização percorre caminhos semelhantes ao processo da invenção da
escrita. Primeiramente, as crianças utilizam os desenhos como forma de representação gráfica,
atribuindo-lhe longos significados. Explicando: uma criança pode desenhar uma casa, uma
árvore e um cachorro, e começar a contar uma história em cima do que desenhou e no outro
dia, com o mesmo desenho, contar outra história diferente. Com o decorrer do tempo, a
criança percebe através dos desenhos que não é possível que todas as pessoas tenham o
mesmo entendimento, como ocorreu com a história da escrita, pois se viu a necessidade de
criar signos padrões para representar o que se pretendia informar.
A história da escrita vista no seu conjunto, sem seguir uma linha de
evolução cronológica de nenhum sistema especificamente, pode ser
caracterizada como tendo três fases distintas: a pictórica, a ideográfica e a
alfabética. (CAGLIARI, 2004, p.106)
O autor quis ressaltar a relevância que a escrita é para a humanidade. Ela se tornou
uma necessidade e uma obrigação para todos os povos e todas as culturas. Podemos dizer que
houve grandes evoluções desde a invenção da escrita até hoje.
2. 4. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SISTEMA GRÁFICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Falou-se até aqui sobre a escrita, numa perspectiva da lingüística geral. Agora,
serão feitas considerações sobre o sistema de escrita e sua aquisição na alfabetização, mas
precisamente com a ortografia, para continuar com o assunto.
A lingüística é uma ciência da linguagem que explica a estruturação da língua
como componente da própria linguagem. É necessário comentar que o nosso sistema de
escrita não é apenas alfabético, mas ortográfico. Segundo Cagliari (1999:121,122), deve-se
conhecer a categorização gráfica e funcional das letras para decifração da linguagem, ou seja,
a relação entre letra-som. É relevante conhecer a ortografia e saber com ela atua na
linguagem.
A princípio, a escrita feita pela criança pretende representar a linguagem oral. A
criança escreve como fala. Ela não sabe que a relação som e letra nem sempre é uma relação
biunívoca, ou seja, que para cada som que ela fala, há uma letra correspondente. Com o
processo de aprendizagem, ela assimila que escrever não é equivalente ao ato de falar, que a
escrita é uma convenção social. Ao escrever uma palavra, por exemplo, a criança poderá ter
várias maneiras de fazê-la, mas deverá escolher o estabelecido pelas normas ortográficas.
Para Faraco (1994:9-10), o sistema de escrita é alfabético com memória
etimológica3, ou seja, não é sempre que será possível ter a relação som e letra, o sistema
gráfico relativiza o princípio geral da escrita, fazendo representações arbitrárias, ou seja, a
escrita não respeita regras fixas da fala, deve-se levar em conta a origem da palavra.
Em certas ocasiões, para a apropriação da grafia, é necessário que se trabalhe as
estratégias cognitivas4, pois como se falou anteriormente, há representações arbitrárias.
Faraco (1994:16) comenta que, em certos casos, a pessoa deverá memorizar a palavra ou ir
ao dicionário, sempre que tiver dúvidas.
Outra característica do sistema gráfico, além da memória etimológica, é a sua
relativa neutralidade em relação à pronúncia, por exemplo, não se escreve como se fala. Nesse
sentido, o método fônico é citado pelo autor como um “equívoco”. Ele considera duas razões
para esse equívoco: o sistema tem a memória etimológica, como foi exposto anteriormente, e
a neutra relação à pronúncia. O que Faraco (1994:11) quis dizer é que há várias formas de se
dizer uma palavra, de acordo com o dialeto, e uma única forma de escrevê-la.
Continuando o estudo sobre as características gerais sobre o sistema gráfico do
sistema português, Faraco discute tipos de relações possíveis nos sistema entre unidades
sonoras e unidades gráficas. Nas relações biunívocas, uma determinada unidade sonora
corresponde a uma certa unidade gráfica, e vice-versa, são relações absolutas. Nas relações
cruzadas, há dois casos que ocorrem: uma unidade sonora tem mais de uma representação
gráfica possível e em outro caso, uma unidade gráfica representa mais de uma unidade sonora.
