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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Fabiana Tavares dos Santos Silva
EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS BARREIRAS
ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE)
RECIFE
2012
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Fabiana Tavares dos Santos Silva
EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS BARREIRAS
ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE)
Dissertação apresentada à Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE, para obtenção do título de Mestre
em Educação, junto ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação. Linha de Pesquisa: Didática
de Conteúdos Específicos, Sub-área de Educação
Inclusiva.
Orientador: Prof. Dr. Francisco José de Lima
RECIFE
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460
S586e
Silva, Fabiana Tavares dos Santos.
Educação não inclusiva: a trajetória das barreiras atitudinais nas
dissertações de educação do programa de pós-graduação em educação
(PPGE/UFPE) / Fabiana Tavares dos Santos Silva. – Recife: O autor,
2012.
595 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Francisco José de Lima.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.
Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.
Inclui bibliografia, Apêndices e Anexos.
1. Educação inclusiva. 2. Educação especial. 3. Pessoa com
deficiência. 4. Barreira atitudinal. 5. UFPE - Pós-graduação. I. Lima,
Francisco José de. II. Título.
CDD 371.9 (22. ed.)
UFPE (CE2012-69)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS
BARREIRAS ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE
EDUCAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE)
COMISSÃO EXAMINADORA:
_____________________________________
Profº. Dr. Francisco José de Lima
1° Examinador /Presidente
_____________________________________
Profº. Dr. Paulo Ernesto Antonelli
2° Examinador
_____________________________________
Profª. Drª. Lícia de Souza Leão Maia
3ª Examinadora
_____________________________________
Profª. Drª. Tereza Luiza de França
4ª Examinadora
Recife, 25 de junho de 2012.
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DEDICATÓRIA
Dedico esta produção acadêmica a minha família e aos
meus amigos, por terem compartilhado sonhos e objetivos
formativos, por terem acreditado em meus passos, bem como
por acompanharem a minha evolução como pessoa humana,
como profissional, como cientista social; por terem confiado na
minha capacidade e, simplesmente, por sempre me amarem!
À todas as pessoas
(cons)ciência e amor,
que , num ato de coragem,
assumem suas vidas e a atitude de
conduzi-las, sob a filosofia da inclusão.
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho não é um trabalho solitário, aqui há muitas vozes e cada uma
delas, certamente, evoca muitas outras que possibilitaram reflexões, construção e
socialização de saberes, experiências vitais neste itinerário.
Agradecer , pois, aos interlocutores aqui nomeados ou ocultos, é abrir a porta
do reconhecimento de que a felicidade, os sonhos, o alcance de objetivos só é
possível porque os tenho por perto. Então, primeiramente agradeço a Deus e aos
anjos guardiões. A Ele por me conceder o dom da vida e a oportunidade de
conviver com todos os interlocutores deste percurso existencial e de formação
científica. Aos amigos invisíveis pela energia tonificadora do bem, da humanização,
do progresso e da ciência.
Agradeço também a vocês, Elizabete e Cid, meus pais, razão primeira da
minha existência; a João, meu grande companheiro; a Tiaguinho, motivo da minha
alegria, dos meus sonhos; a Cinthia e a Josinaldo, meus queridos irmãos, agradeço
pela paciência, pela compreensão, por participarem das minhas angústias,
expectativas, tristezas e confianças; desânimos e esperanças , enfim por todos os
momentos
em que vocês estiveram ao meu lado incondicionalmente nesta
trajetória. Obrigada pelo amor!
À Carmem Regina, Nega, minha prima querida, com quem venho traçando
tantos caminhos alternativos para a comunicação.
À extensão da minha família, meus amigos: Dodó, Ana Deborah, Hugo, Malu,
Gil, Vivi, Dalva, Graci, Mariano, Leila, Liliana, Andreza, Anderson, Lauricéia, Lívia,
Ednea, Cynthia, Zezinha, Clarissa, Jenisson, Giovana Casé, Carlisson, Guga,
Ricardo, Aleide, Fernanda, Fátima Soares, Arlete e Samuel obrigada por
compartilhar os momentos de crescimento, de riso e de dor.
À Ana Rosa Aroucha, pessoa linda, inclusivista, grande incentivadora deste
percurso
formativo, agradeço por suas palavras e ações de apoio constantes,
muitas das quais me levaram a descobrir competências que eu não reconhecia em
mim.
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À amiga Cleide Maior , agradeço pelas lições de vida e o amor fraterno que
me dedicou nos momentos difíceis do adolescer ao tempo de agora.
À Alexsandra Karla, minha irmã, meu orgulho, por ter lido com tanta atenção
estes escritos e discutido aspectos linguísticos e da ordem do Direito.
À Sheila pelo companheirismo, carinho, incentivo, por todas as aulas de
inglês, pela revisão dos textos que escrevi em língua estrangeira. Agradeço também
ao professor, tradutor e amigo Severino Assis pela
revisão do abstract deste
trabalho.
À Giovanna Vera Cruz e a Emmanuel Davisson por sempre acreditarem e
compartilharem dos meus sonhos em fazer da escola um espaço de vida e em
fazer das nossas vidas uma grande escola.
À Serafim, Betânea e Morgana que, estando à frente de várias ações da
GRE Mata Centro,
sempre
trouxeram alternativas laborais as quais fizeram
possível o meu percurso formativo.
À Fátima Amorim por estar presente neste itinerário, fornecendo com amor e
agudez
no olhar, as perguntas certas, as informações precisas, nos momentos
exatos em que eu me emaranhei nesta pesquisa.
Ao Dr° Alcides Cardoso, Drª Monique de Assis, Drª Ediclayne, Drº Alvaro
Badaró e a Patrícia Mendes por
me ajudarem a cuidar do corpo
físico e a
compreender que ele também precisa de um tempo de atenção e cuidado.
Aos amigos do Centro de Estudos Inclusivos: Patrícia Pordeus, Roberto,
Paulo, Ernani, Rosângela Gera e Fábio Adiron pela
oportunidade de,
presencialmente ou à distância, estudarmos juntos, ampliarmos o campo de
compreensão acerca da inclusão.
Aos colegas da turma de mestrado 28 A que contribuíram com questões que
levaram ao desenvolvimento de muitos dos conceitos que estão expressos nesta
dissertação. Em especial agradeço a Jeysa, Fabiana, Márcia, Cinthia, Elaine e a
Edla pelas tantas perguntas formuladas sobre o objeto desta pesquisa.
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À Roseane, Rosana, Marizete, Helena, Analice e Sandra por compreenderem
a minha ausência nas muitas atividades sistematizadas no curso de Pedagogia da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (Ead- UFRPE), o que se deu ora em
função das minhas limitações físicas, ora em função das atividades formativas.
Aos meus alunos da Escola Estadual Cardeal Roncalli, das Faculdades
Integradas da Vitória de Santo Antão, da Universidade Federal Rural de
Pernambuco e da Faculdade Joaquim Nabuco, pela troca de conhecimentos em
nossos encontros, pela compreensão nos momentos em que precisei me ausentar,
pelas tantas perguntas que me fazem repensar o conceito e a prática da inclusão.
Aos meus alunos da sala de leitura da Escola Recanto Infantil ( Vitória de
Santo Antão), aos professores, a Eliane Mércia e a Ana Siqueira pelo apoio, por
compreender as tantas vezes em que coloquei a minha formação em primeiro
plano e me ausentei das atividades docentes.
Aos alunos das Classes de Projetos Especiais ( Escola Recanto Infantil/
Recife – PE) por terem despertado em mim o desejo de buscar
qualificação
profissional, conhecimentos para oferecer a eles um trabalho de qualidade
equiparado às experiências formativas disponibilizadas a toda a turma. À Adriana,
Inês Pires, Ingdore Elke, Saulo, Fátima Moraes e a todos os que
buscam
compreender como ensinar a toda a turma.
À Adenio e a
equipe da ADN
Consultoria Pedagógica pela parceria,
incentivo, amizade e por difundir, em situações formativas de professores, a ideia
de que continuamente aprendemos a ser professores inclusivos.
À escritora Helena Parente Cunha e a professora Maria Goretti , ambas da
Universidade Estadual da Paraíba, pela atenção dispensada, pelo incentivo e pela
sensibilidade com que me acolheram.
À Gilberlande Pereira, Jonas Cabral,
Jaqueline Barbosa, Renata Jatobá,
Simone Lindolfo, José Ricardo por acreditarem em meus projetos, pelo incentivo
para que minha atuação, nos cursos de licenciatura, bacharelado e/ou nos cursos
de
especialização
das
FAINTVISA,
fosse
constantemente
cumplicidade, ciência, humanização e construção conjunta.
marcada
pela
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À Romeu Kazumi Sassaki pela atenção, pelos
textos partilhados, pelas
contribuições na leitura atenta dos termos definicionais desta pesquisa, por mostrar
com o exemplo de vida como se dá a prática da inclusão.
Em especial, agradeço ao professor Francisco Lima por ter me acolhido como
orientanda e por não ter medido esforços para me apoiar em todos os momentos
deste percurso. Sou grata pela leitura atenta do trabalho, pelas contribuições,
questionamentos, disponibilidade, generosidade, parceria, incentivo e pela confiança
imensurável. Desse tempo compartilhado, guardarei com carinho nossa interlocução
constante, a amizade, bem como a relação de confiança que construímos nesses
anos. Obrigada, professor, por compartilhar a crença de que a Inclusão/a Educação
se faz por mim, por você, por cada pai, mãe, criança, jovem, adulto, por cada ator
socioeducacional, enfim, por todos nós, para todos nós.
Agradeço também à coordenação do PPGE/UFPE e aos professores
Alice
Botler, Artur Moraes, Katia Melo, Flávio Brayner, Daniel Rodrigues, sempre
atencioso e companheiro, e a professora Maria Lúcia, a quem sou grata pelo
carinho e destaco o empenho em compreender o conceito e a prática da inclusão.
Aos funcionários do PPGE, em especial, a Rebeca, a Shirley e a Morgana,
por contribuírem fornecendo a matéria-prima para muitas das reflexões aqui
socializadas. E a minha amiga Janeide, bibliotecária do CE/UFPE, por ter, num ato
terno, me ajudado a fazer o levantamento e as cópias dos trabalhos analisados
nesta dissertação.
Às professoras Tícia Ferro (UFPE) e Lúcia Martins (UFRN) pelas leituras
sugeridas, pelas contribuições fornecidas na qualificação do projeto desta pesquisa.
Aos professores Paulo Antonelli (UFOP), Lícia Maia ( UFPE) e Tereza França
(UFPE) pela leitura atenta, reflexiva, colaborativa deste trabalho socializada na
etapa da defesa da dissertação.
Enfim, obrigada a todos os que contribuíram para que a discusão, o estudo, a
vivência da inclusão fosse, aos poucos, se tornando consequência do caminho que
escolhi. Nesse trajeto vejo a transformação que iniciei há muito, mas que, de modo
especial, compartilho no itinerário deste trabalho.
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The Road Not Taken
TWO roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
Robert Frost (1920)
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Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura,
Mas a experiência, a que me induziram,
alternadamente,séries de raciocínios e intuições.
Tomou-me tempo, desânimos, esforços [dedicação,
muito estudo, interlocuções].
Dela me prezo,
sem vangloriar-me. (João Guimarães Rosa)
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RESUMO
TAVARES, Fabiana S.S. Educação Não Inclusiva: a trajetória das barreiras
atitudinais nas dissertações de educação do Programa de Pós-graduação em
Educação (PPGE/UFPE). 2012. 595f. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em
Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2012.
Historicamente a sociedade tem gerado, mantido e fortalecido barreiras atitudinais
contra as pessoas com deficiência. Esse processo se dá por meio de ações,
omissões e linguagens produzidos ao longo da história humana, resultando no
desrespeito ou impedimento aos direitos dessas pessoas, limitando-as ou
incapacitando-as para o exercício de direitos e deveres sociais. A universidade,
enquanto componente dessa sociedade, não está imune a esse processo, uma vez
que, por meio do discurso científico, reproduz/difunde barreiras sociais, as remove e
mesmo produz novas barreiras atitudinais. Nesta pesquisa se investiga como as
barreiras atitudinais aparecem no discurso das dissertações de mestrado sobre
educação especial defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), no período de 1978 a 2002;
bem como se discute o efeito das barreiras atitudinais no entendimento da
sociedade para com as pessoas com deficiência. A análise das barreiras atitudinais
existentes no discurso dissertativo é fundamentada na teoria da análise do discurso
de Pêcheux, bem como, na teoria da inclusão social/educacional e mais
especificamente no estudo sobre as barreiras atitudinais e sua taxonomia. A
metodologia empregada, no presente estudo de cunho qualitativo e documental, é a
da teoria do discurso. O procedimento de pesquisa utilizado inclui a construção de
categorias das barreiras atitudinais e a interrogação do discurso das dissertações,
em seus diferentes elementos: título/tema; análise de dados, referencial teórico,
considerações finais/conclusão e referências. Mapeia a produção e a difusão de
dissertações sobre educação especial no PPGE/UFPE (1978 a 2002). Lista um
conjunto de barreiras atitudinais existentes nessas dissertações. Revela como e
onde as barreiras atitudinais, presentes nos discursos científicos, são disseminadas,
atingem a pessoa com deficiência e influenciam a sociedade, em relação àquelas
pessoas.
Conclui que esse processo se dá (des)percebidamente, entre outros
aspectos, em função dos trabalhos não estarem situados em uma área ou linha de
pesquisa em que a inclusão seja a tônica. Mostra que o discurso científico
produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002) é, em alguns momentos, vanguardista em
relação à efetivação da educação inclusiva, mas que contundentemente se tornou
responsável pela tonificação de barreiras atitudinais que prejudicam a construção da
identidade social e individual da pessoa com deficiência: as barreiras atitudinais de
substantivação e de adjetivação com suas diferentes manifestações percebidas por
meio de designações como: fronteiriço, anormal moral, atrasado pedagógico etc.
utilizadas no discurso das dissertações e resultantes/estimuladoras da leitura
incapacitante que a sociedade imputa às pessoas com deficiência. Defende que a
pesquisa sobre as pesquisas em educação especial/educação inclusiva é um
percurso valoroso porque dele pode surgir as bases para a transformação que
contemple na prática da universidade o direito de todos a educação de qualidade.
Por fim, sugere que a universidade esteja mais atenta aos discursos que produz,
estimule a produção de pesquisas sobre educação inclusiva, promova, através da
Ciência e das práticas atitudinais, a conscientização necessária à inclusão.
Palavras-chaves: Pessoa com deficiência. Barreira atitudinal. Discurso. Dissertação
de mestrado.
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ABSTRACT
TAVARES, Fabiana S.S. Not-inclusive education: the trajectory of the attitudinal
barriers dissertations in education program of postgraduate education (PPGE /
UFPE). 2012. 595. Thesis (Master). Education Center. Federal University of
Pernambuco, Pernambuco, 2012.
Society has traditionally created, maintained and reinforced attitudinal barriers
against people with disability. This process occurs through actions, omissions and
through language, and causes people with disability to façade impairment or
incapacitation that is not related to their disabilities. That impedes them from profiting
from social rights. The university, as part of this society, is not immune to this process
of incapacitating those people, for by means of scientific discourses it reproduces /
disseminates social barriers. However, it can also remove them and even produce
new attitudinal barriers. This research has investigated how the attitudinal barriers
appear in the discourse of dissertations defended on special education in the
Graduate Program in Education of the Federal University of Pernambuco (PPGE /
UFPE) in the period 1978 to 2002, and discusses the effect of attitudinal barriers in
society’s way of thinking about people with disabilities. The analysis of the attitudinal
barriers was based upon the theory of speech analysis of Pecheux, as well as on the
study of the attitudinal barriers and their taxonomy. The methodology used in this
study was the qualitative and documentary research. The procedure used in this
study included the construction of categories of the attitudinal barriers and the
interrogation of the dissertation speech in its different elements: title / theme, data
analysis, theoretical reference, final considerations / conclusion and references.
Maps the production and dissemination of papers on special education in PPGE /
UFPE (1978-2002). A list of attitudinal barriers extracted from those dissertations
shows the understanding of the researches about people with disability. It also
reveals how and where attitudinal barriers, present in scientific speech, are
widespread, affecting people with disability and influence the society in relation to
those people. It concludes that the amount of attitudinal barriers found on the works
studied is due to the fact that those works were not advised by professors of the area
of inclusive education. Finally, it suggests that the university should be more attentive
to the discourse that it produces, and should stimulate the production of research on
inclusive education; promoting awareness through science necessary to the practice
of inclusion.
Keywords: People with disabilities. Attitudinal barrier. Speech. Master's thesis
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LISTA DE TERMOS DEFINICIONAIS
Para efeito da leitura deste trabalho, devem ser considerados os seguintes
termos definicionais:
AÇÃO: Ação é a manifestação de atitudes, é a atuação frente às pessoas com
deficiência.
ACESSIBILIDADE: “É o conjunto de medidas apropriadas para assegurar às
pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e à comunicação, inclusive aos
sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e
instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na
rural”. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 9º, §1; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08,
DECRETO nº 6.949/09).
ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL: “Significa as modificações e os ajustes necessários e
adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos
em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou
exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais.” (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS
DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 2º; BRASIL, DECRETO
LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
ATITUDE: A atitude é um processo inter e intrapessoal, o qual envolve três
dimensões: a cognição, a afetividade e o comportamento e é fortemente influenciado
por predisposições genéticas e elementos fenotípicos oriundos dos discursos
construídos, disponíveis ou nutridos pela sociedade. (PEREIRA, 2002)
AUTONOMIA: “É a condição de domínio no ambiente físico e social, preservando ao
máximo a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce”. (SASSAKI, 2006, p.
35).
