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OS DESAFIOS DE EFETIVAÇÃO DA TEORIA NA SISTEMATIZAÇÃO DA PRÁTICA
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
Daniela Cristina Mazzini Santiago1
Nayla Cristiana Beraldo Gonçalves2
RESUMO
O presente artigo é fruto de algumas inquietações, adquiridas ao longo do primeiro
semestre de 2012, onde cursamos uma disciplina eletiva, ofertada no curso de Serviço
Social da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), cujo tema era “A instrumentalidade
do Serviço Social”. Aqui, procuramos tecer uma discussão, a partir da nossa vivência
enquanto graduandas, sobre as dificuldades que muitos assistentes sociais têm de
efetivar na prática profissional a dimensão teórica adquirida no período de formação. A
proposta de análise dos desafios de apropriação do debate teórico-metodológico na
sistematização da prática é aqui apresentada, a partir do conteúdo trabalhado nas aulas,
onde foi observado que a mesma está em consonância com o Código de Ética do
Assistente Social de 1993, a Lei de Regulamentação Profissional (Lei de Nº 8.662/93) e as
Diretrizes Curriculares para a Formação Profissional de Serviço Social da ABEPSS (1996),
pois estes formam um conjunto importantíssimo de ferramentas que buscam fortalecer
nosso Projeto Ético-político. O objetivo desta discussão é contestar a falácia que teoria é
uma coisa e prática é outra, quando na verdade o que aprendemos nessa disciplina é que
teoria e prática se complementam. Para isto, nossa reflexão procura traçar um caminho
de entendimento dessa dicotomia, fruto da precarização e sucateamento do ensino
universitário, e seus rebatimentos no cotidiano destes profissionais.
Palavras-chave: assistentes sociais, exercício profissional, sistematização da prática,
projeto ético-político.
1
Acadêmica do 3º período do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto UFOP.
2
Acadêmica do 3º período do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto –
UFOP e bolsista do Centro de Difusão do Comunismo (CDC – UFOP) coordenado pelo prof. Dr.
André Mayer.
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1- INTRODUÇÃO
A formação e o exercício profissional do assistente social se consolidam em meio a
uma rede de situações e vertentes complexas que sustentam a sociedade
contemporânea. A conjunção globalização/neoliberalismo, a atual configuração de
reestruturação do capitalismo – potencializada pela flexibilidade e pela lógica da
financeirização3 e a redução dos investimentos por parte do Estado em serviços públicos,
expressam algumas das particularidades da cena contemporânea. Diante deste contexto
é colocado para o assistente Social, novas demandas na sua atuação profissional
conforme aponta Iamamoto (2010, p.4). Neste sentido, a reflexão da autora contribui
para compreender quais são as novas exigências colocadas ao Serviço Social brasileiro
contemporâneo, trazendo elementos que demonstram uma preocupação da categoria
em respondê-las.
Portanto, ao assistente social cabe o desafio de se qualificar, para que assim
desenvolva uma atuação interventiva e investigativa adequada. Com a finalidade de
responder a tais demandas a partir de uma perspectiva de totalidade, tendo assim, os
subsídios para a compreensão da estrutura social, bem como a dinâmica e complexidade
do movimento real dos usuários que recorrem à prestação dos seus serviços.
O assistente social atua diretamente com a contradição existente entre o capital e
o trabalho. E é nesse terreno de disputas (IAMAMOTO, 2010, p.160) e tensão entre
reprodução das desigualdades e produção da rebeldia e resistência, que a categoria de
assistentes sociais trabalha, interferindo diretamente nas relações sociais cotidianas e no
atendimento às variadas expressões da questão social.
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Fenômeno que marca a fase contemporânea do capitalismo resultante (...) “da superacumulação
e, ainda, da queda das taxas de lucro dos investimentos industriais registradas entre os anos
setenta e meados dos oitenta”. (NETTO, BRAZ, 2007, p.241) Esse processo é umbilicalmente
ligado à concentração do sistema bancário e financeiro. Com a financeirização entra em cena um
grupo de capitalistas que não investem mais na produção, mas se dedica simplesmente em sugar
os seus ganhos, os chamados capitalistas rentistas.