Para Faraco, sobre estas duas relações:
A diferença entre essa situação (regularidade relativa) e a primeira
(regularidade absoluta) é que a previsibilidade aqui é determinada pelo
contexto, isto é, pela posição da unidade sonora ou da unidade gráfica na
sílaba ou na palavra; ou ainda pelo elemento que a segue. (FARACO, 1994,
p.15)
A ocorrência de uma ou mais forma de se grafar uma palavra, torna-se para o
usuário da língua portuguesa, uma representação arbitrária, pois não há uma regra fixa. O
autor volta ao assunto, reforçando que se deve confiar na memória visual e motora, consultar
o dicionário e desenvolver “macetes de memória” .
3
Memória etimológica para Faraco (1994) significa que se fixa a forma gráfica através das unidades
sonoras em sua origem. Exemplo: escreve-se monge com g e não com j, por ser uma palavra de origem grega.
4
Significa que se deve usar recursos mnemônicos para memorizar a escrita das palavras.
No processo da construção da escrita, Faraco concorda com Cagliari, afirmando
que não convém falar em grafias difíceis e fáceis, pois todas as palavras, no começo,
apresentam o mesmo grau de dificuldade. E qualquer criança pode aprender a escrever
qualquer palavra.
Faraco, ao tratar sobre a alfabetização, teoriza em cima das idéias de Vygotsky,
devendo o professor trabalhar elementos significativos com a leitura e a escrita, a
aprendizagem é um processo de internalização e de interação entre quem está aprendendo e
seus membros mais experientes de seu meio social. No caso da escrita, os erros de grafia
cometidos pelos alunos devem ser encarados não como um “não saber”, mas como parte do
processo de internalização, mediada pelo professor. Esses erros são advindos do próprio
sistema gráfico e das hipóteses generalizadas que os alunos fazem entre som e letra. Ao
professor compete criar situações para que o aluno resolva as suas dúvidas, que são muitas e
esperadas.
2. 5. LETRAMENTO E LINGÜÍSTICA
Finalmente, para concluir este capítulo não poderíamos deixar de falar do
letramento em relação à lingüística. Matencio (1994, p. 19), falando sobre entre ser ou não ser
letrado, teoriza que situações de letramento acontecem sobre duas perspectivas. Na primeira
perspectiva, há diferenças cognitivas entre pessoas de sociedades tradicionais das pessoas
tecnologicamente avançadas. O desenvolvimento da linguagem e do pensamento está
relacionado ao acesso às formas especializadas do texto escrito. Em outra perspectiva,
acredita-se em diferentes letramentos, pois há diversas comunidades/culturas. Não é possível
partir de uma visão etnocêntrica5, pois há várias formas de fazer sentidos pela escrita,
dependendo da cultura.
A autora sinaliza, ainda, que os indivíduos já possuem capacidade lingüística
própria, já são culturais e sociabilizados: a linguagem é um reflexo do pensamento. O
letramento é visto como “uma habilidade desenvolvida socialmente, segundo as necessidades
e uso da palavra escrita [...]”. (MATENCIO, 1994, p.21)
Sendo assim, o letramento está relacionado aos avanços tecnológicos. Mas o que
acontece, é que com o poder das sociedades tecnológicas, elas menosprezam as classes não
privilegiadas, ocorrendo a discriminação social (sujeitos não letrados).
5
Para a autora Matencio (1994) a visão etnocêntrica não considera os diferentes tipos de letramento.
É interessante citar que há pesquisas (MATENCIO,1994, p.32) que comprovam
que os não-letrados usam de seu conhecimento e experiência de vida, para a resolução de
problemas, eles têm uma tendência empírica ao fazê-lo.
A autora, analisando as pesquisas teoriza que, diante de problemas, “homens e
mulheres não escolarizados e não-letrados exibiam a mesma logicidade de adultos e crianças
expostas a escolas do tipo ocidental.” (MATENCIO,1994, p.33)
Mas, segundo Matencio (1994), fica claro que mesmo com essa logicidade, há
diferenças cognitivas e que o letramento contribui com esse processo cognitivo. O que
acontece é que os não-letrados resolvem os problemas pela tendência do empirismo, citado
anteriormente.