BARREIRAS ATITUDINAIS: As barreiras atitudinais são barreiras sociais geradas,
mantidas, fortalecidas por meio de ações, omissões e linguagem produzidos ao
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longo da história humana, num processo tridimensional o qual envolve cognições,
afetos e ações contra a pessoa com deficiência ou quaisquer grupos em situação de
vulnerabilidade, resultando no desrespeito ou impedimento aos direitos dessas
pessoas, limitando-as ou incapacitando-as para o exercício de direitos e deveres
sociais: são abstratas para quem as produz e concretas para quem sofre seus
efeitos. (LIMA; TAVARES, 2007).
COMPONENTE COGNITIVO DA BARREIRA ATITUDINAL: O plano cognitivo de
uma barreira atitudinal está relacionado a alguma representação cognitiva negativa
de uma pessoa ou grupo de pessoas com deficiência. Tal representação pode
estear-se em crenças/ em um ou mais modelos estereotipados de compreensão da
deficiência e da pessoa que a possui. Esses modelos são produzidos através de
sistemas simbólicos, fabricados no discurso, por meio da marcação, valoração ou
desprestígio das diferenças constitutivas da pessoa humana.
COMPONENTE AFETIVO DA BARREIRA ATITUDINAL: A vertente afetiva da
barreira atitudinal está estritamente relacionada à cognição e corresponde ao
segmento emocional presente nos obstáculos sociais, ou seja, a sentimentos
instigados pela leitura que se faz da existência, das potencialidades e da presença
real ou fictícia de indivíduos com deficiência.
COMPONENTE SOCIAL DA BARREIRA ATITUDINAL: A dimensão social ou
comportamental da barreira atitudinal combina as cognições e os afetos que se
edificam em torno da leitura racional e emocional que a sociedade dispõe sobre as
pessoas com deficiência. Esse componente da barreira social significa, pois, uma
tendência, uma predisposição a ação, uma intencionalidade do comportamento ou a
ação efetiva da prática discriminatória, deteriorante da efetivação dos direitos
humanos e sociais por pessoas com deficiência.
COMPORTAMENTO: Comportamento é a manifestação da atitude.
CONDUTA: Conduta é o modo como um comportamento é conduzido.
DEFICIÊNCIA: A deficiência é um conceito em evolução e “resulta da interação
entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que
impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade
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de oportunidades com as demais pessoas”. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS
DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Preâmbulo, letra ”e”;
BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
DESENHO UNIVERSAL: Significa a concepção de produtos, ambientes, programas
e serviços a serem usados, até onde for possível, por todas as pessoas, sem
necessidade de adaptação ou projeto específico. O desenho universal não excluirá
as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando
necessárias. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 2º; BRASIL,
DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08,
DECRETO nº 6.949/09).
DISCRIMINAÇÃO: A discriminação é um comportamento manifesto que reflete
modelos de interpretação equivocados em relação à existência e às potencialidades
da pessoa com deficiência e reflete afetos negativos a ela dispensados. O
comportamento discriminatório contra as pessoas com deficiência consiste em
“qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o
propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o gozo ou o
exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social,
cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive
a recusa de adaptação razoável”. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 2º; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO
nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
DISCURSO: O discurso é uma prática linguística posta em funcionamento por
interlocutores que produzem sentidos num contexto histórico-social. (PÊCHEUX,
1975; 1983).
DISCURSO CIENTÍFICO: O discurso científico é aquele que surge vinculado a
formações
discursivas
que
primam
pela
apresentação,
compreensão
e
desenvolvimento do conhecimento científico, ou seja, armazena informações,
enuncia postulados discutíveis e busca desenvolver e difundir o conhecimento
científico/acadêmico.
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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: As dissertações de
mestrado são textos
argumentativos contingenciados por uma necessidade científica/acadêmica. Nesta
pesquisa, são compreendidas como veículos do discurso científico, os quais
difundem conhecimentos históricos à respeito
das pessoas com deficiência,
apresentam, descrevem e/ou transformam experiências/vivências atuais dessas
pessoas
em
conhecimento
científico
e
constroem
novos
conhecimentos/entendimentos sobre essas pessoas e as questões
que as
envolvem.
DIREITOS SOCIAIS: Os direitos sociais são os que visam à garantia da igualdade
material. São direitos que têm a finalidade de, com sua concretização, permitir aos
indivíduos a possibilidade não somente de subsistência, mas de inserção plena na
vida em sociedade. (GALINDO, 2009, p. 21). “São direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, na
forma da Constituição Brasileira.” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, Cf. EC n°
64, de 2010).
EDUCAÇÃO ESPECIAL: Educação que surgiu em instituições especializadas e
depois foi sustentada em salas especiais de escolas regulares em que se
mantinham/se mantêm as crianças com deficiência apartando-as de seus pares sem
deficiência. Essa educação em espaços “especiais”/segregados foi/é praticada em
função da manutenção de barreiras atitudinais, ou seja, entre outros aspectos, da
maléfica redução das potencialidades dos alunos com deficiência às supostas
limitações trazidas pela deficiência.
EDUCAÇÃO
INCLUSIVA:
A
Educação
contingenciada
pelo
respeito
às
idiossincrasias de todos os membros da escola, pela celebração das diferenças,
pela igualdade e equidade de oportunidades formativas, pela ótica de que a
formação é direito indisponível de todas as crianças e adolescentes, pelo contínuo
progresso esteado nas Ciências, na Lei, na Humanização e na Tecnologia para a
promoção da transformação de cada integrante da comunidade intra e extraescolar
com vistas à eliminação de barreiras atitudinais e a consequente manutenção da
transformação de uma sociedade acolhedora, respeitosa ao gênero humano.
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EMPODERAMENTO: “Processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas,
usa o seu poder pessoal inerente à sua condição – por exemplo: deficiência, gênero,
idade, cor – para fazer escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de
sua vida”. (SASSAKI, 2006, p.37).
ESTEREÓTIPOS: Estereótipos são generalizações rígidas construídas e mantidas
pela sociedade a respeito da deficiência e da pessoa com deficiência.
ESTIGMA: Estigma é processo metonímico social em que se faz referência a um
atributo depreciativo da pessoa em detrimento do todo.
EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES: “Significa o processo através do qual os
diversos sistemas da sociedade e do ambiente, tais como serviços, atividades,
informações e documentação, são tornados disponíveis para todos, particularmente
para pessoas com deficiência.” (ONU, NORMAS SOBRE A EQUIPARAÇÃO DE
OPORTUNIDADES PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 1996, §24).
EXCLUDÊNCIA: A excludência ou os mecanismos de excludência pode(podem) ser
compreendida(compreendidos) como maneira(s) teórica(s), abstrata(s), ostensiva(s),
real(reais), contundente(s) da manutenção de fatores pela sociedade/pela escola
para fazer valer a exclusão social/educacional das pessoas com deficiência ou de
quaisquer outros grupos em situação de vulnerabilidade que sejam, na impune
prática de
barreiras atitudinais, massificados, afastados, eliminados,
retirados,
desviados , impedidos de participar, postos de lado, não admitidos, omitidos,
expulsos, postos de fora, privados, rejeitados, orientados para uma trajetória que
os desvaloriza no interior de uma
hierarquia rígida construída num contexto
social/educacional o qual os aparta do todo considerado hígido e produtivo.
GENERALIZAÇÃO: Generalização é o processo em que se homogeneízam
pessoas, estereotipicizando-as, em razão de um atributo, como representantes de
um tipo de comportamento, competência ou modo de viver.
GENERICIDADE HUMANA: A genericidade humana ou o pertencimento ao gênero
humano é a concepção de que a ontogênese humana realiza-se, para além de sua
atividade biológica-vital, nas ações do indivíduo sobre o mundo e no mundo. Esse
conceito demarca a distinção entre espécie humana e gênero humano, atribuindo a
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segunda condição a aspectos de produção eminentemente social, a interação e a
tomada pelo homem de seu lugar na sociedade. (DUARTE, 1993).
IDENTIDADE: A identidade é construída continuamente através de práticas
sociodiscursivas, marcadas simbolicamente em relação a outras identidades (a
alteridade) e envolve dois processos que se retroalimentam: a construção da
identidade social (o que a sociedade ajuíza sobre o sujeito) e a construção da
identidade pessoal (o que o sujeito acha de si e o que realmente ele o é).
IGUALDADE DE CONDIÇÕES E OPORTUNIDADES: É o princípio segundo o qual
as pessoas com deficiência usufruem as mesmas condições e oportunidades com
as demais pessoas, ou seja, nos mesmos espaços comuns destinados a todos os
cidadãos. (ONU, NORMAS SOBRE A EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES
PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 1993; CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS
DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006). “A inserção nos serviços destinados ao
público geral é o processo pelo qual governos e outros agentes intervenientes
asseguram que pessoas com deficiência participem igualmente com outras pessoas
em qualquer atividade e serviço destinados ao público geral, tais como os serviços
sociais, de educação, de saúde e de emprego.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA, 2011, Capítulo 9,
Recomendação 1).
INCLUSÃO SOCIAL/EDUCACIONAL: A inclusão social/educacional é o processo
pelo qual, numa atitude cônscia, ética e desprovida de barreiras atitudinais, a
sociedade/a escola busca transformar-se continuamente para receber não apenas
as pessoas com deficiência, mas a todos os seus membros, valorizando-os por suas
competências e garantindo que essas sejam potencializadas através das
acessibilidades.
INCLUSIVISTA: “Algo ou alguém que defende a inclusão, fala sobre a inclusão,
escreve sobre inclusão. Exemplos de "algo": bandeira inclusivista, filme inclusivista,
livro inclusivista, campanha inclusivista, lei inclusivista, tese inclusivista etc.
Exemplos de "alguém": João é inclusivista, grupo de pessoas inclusivistas, professor
inclusivista, jovens inclusivistas, família inclusivista etc.” (SASSAKI, 2012).
18
INCLUSIVO/INCLUSIVA:
“Algo
ou
alguém
que
pratica
a
inclusão,
age
inclusivamente, tem procedimentos compatíveis com a filosofia da inclusão.
Exemplos de "algo": sistema educacional inclusivo, escola inclusiva, empresa
inclusiva,
metodologia
inclusiva, jogos
recreativos
inclusivos etc.
Exemplos de "alguém": Maria é inclusiva, família inclusiva, grupo de pessoas
inclusivas, amigos inclusivos etc. Algumas pessoas são inclusivistas e inclusivas
ao mesmo tempo, ou seja, lutam pelo paradigma da inclusão e simultaneamente
praticam os princípios da inclusão.” (SASSAKI, 2012).
INDEPENDÊNCIA: “É a faculdade de decidir sem depender de outras pessoas, tais
como: membros da família, profissionais especializados ou professores.” (SASSAKI,
2006, p.35)
INTEGRAÇÃO
SOCIAL/EDUCACIONAL:
O
processo
de
integração
social/educacional consiste na inserção das pessoas com deficiência em contextos
sociais/educacionais como resultado de um esforço unilateral dessas pessoas, ou
seja, da demonstração de que são capazes de viver na e com a sociedade, de
serem independentes e produtivas.
INTERAÇÃO: A interação é uma cena que envolve dois ou mais indivíduos os quais
exercem influência recíproca. (LAPLANE, 2000)
INTERATIVIDADE: A interatividade é o salto teórico e metodológico da interação,
situado no âmbito do ensino, e que é regulada de acordo com o conjunto de normas
e regras as quais determinam dizeres e fazeres na estrutura de participação que
preside a atividade conjunta de professor e alunos. (COLL, 2004).
MODELOS DE COMPREENSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: Os modelos de
interpretação sobre a existência e potencialidades das pessoas com deficiência são
teorias surgidas, ao largo da história, para explicar a existência da deficiência e
justificar os processos sociais decorrentes da manutenção de tais explicações que
vão desde o entendimento de que a deficiência é um modo de a pessoa purgar suas
falhas à interpretação mais atual que, sob a égide da inclusão, defende que a
deficiência é uma característica da pessoa humana.
19
PESSOA COM DEFICIÊNCIA: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (ONU,
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006;
BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
PESSOA HUMANA: O termo pessoa humana é utilizado para conferir o atributo de
pessoa a indivíduos que antes tinham socialmente negado o pertencimento ao
gênero humano. (LIMA, 2006).
PRECONCEITO: O preconceito é uma atitude negativa cujo poder e força advém do
conjunto de ideias genéricas, pré-estabelecidas e mantidas na e pela sociedade, na
dimensão dos afetos, contra a pessoa com deficiência.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: As Representações Sociais surgem no cotidiano e
estão ligadas ao senso comum. Elas são sistemas de valores, crenças e práticas
que se cristalizam em discursos, gestos e interações para cumprir a função de
prescrever ou de tornar os eventos sociais e/ou a realidade em si convencional e
compreensível. (MOSCOVICI, 1978; 2003).
As representações sociais podem
sustentar as contribuições do senso comum na manutenção das barreiras
atitudinais, fazem isso quando estão esteadas em consensos negativos em relação
às pessoas com deficiência e assumem a função de incitar e orientar atitudes frente
a essas pessoas.
TIPIFICAÇÃO: O processo de tipificação é constituído por esquemas em que as
pessoas estabelecem a relação eu versus outros, e nessa construção perceptiva são
instituídas as interações sociais, as atitudes e os comportamentos.
20
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Mapa 1 - A difusão do trabalho: “Educação para Todos: a prática e o
discurso”.........................................................................................................
445
Mapa 2- A difusão do trabalho: “Aluno portador de deficiência: problema
médico-pedagógico ou conquista da cidadania? A Educação especial em
Pernambuco” ................................................................................................
448
Mapa 3- A difusão do trabalho: “Ser diferente numa sociedade
massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de
deficiência”....................................................................................................
449
Mapa 4- A difusão do trabalho: “Expressões e silêncios dos discursos
cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico-discursiva do
Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991”.........................................
450
Mapa 5- A difusão do trabalho: “Quando as (in)certezas e as esperanças
se (des)encontram: um estudo das representações
professores
sobre
educação
especial
na
rede
sociais dos
estadual
de
ensino”..........................................................................................................
452
21
LISTA DE QUADROS
QUADRO I- Temáticas abordadas nas dissertações produzidas no
período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE..................................................
347
QUADRO II- Os autores mais lidos nas dissertações sobre educação
especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE..........
359
QUADRO III - As obras mais referenciadas nas dissertações sobre
educação especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no
PPGE/UFPE..............................................................................................
362
QUADRO IV – Nomenclaturas utilizadas nas dissertações para fazer
referência à pessoa com deficiência........................................................
369
QUADRO V– Taxonomia das barreiras atitudinais .................................
421
QUADRO VI- Sumarização da trajetória das barreiras atitudinais nas
dissertações de mestrado do PPGE/UFPE..............................................
433
22
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO I: Dissertações sobre temas diversos
versus Dissertações
sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE (1978 a 2011)........
343
GRÁFICO II- Percentual de estudiosos da inclusão presentes no
referencial teórico das dissertações............................................................
363
23
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABPEE -Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial
AE- Aluno excepcional
APAE- Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCSA/UFPE - Centro de Ciências Sociais Aplicadas/ Universidade Federal de
Pernambuco
CDPD- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
CE- Centro de Educação
CEI- Centro de Estudos Inclusivos
CENESP- Centro Nacional de Educação Especial
CNE- Conselho Nacional de Educação
CPE- Classes de Projetos Especiais
DIPE - Divisão de Programas Escolares
DRE- Diretoria Regional de Ensino
EAD- Educação à Distância
E.E.- Educação Especial
ECLAE – Encontro de Ciências da Linguagem
FAINTVISA - Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão
GRE Mata Centro – Gerência Regional de Educação da Mata Centro
IES- Instituição de Ensino Superior
24
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação e Cultura
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONU- Organização das Nações Unidas
P.E.E - Plano Estadual de Educação
PIC - Programa de Iniciação Científica
PPGE- Programa de Pós-graduação em Educação
PPGEEs – Programa de Pós-gradação em Educação Especial
PPGs - Programas de Pós-graduação
PUC-RS- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RBTV- Revista Brasileira de Tradução Visual
SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEESP – Secretaria de Educação Especial
SENAC- Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
TA- Tecnologia Assistiva
TDH- Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade
TIC- Tecnologias de Informação e Comunicação
UEPB - Universidade Estadual da Paraíba
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UFJF- Universidade Federal de Juiz de Fora
UFPE- Universidade Federal de Pernambuco
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
25
UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFRPE- Universidade Federal Rural de Pernambuco
UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina
UFSCar- Universidade Federal de São Carlos
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura
UNESP- Universidade Estadual Paulista
UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas
UPE - Universidade de Pernambuco
USP- Universidade de São Paulo
26
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE TERMOS DEFINICIONAIS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE QUADROS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
PROÊMIO- Apontamentos e memórias: quando a história individual
se entretece com a coletiva e motiva o estudo sobre as barreiras
atitudinais..................................................................................................
33
INTRODUÇÃO - O verbo tece as barreiras atitudinais .........................
89
Justificativa ................................................................................................
95
Objetivos.....................................................................................................
98
Organização do trabalho............................................................................
99
CAPÍTULO 1: BARREIRA ATITUDINAL: gênese, conceituação e
taxonomia.................................................................................................
101
1- Atitudes diante das pessoas com deficiência: construindo a taxonomia
108
1.1-
Componente cognitivo das atitudes...............................................
110
1.2-
Componente afetivo das atitudes...................................................
111
1.3-
Componente comportamental das atitudes....................................
113
1.4-
Preconceito.....................................................................................
118
27
1.5-
Discriminação................................................................................
119
1.6-
Taxonomia das barreiras atitudinais...............................................
122
1.6.1- Barreira Atitudinal de Substantivação..............................................
123
1.6.2 – Barreira Atitudinal de Adjetivação ou de Rotulação......................