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O caráter prático-interventivo da profissão busca efetivar os direitos de cidadania4 dos
usuários. O Serviço Social por ser uma profissão de caráter prático-interventivo que consolida sua
prática na operacionalização do nexo entre as instituições sociais e os serviços que estas devem
prestar, além de atender aos usuários com necessidades e demandas na busca pelo acesso aos
direitos e serviços; entendemos que a “questão racial” se relaciona com as várias formas de
produção e reprodução do capital, das relações sociais, das condições de vida, de cultura e de
riqueza.
O Movimento de Reconceituação ou Renovação5 do Serviço Social ofereceu a
possibilidade de um aprofundamento teórico-metodológico, principalmente quando
ocorre uma maior aproximação dos assistentes sociais com a tradição marxista e a obra
marxiana, o que potencializou romper com as bases conservadoras que sustentavam o
Serviço Social. Porém, é preciso sempre buscar alternativas que ampliem o debate da
profissão com a teoria marxista, na tentativa de romper com segmentos conservadores
que ainda existem no interior da categoria que inclusive acreditam e defendem o jargão,
que na “prática” a “teoria” é outra.
O desafio que está posto diante das relações complexas que perpassam a
realidade social consiste em proporcionar uma formação política, ética e crítica de
qualidade aos assistentes sociais para que consigam no cotidiano profissional atender
satisfatoriamente as demandas que lhe são colocadas. Entretanto, o profissional não deve
se limitar apenas em respondê-las, é necessário que as compreenda criticamente, para
que tenha as condições cabíveis para efetivar a sua intervenção na realidade apresentada
e também consiga enfrentá-la de forma eficiente. Assim, fica nítido que o profissional
deve conter um arcabouço teórico-metodológico sólido (conhecimento teórico e
interventivo) para enfrentar os complexos reais presentes na sociedade contemporânea.
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Para Coutinho (1997), cidadania é entendida como a capacidade conquistada por alguns
indivíduos, ou por todos de usufruírem dos bens socialmente produzidos, ou seja, é um processo
de busca pela apropriação dos bens sociais pelo conjunto dos cidadãos.
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Conforme NETTO (2004, p. 131), “entendemos por renovação o conjunto de características
novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base
do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendências do pensamento social
contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de
legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de
validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais”.
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A realidade apresentada pela população usuária, principalmente os grupos sociais
menos favorecidos, é permeada por muitos conflitos e situações que necessitam de certo
cuidados. Por isso, a importância do profissional está atualizado, acompanhando as
mudanças sociais e questionando as demandas institucionais, pois assim, certamente não
se limitará a uma reprodução mecânica de técnicas e instrumentos, contribuindo para a
promoção de mudanças significativas no cotidiano dos usuários.
Um dos problemas decorrentes no universo do Serviço Social é a dificuldade que
muitos profissionais têm de associar e utilizar a teoria aprendida durante a formação na
prática profissional. São muitos os assistentes sociais que no exercício profissional
“deixam de lado” o conhecimento teórico crítico adquirido, e passam a nortear suas
ações apenas e simplesmente pelas experiências vivenciadas no cotidiano profissional.
Claro que não estamos atribuindo à teoria o poder mágico de solucionar todos os
problemas sociais advindos da lógica de organização capitalista através de conceitos préformulados, mas, também destacamos que a prática não deve ser vista como algo que
possui um caráter exclusivamente pragmático aos desafios colocados a esta profissão.
Torna-se necessário a utilização das duas dimensões, pois, uma está umbilicalmente
ligada na outra quando se trata de Serviço Social, uma vez, que ambas em consonância
possibilitam a abertura de um leque de possibilidades de entendimento e intervenção no
contexto sócio-histórico apresentado.
Este trabalho, portanto, visa refletir justamente sobre os desafios e dificuldades
que o assistente social se esbarra para a utilização da dimensão teórico-metodológica no
seu fazer profissional e também as consequências que isso acaba implicando na profissão
como, por exemplo, a aceitação por muitos que compõem a categoria do equívoco de
que na prática a teoria é outra.
2- A sistematização da prática do Assistente Social
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Os assistentes sociais atuam nas múltiplas expressões da questão social6 que tem
a gênese da sua produção e reprodução no desenvolvimento capitalista. A natureza do
trabalho do assistente social é marcada pela inserção e prestação de serviços sócioassistenciais nas instituições públicas e privadas tendo como bojo de trabalho as
expressões da questão social vivenciadas pelos sujeitos sociais no trabalho, na família, na
assistência social.