3. PROCEDIMENTOS DA PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS
COLETADOS
Neste capítulo, apresentamos os pressupostos metodológicos em que a pesquisa
está ancorada, bem como o contexto de dados e os sujeitos envolvidos. Esta discussão foi
necessária para compreender a visão de pesquisa aqui desenvolvida e a relação do tema com o
estudo propriamente dito.
Fizeram parte nessa pesquisa as professores e alunos de classes de alfabetização de
uma escola da Rede Municipal de Ensino (REME), Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Professores e alunos nos auxiliaram na pesquisa, no sentido de nos receber na escola e nos
deixar apreender como se dá, na prática, o processo da escrita, na alfabetização.
O tempo de experiência das profissionais em alfabetização que varia entre 4 a 23
anos. Foram analisadas as fontes pedagógicas fornecidas por 6 professoras, sendo que 5 delas
lecionam nos dois períodos, matutino e vespertino, e 1 nos três períodos. Quanto à formação,
4 professoras têm o curso de Pedagogia, 1 curso de Psicologia e 1 em processo de formação
em Pedagogia.
Para realizar o trabalho de análise das produções de textos dos alunos do 1º ano do
ensino fundamental, nós escolheremos algumas produções e mapeamos as principais
dificuldades, tais como: erros ortográficos; não uso da letra maiúscula em nomes próprios e
começo de frases; falta de parágrafo; falta de segmentação de palavras; falta de mecanismos
básicos de coesão (retomada pronominal, repetição e substituição lexical); falta dos sinais de
pontuação e outras dificuldades. Após essa análise, nós faremos um paralelo das teorias que
estudamos, através de argumentações e conceitos nossos com a realidade pesquisada. O autor,
mais adiante teoriza sobre o julgamento.
Também, mapeamos as possíveis intervenções dos professores em relação às
dificuldades dos alunos nas produções textuais. Esse mapeamento foi realizado com base
nos conceitos dos professores de escrita e oralidade e a sua prática como alfabetizador.
A seguir, descrevemos os resultados a partir das pesquisas apresentadas ao longo
da discussão teórica, com a finalidade de compreender a construção da escrita por crianças do
primeiro ano do ensino fundamental.
3.1. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
3.1.1. RELATOS DAS PROFESSORAS
Iniciaremos relatando experiências e pareceres dos professores a respeito da
escrita, da oralidade, dos erros ortográficos, a necessidade ou não da cópia, as possíveis
intervenções realizadas nas produções textuais dos alunos.
Segue a análise das entrevistas, que foram aplicadas através de questionários
escritos. Começamos com a seguinte pergunta:
• O que é a escrita para você?
A professora “A” e a professora “B” compartilham a mesma opinião,
respectivamente:
“É um meio de transmitir pensamentos”.
“Registro do pensamento”.
Já a professora “D”, diz que a escrita é “processo de decifração de código e
decodificação”. Por fim, a professora “F” acredita que a escrita seja “transcrição da fala, uma
maneira de comunicar-se, o registro da própria história”.
A outra pergunta realizada foi a seguinte:
• Como você trabalha a escrita com seus alunos em sala de aula?
A professora “A” relata: “Através do alfabeto, usando o próprio nome, através de
embalagens e propagandas, etc”. Continuando com a professora “B”: “De forma permanente,
todos os dias as crianças escrevem, considero atividade de escrita uma que não seja cópia”.
Dando seqüência, a professora “D” diz: “Inicio com a escrita espontânea, para saber o nível
de sua escrita, depois trabalhamos sistematicamente com a reestruturação das produções para
melhorar a escrita dos alunos”. Por fim, a professora “F” relata: “Através de estudos com
textos e materiais lúdicos”.
• Quanto tempo você acha necessário para que a criança aprenda a escrever?
De acordo com a opinião das professoras o tempo necessário para que uma criança
aprenda a escrever, varia de 4 meses a 1 ano e meio.
• A cópia contribui no processo do aprendizado da escrita? Por quê?
As professoras “A”, “B” e “F” não acreditam que a cópia contribua no
aprendizado da escrita, expressando as seguintes opiniões:
Professora “A”: “Não, porque se a criança não sabe ler ela não vai entender o que
está copiando”.
Professora “B”: “Não, pois é uma atividade que não traz reflexão. A atividade de
cópia é feita para aprendermos a copiar”.
Professora “F” diz: “Não, porque é um ato mecânico e não favorece a construção
do conhecimento”.