125
1.6.3- Barreira Atitudinal de Propagação...................................................
126
1.6.4- Barreira Atitudinal de Estereótipos...................................................
127
1.6.5 – Barreira Atitudinal de Generalização.............................................
128
1.6.6- Barreira Atitudinal de Padronização.................................................
129
1.6.7- Barreira Atitudinal de Particularização.............................................
130
1.6.8- Barreira Atitudinal de Rejeição........................................................
131
1.6.9- Barreira Atitudinal de Negação........................................................
132
1.6.10- Barreira Atitudinal de Ignorância...................................................
133
1.6.11- Barreira Atitudinal de Medo............................................................
134
1.6.12- Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa ou de Subestimação.....
134
1.6.13- Barreira Atitudinal de Inferiorização da deficiência.......................
135
1.6.14- Barreira Atitudinal de Menos Valia................................................
136
1.6.15 - Barreira Atitudinal de Adoração do Herói ou de Superestimação.
136
1.6.16- Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo...................................
138
1.6.17- Barreira Atitudinal de Compensação.............................................
138
1.6.18 – Barreira Atitudinal de Dó ou de Pena..........................................
139
1.6.19- Barreira Atitudinal de Superproteção ...........................................
139
CAPÍTULO 2: A eliminação das barreiras atitudinais: contribuições
do discurso da legislação......................................................................
141
2.1- A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do
marco legal: análise de documentos internacionais.................................
143
28
2.1.1- Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) ............
145
2.1.2- Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF - 20 de
novembro de 1959)....................................................................................
146
2.1.3 - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do
Ensino (UNESCO, 1960) .........................................................................
149
2.1.4- Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975)..............
150
2.1.5 - Declaração de Sundberg (UNESCO, 1981) ..................................
152
2.1.6 - Convenção dos Direitos das Crianças (ONU,1989) ....................
157
2.1.7 - Declaração Mundial sobre Educação para Todos ( ONU,1990).....
159
2.1.8- A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) ............................
163
2.1.9- Declaração de Washington (ONU, 1999) ...................................... .
166
2.1.10 - Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas
de discriminação contra os portadores de deficiência (1999) .................
168
2.1.11 - Declaração de Dakar (2000) ......................................................
169
2.1.12-- Declaração de Madri (2002) ......................................................
171
2.1.13- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(doravante CDPD) e seu Protocolo Facultativo (ONU, 2006)...................
174
2.2- A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do
marco legal: análise de documentos nacionais........................................
179
2.2.1- Lei nº 4024/61 ..............................................................................
181
2.2.2 - Lei nº 5.692 / 71.............................................................................
184
2.2.3- Constituição Federal (1988) ...........................................................
185
2.2.4- Lei 7853/89 ....................................................................................
186
2.2.5- Estatuto da Criança e do Adolescente (13 de julho de 1990) ........
187
2.2.6- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (20 de dezembro
de 1996)....................................................................................................
188
2.2.7 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica - CNE / CEB Nº 17/2001 ...............................................................
190
2.2.8-. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
daEducação Inclusiva (MEC/SEESP / Portaria nº948/2007)....................
29
192
2.2.9-. Decreto nº 186/2008 ....................................................................
194
CAPÍTULO 3: A pesquisa sobre Educação da pessoa com
deficiência: contextualizando a produção científica no PPGE/ UFPE.
197
3.1- A pesquisa sobre as pesquisas no contexto nacional .............................
201
3.2 - A pesquisa sobre Educação Especial/Educação Inclusiva no
Brasil..........................................................................................................
208
3.3- A pesquisa sobre as pesquisas no PPGE/UFPE...............................
212
3.4- A pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial/ Educação
Inclusiva no PPGE/UFPE..........................................................................
213
3.5- A pesquisa sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva no
PPGE/UFPE...............................................................................................
214
CAPÍTULO 4: Análise do discurso: um suporte para o estudo das
barreiras atitudinais ................................................................................
216
4.1- Análise do discurso: origem e filiações teóricas ...............................
217
4.2- Algumas conceituações basilares a análise do discurso ..................
220
4.2.1- Linguagem e língua ........................................................................
220
4.2.2- Discurso e texto..............................................................................
220
4.2.3- Formação discursiva.......................................................................
221
4.2.4- Condições de produção, interdiscurso e intertexto.........................
222
4.2.5- Sentido, silêncio, sujeito e ideologia ..............................................
223
4.3- Discurso, poder e constituição de identidade....................................
224
4.4- A análise do discurso como base para o estudo das barreiras
atitudinais e as barreiras atitudinais como ferramenta para a análise do
discurso.....................................................................................................
229
30
CAPÍTULO 5: Percurso metodológico ...................................................
234
5.1- Caracterização da Pesquisa .............................................................
237
5.1.1- Caracterização da pesquisa quanto à natureza das fontes
utilizadas ..................................................................................................
237
5.1.2- Caracterização da pesquisa quanto aos objetivos.........................
238
5.2- Corpus discursivo ............................................................................
239
5.3- Técnicas de Coleta de dados ...........................................................
239
5.3.1- Observação indireta .......................................................................
240
5.3.2- Análise documental ......................................................................
241
5.4- Procedimentos de análise dos dados ...............................................
243
CAPÍTULO 6: O itinerário das barreiras atitudinais: um registro nas
dissertações do PPGE/UFPE .................................................................
246
6.1- Educação Especial: objetivos, área de concentração e linhas de
pesquisa no PPGE/UFPE .........................................................................
327
6.1.1- Os objetivos do PPGE/UFPE: qual o lugar da pesquisa voltada à
educação para todos?..............................................................................
328
6.1.2- Área de concentração e linhas de pesquisa no PPGE/UFPE: qual
o lugar da pesquisa voltada a educação para todos? ...........................
331
6.2- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise dos temas e
dos títulos das pesquisas ........................................................................
345
6.3- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise do
referencial teórico utilizado de 1978 a 2002 ............................................
357
6.4- Designações utilizadas para fazer referência às pessoas com
deficiência: o que revelam as substantivações e adjetivações registradas
nas dissertações? ....................................................................................
367
31
CONSIDERAÇÕES FINAIS - A trajetória somos nós mesmos ............
417
REFERÊNCIAS ........................................................................................
462
APÊNDICE A –
CD contendo textos veiculados na internet, os quais estão presentes no
referencial teórico desta dissertação, e o trabalho em formato PDF .....
499
ANEXOS
A- Portfólio de reunião presencial do Centro de Estudos Inclusivos
em 02 de fevereiro de 2007.............................................................
500
B- Portfólio de reunião presencial do Centro de Estudos Inclusivos
em 08 de fevereiro de 2007............................................................
503
C- Mensagem do professor Francisco Lima ao Centro de Estudos
Inclusivos em 08 de fevereiro de 2012............................................
510
D- Entrevista com Gilberto Di Pierro (Giba), concedida a Revista
Pais & Filhos, em janeiro de 2007.................................................
515
E- Seleção de mestrado 2009 - Inscrições indeferidas / PPGEUFPE..............................................................................................
522
F- Fotografias da dissertação de mestrado de Freitas e Costa (1990)
523
G- Listagem
das
dissertações
defendidas
no
PPGE/UFPE
(1978-2011).....................................................................................
524
H- Declaração do PPGE informando os editais de mestrado
disponíveis para consulta................................................................
590
I- Resumo da dissertação “Educação para Todos: a prática e o
discurso” (BACELAR, 1988)...........................................................
591
32
J- Resumo da dissertação “Aluno portador de deficiência: problema
médico-pedagógico ou conquista da cidadania? - A Educação
especial em Pernambuco”. (ROSA,1990)......................................
K- Resumo
da
dissertação
“Ser
diferente
numa
592
sociedade
massificada – um estudo sobre a política de integração do
portador de deficiência” (NERY,1996)............................................
593
L- Resumo da dissertação “Expressões e silêncios dos discursos
cidadania-deficiência
mental.
Uma
abordagem
histórico-
discursiva do “Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991”
(MOREIRA,1997)............................................................................
594
M- Resumo da dissertação “Quando as (in)certezas e as esperanças
se (des)encontram: um estudo das representações sociais dos
professores sobre
educação especial na rede estadual de
ensino” (BAZANTE, 2002).............................................................
595
33
Proêmio
Apontamentos e memórias: quando a história
individual se entretece com a coletiva e
motiva o estudo sobre as barreiras atitudinais
“[...] E foi assim mesmo que Maria fez: de manhã
cedinho saía de arco e flor pra passear. Desembarcava no
andaime, pulava pro corredor comprido, às vezes abria uma
porta só, às vezes duas ou três, variava o jeito de acostumar.
E acostumou: o medo de abrir porta foi embora; até mesmo a
porta cinzenta, até a porta vermelha! Escancarava todas elas,
olhava cada canto, olhava tudo que tinha pra ver.
Até que um dia, quando Maria ia andando pelo corredor,
pensando “quem sabe no fim do ano eu arrumo de ir pra
Bahia”, de repente, parou de olho arregalado: ué!! Que porta
nova era aquela?
Era uma porta diferente de tamanho e de feitio, diferente
de pintura também: parecia que estavam experimentando a
cor: tinha uma porção de pinceladas, cada uma de uma tinta.
Maria abriu a porta bem de leve e bem devagar. Mas sem
medo. [...]” (BOJUNGA, L. Corda bamba. 2009, p. 140).
A nossa história individual é marcada por várias portas. Em algum momento
da minha vida comecei a abrir ética, fraterna e cientificamente a porta de entrada
para a construção da mentalidade inclusiva/inclusivista, para a prática de atitudes
positivas diante da diversidade humana e para o contexto e tema desta pesquisa.
Nestas páginas, cada pessoa que faz parte da minha história trouxe uma
pincelada à porta que redescubro a cada nuança descortinada da inclusão
social/educacional. Quando tive medo, nem sempre houve quem me mostrasse
como andar na corda bamba.
Este texto revela, pois, mais que o conteúdo a ser desvelado na abertura de
cada porta que me constitui, é um caminho de registro de memória que reflete como
esta pesquisa compõe a porta que estou por abrir: a da trajetória das barreiras
atitudinais no discurso das pesquisas efetivadas no Programa de Pós-Graduação
em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco.
34
Neste caminhar, considero valiosas as palavras de Severino (2007, p.245):
A história particular de cada um de nós se entretece numa história
mais envolvente da nossa coletividade. É assim que é importante
ressaltar as fontes e as marcas das influências sofridas, das trocas
realizadas com outras pessoas ou com as situações culturais.
Das palavras deste estudioso, traduzo que a experiência formativa e laboral
do pesquisador também reflete os altos e baixos da história da comunidade humana,
revela como nascem os nossos anseios laborais, nossa filosofia de vida, nossas
atitudes e as situações-problemas que nos movem em busca das respostas
científicas.
A contingência deste proêmio
Para este estudo, as dissertações de mestrado são compreendidas como
veículos do discurso científico, os quais difundem conhecimentos históricos à
respeito das pessoas com deficiência, apresentam, descrevem e/ou transformam
experiências/vivências atuais dessas pessoas em conhecimento científico e
constroem novos conhecimentos/entendimentos sobre essas pessoas e as questões
que as envolvem.
Nesse processo, os documentos dissertativos podem reproduzir/difundir
barreiras atitudinais, removê-las e mesmo produzir novas barreiras. Como as teses e
dissertações são, em si, os documentos que exprimem a construção de seus
autores e estes são os que formam e são formados pela academia, são também
produtores ou reprodutores dessas barreiras na medida em que são a ponte entre a
universidade e a sociedade. Portanto, são, ao mesmo tempo, construtores e
construídos por ambas.
A fim de mostrar que neste processo também os pesquisadores das barreiras
atitudinais estão envolvidos, que são formados e formandos daquele processo, no
texto a seguir apresento minha trajetória, também como uma ilustração de que a
universidade/ a sociedade que produz e reproduz barreiras atitudinais pode também
removê-las e construir em seus membros um promotor de uma sociedade menos
excludente e atenta para a remoção das barreiras atitudinais.
35
Assim a apresentação desta trajetória individual pretende mais do que ser um
memorial de minha motivação, ser um retrato coletivo dos diversos eus da e na
sociedade acadêmica ou não.
Em outras palavras, em função do próprio tema desta dissertação, apresento
aqui não apenas um currículo vitae narrativizado, na primeira pessoa do discurso,
consoante as diretrizes fornecidas por Passergi (2008), mas a minha trajetória
acadêmica sem, contudo, esmaecer o meu percurso existencial como um todo
indivisível. Para elaborar este texto, levei em conta as condições, as situações e as
contingências que envolveram o desenvolvimento dos meus trabalhos aqui
expostos, resgatei apontamentos de aulas, e-mails enviados ou recebidos em
ambiente formativo virtual, portfólios de reuniões presenciais em grupos de estudos,
das aulas no curso de mestrado etc. Enfim, objetivei socializar a trajetória formativa
que percorri antes e após ingressar no curso de pós-graduação do Centro de
Educação da Universidade Federal de Pernambuco.
No decorrer do texto, destaco os elementos correlacionados com o tema que
tenho desenvolvido nos meus estudos no curso de mestrado. Além de considerar
este espaço textual um trabalho autoavaliativo, acredito que ele será um instrumento
confessional das minhas possibilidades e satisfação em concretizar mais esta etapa
formativa.
A pesquisa não é neutra, isolada em si própria, mas é também resultada
daquilo que é o pesquisador, com seus olhares, sua ética, sua moral e seus desejos,
apresento-me como a pesquisadora cuja história pregressa sustenta , constrói e
direciona a minha leitura de mundo e, portanto, deste mundo que é a pesquisa. É
daqui que venho e é por aqui que vou.
Assim, socializo o percurso de construção de conceitos basilares da filosofia
da inclusão, a consequente mudança na minha prática pedagógica, a socialização
de saberes com professores em formação inicial e continuada.
Transcrevo
integralmente alguns e-mails, páginas de portfólios, cartas de intenção e registro de
diálogos que sinalizam como as contribuições do Centro de Estudos Inclusivos
(Doravante, CEI) foram relevantes no processo de constituição da pesquisadora, da
educadora que tenho buscado ser a cada nova experiência formativa/laboral, pois
36
foram nas reuniões do CEI, que solidifiquei o desejo de continuar os estudos acerca
da inclusão no curso de mestrado.
Inicio, portanto, trazendo alguns retratos da minha trajetória no início da
escolarização, das atividades formativas e laborais; prossigo, comentando o
processo de compreensão dos constructos teóricos da educação inclusiva e da
percepção/erradicação das barreiras atitudinais.
1- Retratos da minha biografia
Sou natural de Recife, capital de Pernambuco. Nasci nos anos 80. Sou a filha
mais velha do casal Elizabete Tavares e Cid da Silva. Em 1987, recebi o maior
presente que eles poderiam trazer-me: uma irmã, linda, morena, cabelos negros
como a noite, Cinthia. Dezenove anos depois, meus pais adotaram Josinaldo, é o
irmão que qualquer pessoa gostaria de ter.
Meu pai era operário e tinha uma árdua jornada de trabalho noturna. Durante
o dia, enquanto ele dormia, precisávamos permanecer em silêncio, escrevendo
palavras no ar. Minha mãe, muito jovem, parecia embalar as bonecas de porcelana.
Cinthia e eu iniciamos a vida estudantil em duas escolas: uma particular e uma
pública. Gostávamos dos espaços, apenas achávamos estranha a palmatória,
apesar de ela nunca ter nos maculado as mãos.
Veio uma fase mais tranquila, agora já na cidade de Vitória de Santo Antão.
Estudei durante sete anos na escola estadual Polivalente José Joaquim da Silva
Filho. Nesta escola, tínhamos uma avaliação bem meritocrática, com premiações
para os alunos que se destacavam.
Hoje, percebo o quanto aquela dinâmica formativa nutria barreiras atitudinais
de substantivação, de adjetivação, de baixa expectativa, de inferiorização e de
menos valia, pois muitos colegas sofriam os resultados da chancela da
incapacidade, estavam no processo e eram produto do fracasso escolar. Salas
lotadas e filas crescentes de alunos negros ou com deficiência ou residentes na
zona rural e falantes de variações desprestigiadas , entre outros, estavam na
centralidade desse processo de rejeição da escola.
37
Nessa época, entre as letras da ciência eu sempre estava fincada, estudando
nos cantinhos da escola e nos esconderijos da minha casa. Recebia medalhas todo
fim de ano. Já na 5ª série, quando os professores precisavam se ausentar da sala
ou faltar pediam que eu “passasse” o conteúdo para a turma e o mais estranho é
que meus colegas paravam para ouvir e diziam aprender, diziam que eu explicava
de um jeito fácil. Esses episódios, para mim prenhes de sentido, nada mais eram
que o que Coll et. al. (1995) chamam de tutoria (1995).
Nesse período, fiz da casa dos meus bisavós, Regina e Severino, uma
escola. A criançada ia entrando escondidinho e de repente a casa adormecida já
estava cheia de vida. Imaginem quem era a professora! A docência sempre esteve
entranhada em minha hipoderme. Essa vivência me faz concordar plenamente com
o Tardif (2006) quando ele afirma que o professor é o único profissional que vive
mergulhado em seu ambiente de trabalho antes de se fazer profissional da
educação. Vivi este processo.
Quando conclui a 8ª série, a diretora da escola, Vera Marinho, e o professor
de matemática, Neildo, buscaram oportunizar-me o ingresso em uma escola
particular de status na cidade. Para que as coisas fossem justas, eles disseram que
compararam as médias dos alunos que cursavam a 8ª série em 1994, verificando os
primeiros lugares por sala, por turno e procuraram verificar que aluno atingira as
mais altas médias das 11 turmas.