O Serviço Social no Brasil afirma-se como profissão, estreitamente integrado ao
setor público em especial, diante da progressiva ampliação do controle e do
âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil. Vincula-se, também, a
organizações patronais privadas, de caráter empresarial, dedicadas às
atividades produtivas propriamente ditas e à prestação de serviços sociais a
população. A profissão se consolida, então, como parte integrante do aparato
estatal e de empresas privadas, e o profissional, como um assalariado das
mesmas. (CARVALHO, IAMAMOTO, 2011, p.86)
Cabe ressaltar que o exercício da prática não é tão simples como parece, são
inúmeras as dificuldades que emergem da sociedade capitalista, que o assistente social se
depara no seu cotidiano profissional. Ao ser chamado a implementar e viabilizar os
direitos sociais aos cidadãos, vê-se impossibilitado de efetivar as suas ações de maneira
eficaz por depender inteiramente de recursos institucionais, condições de trabalho - que
estão cada vez mais escassas - para operar as políticas sociais. Condições dignas de
trabalho são o mínimo para a efetivação do trabalho profissional, pois assim, seria
possível oferecer um atendimento mais viável aos usuários, permitindo a criação de
vínculos de reconhecimento civil diante da problemática apresentada. Como conseguir
que os usuários acreditem na instituição se ela os submete a situações desconfortantes?
Como atender satisfatoriamente os problemas trazidos pelo usuário se a própria
instituição prestadora dos serviços solicitados não os trata com dignidade?
O entendimento da realidade para a efetivação da prática não foi e nunca será
uma tarefa fácil, pois a realidade é densa, heterogênea, complexa. A consolidação da
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Conjunto das desigualdades sociais e das lutas provenientes da lógica de organização
capitalista, onde a produção é cada vez mais social e o produto cada vez mais privado. Nas
palavras de Iamamoto, Carvalho (2011 p. 77), “A questão social não é senão as expressões do
processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político
da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado”.
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dimensão interventiva do assistente social depende de fatores sócio-históricos, políticos,
econômicos e culturais que são externos ao universo do Serviço Social. Como ressalta
Iamamoto (2011), é imprescindível para o Serviço Social reconhecer as determinações e
limitações históricas da realidade social para que não caia no equívoco de atribuir a
profissão um caráter “fatalista” e “messiânico”.
A sistematização da prática profissional dos assistentes sociais engloba todo o
processo de organização do arsenal teórico metodológico e técnico instrumental que
demarcam a ação profissional. Ela constitui uma fase de extrema importância para as
elaborações e publicações teóricas do Serviço Social. Netto (1989), ao traçar um debate
sobre a significação da sistematização da prática para a profissão, destaca duas
alternativas de compreensão da mesma, tomando como base dois modos de entender o
Serviço Social.
Primeiro (...) como profissão cujo fundamento elementar é um espaço sócioocupacional circunscrito pela divisão social do trabalho própria da sociedade
burguesa consolidada e madura; segundo, como profissão cujo fundamento
elementar é um corpus teórico e metodológico particular e autônomo. Na
primeira alternativa, a sistematização (da prática) aparece como uma dupla
requisição: de uma parte, é a condição para otimizar a própria intervenção
prática, organizando e generalizando a experiência dos assistentes sociais e
cristalizando pautas de procedimento profissional, reconhecidas como tais e
transmissíveis via formação institucional; de outra, e fundamentalmente, é o
passo compulsório para a fundação profissional, viabilizando o “recorte” de um
“objeto” em função do qual a elaboração teórica desenvolveria o seu
movimento de constituição de um saber específico. (NETTO, 1989, p. 150).
Sistematizar o fazer profissional, é um componente de suma importância para o
trabalho do assistente social, pois o auxilia na identificação dos limites, desafios e
possibilidades das demandas sócio-institucionais que lhe são colocadas a partir da
dinâmica do ser social. É uma espécie de recurso que permite efetivar a compreensão das
relações sociais e do movimento da realidade, além de possibilitar a consolidação de
alternativas profissionais.