Já a professora “D” comenta: “A cópia com objetivo de melhorar a escrita
contribui para melhorar a ortografia somente”.
• Para você é necessário trabalhar erros ortográficos no 1º ano do ensino
fundamental? Por quê?
As professoras “A”, “B” e “D” acreditam que sim, conforme seguem as suas
opiniões:
Professora “A”: “Sim, porque a criança já começa assimilar os erros através da
escrita”.
Professora “B”: “Sim, no momento em que a criança torna-se alfabética já é capaz
de entender que as palavras têm uma forma fixa de escrevê-la”.
Professora “D”: “Sim, porque é através dos erros que lançamos estratégias para
melhorar a aprendizagem de nossos alunos”.
A professora “F” acredita que não é necessário trabalhar os erros ortográficos
explicando: “Não, ensinar a ler e escrever já é o suficiente. Não podemos dificultar o processo
de alfabetização tornando-o impossível ao aluno”.
• Quais são as possíveis intervenções realizadas por você nas produções de textos
dos seus alunos?
A professora “A”: “Se a criança consegue produzir um texto, podemos corrigir
quanto à escrita e coerência”.
Professora “B”: “Revisão coletiva de textos produzidos pelos alunos, análise de
textos bem escritos para que as crianças tenham noção de como, que estratégias usam os bons
autores para superar os problemas de repetições, pontuação, etc”.
Professora “D”: “Reestruturação de textos, para verificar junto com os alunos
quais foram os erros cometidos. Auxílio da família para melhorar as suas realizações”.
Professora “F”: “Reescrita e análise coletiva; se necessário, análise individual”.
• Para você o que é a oralidade?
Professora “B”: “Forma de expressão dos pensamentos, sentimentos, necessidades,
comunicação. Primeiramente a criança utiliza o choro e com a interação com os outros
humanos passa a utilizar a fala. Portanto, é através da oralidade que nos tornamos humanos,
através da interação com o outro”.
Professora “C”: “É o procedimento para trabalhar com os registros da cultura oral
dos alunos e músicas é a hora que eles expõem seus conhecimentos através da oralidade
juntamente com o professor (mediador)”.
Professora “E”: “É a parte oral do indivíduo; onde o professor enfoca a parte oral
( leitura expressiva labial)”.
• Na sua opinião existe relação entre oralidade e a escrita?
Todas as professoras foram unânimes em dizer sim quanto à questão:
Professora “B”: “Sim. A escrita é uma forma mais elaborada da oralidade”.
Professora “C”: “Sim. Por meio da leitura e escrita de textos, que dispensa a
memorização de sílabas, organizam suas idéias e sentimentos”.
Professora “E”: “Sim. Porque a criança, o aluno; dentro do processo de
alfabetização ela escreve aquilo que ela vê e ouve; o processo oral e escrita estão totalmente
aclopados”.
• Para você como se dá a construção da escrita em crianças do primeiro ano do
ensino fundamental?
Professora “B”: “Através da interação, reflexão. Refletindo sobre o que a escrita
representa e como ela representa o som”.
Professora “C”: “É um processo de construção conceitual, apoiado da reflexão
sobre as características e o funcionamento da escrita: trata-se de compreender pouco a pouco
as regularidades que caracterizam a escrita. (trabalhando com textos)”.
Professora “E”: “Através do processo oral e visual. Trabalhando todos os
conceitos; tais como: visual, oral, auditivo; lateralidade e etc...”
3.2. PROFESSORAS X TEÓRICOS
Podemos constatar nas entrevistas que as professoras em alguns momentos divergem em
alguns pontos; entretanto, em alguns aspectos as professoras compartilham com as mesmas
opiniões dos teóricos estudados nesse trabalho monográfico.
Sobre o conceito de escrita, as professoras têm opiniões diferenciadas, sendo que a
professora “F” se destacou por falar que a escrita é a transcrição da fala, mas para Matencio
(1994) escrita e fala são modalidades lingüísticas distintas. Porém, Vygotsky (Apud
MATENCIO, 1994) complementa que a escrita apenas no primeiro momento é mediada pela
fala. Isso porque os signos estão inicialmente representando sons e palavras da oralidade e no
segundo momento, no decorrer do avanço da escrita, ela passa a representar a língua.