Na festividade de conclusão desta etapa escolar, tive uma enorme surpresa:
fui convidada a ir para uma nova escola. Recebi coleções de livros de literatura,
materiais
escolares,
palavras-diamante e
os olhares ternos,
cúmplices
e
emocionados da minha família.
Agora, numa escola particular onde a etiqueta da indumentária era o
passaporte para a interação eu não tinha quase amigos. Até que saíram os
resultados dos primeiros exames. Lá era bem acirrada a busca pelo primeiro lugar
por unidade de trabalho. O destaque para o teatro, para a matemática, a física e a
química e as letras continuava sendo atribuído ao meu desempenho. Ministrei aulas
particulares aos colegas, comecei a trabalhar na escola aos domingos.
decidi cursar o magistério.
Depois,
38
No curso de magistério, encontrei a arte da Pedagogia. Conheci o professor e
artista plástico João Francisco, pessoa sensível, grande companheiro, com quem
me casei anos depois.
Minha dedicação à ciência despertou a atenção de professores e da gestão
da Escola de Magistério. Eles começaram a me indicar para trabalhar em algumas
escolas, mas eu tinha apenas dezesseis anos, ninguém podia me aceitar. Aos
dezessete, com o ensino médio concluído, comecei a trabalhar na escola Estação
Contato. Foram quatro anos de dedicação e muito trabalho. Eu compunha paródias
para as festividades, trabalhava com teatro, construía grandes painéis, montava
coreografias, revisitava o plano de ensino de outras professoras. Era trabalho
intenso. A escola teve seus momentos de grande reconhecimento social e eu me
sentia realizada. Mas comecei a desejar outros espaços, outros desafios, outros
ares, abriram-se outras portas. Comecei a trabalhar em outras escolas, mesmo sem
licenciatura, era muito fácil conseguir inserção no mercado de trabalho: lecionei
história, geografia, matemática, português, literatura, artes. Resolvi aterrissar.
Comecei o curso de licenciatura em Letras, precisava escolher um caminho.
Continuei lecionando durante o dia e estudando a noite.
2-
A graduação, o ingresso na pesquisa acadêmica e a atuação na
formação de professores
O percurso inicial da minha atuação pedagógica, marcado pela confusão a
que outros docentes mais desmotivados provocava, hoje me faz relembrar do
que Tardif (2006, p. 103) explica sobre a configuração de saberes docentes:
[...] um professor ‘não pensa somente com a cabeça’, mas ‘com a
vida’, com o que foi, com o que viveu, em termos de lastro de
certezas. Em suma, ele pensa a partir de sua historia de vida não
somente intelectual, no sentido rigoroso do termo, mas também
emocional, afetiva, pessoal e interpessoal.
Na graduação, encontrei os constructos que me ajudaram a pensar a sala de
aula como espaço onde a história emocional, afetiva, pessoal e interpessoal dos
alunos emergia nos momentos em que os conteúdos conceituais eram os mais
trabalhados.
39
Nas Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão, no primeiro período
do curso de licenciatura em Letras, encontrei a professora Gilberlande Pereira,
pessoa que investiu atenção para orientar meus primeiros passos na pesquisa
acadêmica. Sob a cuidadosa orientação dela comecei a fazer parte do Programa de
Iniciação Científica (PIC – FAINTVISA), a trabalhar como monitora na faculdade, a
desenvolver, junto a minha grande amiga-irmã Alexsandra Karla, o projeto: “Estudo
da ambiguidade discursiva em textos publicitários nacionais”.
Fui simplesmente
enlaçada pela linguística, foi paixão a primeira leitura nesse campo de estudos. Até
esqueci a minha obsessão pela matemática, física e química.
Gil, carinhosa e firme, orientou Alê e eu a participarmos do II ECLAE –
Encontro de Ciências da Linguagem (2003), em João Pessoa/PB. Inscrevemos,
então, o trabalho “Estratégias de Leitura e Produção Textual: o caso da ambiguidade
discursiva
em
textos
publicitários
nacionais”.
Nessa
comunicação
oral
apresentamos uma análise parcial dos resultados obtidos na pesquisa efetivada no
PIC.
A experiência no II ECLAE foi ímpar: primeiro congresso, primeira pesquisa,
primeiro contato com renomados pesquisadores na área da linguagem e o incentivo
de outros tantos estudiosos que assistiram/participaram das apresentações trazendo
contribuições.
O olhar cúmplice da minha querida orientadora, minha mãe científica, como
ela costuma se nominar, foi a maior energia que precisei para seguir
com
determinação. A sistematização, a agudez no olhar, o estudo do discurso por traz
do discurso, o fascínio pela língua e pela linguística foram, através do
direcionamento de Gilberlande, cristalizando-se em procedimentos de estudo e de
pesquisa.
Esses primeiros trabalhos foram crisálidas que cresceram e desabrocharam
ao longo do curso de Letras e das atividades formativas e laborais que ocorreram
concomitantes. Cheguei ao 2º período do curso, fascinada pela leitura, pela
linguística e desafiada pelo latim, pela teoria da literatura; entre as reticências de
Clarice Lispector, sob as diretrizes da inesquecível Jacineide Travassos, estive
emaranhada na teoria da literatura, de tal
sorte que
os trabalhos que eu
apresentara eram prestigiados por alunos que já estavam em períodos mais
avançados.
40
Num desses seminários, conheci o amigo Alberto, ele dizia que admirava a
arte da palavra e da simplicidade. Beto e eu passamos a discutir e a produzir
literatura, fazíamos viagens no tempo, nas artes, nas letras. A escrita era uma
prática necessária, inquietante, jorrava entre os meus dedos, por entre os meus
poros. Eu nem imaginara que alguns anos depois, estaria naquela mesma sala
orientando alunos do curso de licenciatura em Letras a perceberem a natureza
insubordinada das palavras.
Chegando ao 2º ano do curso, conheci Hugo Monteiro. Ele trouxe não
apenas uma perspectiva ampla do entendimento do que é a leitura, a escritura, a
literatura, mas do que é a pessoa humana que produz e é produzida na e pela
linguagem. Hugo, após algumas aulas, chamou-me para trabalhar num projeto
com formação docente.
Novamente eu estava de frente a uma nova porta, um convite para trabalhar
com uma das pessoas que mais admiro, era muita responsabilidade. Pensei:
trabalhar com formação docente, como? Eu ainda estou na graduação. E a escola?
Tive receio de não conseguir. A timidez era grande. Mas aceitei o convite
para trabalhar num projeto de leiturização, no município do Cabo de Santo
Agostinho. Hugo foi meu professor, é meu amigo, desde que o conheci tenho aberto
portas a partir dos ensinamentos que ele me traz.
Hugo organizou um grupo de estudos, Neelij – Núcleo de Estudos da Leitura
e da Literatura Infanto-Juvenil, no qual participavam Palove, Poliane, Mariano, eu e
vez ou outra algum convidado. Esse grupo de inesquecíveis amigos e de
profissionais sérios também trabalhava no projeto de leiturização. Primeiro,
participamos do projeto assessorando o Hugo nas ações que ele elaborava e
efetivava para os momentos de formação continuada dos professores das quatro
regionais do Cabo de Santo Agostinho. Depois, sob as orientações dele,
começamos a visitar as escolas e a efetivar os encontros.
Nas reuniões do Neelij conheci a transdisciplinaridade, a ludicidade, a
criticidade, a fases e faces da literatura infanto-juvenil. Registrava as aprendizagens,
as questões, as reflexões num caderno verde. Hugo sempre nos ouvia com atenção,
tínhamos liberdade para criar, construir, partilhar; abraçamos a meta de ler o maior
número possível de livros literários por semana e de pensar caminhos, a partir da
literatura infanto-juvenil, para auxiliar as professoras a utilizar os constructos teóricos
das estratégias de leitura, da teoria do scaffolding (GRAVES & GRAVES, 1995;
41
SOLÉ, 1998), da transdisciplinaridade na elaboração de planos de trabalho que
primavam pela leiturização dos alunos.
Nos encontros com professores inseridos no projeto de leiturização, trazia a
minha prática pedagógica para exemplificar o que dizia a teoria. Muitos professores
abraçaram o projeto, demonstravam interesse, compromisso, responsabilidade,
criatividade, desejo de aprender e traziam suas frustrações, diziam-se sozinhos.
Como frutos desse trabalho, tínhamos professores engajados no objetivo de
possibilitar a alfabetização e o letramento dos alunos através da arte da palavra, a
literatura. Para socializar os tantos projetos e sessões de leitura efetivados pelos
professores, Hugo, a secretaria de Educação do Cabo e a ONG PLAN Internacional
do Brasil organizaram o 1º Simpósio sobre Educação e Leitura no município do
Cabo de Santo Agostinho, no período de 03 a 07 de novembro de 2003.
Naquela ocasião, participei pela primeira vez de uma mesa de debates, fazia
aquela expressão de que estava tudo no mais absoluto controle, mas a timidez dos
primeiros cinco segundos e o desejo de dizer tudo que eu vivera na efetivação do
projeto me faziam transpirar. Abordei o tema “Poesia para crianças: o brincar com
a linguagem”. Nesse evento conheci as autoras Eliana Yunes e Lenice Gomes.
Lembro-me da Eliana afirmando que “só aprendemos as coisas que são filtradas
pelo coração, aprendemos DE COR aquilo que nos toca a alma”. Lenice, por sua
vez, fisgava a atenção de todos com uma contação de histórias e me despertou o
desejo de também tomar a palavra e espalhar histórias no ar.
Nesse mesmo período, a FAINTVISA organizava a 1ª Semana de Estudos
Integrados (18 a 21 de novembro de 2003), eu participei apresentando trabalhos na
modalidade de comunicação individual, com o tema “Poesia para Crianças - um
diálogo entre a teoria e a prática” e na modalidade de comunicação coordenada,
com o trabalho “O texto Publicitário nacional – Uma análise das ambiguidades”. A
professora Gilberlande Pereira tinha assumido a coordenação do curso de Letras.
Na faculdade, Hugo, Gil, Maria Lúcia, Jacineide, Zezinha, Verônica Campos
começaram a me incentivar a começar a estudar para fazer o curso de mestrado.
Uma confusão: cada um me estimulava a seguir uma área: Linguística, Teoria
Literária, Educação.
42
Maria Lúcia começou a me acompanhar, solicitando atividades extras de
leitura, fichamentos e a construção de um possível objeto de pesquisa. Malu e eu
nos tornamos amigas-irmãs.
O ano de 2004 foi então um ano de muitas mudanças: eu comecei a trabalhar
na escola Recanto, em Recife, continuava no projeto de leiturização, era monitora da
disciplina “Leitura e Produção Textual”, ministrada por Hugo, participava no Neelij,
do PIC - FAINTVISA como monitora da professora Gilberlande. Doação de mente,
de corpo e de espírito às atividades formativas e laborais.
Na Escola Recanto comecei a trabalhar em salas regulares, experienciava
toda a liberdade de conduzir o trabalho pedagógico consoante as diretrizes da
pedagogia freinetiana. Foram quatro inesquecíveis anos de trabalho, interrompidos
quando ingressei como professora na escola pública, período em que já tinha sofrido
o processo de desconstrução proposto pela filosofia da inclusão. Eu vivia o conflito
de quem estava aprendendo a ver, a vivenciar o difícil processo da auto e da heteroavaliação de atitudes.
3- O dia em que o dardo da zarabatana inclusivista me atingiu
Em agosto de 2004, fui convidada a começar a trabalhar em salas especiais
numa escola particular. Fiquei tão embaraçada. Por onde começar? Fui à biblioteca
da faculdade FAINTVISA, pedi autorização para levar alguns livros para casa, no
acervo Cesar Coll et. al. (1995), Julie Dockrell e John McShane (2000). Li tudo o que
eu podia sobre deficiência. Decidi que trabalharia apenas com sessões de leitura e
verificaria o que os alunos conseguiam construir a partir de textos literários.
Ao chegar à escola, na segunda-feira pela manhã, afirmei:
- Pronto! Após as aulas do turno da manhã, mostro para vocês o que
planejei para esta primeira semana de aulas na CPE. Li muito sobre
deficiência; síndrome de down, autismo e outras. Também li sobre
dificuldades de aprendizagem.
- Fabiana, você só precisa compreender seus alunos, como pessoas que
estão aqui para aprender, construir conhecimento. Você vai ver. Você vai
gostar. Não fique aflita. Nós temos certeza que dará certo. Na verdade o
que você precisa é conhecer bem a sua disciplina, os conteúdos e você,
sensível como é, saberá como agir.
43
Tudo parecia perfeito. Os alunos integrados, alguns já inseridos nas salas
regulares. Eu achava que Freinet estava feliz e eu tranquila. Os alunos foram me
ajudando a delinear os caminhos formativos. A maioria das famílias eram parceiras
no processo e a escola me deixava autônoma para caminhar com o grupo.
No dia 1º de junho de 2005, Tiago Vinícius, meu filho, nasceu, eu estava
plenamente vivendo o mais encantador, mágico, abençoado, singular momento da
minha existência. Já não tinha mais condições de trabalhar no município do Cabo.
O Neelij cessou as reuniões. Eu havia concluído a graduação. E assim que meu
bebê completou um ano ingressei na pós-graduação lato sensu em Literatura
Infanto-Juvenil, na Faculdade Frassinetti do Recife, esse era o caminho sugerido por
Hugo, era um caminho que aguçava a minha sensibilidade, o meu desejo de me
emaranhar por entre as letras e descobrir o porquê de elas encantarem o Tiago, os
meus alunos e a mim. Eu estava agora entrando num corredor com muitas portas.
No dia 30/08/2005, às 10h da manhã, a convite do professor Hugo Monteiro,
meu orientador e amigo, estive no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial)
do Recife
para ministrar uma palestra.
Aquela experiência
desestruturou as bases das minhas certezas. Senti-me como que atingida pelo
dardo de uma zarabatana, meio atordoada, respondi às perguntas feitas pela Lívia,
mas as respostas já não me convenciam. Passei dias reprisando aquelas perguntas.
As capacitações promovidas pela escola não as respondiam. Eu estava desconfiada
dos efeitos do meu trabalho. Transcrevo, na íntegra, parte da palestra. Hoje consigo
perceber como, através do discurso, difundi e vivifiquei barreiras atitudinais que
justificavam a existência de salas especiais:
- [...] Propomos a discussão sobre o que é avaliação, como avaliar, o que avaliar,
qual a função da avaliação e para atingir, mesmo que de modo sucinto tais
questões, comentaremos um projeto que está sendo vivenciado nas classes de
projetos especiais. Estas classes são constituídas apenas por alunos especiais,
as metodologias empreendidas neste processo ancoram-se na pedagogia
freinetiana.
Então, o projeto “Portfólio: avaliação por meio de múltiplas lentes” tem promovido
a interface entre avaliação e aprendizagem tanto para nós, professores, quanto
para os alunos especiais, pois neste processo o portfólio, em formato de diário
dialogado, tem servido para promover a aprendizagem desses alunos e
sinalizam para o professor se o percurso metodológico tem sido satisfatório, se
tem oportunizado a construção de aprendizagens. [...]
- Mas, professora, desculpe-me! Bom dia, sou Lívia Guedes, supervisora do
Senac, preciso fazer-lhe uma pergunta: a senhora fala da perspectiva da
44
educação especial ou da educação inclusiva? Quais são os fundamentos que
norteiam o trabalho com estes alunos? Como e por que eles são agrupados em
classes especiais?
- Bem, a escola, como lhes disse, propõe que efetivemos um trabalho baseado
nos princípios da escola nova, especificamente na teoria de Celestin Freinet.
Então, ao nível das posturas pedagógicas, o movimento Freinetiano considera
os alunos como sujeitos, todos diferentes, e não apenas como alunos passíveis
de um tratamento uniforme. Assim, quando um aluno está em dificuldade, o
professor deve tratar a dificuldade pela diferenciação do ensino, antes de
qualquer pedido de intervenção da rede de ajuda (psicóloga, etc.).
A escola oferece este trabalho desde 1996. É uma proposta denominada
Classes de Projetos Especiais (CPE), a qual busca propiciar as condições
adequadas para que o fazer pedagógico favoreça o desenvolvimento potencial
de cada aluno na perspectiva de sua interação com a sociedade, da
historicidade destes alunos, dos temas pelos quais eles se interessam, das
habilidades que eles já apresentam e podem ser ampliadas. Enfim, as salas
especiais são espaços em que os sujeitos são respeitados em suas diferenças,
eles constroem vínculos afetivos, socializam aprendizagens entre as turmas e
nos eventos promovidos pela escola todos participam, a seu modo, entende?
Outra coisa: no turno da manhã, temos vários alunos que já foram inseridos nas
salas regulares. Então, geralmente, o aluno faz uma sondagem, que consiste na
realização de um exercício de língua portuguesa e matemática, depois ele faz
uma entrevista com a psicóloga da escola e aí ele ingressa na CPE; mais
adiante, de acordo com a desenvoltura dele e o acompanhamento da escola e
da família, todos avaliam se esse aluno já tem condições de frequentar as salas
regulares. Às vezes, eles nem querem, se acostumam, gostam da dinâmica das
aulas da CPE.
- Certo, professora Fabiana. É que eu, no momento, estou cursando mestrado
em educação inclusiva, faço parte de um grupo de estudos: o Centro de Estudos
Inclusivos, lá na UFPE e a gente tem discutido um pouco sobre o formato destas
salas especiais, não destas a que a senhora se refere especificamente, mas o
modo como esta divisão entre os alunos é pensada. Assim, se a senhora quiser
conhecer este trabalho, podemos conversar depois. Olhe, meus parabéns pelo
trabalho, certamente a construção destes diários trazem muito da história dos
alunos e demonstram que se tem estimulado cada um a desenvolver seus
potenciais. A gente tem acreditado nisto, né, que todos são capazes de
aprender. Seu trabalho demonstra sensibilidade e um olhar amplo da avaliação o
que serve para a realidade da nossa instituição.