Sistematização da prática não significa, portanto, apenas a elaboração de dados e
informações burocráticas, e muito menos uma perspectiva redentorista do trabalho
profissional, mas é um processo que contribui ativamente para a construção de uma
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reflexão e postura crítica-investigativa diante da materialização das respostas
institucionais e das políticas sociais.
As competências ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo de
domínio do assistente social possibilitam a concretização das finalidades profissionais,
utilizando os instrumentos e técnicas necessários para o processo de intervenção
profissional. Entretanto, o assistente social não deve ser apenas um profissional apto a
lidar com os instrumentos de trabalho, até porque o objetivo a ser alcançado é muito
mais importante do que a instrumentalidade. Sua prática não está fundamentada em
manuais de instruções repetitivos e mecânicos, mas na capacidade criativa e sólida de
desempenhar as atribuições privativas estabelecidas pela Lei 8662/93 que regulamenta a
profissão.
(...) as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente
transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais
apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las
transformando-as em projetos e frentes de trabalho. (IAMAMOTO, 2011, p.21)
Em suma, é justamente a formação qualificada nas suas dimensões teórica, ética e
técnica que permite o diálogo do assistente social com as demandas que lhe são
colocadas, e também com outros profissionais, deixando de exercer apenas o papel de
executor terminal de políticas públicas, além de permitir um distanciamento para
identificar precisamente o que se encontra em causa.
Quando o profissional simplesmente segue o ritmo de deixar as coisas ao “léu”
não consegue garantir o fazer na íntegra, por isso, a necessidade de executar as ações
vinculadas a uma reflexão teórica, pois a sistematização da prática do assistente social
precisa de uma teoria, no caso marxista que norteie os seus caminhos. Essa questão
adentra umas das discussões que se encontram em debate no Serviço Social: a
necessidade de articulação da prática com a teoria.
3- A dicotomia teoria/prática uma falácia na profissão de Serviço Social
Para a compreensão da cisão entre teoria e prática no âmbito do Serviço Social é
necessário esclarecermos o que vem a ser teoria e prática nessa dicotomia. A teoria como
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um conjunto de conhecimentos, procedimentos, instrumentos, que propõe a explicação
da realidade social, além de oferecer as possíveis respostas para suas questões. E a
prática como o meio pelo qual se concretiza a intervenção e ação na realidade
apresentada. (GUERRA, 2011)
Infelizmente tendo como pano de fundo a precarização, a mercantilização do
ensino superior e as exigências do mercado, a tendência que vem marcando o exercício
profissional de muitos assistentes sociais é o de considerar a teoria como algo inútil,
desnecessário, débil para a materialização das ações interventivas. Interligada a
concepção que a prática representa por si só tudo aquilo que o profissional necessita para
sistematizar a sua intervenção.
(...) na prática, o fazer profissional não é o fazer profissional que é transmitido
durante o processo de formação, para o qual requer o acionamento de recursos
teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos. (COELHO, 2011,
p.28)
Para muitos profissionais na prática a teoria é outra (...) “não no sentido de
reconhecer que uma outra lógica ou racionalidade esteja presente no espaço
sócio-ocupacional, mas porque o conhecimento válido é aquele que advém de
sua experiência como sujeito singular que anuncia a verdade de um objeto
singular. (COELHO, 2011, p.27)
Isso é totalmente incompatível, pois subestima que a teoria é fruto de
experiências práticas na área de atuação, caindo no velho equívoco de dizer que só se
aprende na prática. A teoria não nasce da prática, mas de uma intensa reflexão sobre ela.
Nesse sentido, a teoria no exercício profissional é descolada para segundo plano.
Não é de se estranhar que em uma sociedade marcada pela divisão de classes – de
uma lado a burguesia (capitalistas) que possui a propriedade privada dos meios de
produção e que materializa o processo produtivo por meio da exploração da massa
trabalhadora, e de outro o proletariado (trabalhadores) que dispõe apenas da força de
trabalho como meio de sobrevivência – que seja favorável para o próprio sistema
capitalista a separação entre teoria e prática. Para o capitalismo é importantíssimo que as
pesquisas investigativas se limitem a aparência, tendo assim, condições para dar
continuidade a seus processos de produção e acumulação. Essa cisão teoria/prática
potencializa a alienação e a reificação das relações sociais.