Prosseguindo nessa mesma questão, encontramos as professoras “A” e “B” que
acreditam que a escrita seja o registro do pensamento, enquanto a professora “D” acredita
que a escrita seja um processo de decodificação e codificação. Para Cagliari (2004), no
entanto, essa decodificação e codificação não pode ser um ato mecânico. Ao decifrar a escrita,
deve-se entender o que está sendo escrito, ou seja, a mesma tem um conceito muito mais
abrangente. A escrita só é registro do pensamento quando o significado tornar-se significante.
Quanto à oralidade, a professora “C” define que é um procedimento para trabalhar com
os registros da cultura oral e músicas. Mas, a oralidade não abrange registros, somente a fala.
Sendo a linguagem uma herança cultural, a professora “B” colocou de forma muito
clara a definição de oralidade. Pois, é com a interação com outras pessoas que passamos a
utilizar a fala.
No questionamento sobre a relação entre oralidade e escrita podemos constatar que a
professora “B” colocou a escrita como uma forma elaborada da oralidade, contrariando em
parte com Vygotsky (Apud MATENCIO, 1994). Isso acontece apenas no primeiro momento,
quando representa sons e palavras da oralidade.
Quanto à necessidade de se trabalhar com erros ortográficos no 1º ano do ensino
fundamental, as professoras “A”, “B” e “D” concordam que é relevante estar trabalhando
esses aspectos. Diferente da professora “F” que não concorda, pois acredita que trabalhar a
ortografia pode dificultar o processo de alfabetização. Faraco (1994) contribui teorizando que
a ortografia deve estar inserida nesse processo.
O nosso sistema gráfico tem memória
etimológica e obedece a relação entre som e letra na forma de fixar a escrita. Claro, que essa
relação não é 100% regular, por isso há representações arbitrárias na forma de fixar a escrita.
O autor vai mais além, dizendo que no processo de construção da escrita é necessário
memorizar a forma de escrever as palavras, usar estratégicas cognitivas próprias e usar o
dicionário. A criança deve entender que as palavras têm uma forma fixa que não pode ser
desconsiderada. O profissional ao trabalhar com alfabetização deve estar interferindo na
aprendizagem, da mesma forma que os profissionais dos anos seguintes. Desde o início o
aluno deve estar a par do processo ortográfico. Cagliari (2004) compartilha da mesma idéia
de Faraco (1994): apesar de haver as variações dialetais, o sistema ortográfico congela as
palavras. A ortografia permite entender o que está escrito. Vimos então, que a professora “F”
se contradiz ao relatar que ensinar a ler e a escrever é o suficiente, entretanto, a ortografia é
necessária nesse processo.
A última questão a ser analisada é sobre as possíveis intervenções nas produções
textuais dos alunos. A professora “F” relata que intervém nas produções com análises
coletivas e/ou individuais. Porém, ela se contradiz quando não corrige os erros ortográficos na
sua prática docente. As professoras “A”, “B” e “D” julgam necessárias a revisão coletiva,
análise e reestruturação dos textos produzidos pelos alunos; enquanto a professora “B” vai
mais além: ela apresenta textos bem escritos de autores para que as crianças tenham noção da
escrita das palavras, o uso correto dos sinais de pontuação, superar o problema de repetição de
palavras entre outras intervenções.
Após a análise dos questionários que relatam o pensamento das professoras e a sua
prática docente, percebemos que existem lacunas entre a teoria e a prática. Torna-se evidente
que ainda se faz necessário que todos os professores tenham uma formação continuada com
muitos estudos e pesquisas.
3.3. ANÁLISE DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS DOS ALUNOS
Aqui estaremos fazendo análises textuais, verificando os progressos obtidos pelos
alunos da 1ª série (ano) do ensino fundamental durante 2006. Para esse trabalho utilizamos
textos de alunos da 1ª série (ano) da professora “B”. Isso porque tivemos dificuldades em
acessar os textos dos alunos das professoras “A”, “C”, “D”, “E” e “F”, por ser final de ano.
As produções foram iniciadas com a professora sendo a escriba; o trabalho da produção oral
foi coletivo. No meio do ano, os alunos começaram a ter autonomia ao produzir os textos.