- Obrigada, Livia, pelas contribuições. Caminhando mais um pouco, gostaria de
destacar que este recurso avaliativo pode ser utilizado em quaisquer etapas do
processo de educação formal, a partir dele temos várias evidências das
aprendizagens, percebemos a autenticidade, vivenciamos o dinamismo,
oportunizamos a exposição de propósitos, a integração entre a escola e outras
situações sociais. [...]
(TAVARES, Fabiana. Portfólio de atividades docentes. Transcrição da
palestra sobre avaliação por portfólio em classes de projetos especiais. Registro
de aprendizagens e de questões, 30/08/2005, p. 46 a 56.)
Só agora, ao refletir sobre a minha atuação nas salas especiais, ao refletir
sobre essa palestra, compreendi o que disse certa vez um professor de filosofia,
45
José Feitosa, ao citar o cientista e o ensaísta francês Albert Jacquard: “uma
resposta é sempre um pouco pretensiosa, ela fecha um problema, enquanto uma
questão nos abre o mundo”.
Nossa! Precisei de alguns anos para que eu
rememorasse esse discurso e compreendesse que as perguntas nos guiam a
duvidar das respostas que temos cristalizado.
As perguntas feitas pela Lívia pareciam me perseguir, eu não as esquecera.
Ingressei na especialização com um objeto de pesquisa organizado na mente e no
papel, um pré-projeto: O “diferente” na tessitura da Literatura Infanto-Juvenil
Contemporânea, objetivando: a) Verificar como a constituição da trajetória da
“personagem diferente” era percebida pelos leitores em formação; b) Analisar se a
recepção das obras que representam, através de seus personagens, a “pessoa
portadora de alguma diferença”, possibilitava a consciência da inclusão.
Nesse período, eu compreendia a deficiência como diferença e queria saber
se a literatura como elemento (in)formativo ajudava as crianças a compreender,
com naturalidade, a deficiência. Fiquei bem motivada quando encontrei o livro
escrito por Cruz (1991), “O deficiente e as diferenças na Literatura Infantil e Juvenil”,
porque enxergava nele a pertinência do meu percurso cognitivo de entendimento da
função da literatura e das representações sociais que ela nutre, socializa, cristaliza
ou erradica acerca da diversidade humana1.
Na pós-graduação lato sensu, aprendi a olhar a literatura infanto-juvenil como
quem utiliza um caleidoscópio: a sociologia, a antropologia, a psicologia, a
psicanálise, a pedagogia e a teoria da literatura nas diversas disciplinas vivenciadas
na pós-graduação traziam um novo modo de perceber a arte das letras. Conheci
Giovana, Marúcia, Magdalene, Marcela, Lidia e tantos outros inesquecíveis amigos
que se juntaram a Mariano e a mim para realizarmos muitas atividades acadêmicas
e de degustação literária. Tempos bons! Hugo novamente estava ao meu lado,
dizendo: - Siga! E nos encontros de orientação para a construção do projeto de
pesquisa, as tantas perguntas que ele fazia desconstruíram todo o meu projeto
inicial.
1
Agora, eu percebera a fragilidade do texto, dos caminhos escolhidos. Que
Nesta linha de debate também é valorosa a leitura de CALMELS, Daniel. La discapacidad Del
hèroe – Diferencia Y discapacidad e, lãs narraciones dedicadas a La infância. 1ª ed. – Buenos
Aires: Biblos, 2009.
46
angústia! Hugo me apresentou a teoria da estética da recepção e outras tantas para
que eu tivesse condições de consciente e criticamente escolher um percurso.
Em meados de 2006, decidi fazer a inscrição para cursar disciplina como
aluna especial no curso de mestrado em Educação, na Universidade Federal de
Pernambuco. Tinha muitas incertezas e a vontade de conhecer o caminho que dava
para outras tantas portas rumo à pesquisa científica e a reflexão acerca da formação
e da prática docente.
4. Tópicos atuais da educação: processo denso de percepção das
barreiras atitudinais
4.1 - O ingresso na pós-graduação stricto sensu como aluna especial
Mais impactante e mobilizadora do que a agudez daquela simples pergunta
realizada pela Lívia na palestra proferida no Senac, tem sido o processo que
vivencio desde que conheci e me tornei orientanda do professor Francisco Lima.
Com firmeza, sistematização, respeito e afeto tenho buscado corresponder ao que o
professor tem proposto como caminho formativo, nestes últimos seis anos, um
tempo em que a ciência da Pedagogia além de ser estudada em sua interface teoria
e prática, traz para a centralidade a compreensão e a ação de que a educação de
qualidade deve ser vista como dever e direito do professor e do aluno.
Ingressei no curso de mestrado em Educação na UFPE como aluna especial.
Já na primeira disciplina, vivenciei intensamente o processo de desequilibrar
saberes cristalizados e organizar novas aprendizagens. Nas cartas de intenção que
escrevi para o professor ministrante das disciplinas é possível perceber o reflexo
deste processo.
Carta de intenção
SELEÇÃO PARA ALUNO ESPECIAL -
2006.1
Linha de pesquisa: Didática específica dos conteúdos
Prof /Dr Francisco José de Lima
Disciplina: TÓPICOS ATUAIS EM EDUCAÇÃO II – Temática: BARREIRAS
ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade
47
Prezado professor Francisco Lima,
As palavras registradas nesta carta de intenção não são suficientes para
descrever o momento que me move a buscar compreender a inclusão
educacional e como tenho contribuído para que este processo seja efetivado.
Creio que é na relação objetividade/subjetividade que se constrói,
cotidianamente, as indagações que nos impulsionam ao ato de pesquisar. E este
não foge à regra. Minha trajetória profissional fez e refez os rumos de minhas
indagações: se até um determinado momento eu buscava conhecer os
processos cognitivos envolvidos na leitura e produção de textos com a intenção
de bem ensinar as crianças, em outro, a interação, o planejamento, a
intervenção possibilitadora do amadurecimento dessas atividades, a adaptação
curricular e a inclusão passaram a ser preocupações centrais.
Primeiro, porque nesses dez anos de docência percebi que, muitas
vezes, inconscientemente, alimentamos os estereótipos e afastamos da escola
os alunos que por algum motivo sentem-se ou são tratados com diferença;
segundo, porque nos últimos dois anos tenho trabalhado em Classes de Projetos
Especiais, onde percebi que a Educação Especial estava sendo duplamente
classificatória e excludente, uma vez que nessas salas os alunos eram
subdivididos em grupos por “habilidades”, “níveis” diferenciados.
Assim, os que estavam no “nível I” sentiam-se desprestigiados por
aqueles que foram “nomeados” como pertencentes ao “nível III”, por exemplo.
Na verdade, a intenção dos profissionais ao fazer essa divisão era louvável,
porém os efeitos desse ato foram negativos, pois os alunos que não avançavam
“em níveis”, sentiam-se desestimulados.
Percebo que resignificar o fazer pedagógico é um grande desafio que se
coloca para o professor contemporâneo. A inclusão ainda é um assunto
inquietante que instiga muitas dúvidas. Na instituição em que trabalho há uma
tentativa de realizá-la, porém percebo que ainda estamos distantes dessa
realidade por fatores vários, entre eles as estratégias avaliativas; ação que talvez
se justifique pelo fato de sermos todos frutos de um processo histórico escolar e,
por consequência, tendenciarmos a nos remetermos às nossas experiências
para realizarmos o trabalho docente.
Sabemos que ao efetivar a prática educacional com os alunos especiais
alguns fatores tornam-se relevantes: o conhecimento ou experiências docentes
anteriores, a concepção internalizada pelo professor do que seja o próprio
processo educacional, a consciência acerca dos papéis que devem ser
assumidos pelos sujeitos escolares (mediador, o educando, o coordenador, o
professor de apoio).
Na verdade, como muitos professores da educação especial, estou em
busca de procedimentos que reduzam as incertezas; ampliem o campo de ação,
auxiliando-me a relacionar teoria e fazer pedagógico de modo que na ação
educativa todas as crianças possam ser contempladas, independentemente de
suas condições intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas e outras.
Agradeço, desde já, a atenção dispensada e quiçá a oportunidade de
participar dos estudos oferecidos na disciplina em que me inscrevo. Hoje vejo a
educação por lentes turvas das incertezas de quais caminhos devo seguir.
Cordialmente, Fabiana Tavares
Recife, 30/08/2006
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Cheguei à aula com uma noção bem embrionária e ainda equivocada do que
seria inclusão educacional: pessoas com e sem deficiência convivendo no mesmo
espaço pedagógico. O conceito de inclusão foi o primeiro a ser desconstruído a
partir das intervenções, provocações e orientações do professor Francisco Lima:
“quando nos referimos à inclusão, devemos ter ciência de que estamos falando da
sociedade, da escola de todos, com todos e para todos. Estamos falando de etnia,
de gênero, de orientação sexual, de classe social, de deficiência etc. Na inclusão,
todas as pessoas indistintamente são vistas como sujeitos de direito e precisam
ser respeitadas em suas singularidades”.
O acervo teórico da disciplina era quase que completamente em língua
inglesa, o que me estimulou a estudar o idioma, a traduzir os textos, a construir
sumarizações2.
Primeiro, refletimos sobre o modo como a sociedade sempre se referiu às
pessoas com deficiência, atribuindo-lhe uma condição inferior, marcada pela
compreensão equivocada de deficiência enquanto doença, de deficiência enquanto
diferença reducionista da potencialidade humana. Compreendi então a inadequação
dos termos “alunos especiais”, “estudantes excepcionais”, “pessoas diferentes”,
“alunos portadores de deficiência”, “alunos deficientes”, “alunos com necessidades
especiais”.
Ao perceber que essas expressões estavam esteadas em modelos de
entendimento da deficiência, eu me percebia como produtora e reprodutora do
processo excludente o qual os meus alunos e outros tantos sujeitos com deficiência
vivenciavam.
O processo foi doloroso porque sempre busquei respeitar o ritmo de
aprendizagem, as potencialidades de meus alunos, no entanto, comecei a perceber
que eu também reproduzia, vivificava, difundia barreiras atitudinais e o pior foi
2
Leitura obrigatória: a) Attitudinal Barriers; b) Diverse Perspectives: People with Disabilities Fulfilling
Your Business Goals (Printer-Friendly Version); c) Attitudinal Barriers and Tips for interacting with
people with disabilities ; d) Etiquette: Attitudinal Barriers, e) Interviewing Essentials: Strategies for
Creating a Positive Impression; Focus on Ability: Interviewing Applicants with Disabilities (PrinterFriendly Version ); f) Attitudinal barriers; g) People with disabilities encounter many different forms of
attitudinal barriers; h) Disability disclosure, confidentiality, and evidence in a Higher Education context:
Extended Guidance Notes; i) Appendix E. Special Populations: Persons with Disabilities; j)
Constructions of Disability: Researching the interface between disabled and non-disabled people
(Claire Tregaskis)
49
enxergar que a escola, as salas especiais perfeitas eram de vidro. Mas não fiquei
vivendo o luto de uma ideia romântica e equivocada, não fiquei entre o desejo e a
vontade de mudança, comecei a socializar os textos agora traduzidos com os
colegas professores, comentava o que eu vinha aprendendo, estudando,
descobrindo, percebendo. Entrei em crise epistemológica provocada pelas reflexões
inclusivistas, um percurso natural, inevitável, necessário porque
[...] a inclusão é produto de uma educação plural, democrática e
transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise
de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos
professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno.
O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma
identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais.
(MANTOAN, 2003, p. 17.)
Em meio ao conflito entre o que eu aprendera e o que a escola exigira,
comecei a efetivar uma atividade socilitada
pelo
professor
Francisco Lima:
investigar a efetivação de barreiras atitudinais nos mais variados espaços sociais,
principalmente na escola. Era um desafio e tínhamos que escrever um artigo como
trabalho final da disciplina. Comecei, então, a registrar no caderno de anotações o
que eu observava na escola durante o intervalo dos alunos, na conversa entre os
professores; fazia também uma autoavaliação das situações de aprendizagem que
eu propunha. A partir dessas ações, consegui compreender a definição postulada
por Freire (2005, p. 13) sobre a consciência humana: “A consciência é essa
misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas
para fazê-las presentes, imediatamente presentes.”
Aquele entendimento analisado do lugar histórico-social em que me encontro
hoje me faz realmente crer na assertiva freiriana de que a consciência do mundo e a
consciência que temos de nós mesmos devem crescer juntas e em relação direta;
uma sendo a luz interior da outra, uma comprometida com a outra, pois “as
consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam-se
porque comunicantes.” (FREIRE, 2005, p. 15). A consciência era agora a estranha
inquietude que não mais me permitia deixar de buscar subsídios para tornar a
sala de aula e os espaços de difusão cultural ambientes respeitosos, acolhedores à
diversidade humana.
50
Em alguns encontros, o professor Francisco Lima chegou a sugerir que
gravássemos e ouvíssemos as aulas que ministrávamos, com o objetivo de
identificar se, quando e como praticávamos ou contribuíamos com a eliminação de
barreiras atitudinais. Era quase que uma experiência de pesquisa autoscópica 3.
Gravei algumas aulas e percebi, por exemplo, que trazia problematizações aos
alunos, mas que eu mesma as respondia, muitas vezes.
Nesse período, Lívia e eu nos encontramos algumas vezes para estudarmos
juntas, discutirmos sobre os textos, a pesquisa dela, a minha, as intervenções e
questões difíceis trazidas pelo professor que, na época, era o orientador da minha
amiga. A minha pesquisa de especialização foi mudando de foco, de forma, foi
surgindo outro objeto de estudo (uma nova porta). As orientações de Hugo, as
discussões com a Lívia e as reflexões propostas por Francisco contribuíram para a
construção de um texto mais fiel ao processo que eu vivenciava enquanto docente e
pesquisadora. Enfim, foi assim que finalizei a monografia “A pessoa com deficiência
e as barreiras atitudinais na literatura infanto–juvenil”. O estudo foi socializado em
oficinas, minicursos, comunicações, anais e capítulo de livro4.
3
O procedimento metodológico de autoscopia pressupõe dois momentos essenciais: a
vídeogravação da aula e as posteriores sessões de análise e reflexão sobre esse evento, efetivada
pelo sujeito vídeogravado. (LEITE; COLOMBO 2006; SADALLA, 1997). No meu caso, não havia um
sujeito pesquisador trazendo as problematizações através das vídeogravações. A voz que ecoava ao
ouvir as gravações de aulas era a do professor Francisco Lima. Lembrando-me dos conceitos
construídos nas aulas ou nos encontros do CEI, comecei a observar na minha postura, discurso e
prática pedagógica, os meus próprios deslizes. Para os alunos, a gravação daqueles momentos era
uma diversão, vista, posteriormente, como algo natural, que não interferia na atenção dispensada
pelos alunos às aulas ministradas.
4
Comunicação individual: Preconceito e estereótipo na literatura infanto-juvenil: algumas
reflexões sobre o “deficiente” e as “diferenças”. Evento: 4º ELF – Encontro de Estudos Linguísticos e
literários das FAINTVISA (Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão). Período: 11 de outubro
de 2006.
Oficina: Letramento literário: desatando os nós entre a Literatura e a Educação. Evento: 10º
Encontro de Educação: Cuidando do Planeta Terra, Nossa Casa. (Faculdade Frassinetti do Recife FAFIRE). Período: 29 de maio de 2007. Carga horária: 3 horas
Comunicação individual: A pessoa com deficiência e as barreiras atitudinais na Literatura
Infanto-Juvenil. Evento: 10º Encontro de Educação: Cuidando do Planeta Terra, Nossa Casa.
(Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE). Período: 30 de maio de 2007.
TAVARES, Fabiana S. S. Pela Voz da Literatura, pensando as Barreiras Atitudinais em relação à
Pessoa com deficiência. III SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL
DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS – ANAIS /2008 ( UFRN).
51
Na monografia, uma nova compreensão de literatura, de inclusão, de
barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência
[...] O estudo revelou que o olhar atento do educador ao selecionar
os textos literários e mediar a experiência leitora é um fator
imprescindível na efetivação da inclusão, pois a escola é um dos
principais locais onde a Literatura Infanto-Juvenil circula, é o lugar
onde a construção do conhecimento é sistematizada, onde os
valores da Igualdade, da Liberdade e da Fraternidade devem ser
alicerces da superação de todas as formas de exclusão da pessoa
com deficiência. A literatura, por seu turno, permite que o leitor pense
e experimente o mundo, traz aspectos impregnados de valores
socioculturais; elementos que formam, alimentam subjetivamente
quem a ela tem acesso. Tudo o que circula na escola, tudo o que é
escolarizado, merece atenção especial do mediador, pois cada parte
constituinte deste acervo poderá ser alicerce para uma sociedade de
e para TODOS, ou poderá ser a fissura em uma tentativa de prática
inclusiva. (TAVARES, 2007, p. 8).
A pesquisa na especialização e a construção da monografia atingiu o objetivo
de socialização dos conceitos apreendidos no curso de pós-graduação lato sensu e
na disciplina do curso de mestrado TÓPICOS ATUAIS EM EDUCAÇÃO II –
Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade.
As aulas da UFPE estavam chegando ao fim, entreguei ao professor
Francisco Lima um artigo intitulado “A estigmatização e marginalização das pessoas
com deficiência no ambiente escolar: uma questão de barreiras atitudinais”. Nas
dezesseis páginas do texto, eu ainda tateava a compreensão acerca do tema e
conversava com Sassaki (2003a; 2003b); Rosita Edler (2006); Peter Mittler (2003);
Rosana Glat (1995); Bianchetti e Freire (2004), Lima (2006). Da literatura desses e
de outros estudiosos surgiram novos questionamentos que me conduziram a buscar
respostas nos encontros presenciais do Centro de Estudos Inclusivos.