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O cotidiano profissional é permeado por inúmeras armadilhas, sendo que o
assistente social deve estar apto a identificá-las. Por isso, que o profissional deve tomar
posse de um conhecimento intelectual e teórico que viabilize uma postura criativa, crítica,
questionadora para execução de suas atividades interventivas. Pois o conhecimento é
uma alavanca poderosa para aqueles que estudam ou atuam na realidade, pois oferece as
bases para propostas de mudança e transformação. O trabalho profissional muitas vezes,
é marcado por distorções influenciadas pela leitura vaga da realidade e a falta de um
debate e racionalidade crítica para nortear as respostas profissionais.
O assistente social assim como qualquer outro trabalhador humano para
concretizar o seu trabalho precisa prefigurar a sua finalidade, sendo necessário à
utilização de instrumentos teórico-metodológicos, por isso, que pensar na separação da
teoria aprendida durante a formação profissional na prática do exercício profissional é
inaceitável. Este profissional ao se deparar com a realidade trazida pelo usuário, deve
automaticamente fazer uma reflexão que o usuário que se encontra em atendimento é
fruto da miserabilidade e coisificação das relações sociais que regem a sociedade
capitalista.
Diante da realidade complexa marcada por diversas expressões da questão social,
da atuação do Estado neoliberal7 por meio de suas políticas sociais minimalistas e
assistencialistas, a prática não consegue produzir nela mesmo um saber teórico. Existe
uma real e efetiva sintonia entre a teoria e a prática, por isso, que a dicotomia
teoria/prática pregada e vivida por profissionais do Serviço Social é literalmente uma
falácia, que se fundamenta em uma ideia fragmentada e sem sustentabilidade. Ao discutir
sobre esse tema nos deparamos com algumas inquietações, tais como: qual o motivo que
conduz a negação da teoria na prática profissional? Qual a importância da teoria na
sistematização da prática do assistente social? Porque a necessidade de fundamentar a
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Pode ser considerado como Estado mínimo que tem a tendência de diminuir os gastos sociais e
desestruturar os movimentos organizativos dos trabalhadores. Confluindo sempre rumo aos
interesses do grande capital.
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prática a partir de um arcabouço teórico metodológico? Quais as consequências que esse
faço dilema implica para a profissão de Serviço Social?
4- As implicações e consequências da falácia na prática a teoria é outra no
exercício profissional do Assistente Social
A suposição do jargão na prática a teoria é outra como estamos apresentando não
passa de um falso dilema. Não existe separação entre prática e teoria. A teoria perde a
sua razão de existência se não tiver uma prática interventiva que proporcione uma ação
transformadora. Do mesmo modo, a intervenção não tem como se efetivar sem um
embasamento teórico.
O entendimento dessa relação entre a teoria e a prática, que inclusive é
indissociável no Serviço Social, é muito importante. Porém, o que vem se concretizando
em diversas situações profissionais são perspectivas postuladas em um viés totalmente
diferente. São muitos os desafios e as dificuldades que aparecem para os assistentes
sociais no exercício profissional, e isso nós não podemos negar. O problema é que muitos
destes profissionais esvaziam a práxis profissional por não articulá-la ao conhecimento
teórico, que no caso do Serviço social é o método crítico dialético, pois oferece uma
análise da realidade na sua totalidade, criando assim, as bases necessárias para uma
possível transformação.
A complexidade faz com que muitos achem que a realidade apresentada pelo
usuário é totalmente desconexa do que foi visto no campo da formação. E isso é
gravíssimo, pois cabe ao profissional que teve um período relativamente considerável de
formação fazer uma reflexão e perceber que todo o conhecimento teórico adquirido se
concretiza no momento em que se atende a população usuária.
Essa dicotomia teoria/prática atribui consequências extremamente negativas para
profissão. Um profissional que acredita que a sua prática é suficiente para a efetivação
das suas intervenções no que está sendo apresentado, contribui para o tratamento
pulverizado e naturalizado das expressões da questão social. Além de oferecer resultados
frágeis e insuficientes no atendimento aos usuários. Entretanto, ele também não pode
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cair no erro de pensar que a teoria, é um manual que oferece todas as medidas que
proporcionam a solução dos problemas sociais advindo da ordem capitalista. Todas essas
implicações colocam em xeque a discussão no interior da categoria de encontrar
alternativas que possibilitem a desmistificação desse falso dilema.