São oito produções de quatro alunos, como veremos a seguir:
Aluna “A” no texto produzido no dia 29 de junho de 2006 apresenta as seguintes
especificidades: falta de letras; a palavra “triste”, a aluna grafou de três maneiras (triti, tirti,
tite); a palavra “fica lá”, foi grafada “ficala”; a palavra “Mimosa”, foi grafada “Mimoca”; a
palavra “ela”, foi grafada “lela”; há palavras sem segmentação em seu texto; o texto apresenta
letra cursiva e bastão; a produção é realizada com o apoio dos desenhos.
Como vimos, a aluna “A” apresenta problemas na escrita por falta de saber o valor
posicional da letra na palavra. No mês de dezembro a aluna já produzia textos com
autonomia. A professora “B” oferecia um tema e solicitava que os alunos o continuassem com
auxílio de desenhos. Nessa produção analisada, a professora trabalhou um texto no qual foi
apresentada uma idéia que a aluna deveria desenvolver. O texto produzido no dia 7 de
dezembro de 2006 apresenta os seguintes avanços: criatividade; coerência; letra cursiva.
Como vimos no texto da aluna “A” melhorou o estilo da escrita, o entendimento
do funcionamento da escrita e a sua tecnologia (escrever da esquerda para direita, observar as
margens e as linhas do caderno, utilizar parágrafos, letras maiúsculas em início de frases, etc).
A próxima produção a ser analisada é do aluno B, produzido em 29 de junho.
A produção textual foi apoiada em desenho, na qual apresentou as seguintes
situações: a palavra “comendo”, foi grafada “comeno”; a palavra “vaca”, foi grafada “vaco”; a
palavra “viu”, foi grafada “vio”; a palavra “coisa”, foi grafada “coza”; a palavra “porta”, foi
grafada “forta”; a palavra “que”, foi grafada “qe”; a palavra “leite”, foi grafada “lete”; a
palavra “embora”, foi grafada “ebora”; não apresenta segmentação; utiliza apenas letra bastão.
Observamos no texto do aluno “B” sinais da oralidade e da variante lingüística.
Como o aluno “B” é da professora “B” as intervenções foram as mesmas, o que, a
nosso ver, teriam que ser diferenciadas, pois as dificuldades do aluno “B” são diferentes das
dificuldades da aluna “A”. No mês de agosto (2006), o aluno já escrevia sem apoio de
desenhos, porém utilizava apenas letra bastão. Continua fazendo trocas de letras e não
consegue expressar as suas idéias por escrito.
Outra produção textual é do aluno C. Esse texto foi produzido no dia 13 de julho
de 2006. O texto foi elaborado sem o apoio de desenho e apresenta os seguintes pontos:
utiliza letra bastão; a palavra “para sempre”, foi grafada “parcnpre”; a palavra “viveu”, foi
grafada “veu”; a palavra “mandou”, foi grafada “mando”; a palavra “porquinho”, foi grafada
“poquinho”; a palavra “fizeram”, foi grafada “fizeran”; a palavra “encontrou”, foi grafada
“encotrou”; não apresenta segmentação. Nesse caso as dificuldades de escrita dessa criança,
referem-se à ausência da compreensão sobre o funcionamento da escrita – relação
fonema/grafema, valor posicional da letra na palavra, etc.
Embora esse aluno demonstrou que precisava de intervenções pedagógicas
diferenciadas, por parte da professora, verificamos que isto não ocorreu, talvez porque não
houve uma relação entre a teoria e a prática pedagógica. No mês de dezembro (2006), o aluno
continua apresentando em sua produção textual letra bastão e falta de segmentação. Porém,
apresenta criatividade e coerência no texto produzido no dia 4 de dezembro de 2006.
Finalmente, estaremos analisando o texto da aluna “D”. A produção apresentou as
seguintes situações: utiliza letra bastão; a palavra “era”, foi grafada “ora”; a palavra “ves” foi
grafada “vez”; as outras palavras são difíceis de entender; não apresenta segmentação. Essa
aluna apresentou dificuldades de entendimento da “categorização das letras”, ou valor
posicional da cada letra na palavra, relação fonema/grafema conforme Cagliari
(1999:121,122). Quanto às intervenções da professora para solucionar as dificuldades dessa
aluna, acreditamos que não foram realizadas individualmente, e sim coletivamente, pois na
entrevista concedida pela professora “B”, ela nos diz que trabalha com revisões coletivas. No
mês de dezembro, a aluna continua a escrever com letra bastão e poucas com letra cursiva.