TAVARES, Fabiana S. S.. No tempo do verbo incluir: Literatura Infanto-Juvenil In ESTEVÃO, Mª de
Fátima; MENDONÇA, Neuza (orgs). Elos Culturais. Recife: Baraúna, 2009. Vol.4.
Pôster: Histórias em quadrinhos: espaço para a erradicação ou manutenção de barreiras
atitudinais contra a pessoa com deficiência? Evento: IV Seminário sobre Educação e Inclusão
Social de Pessoas com Necessidades Especiais (UFRN). Período: 15 a 17 de setembro de 2010.
TAVARES, Fabiana S. S.. A representação social da pessoa com deficiência na Literatura
Infanto-Juvenil contemporânea. Encontro de Literatura Infantil e Juvenil. (Universidade Federal de
Pernambuco- CFCH / UFPE) Caderno de resumos – 2010.
52
No CEI descobri que o estudo sobre a existência e a manutenção das
barreiras atitudinais foi iniciado no Brasil, por Francisco Lima, em 1996, cuja
dissertação de mestrado (LIMA,1998) já trazia as bases para o artigo que, em 2000,
publicaria na Revista do Instituto Beijamin Constant, com o título de “Questão de
Postura ou de Taxonomia? uma proposta”. Este texto foi reeditado com atualizações
semânticas
no trabalho intitulado “Atitude ou classificação: eis a questão!”,
publicado em 2008 pela Ulbra, no livro Itinerários da Inclusão da Escolar (2008).
Em 2005 quando comecei a estudar sobre barreiras atitudinais, em parceria
com Lívia e, depois, sob a orientação do professor, percebi que é uma temática que
pode ser situada na materialização de preconceito e de discriminação nutrida em
contextos vivenciados por pessoas que estão em situação de vulnerabilidade por
questões de etnia, gênero, orientação sexual etc.
Ao término da primeira disciplina que cursei no mestrado, o professor
Francisco foi parceiramente orientando-me e reconstruindo caminhos, burilando,
alterando,
complementando
o
texto
resultante
dos
estudos
propostos.
Posteriormente, inscrevemos o trabalho no EPENN (Encontro de Pesquisa
Educacional do Norte e Nordeste), em 2007, com o título: “Barreiras atitudinais:
obstáculos a pessoa com deficiência na escola”. O trabalho não foi aprovado, sob o
argumento de que o conceito de barreiras atitudinais não tinha sustentação
científica. O mais surpreendente é que em 2006, no maior tratado de direitos
humanos que já se teve na história da comunidade humana, a Convenção sobre os
Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), o conceito de barreiras atitudinais
surge na base do conceito de deficiência e de pessoa com deficiência. Esse
documento, tornado posteriormente lei no Brasil (Decreto legislativo nº 186/2008;
Decreto nº 6.949/2009), talvez não fosse ainda objeto de estudo do grupo
avaliador/avalizador do evento.
Não obstante, a Universidade Federal de Pernambuco, no Programa de
Mestrado em Educação, oferecia pela segunda vez a disciplina “Tópicos atuais da
Educação II: Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade” e,
como dissemos, o primeiro autor do trabalho já houvera publicado artigo nesta área
em 2000, na revista de maior expressão nacional no que tange à pessoa com
53
deficiência visual. Hoje com avaliação B4 pela Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
O texto sobre barreiras atitudinais compôs o acervo de fundamentação teórica
da dissertação construída por Lívia, “Barreiras atitudinais nas instituições de ensino
superior: questão de educação e empregabilidade”. Essa dissertação, defendida em
2007, no Centro de Educação (CE – UFPE), foi a primeira produzida no Brasil sobre
o tema barreiras atitudinais.
Em 2008, aquele artigo, construído pelo professor Francisco e por mim, foi
publicado no livro “Itinerários da inclusão Escolar”, organizado por Olga Solange H.
Souza, publicado pelas editoras AGE e Ulbra.
A socialização desse texto em suportes diferentes tem atingido um maior
quantitativo de pesquisadores, professores, pessoas que buscam compreender os
entraves a inclusão e, inúmeras vezes, procuram erradicá-los. Muitas dessas
pessoas, residentes nos diversos estados brasileiros, têm, através do CEI, mantido
contato, socializado entendimentos e experiências, denunciado situações em que as
barreiras atitudinais são tão danosas que podem chegar a colocar a pessoa que a
recebe numa condição opressora, sub-humana.
4.2- Individualidade e formação
Muitas questões relacionadas à constituição identitária do educador foram
respondidas no curso da disciplina “Individualidade e formação”. A carta de intenção
construída como pré-requisito para seleção de alunos especiais para o curso desta
disciplina sinaliza o alargamento de compreensões acerca da inclusão educacional e
das muitas questões que me moveram a buscar (in)formação em suportes diversos.
Carta de intenção
SELEÇÃO PARA ALUNO ESPECIAL
2007.1
Linha de pesquisa: Didática específica dos conteúdos
Prof /Dr Francisco José de Lima
Disciplina: INDIVIDUALIDADE E FORMAÇÃO
Código: ED-973
Candidata: Fabiana Tavares dos Santos Silva
54
Prezado professor Francisco Lima,
A necessidade de continuar os estudos acerca da teoria da inclusão
social/educacional me move a desejar cursar a disciplina Individualidade e
Formação. Como afirmei há algum tempo, na minha trajetória profissional novas
indagações têm surgido: se em um momento anterior eu buscava compreender
os fundamentos axiológicos da inclusão, agora, pretendo buscar conhecimentos,
percursos que norteiem a construção da autonomia individual dos alunos com ou
sem deficiência e do próprio professor–mediador, agente de mudanças.
No segundo semestre de 2006, tive a oportunidade de cursar, na
condição de aluna especial, a disciplina Barreiras atitudinais e acessibilidade.
Uma experiência singular, a qual me fez ampliar a agudez no olhar. Primeiro, em
relação às minhas atitudes, depois, em relação à percepção das ações coletivas
/ excludentes / discriminatórias praticadas em razão da compreensão que se tem
das pessoas com deficiência.
Hoje, acredito ainda mais no potencial da pessoa com deficiência e busco
saberes que subsidiem a pedagogia inclusiva. Saberes os quais se tornarão
sabor em minha formação conjunta aos estudantes e aos colegas de trabalho.
Acredito numa formação educacional crítica e libertária, que resgate a identidade
individual antes de se partir para um contexto mais amplo.
Considerando, pois, o que aprendi na disciplina anterior, pontuo algumas
reflexões iniciais sobre o tema individualidade e formação: penso que,
infelizmente, em muitos casos, a individualidade da pessoa com deficiência
passa a ser uma pseudoindividualidade e a formação, uma semiformação.
Pseudoindividualidade, pois, utilizando a justificativa de que “se sabe o melhor
para a pessoa com deficiência”, são muitos os que a destituem de autonomia
para a resolução das mais rotineiras e simples situações. Semiformação, porque
a essas pessoas tem sido oferecida uma educação diferenciada, a qual objetiva
“prepará-las”, “unificá-las” aos outros, para só depois terem uma
pseudoparticipação na vida sócio-político-cultural do país. É um processo de
deterioração que está relacionado diretamente à educação, à sociedade como
um todo.
Reconheço que as relações sociais, que fundam os processos individuais,
são caracterizadas por tensões, por equilíbrios e estão vinculadas tanto à
solidariedade quanto à coação. O homem constrói sua individualidade de forma
contraditória, pois, ao se singularizar, ele é apoiado e constrangido. É
singularizado pelo nome que recebe, pelo ato de saudação do outro, pelos
papéis atribuídos e expectativas postas. Agora imagino como, subjetivamente,
sente-se um indivíduo que perde sua identidade em detrimento de apenas uma
característica física, a ausência de um sentido ou uma deficiência intelectual.
Como vivenciar a individualidade se as generalizações, os rótulos, as
substantivações e adjetivações são tão constantes na vida das pessoas com
deficiência?
Essas reflexões foram suscitadas, como afirmei, no curso da disciplina
anterior e elas me conduzem a pensar que posso me tornar melhor profissional,
melhor pessoa humana ao passo em que me transponho para o lugar de
aprendiz e vou descobrindo parceiramente os caminhos significativos para a
aprendizagem de todos.
Professor, a partir do exposto, reafirmo a necessidade de buscar, através
dos possíveis conteúdos vivenciados nesta disciplina, Individualidade e
Formação, compreender o indivíduo em sua concreticidade, pois essa não se
apresenta ao educador enquanto decorrência imediata do fato de ele estar em
contato com o aluno. Além do mais, conhecer a concreticidade do indivíduo não
55
se limita, para o caso da atividade educativa, ao conhecimento do que ele é,
mas também ao conhecimento do que ele pode vir-a-ser, se a ele for dada a
oportunidade e condições de fazê-lo, e se ao mediador forem fornecidos
subsídios para uma atuação em prol da educação de e para Todos
indistintamente. É isso o que busco: subsídios para ler e agir nesse processo,
sob a égide da inclusão.
Agradeço, desde já, a atenção dispensada.
Cordialmente,
Fabiana Tavares
Recife, 18 de abril de 2007.
No dia 23/05/2007, o professor Francisco Lima expôs os pressupostos que
nortearam a disciplina “Individualidade e Formação” 5. Já nesse momento introdutório
da disciplina, percebi que o vir-a-ser do indivíduo, enquanto síntese de inúmeras
relações sociais é um processo situado no interior de um processo maior: o do vir-aser histórico do ser humano enquanto um ser social.
Na aula em comento, discutimos a ideia de que o indivíduo é mutável,
dinâmico e vai moldando-se, modificando-se a partir de pressupostos individuais
construídos de alguns aspectos intersubjetivos, entre eles, a nossa história de vida
familiar e acadêmica.
5
Acervo teórico da disciplina:
MARENTETTE,Lynn V. Thinking, Learning, and Communicating through Multimedia - Views from
a School Psychologist - Union County Public Schools /North Carolina.
MRECH, Leny Magalhães. A formação dos docentes: quais competências para o ensino
individualizado e a integração escolar da diversidade? Palestra ministrada na USP, em 2001
MORIN, E. A Cabeça Bem-Feita, repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro, RJ:
Bertrand Brasil, 2001.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo, SP: Cortez; Brasília,
DF: UNESCO, 2000.
NETTO, Luiz Ferraz. O gato de Schrödinger. Feira de Ciências. Disponível em:
<http://www.feiradeciencias.com.br/sala23/23_MA14.asp>Acesso em: 27/05/2007
REGO, T. C. Vygotsky, uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolisa, RJ: Vozes,
1995.
RUIZ, Alfredo. Fundamentos teóricos do enfoque pós-racionalista. Disponível em <
http://www.inteco.cl/articulos/001/texto_esp.htm > Acesso em 30/05/2007.
SETZER,Waldemar. Revoltado ou criativo In MORETTO, Pedro Vasco. PROVA: um momento
privilegiado de estudo não um acerto de contas. Rio de Janeiro: DP&A. 2001, p. 93 – 122. Disponível
em < http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=19331 > Acesso em 28/05/2007.
56
Neste sentido, a história mundial não pode ser vista como fator determinante
da história do indivíduo.
Esse determinismo histórico é um dos pontos sobre os
quais discutimos ao longo dessa disciplina, cujo objetivo era o de que
construíssemos
competências
para
interpretar
a
fala
dos
alunos,
não
necessariamente da maneira que ela é dita; uma vez que cada fala é diferente uma
da outra, vem imbuída de valores diversos.
O professor Francisco nos propunha pensar que, no contexto educacional,
muitas vezes os alunos dão sinais, falam a mesma coisa, em linguagens distintas,
porque eles são distintos, mas nós, professores, sequer percebemos esses sinais –
a evasão escolar é resultante do emudecimento dessas vozes. Um procedimento
que pode estar esteado em barreiras atitudinais.
Para ilustrar esse processo, o professor propôs uma analogia entre o que os
docentes fazem com seus alunos e o que se faz com a massa de um pastel. Com a
massa do pastel todo um processo é feito para nivelar espessura e nenhum dos
lados deve ficar disforme. E com os nossos alunos, o que temos feito com os que
não “alcançam” a turma? Historicamente, temos juntado e “jogado” novamente
esses alunos na “massa” sem nos preocuparmos se de fato eles convivem e
avançam harmoniosamente com o grupo, numa atmosfera de respeito mútuo. Por
vezes, temos deixado a massa desnivelada em separado, aumentando o bolo dos
excluídos.
Mais adiante, discutimos que o docente deve reconhecer a si e ao aluno como
seres indivisíveis. Logo, a homogeneização e a padronização precisam ser
eliminadas da escola. Sob esta percepção, cabe ao professor questionar-se: Qual a
fôrma ou a forma estou utilizando para ensinar?
O professor Francisco solicitou que, como parte da evolução desta disciplina,
socializássemos a nossa história individual e, considerássemos, a somatória, a
composição de todas as experiências como elemento imprescindível para a nossa
formação.
No decorrer da disciplina, construímos três concepções: a de indivíduo, a de
formação e a de avaliação. Vimos que cada pessoa deve ser compreendida e
tratada como um ser indivisível, logo, destacar a deficiência em detrimento do todo,
57
fragmentar as potencialidades dos alunos são ações danosas à formação da
identidade de pessoa humana.
É claro que em determinados momentos somos reconhecidos por outros ou
por nós mesmos, por uma ou mais de uma das nossas características, no entanto,
essas características não são o todo de nós. Não sendo o todo de nós não podem
ser destituídas de nós como um todo e não podem ser ignoradas, ou seja, não
somos uma só de nossas características, nem podemos ser nós próprios, sem essas
características. Por exemplo: uma pessoa de origem regional X não é a origem
regional, mas não se pode ignorar a origem regional dessa pessoa pelo simples fato
de que a história de uma pessoa não é apenas a história de uma de suas
características, mas o conjunto delas. Cada um de nós é o resultado de uma
construção histórica, de nossas experiências, bem como o resultado histórico da
construção das experiências daqueles que nos precederam. (LIMA, 2007.
Informação pessoal).
Desta forma, somos fruto de uma história que transcende a nossa própria. O
legado dessa história influencia na nossa formação e as nossas atitudes. Essa
formação se dá desde o momento em que nascemos. Essa é uma das razões que
faz das barreiras atitudinais elementos psicossociais de difícil remoção. Contudo,
temos de estar cientes de que a história que nos precede faz parte da nossa
formação, mas não a determina.
Assim, conhecendo a história entende-se o presente e entendendo o
presente constrói-se o futuro, é neste percurso que temos mais chance de construir
o futuro que tem a pressa do agora quando se trata da eliminação de barreiras
atitudinais.
Conhecimentos históricos servem para que possamos refletir, discutir ou até
mesmo discordar daquilo que naturalmente era aceito por outros. Um bom exemplo
citado pelo professor foi a escravidão, o açoite, a falta de respeito e o tratamento
desprezível dispensado ao negro. Muitos discordavam daquela situação. O que de
fato se percebe ainda hoje é que há pessoas que discordam de situações e não
agem, por outro lado são poucos os que ao se depararem com desigualdades lutam
por justiça. Sem ação a inclusão educacional não se efetiva.
58
Na área de Educação muita gente fala, mas poucos agem. O fato de
estarmos discutindo/refletindo sobre educação numa pós-graduação deve, portanto,
implicar numa ação. A ação de formar não se restringe à aquisição de
conhecimentos historicamente construídos, a aquisição de uma literatura ou teoria,
mas formação implica em ação (formar em ação na ação de formar e cientes de que
na medida em que estamos formando, estamos sendo formados). (LIMA, 2007.
Informação Pessoal).
No momento em que se dá essa formação é importante compreender que,
mesmo o ensino sendo coletivo, a aprendizagem é individual, e que é necessário
respeitar as particularidades de cada pessoa. Na verdade, sob a ótica da inclusão,
não se pretende fazer um ensino individualizado, mas que se respeite a
individualidade. Corroborando essa assertiva, Mantoan (2003, p. 32) esclarece que
para atender a individualidade dos alunos deve-se abandonar “um ensino
transmissivo e se adotar uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, integradora, que
se contrapõe a toda e qualquer visão unidirecional, de transferência unitária,
individualizada e hierárquica do saber”.
Traduz-se, então, que enquanto professor é preciso conhecer o aluno, para
só assim saber como ele conhece e ajudá-lo a chegar à aquisição do conhecimento.
Em outros termos, é necessário entender que no processo de ensinoaprendizagem, ao mesmo tempo em que o professor ensina, precisa aprender como
o aluno aprende. Essa aprendizagem faz parte da formação constante do professor.
Essa formação é, portanto, contínua e tem múltiplas faces e fases que se
complementam. Consoante Lima (2007), infelizmente, em muitos casos, os
professores, que estão no ambiente formativo para corroborar na construção do
conhecimento por parte do aluno, se quer formaram o seu próprio conhecimento.
Através desta percepção, é possível compreender algumas das lacunas existentes
no processo educativo inclusivista.
O professor que mesmo sabendo do conteúdo, se dispõe
[...] a aprender com o aluno, como o próprio aluno vai aprender, é
que se caracteriza como um professor inclusivo. Contudo, é
importante entender que as crianças ainda estão aprendendo a
59
aprender e não conseguem verbalizar racionalmente as respostas
que precisamos, ou seja, a forma que consideram mais confortável
em aprender. Cabe ao professor procurar estratégias que atendam a
peculiaridade individual para a aprendizagem. (LIMA, 2007.
Informação Pessoal.).