Diante da conjuntura que vem sendo apresentada que inclusive engloba os
desafios de vincular a teoria adquirida no período de formação na sistematização da
prática dos assistentes sociais, nos conduz a perceber a necessidade de um projeto de
formação consistente para os estudantes de Serviço Social. Como ressalta a Iamamoto
(2011), um projeto que esteja vinculado à defesa de uma sociedade para além do capital
e que possibilite os assistentes sociais aproximarem das classes subalternas e apostarem
ativamente nas lutas sociais.
Formar profissionais qualificados, com relevante gabarito político, ético,
metodológico e interventivo, significa apontar-lhes caminhos e ensinar-lhes a
aprender, pela convivência permanente com a teoria, a história, a pesquisa e o
cotidiano das práticas (...) (IAMAMOTO, 2011, p.252)
Essa ideia apresentada pela autora chama atenção para o fato de que o projetoético político defendido pela categoria que é uma construção permanente e cotidiana das
entidades representativas e dos assistentes sociais em torno de uma perspectiva ética,
teórica e política, se encontra entrelaçado com uma luta por um projeto societário
anticapitalista.
Tendo como bojo o referencial teórico marxista e a obra marxiana a análise
presente neste trabalho se baseia em um levantamento bibliográfico a cerca das
publicações referentes ao tema. O que nos permitiu contextualizá-lo a partir dos dados e
informações, alcançando assim, uma compreensão efetiva sobre as dimensões que
englobam a teoria e a prática no Serviço Social. Adotamos textos de pesquisadores que se
dedicam há muito tempo a essa discussão como a Guerra (2011), e a Santos (2006), entre
outros que de maneira precisa também contribui para o debate.
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5- Considerações Finais
A relação entre teoria e prática é marcada por um movimento de vai e vem. Na
ótica marxista elas são duas unidades de contrário que apesar de possuírem autonomia,
se completam, se questionam, se superam.
A discussão exposta neste artigo configura uma análise da problemática que
envolve um dos mais conhecidos dilemas do Serviço Social: na prática a teoria é outra?
Claro que a discussão é ampla e não tem como retratá-la toda aqui. O nosso objetivo foi
apresentar de forma bem sucinta algumas ideais que perpassam os desafios e
dificuldades dos profissionais de utilizarem a teoria no cotidiano de sua prática.
Esperamos ter conseguido mostrar a significação da teoria e da prática e
consequentemente a relação existente entre ambas em uma profissão interventiva como
o Serviço Social.
Os desafios postos a profissão são muitos. O contexto atual de crise liderada pelo
neoliberalismo implica tempos de barbárie e injustiça social. Assim, torna-se
extremamente necessário que os assistentes sociais se engajem na luta guiada pelo
projeto ético-político de defesa e comprometimento com as necessidades das classes
subalternas, fortalecendo o projeto de sociedade contra-hegemônico.
O caminho de superação da dicotomia teoria/prática certamente se dará por meio
de uma relação intrínseca entre as Universidades, docentes, profissionais, supervisores de
estágios, estudantes, organizações representativas da profissão, espaços sócioocupacionais, reconhecendo e defendendo a necessidade de articulação da teoria com a
prática no Serviço Social, para que a profissão venha oferecer uma intervenção de
qualidade e contribuir para a transformação da realidade. Com isso, poderemos sempre
reconstruir a história da nossa profissão em nosso país e possibilitar o aperfeiçoamento
da instrumentalidade utilizada pelos profissionais para que a sistematização da prática se
efetive trazendo respostas eficazes para a população usuária. Cabe ressaltar, que tais
inquietações não se encerram por aqui, pois, sabemos que muitas são as discussões
acerca desta temática, uma vez, que compreendemos a importância de debates como
este para a nossa formação profissional, e posteriormente nossa prática.
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REFERÊNCIAS
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esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 34. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
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COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre cidadania e modernidade. Revista Praia
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GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação.
21. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
_________. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e
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LUSTOSA, Maria das Graças. MENEZES, Maria Thereza. Reflexões sobre o ensino da
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NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2005.
________. Ditadura e serviço social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 7.
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SANTOS, Cláudia Mônica dos. Instrumentos e Técnicas: intenções e tensões na formação
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________. Os instrumento e técnicas: mitos e dilemas na formação profissional do
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janeiro, 2006.
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