Podemos entender a idéia do texto, apesar de apresentar algumas palavras de difícil
entendimento.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo dos objetivos elencados no início desta pesquisa para compreender
melhor como se dá a construção da escrita em crianças do 1º ano do ensino fundamental,
enfatizamos-na novamente: analisar como a lingüística pode contribuir no processo de
alfabetização das crianças do 1º ano do ensino fundamental; verificar como essas crianças
relacionam a oralidade e a escrita, considerando na oralidade a presença da marca fonêmica
alfabética e na escrita a marca ortográfica, a categorização das letras e a relação
fonema/grafema que esta categorização produz; analisar as concepções da escrita pelo
professor e a sua prática em sala de aula; verificar possíveis intervenções que o professor
realiza durante as análises que as crianças promovem sobre o funcionamento da língua.
A problematização da pesquisa foi o grande desconhecimento por parte dos professores
de como funciona a oralidade e a escrita e a relação entre ambas, bem como, este
conhecimento poderá contribuir para a superação do fracasso na alfabetização. No início do
trabalho, não acreditávamos que as professoras faziam a relação entre a oralidade e a escrita.
Porém, após a análise dos questionários podemos observar que as professoras fazem sim,
entretanto apenas uma em sua prática, acredita que a escrita é uma forma mais elaborada da
oralidade.
No levantamento das produções textuais pudemos verificar que as crianças
constroem a escrita, inicialmente apoiadas e orientadas pela professora, a qual tem um papel
muito relevante nesse processo. No decorrer do tempo, os alunos vão adquirindo autonomia,
arriscando hipóteses de escrita. As produções textuais são conseqüências do trabalho de
intervenções das professoras, nos quais os alunos já têm a noção das seqüências dos fatos
que ocorrem as histórias, mesmo antes de escrevê-las.
Apesar das professoras entrevistadas exporem a maneira como trabalham as
intervenções, pudemos perceber que essas intervenções não ocorreram de forma adequada
para que os alunos avançassem nas suas produções textuais. Um dos pontos para que isso
acontecesse, atribui-se à falta de conhecimento da relação entre oralidade e escrita, bem
como, a lacuna que existe entre as teorias supostamente estudadas e a prática aplicada em sala
de aula.
Durante esse trabalho encontramos alguns empecilhos. O primeiro obstáculo foi
conseguir os livros a serem lidos e estudados. Alguns livros não estavam disponibilizados nas
livrarias. Outra barreira foi conseguir que as professoras respondessem os questionários, pois
houve demora e recusas por algumas. Quanto às produções textuais, demoramos um pouco
para conseguirmos.
Para dedicarmos no trabalho, tínhamos que conciliar nossa vida pessoal e
profissional com o tempo para a monografia. Muitas vezes, sentíamos desanimadas e
cansadas.
Porém, para conseguirmos alcançar êxito no nosso trabalho, foi necessário
percorrer esse caminho. Aprendemos muito sobre o assunto aqui desenvolvido. Gostamos
muito das leituras que fizemos.
Foi gratificante ver quanto nós crescemos no nosso conhecimento. Para isso, tivemos o
profissionalismo e respeito da nossa orientadora. Nosso grupo teve harmonia em todos os
encontros, que foram muitos. Os momentos de descontração que tivemos foram necessários,
pois assim, ficávamos renovadas para continuar a jornada.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. 10.ed. São Paulo: Scipione, 2004.
__________________.Alfabetizando sem o bá, bé, bi, bó, bu. 1.ed. São Paulo: Scipione,
1999.
FARACO, Carlos Alberto. Escrita e alfabetização. São Paulo:Contexto, 1994 (Programa
Nacional Biblioteca do Professor MEC-FAG-1994 – distribuição gratuita).
MATENCIO, Maria do Lourdes Meirelles. Leitura, produção de texto e a escola: reflexões
sobre o processo de letramento. Campinas-SP: Mercado de Letras. Ed.
Autores Associados, 1994.
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O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA ESCRITA NO 1º