Outra questão discutida em aula, ainda em relação a nossa formação, é que
fomos preparados para não trabalhar os alunos com as diferenças, nem tão pouco
com os que têm deficiência, seja física ou intelectual. A ideia é que alunos que
apresentam deficiências devem estudar em salas especiais, pois não aprendem, são
agressivos etc. Fomos erroneamente ensinados assim. E temos reproduzido essas
representações sociais que estão na gênese das barreiras atitudinais
O que precisamos entender, de acordo com Lima (Ibid.), é que mesmo a
formação sendo para ensinar a alguns, cabe ao professor utilizar estratégias
diversificadas que venham a atender a particularidade do indivíduo. Tudo pode ser
usado como desculpa para justificar a não aprendizagem. As precárias condições
físicas da escola, o baixo salário, a própria formação do professor etc. Ainda que
essas variáveis sejam verdadeiras não podem ser dissociadas do todo, elas não
deveriam ter o poder de interferência no processo, nem tão pouco impedir uma aula
de qualidade.
Uma aula, sob a perspectiva da inclusão, será o espaço/tempo em que o
professor deverá estar alerta para não produzir ou tonificar barreiras atitudinais, as
quais geralmente se fazem presentes quando a escola mantém certas práticas
consagradas que além de em nada auxiliarem na construção de
conceitos
atitudinais, continuam por manter o “ensino para alguns alunos — e para alguns,
em alguns momentos, algumas disciplinas, atividades e situações de sala de aula.”
(MANTOAN, 2003, p. 33). Tais práticas constituem em:
• Propor trabalhos coletivos, que nada mais são do que
atividades individuais realizadas ao mesmo tempo pela turma.
• Ensinar com ênfase nos conteúdos programáticos da série.
• Adotar o livro didático como ferramenta exclusiva de
orientação dos programas de ensino.
• Servir-se da folha mimeografada ou xerocada para que todos
os alunos as preencham ao mesmo tempo, respondendo às mesmas
perguntas, com as mesmas respostas.
60
• Propor projetos de trabalho totalmente desvinculados das
experiências e do interesse dos alunos, que só servem para
demonstrar a pseudoadesão do professor às inovações.
• Organizar de modo fragmentado o emprego do tempo do dia
letivo, para apresentar o conteúdo estanque desta ou daquela
disciplina, e outros expedientes de rotina das salas de aula.
• Considerar a prova final como decisiva na avaliação do
rendimento escolar do aluno. (Id., Ibid.)
A autora explica que esses procedimentos tonificam a exclusão escolar,
alcançando todos os alunos, independente da existência de dificuldades de
aprendizagem ou de deficiência. Certamente a pouca ou nenhuma ênfase aos
conteúdos atitudinais (cidadania, justiça, solidariedade, respeito à integridade do
outro, ética etc.) deixa espaços vazios para que as barreiras sociais possam se
propagar e perpetuar na interação entre os alunos.
Lima (2007) afirma que a prática pedagógica inclusiva exige que o professor
tenha clareza da melhor forma de utilizar os recursos que possui. Nessa linha, o
ideal seria ter todo um aparato que desse suporte ao trabalho do professor, mas
mesmo assim ainda nos depararíamos com aprendizagens variadas. Portanto, o
papel do professor é de ganhar o aluno para a aprendizagem e o tratar como
indivíduo.
Ao assumir essa postura, devemos reconhecer que não podemos transformar
a história, mas temos o poder de transformar a nós mesmos e emanar para os
outros respeito, consideração e fraternidade. Na formação promovida pelo
PPGE/UFPE tive, a partir das reflexões suscitadas nas disciplinas, a oportunidade
de abrir a porta rumo a esse entendimento. Compreendi que a mudança, a
transformação das atitudes deve ser do singular para o coletivo, sem, contudo,
perder de vista que o inconsciente coletivo está presente nas nossas ações diante
da pessoa com deficiência, o que torna necessário uma constante autoavaliação e
revitalização da compreensão dos preceitos inclusivos, através de sua efetiva
prática.
A educação, elemento motriz para a mudança social, é de responsabilidade
da Família, da Sociedade e do Estado. Não podemos, portanto, deixar de lembrar
que o professor é Sociedade e Estado. Esse entendimento, esteado numa analogia
proposta pelo professor Francisco, ao utilizar em sala de aula o texto “O gato de
61
Schrödinger”, clarificou a assertiva de que só podemos interferir numa realidade
quando temos conhecimento dela.
Traduz-se daí que para que a inclusão educacional seja efetivada é
necessário que o professor aprenda a ser inclusivo sendo (LIMA, 2006), aprenda a
reconhecer os obstáculos neste processo, aprenda a identificar e erradicar as
barreiras atitudinais nutridas em ações individuais e em atitudes comuns, é preciso
que o professor
aprenda que todo observador é observado e
que o indivíduo
observado sofre com a observação e tende a si transformar.
No
decorrer
das
discussões
propostas/efetivadas
na
disciplina
“Individualidade e Formação”, compreendi que a nossa identidade é constituída
pelos vários papéis sociais que assumimos.
Como disse certa vez o professor
Francisco Lima, “nós não somos apenas alternativos, somos aditivos, somos “e” ”.
Ou seja, não temos a possibilidade de dizermos que somos sempre do mesmo
modo.
Esse debate possibilitou o acesso à porta que conduz à compreensão de que
a exclusão praticada através da alternativa, ou um ou outro, muitas vezes nos
direciona à prática da avaliação escolar: a) como manifestação de exclusão do outro
(barreira atitudinal de rejeição); b) como juízo antecipado sem fundamento de que
alguns alunos não aprenderão (barreira atitudinal de baixa expectativa); c) como
comparação pejorativa dos resultados alcançados por alunos sem e com deficiência
(barreira atitudinal de
inferiorização); d) como a apreciação depreciativa
de
potencialidades desenvolvidas pelos alunos com deficiência (barreira atitudinal de
menos valia); e) como a supervalorização de resultados, porque baixa era a
expectativa em relação ao aluno ( barreira atitudinal de adoração do herói) etc.
Ao efetivar a avaliação, nem sempre o formador consegue identificar tais
barreiras. E mesmo quando consegue percebê-las, nem sempre tem tempo hábil
para naquela situação rompê-las. Por isso dizemos que cada um também tem seu
tempo. Há coisas que só vão fazer sentido para nós muito tempo depois do fato ter
ocorrido, a exemplo de muitas das ações que eu realizara nas salas especiais,
pensando que era o melhor caminho.
62
Durante a disciplina, Francisco (2007) esclareceu que ao formarmos a
compreensão acerca do trinômio: formação, identidade, avaliação, estamos sendo
sempre
atores
e
porque
não
espectadores
desta
história.
Espectadores
compreendidos como aqueles que recebem, assistem ao teatro, ao trabalho do
aluno, porque quando agimos enquanto professores, estamos propiciando com que
um script, um texto seja veiculado e depois nós vamos assistir na plateia, ou ainda
na resposta da plateia, na fisionomia, no riso aquilo que estamos, enquanto ator,
transmitindo.
Guardo na memória a afirmação feita por Lima no último dia de aula da
disciplina, essas palavras sintetizam o percurso que deve ser efetivado pelo
professor inclusivista: “Defendemos a Inclusão, qual seja, o modelo teórico que
prevê a formação da criança pequena de tal sorte que sua consciência para o
respeito e para a dignidade do outro permitam que ela quando adulta tenha posturas
as quais, muitas vezes, não temos visto: o adulto que respeite o outro, pelo que o
outro é e não pelo que tem, pelo que pode cooperar e não pela competição que o
outro pode impor a si”.
Ao comungar desse entendimento, busquei, no Centro de Estudos Inclusivos,
abrir outras portas que oportunizassem a formação para uma prática mais ética,
democrática, emancipatória, universal, prenhe de posturas críticas, autônomas,
humanizadoras, acessíveis, transformadoras, enfim, uma formação para a prática
includente.
5- Uma trança: o Centro de Estudos Inclusivos, a formação docente e a
prática pedagógica
O Centro de Estudos Inclusivos, do Departamento de Psicologia e Orientação
Educacionais do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco
(CEI/UFPE), foi inaugurado no dia 04 de agosto de 2004 no auditório do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas (CCSA/UFPE).
O CEI, consoante informações fornecidas pelo seu idealizador, o professor
Francisco Lima, surgiu condicionado à provisão de recursos humanos e financeiros,
tendo como objetivo fundamental inscrever na agenda educacional, política e social
63
da Universidade Federal de Pernambuco a construção de uma sociedade inclusiva,
que não se restrinja à Universidade, mas que, a partir dela, se emane para fora de
suas dependências.
Na inauguração do CEI este objetivo foi firmado ao passo em que se
explicitou como vocação deste centro:
[...] a promoção, o apoio e a realização de ações inclusivas
(seminários, colóquios, encontros, conferências, pesquisas e
trabalhos de extensão inclusivos), destinados a sensibilizar, formar,
motivar,
mobilizar
a
comunidade
universitária,
em particular, e a opinião pública, em geral, nos seus mais diversos
lócus - órgãos executores, governo (municipal, estadual e federal);
autarquias locais e regionais; órgãos decisores, poder legislativo,
poder judiciário; órgãos de comunicação social, imprensa, rádio,
televisão, cinema, teatro e espetáculos musicais; órgãos de ações
pró-cidadania,
fundações,
instituições,
organizações
não
governamentais, nas áreas de educação, do trabalho, do lazer, do
esporte, da saúde, da moradia/habitação, da manifestação cultural,
da soberania - política, religiosa e linguística - dos povos indígenas e
de outros grupos “minoritários” -; da defesa de gênero e das opções
sexuais; enfim, de todos os direitos humanos proclamados nas
declarações e convenções que, sem discriminação, restrição ou
preconceito a nenhuma pessoa humana, defendam os direitos
humanos igualmente para todos.
No âmbito universitário, o Centro de Estudos Inclusivos, em parceria com os
diversos segmentos universitários (dos alunos e dos funcionários/professores, da
comunidade dos trabalhos de extensão, dos parceiros de pesquisa etc.) está
vocacionado a:
1 - subsidiar, orientar e dar consultoria sobre questões inclusivas;
desenvolver, promover, cooperar, apoiar, incentivar, divulgar a
inclusão em toda a sua abrangência, envolvendo a inclusão de
grupos vulneráveis (as crianças, os jovens, os idosos e as mulheres
com deficiência) nas comunidades quilombolas, indígenas etc.;
envolvendo questões de gênero, etnia, opção sexual/sexualidade de
pessoas com deficiência ou não, envolvendo a opção linguística
(educação bilíngue ou monolíngue) e a opção comunicacional (uso
da língua de sinais, oralização e outros) dos surdos; envolvendo
questões relativas à empregabilidade das pessoas com deficiência;
questões de acessibilidade aos espaços físicos, acessibilidade à
comunicação, acessibilidade aos serviços médicos e hospitalares
pelas pessoas com deficiência; bem como envolvendo questões
relativas ao lazer e ao esporte da pessoa com deficiência, e demais
temas relacionados;
2 - oferecer orientação/consultoria aos centros, aos departamentos,
aos laboratórios, às bibliotecas, à prefeitura, à reitoria e pró-reitorias,
aos DAS e DCE, aos sindicatos etc., visando o acesso à melhor
64
qualidade de ensino e aprendizagem dos alunos e professores com
deficiência;
3 - oferecer orientação/consultoria aos centros, aos departamentos,
aos laboratórios, às bibliotecas, à prefeitura, à reitoria e pró-reitorias,
aos sindicatos etc., visando o acesso à melhor qualidade de vida no
trabalho aos funcionários/professores com deficiência 6;
Nesses seis últimos anos em que tenho participado das atividades propostas
pelo CEI, no âmbito das contribuições para a educação inclusiva, posso afirmar que
os subsídios que se oferece ao trabalho docente, através de informações,
problematizações, reflexões esteadas em constructos teóricos e legais da inclusão
social, incitam mudanças atitudinais que quando atingidas materializam, ética e
cientificamente, os pilares da inclusão.
No CEI construi/socializei aprendizagens, conheci pessoas
firmei
laços fraternos
valorosas
e
que também motivavam a participação nos encontros
presenciais. Hoje, Ana Rosa Aroucha, Fátima Amorim, Lauricéia, Christiane Cabral,
Marize Silva, Mª de Lourdes Oliveira, Iris, Cris, Ernani Ribeiro, Paulo Vieira,
Anderson Tavares, Gustavo Tavares, Rosangela entre outros também compõem a
extensão da minha família.
O Centro de Estudos Inclusivos tem um quantitativo significativo de partícipes,
os quais sempre estão presentes em reuniões, eventos sobre acessibilidade,
tecnologia assistiva ou através de contribuições no ambiente virtual, cujas
discussões
foram
iniciadas
em
21
de
março
de
2006
no
espaço:
http://br.groups.yahoo. com/group/centro_de_estudos_ inclusivos/ messages /1?l=1.
Em 14 de dezembro de 2006, comecei a contribuir com questões,
entendimentos, socialização de materiais para que a experiência formativa nesse
ambiente de aprendizagem trouxesse outros ângulos de percepção acerca da
inclusão. A minha primeira participação consistiu na construção e socialização de
um registro de reunião presencial, nele é possível perceber conceituações
6
Informações contidas no convite de inauguração do Centro de Estudos Inclusivos.
65
apreendidas no curso das disciplinas que estudei como aluna especial na turma de
mestrado (Vide anexo A).
Num encontro vivenciado em 02 de fevereiro de 2007, o professor Francisco
propôs que lêssemos, posteriormente, o texto da entrevista do Giba7 e
analisássemos que barreiras atitudinais poderiam ser percebidas na superfície,
nas frestas e na base das palavras.
5.1- As barreiras atitudinais podem se materializar em nossa linguagem
e se cristalizar em nossas ações
Continuando a relatar o percurso de construção do conceito de educação
inclusiva e da percepção de que as barreiras atitudinais surgem, muitas vezes,
inconscientemente e são difundidas e tonificadas pela mídia, estratifico através de
outro portfólio as aprendizagens construídas a partir das reuniões presenciais do
CEI.
Nesse exercício, fomos convidados a abrir a porta da análise do discurso para
o estudo das barreiras atitudinais.
08/02/2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
As barreiras atitudinais se materializam em nossa linguagem, sem que as
percebamos.
“(...) Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.(...)”
ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da poesia.
Larissa Purvinni entrevistou o jornalista Gilberto di Pierro. A temática foi
a vida das pessoas que têm síndrome de down. Debruçando-nos sobre as
afirmações dele, vemos o quanto o “verbo pode se fazer carne”, uma “carne”
petrificada nas raízes de nossa sociedade, uma “carne” que obsta a construção
de uma sociedade de todos, para todos e com todos.
7
Disponível em http://br.groups.yahoo.com/group/centrodeestudos_inclusivos /message /1040 e nos
anexos do presente trabalho.
66
Giba é jornalista, pai de três jovens, e um deles tem síndrome de down.
O jornalista afirma, na entrevista, que apenas se preocupou com as pessoas
com deficiência a partir do momento em que sentiu dificuldades em lidar com
suas expectativas em relação ao filho que nascera, em relação ao olhar de
algumas pessoas. Mas a palavra, essa é “úmida”, como diz o poeta, é
“impregnada de sono”, e no sono deixamos que nossos pensamentos mais
reprimidos venham à tona.
As palavras, meus caros, são traiçoeiras; revelam o que há de mais belo,
mais verdadeiro, ou mais cruel no ser humano. Nossas ideologias penetram
clandestinamente na superfície do nosso discurso, percebam, pois, como elas –
as palavras – podem materializar os preconceitos e as barreiras atitudinais que
nutrimos em relação à pessoa com deficiência.
Somos frutos e somos construtores dessa sociedade que hoje luta, ainda
timidamente, pelo direito de todos. Mas as barreiras para que a equidade em
direitos seja uma verdade estão em nós, sujeitos sociais que alimentamos uma
postura cognitiva/afetiva/social a qual vem de encontro aos interesses,
necessidades, a vida das pessoas com deficiência. Será que há como fugir do
etnocentrism?, nem o Giba, pai de um jovem com down, estudioso, preocupado
com a “socialização” (embora que pseuda) da pessoa com deficiência escapa
dessa armadilha.
Na referida entrevista, em que ele fala sobre sua trajetória de pai de uma
criança com síndrome de down e pesquisador das características da síndrome, o
Giba demonstra as várias barreiras alimentadas pela palavra, pela
comunicação. Observando atentamente, suas afirmações, constatamos:
Comparação: comparação de competências de pessoas com ou sem
deficiência, pessoas de classes baixas X pessoas de classes altas, pessoas com
“nível superior” X pessoas “sem informação”. [...]
Esses dois últimos binômios, segundo o entrevistado, são fatores
determinantes para que a família tenha a “cabeça desenvolvida”, portanto, na
visão dele, só as pessoas de “classes altas” e “nível superior” estariam
preparadas para lidar com a síndrome. Ainda bem que era com a síndrome,
embora pareça de fato que ele estava se referindo à pessoa com síndrome de
down, na substantivação “o Down”. [...]
Numa coisa temos de concordar com o entrevistado: “as pessoas devem
saber que é preciso ter uma responsabilidade comunitária”. Pensando nessa
responsabilidade com o outro, com nós mesmos, com a vida, convidamos todos
a ler a entrevista na íntegra, publicada na revista Pais & Filhos, publicada em
janeiro de 2007. Os textos midiáticos muito influenciam as posturas de quem a
eles têm acesso. Devemos nos preocupar com o eco das palavras de uma
pessoa como o entrevistado, pois a ele serão dados muitos créditos, seja por ser
pai de uma pessoa com deficiência, seja pelo trabalho comunitário e as
pesquisas que realizou. Imaginem quantas posturas inadequadas podem surgir
com a internalização de muitas das ideias expostas na entrevista!
Como vimos, ninguém está livre de escorregar na superfície das
palavras. Sobre a face aparentemente neutra, perguntemos, investiguemos as
“mil faces secretas”, como diria Drummond, palavras que “ rolam num rio
difícil e se transformam em desprezo”, palavras que servem como justificativa
para as barreiras atitudinais. 8
8
Vide portfólio na íntegra – Anexo B.
67
Palavras como as do Giba nos fazem compreender porque, muitas vezes, a
inclusão é o caminho não escolhido. Perceber esse discurso a partir das lentes da
filosofia inclusivista é ver que as receitas de compreender e interagir com a pessoa
com deficiência devem ser decalcadas em sentido assimétrico.
Esse entendimento ancora-se nas reflexões propostas pelo coordenador do
CEI, nos debates presenciais e virtuais. Um estrato de mensagem enviada para o
grupo sobre a análise do discurso do Giba traz assertivas que foram centralidade
para as reflexões acerca das bases da inclusão e possibilitam a compreensão
sobre os elementos impossibilitadores da efetivação dessa filosofia.
08/02/2007
Olá, meus caros colegas:
[...] buscando oferecer subsídio para nossas discussões, venho trazer
alguns comentários ao texto transcrito na íntegra, ao pé desta mensagem. Dele,
extraí alguns trechos, os quais ofereço uma interpretação, a qual é apenas uma
das muitas possíveis.
Reflitam! Na entrevista vocês lerão afirmações como:
“Eu ainda encontro pais que continuam inconformados, eles ainda tentam
fazer dos filhos absolutamente normais. E este bloco se baseou na inclusão, o
que é uma crueldade. Quando a criança é bem pequena, você tem escolas
pagas que aceitam sem problemas. Não existe mais essa resistência, isso é
exagero da novela. E nessas escolas, quando a criança ainda é pequenininha,
dá para alfabetizar. Num suposto ensino fundamental, começa o problema, pois
um amiguinho rejeita o outro."
Bem, aqui o entrevistado parece não conhecer a realidade das pessoas com
deficiência, menos ainda, das pessoas com down! Dizer que as escolas não
rejeitam crianças com deficiência é alucinar mesmo! Em que planeta está este
senhor?[...]
O entrevistado também erra em falar que o processo de "normalização está
baseado na Inclusão. De fato, a normalização teve início bem antes e recebeu e
recebe críticas importantes, até os dias de hoje. Assim como a Integração (que
veio depois da Normalização), a Normalização teve papel crucial na construção
do que hoje conhecemos como Inclusão, porém, é erro crasso, dizer que
a Normalização está baseada na teoria da Inclusão.
Com efeito, pode ser que nem seja erro, porém intenção, visto que muitos
que se dizem favoráveis à Inclusão, valem-se do discurso inclusivo, para, contra
a Inclusão trabalhar. [...]
68
Notícias para esses faladores da segregação: As pessoas com deficiência
não aceitam mais que, por elas, pessoas como o entrevistado, falem, ditem as
regras, decidam! "Nada sobre Nós sem Nós", eis o lema. E este não é letra
morta. [...]
A fala do entrevistado traz muito mais que meras palavras de um pai, cujo
filho tem síndrome de down; de um pai que teve muitos anos de experiência com
muitos outros pais de filhos com síndrome de down etc. A fala desse
entrevistado representa toda uma compreensão de mundo, toda uma história
que nos moldou e que de tanto enraizada em nós está, que não percebemos da
sua influência sobre nossos atos e discursos.
Muito ainda há para se falar da matéria, contudo, deixo-os agora com a
íntegra da entrevista, para a leitura e reflexão de vocês.
Cordialmente, Francisco Lima9
O entendimento da origem, da conceituação, da taxonomia, das formas de
manifestação das barreiras atitudinais, bem como dos prejuízos trazidos à pessoa
com deficiência pela manutenção desses obstáculos e ainda do percurso para a
eliminação deles é uma trilha sem fim iniciada desde o momento em que abri a porta
de acesso ao conhecimento de que a inclusão é uma filosofia que exige ações: a
ação de estudo contínuo; a ação de respeito e luta pela efetivação dos direitos
humanos; a ação de buscar construir
a consciência inclusivista individual e de
contribuir para que se delineie o despertar/a mentalidade da coletividade; a ação
de
transformar a sociedade de
alguns em
espaço para todos; a ação de
reconhecer que só se constrói pilares inclusivos na escola se todos estiverem
engajados no processo. Nesse trajeto, compreendi que não há fôrmas, não há
espaço para generalizações, padronizações ou particularização nas formas de
interagir, de contribuir com a educação dos alunos com deficiência.
Essa percepção também se ancora em palavras como a do Fábio Adiron
que em um texto intitulado “Vaticínios Trissômicos”, estudado em uma das reuniões
do CEI, traz um “decálogo abúlico”, no qual, através de linguagem irônica, o autor
apresenta aos leitores os percursos estereotipados que a sociedade indica para que
os pais, familiares e amigos possam “lidar” com a pessoa com deficiência.
O texto, já em seu intróito, vai provocando estranhamento no leitor, seja
porque o leitor já ouviu e/ou recebeu, forneceu tais orientações a alguém, seja
9
Vide mensagem na íntegra – Anexo C.
69
porque as acha demasiadamente absurdas. Orientações que de um jeito ou de outro
são nutridas pelo senso comum, pelas ideologias e como diria Pedro Demo (1995),
pelo infinito número de “doutores treinados”, bons na competência formal e ingênuos
ou malandros no plano dos conteúdos, usuários de uma ideologia inteligente que se
traveste de ciência, ou melhor, de um discurso que se maquila de inclusivo para
sustentar ações excludentes
Ancorados no senso comum, aparentemente “marcado pela falta de rigor
lógico, espírito crítico, muitos procuram o bom senso ao mesmo tempo simples e
inteligente, sensível, óbvio” (DEMO,1995, p.18), para agir diante da pessoa vista
como desviante. O senso comum sustenta as crenças de incapacidade, o
sentimento de pesar e tantas outras barreiras atitudinais nutridas por todos aqueles
que dele fazem uso por constituir o saber comum que organiza o cotidiano da
maioria. Um saber que histórica e frequentemente concedeu à pessoa com
deficiência não uma, mas a condição sub-humana.
Alhures, baseados nas ideologias, há os que cumprem um papel justificador
de posições sociais vantajosas.
(...) Ideologias intrinsecamente tendenciosas, no sentido de não
encarar a realidade assim como ela o é, mas como gostaria que
fosse, dentro de interesses determinados. Para deturpar a realidade
de acordo com seus interesses a ideologia usa de instrumentos
científicos, no que pode adquirir extrema sofisticação. Pode chegar à
mentira, quando não só deturpa, mas inverte os fatos, fazendo de
versões, fatos. (...) Ideologia é compreendida como sombra inevitável
do fenômeno do poder, que dela lança mão para se justificar. Pode
ser sagaz, não diz que é poder, que deseja dominar, que busca
vassalos, que detesta contestação. Diz que é participação, desígnio
de Deus, mérito histórico, boa intenção em favor dos fracos.
Ideologia não é apenas sistema de crenças mundiais, maneira
particular de ver as coisas, mas especifica justificação de serviço do
poder (DEMO, 1995, p.19).
Com sarcasmo, é deste lugar de supremacia que Adiron “veste-se” com a
“formalidade”, a “seriedade” e o “poderio” de quem em situação estratégica tem
ditado regras, determinado o quotidiano de quem possui uma deficiência.
Colocando-se como “oráculo supremo da sabedoria”, o autor em seu “decálogo
abúlico” clarifica os estigmas, estereótipos nutridos em razão da deficiência por
aqueles que desconhecem o potencial da pessoa humana. O texto é concluído com
70
a seguinte citação do João Guimarães Rosa: ‘ O homem nasceu livre para aprender,
aprender tanto quanto a vida lhe permita’
Assim, a relevância de todos nós, atores políticos, responsáveis pela
existência de outrem tanto quanto pela nossa, querermos conjuntamente mais amor,
solidariedade, respeito à pessoa humana, afinal somos “eus”, como diria o professor
Francisco, que buscam aprender tanto quanto nos permitem os outros, tanto quanto
pertencemos não apenas à espécie, mas ao gênero humano. Nas palavras de
Duarte (1993), esse processo de genericidade é referente ao modo como cada
indivíduo aprende a ser homem, pois o que a natureza nos dá quando nascemos
não nos basta para vivermos em sociedade.
Um dos aspectos que fragiliza a convivência em sociedade é a confusão que
se faz entre doença e deficiência. O conceito de doença aplicado a uma pessoa faz
da pessoa um paciente que merece ser tratado, talvez por isso muitas famílias vivam
em função da deficiência e se eliminem, por exemplo, depositando na criança o ônus
de seus insucessos. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005).
É na família que, muitas vezes, o rótulo de desviante é sobreposto à criança.
O modo como a própria estrutura e ideologia do sistema social devem sempre
confirmar e perpetuar este rótulo, e como ele, eventualmente, se prolonga durante a
vida adulta são elementos que estão na base dos estudos sobre barreiras atitudinais
praticadas contra a pessoa com deficiência.
Certa vez, numa reunião presencial do CEI (08/11/2007), uma fala de um
colega, o Juvi Passos, nos chamou bastante atenção: “Podem me chamar do que
quiser, desde que meus direitos não sejam infringidos!”. Foi dito, na reunião, que
precisamos ouvir as pessoas com deficiência para sabermos que caminhos devem
ser percorridos de modo a contribuir para o empoderamento dessas pessoas.
Muitas teorias já foram escritas, muitas discussões já refletiram sobre a
nomenclatura mais apropriada para fazer referência à pessoa com deficiência;
tentativas que, por vezes, nutrem a barreira atitudinal da generalização ou tiram da
pessoa com deficiência o direito de ser reconhecido como sujeito singular, que
apresenta como uma de suas características a deficiência.
Por que temos de
nomear o outro? Por que necessitamos de classificações, distinções? Tendenciamos
71
a buscar estratégias para nos protegermos em relação ao que nos parece
desconhecido e, para tanto, criamos categorias e classificações, visando nos
posicionar e posicionar o outro.
Se a presença de uma pessoa com deficiência, geralmente, não passa “em
brancas nuvens” (CRUZ, 1991), também não passam despercebidos os negros, as
mulheres, as crianças, os pobres, a pessoa humana; pois a todo o tempo avaliamos
o outro e essa atitude é resultado de construções sociais as quais nem sempre são
favoráveis a leitura do Outro. Por esta razão, precisamos estar atentos para não
derraparmos em nossas palavras, ações, posturas e não nutrirmos as ideologias
históricas responsáveis pela manutenção das barreiras atitudinais geradas em razão
do preconceito com as pessoas.
Conseguir vivificar a atitude atenta, vigilante a erradicação das barreiras
sociais é também tonificar a compreensão de que incluir é aprender a viver com o
outro, como diz Delors em seu relatório a UNESCO, ou melhor, incluir é viver, estar
com o outro e cuidar do outro, ter um cuidado não no sentido caritativo, paternalista,
mas na essência da humanização, da empatia. Incluir implica a valorização da
diversidade, pois na comunidade humana não há como se exigir simetrias. Incluir é
[...] uma questão de PRINCÍPIO. Não dá para com jeitinho incluir ou
incluir mais ou menos. Ouço dizer que é muito difícil conviver com
pessoas com deficiências, que é complicado entendê-las, educá-las,
aceitá-las, mas que temos o dever de nos relacionarmos com elas.
Façamos um exercício extremamente rico, vamos ter um olhar às
avessas para isso: difícil é não entendê-las, não educá-las, não
aceitá-las. Eu vou além: temos mais que o DEVER, temos o
DIREITO de nos relacionarmos com elas. Isso muda tudo. Quem se
dispõe a experimentar está se dando a chance fantástica de crescer,
pois, ao se ver espelhado no outro, descobre a riqueza do humano.
(PELLEGRINELLE, 2004, p. 35)
Essa
compreensão
tem
sido
intensamente
socializada
com
outros
professores desde que os saberes que construí, nessa trajetória formativa,
começaram a ser difundidos no exercício da docência no curso superior. No ano de
2008, abri então outra porta, cuja singularidade me conduziu a estudar a inclusão
em outras faces e fases.
72
5.2- A docência no Ensino Superior
Em fevereiro de 2008, comecei a trabalhar no curso de licenciatura em Letras,
das Faculdades Integradas de Vitória de Santo Antão (FAINTVISA), lecionando as
disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Teoria Literária, Leitura e
Produção Textual, e no curso de bacharelado em Administração, lecionando a
disciplina de Português Instrumental.
Nesse período, eu ainda atuava na escola Recanto Infantil, em Recife,
durante os dois expedientes diurnos e trabalhava na FAINTVISA à noite. Foi um
desafio! Atuar na Educação básica e em classes especiais tinha sempre um sabor
diferente, a cada dia, a cada experiência que sendo docente também o é autoformativa. Trabalhar no curso de bacharelado e de licenciatura era efetivar o
compromisso ético com a proposta que eu agora defendia: a inclusão.
No bacharelado em Administração, entre as orientações para a construção de
redações oficiais, de textos escritos e orais estavam as provocações para que os
alunos refletissem sobre o discurso por trás do discurso, sobre a atuação da equipe
de recursos humanos dentro de uma empresa, a inclusão era também o conteúdo
em pauta.
No curso de licenciatura em Letras, discutir preconceito linguístico imbricado a
preconceito de classe era discutir também barreiras atitudinais. Estudar literatura
era perceber também as representações sociais que os textos difundem sobre o
gênero humano. Fazer refletir sobre as formas do dizer era fazer perceber que o
discurso abre, fecha e consolida um espaço de valoração da pessoa humana.
Ainda em 2008, trabalhei como professora de inglês instrumental, no curso
profissionalizante ofertado pela UPE (Universidade de Pernambuco) Virtual.
Comecei a me interessar pelo ambiente virtual de aprendizagem. Experiência ímpar!
Nesse ano, deixei de trabalhar na escola Recanto e ingressei na rede
estadual de Ensino no município de Moreno e depois em Vitória de Santo Antão,
onde atuo até o momento.
Em 2009, na FAINTVISA, assumi disciplinas no curso de Pedagogia: Prática e
Pesquisa Pedagógica; Literatura Infantil, jogos, brinquedos e brincadeiras; Seminário
73
Integrador III: Gestão democrática na escola. Trabalhando em três cursos (Letras,
Pedagogia e Administração), propunha sempre atividades interdisciplinares e como
foi interessante ver no semblante dos alunos a descoberta de que os saberes não
devem ser tratados como gavetinhas incomunicáveis!
Na docência no curso superior, tenho tido condições de trazer a axiologia da
inclusão como conteúdo que perpassa todas as licenciaturas e bacharelados, pois
acredito que as barreiras atitudinais podem ser eliminadas se cada profissional em
sua formação inicial e contínua for instrumentalizado para realizar a auto e a hetero
avaliação de atitudes sociais e mais, for orientado a promover um desenho universal
em toda ação profissional empreendida.
Em 2010, fui convidada a construir os livros que compõem a leitura básica
obrigatória da disciplina de Educação Inclusiva do curso de licenciatura em
Pedagogia, modalidade à distância, da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE), onde atuo até o momento como professora executora da disciplina. O
professor Francisco Lima esteve ombro a ombro trabalhando comigo na construção
da ementa e dos materiais da disciplina. Depois, a professora Fátima Amorim, uma
pessoa muito especial, sensível e competente, a qual conheci no CEI, juntou-se a
nós nesse percurso de construção conjunta que pretende contribuir para a formação
de professores conscientes de seu papel na escola para todos.
As atividades docentes efetivadas na educação básica, no curso superior e
depois na pós-graduação lato sensu refletem as aprendizagens construídas, a luta
para a construção de espaços mais democráticos, a crença incondicional nas
potencialidades da pessoa humana e o compromisso com a educação e a ciência.
Nesse percurso laboral no curso superior, tenho estimulado graduandos e
pós-graduandos a participar de ações sistematizadas pelo Centro de estudos
inclusivos: como as três mostras de áudio-descrição (2008, 2009, 2011), as mostras
de tecnologia assistiva (2009, 2011), as palestras sobre acessibilidade (2010, 2011).
Creio que tais eventos têm ajudado a abrirmos novas portas rumo à efetivação da
inclusão nos ambientes laborais e formativos em que esses profissionais em
formação inicial já atuam.
74
5.3 – A docência na pós-graduação lato sensu
O ingresso como docente nos cursos de pós-graduação aconteceu por
solicitação dos graduandos. Uma turma de especialização, em Leitura e Produção
Textual, com a qual eu não tinha trabalhado na FAINTVISA, solicitou formalmente a
orientação para a construção dos projetos de pesquisa e dos trabalhos
monográficos: Alfabetizar e letrar: as contribuições da Literatura Infanto-Juvenil no
fazer pedagógico (ANDRADE, 2009); A leitura e a escritura nas escolas: refletindo a
prática docente (LIMA, 2009); O texto na sala de aula: perspectivas contempladas
nos livros didáticos de Língua Portuguesa (GONÇALVES, 2009); Literatura de
cordel: caminho para a formação de leitores (GOMES, 2009); Literatura Infantil e
Interdisciplinaridade: uma proposta através da obra Chapéu Mau e Lobinho
Vermelho (CRUZ, 2009).
A orientação desses cinco trabalhos
foi uma experiência valorosa.
Estudamos juntos, construímos caminhos. Busquei socializar o que havia aprendido
com Gilberlande, Maria Lucia, Fátima Amorim, Francisco e Hugo sobre pesquisa,
metodologia
científica,
produção
textual.
Fomos
pesquisando,
dialogando,
construindo ciência.
A minha primeira orientanda foi a minha irmã, Cinthia, fonte inesgotável de
alegria, de acolhimento. Experienciei com ela o tatear da construção de um trabalho
de conclusão de curso, às vezes, ríamos porque ela era a única aluna que morava
com a orientadora e estava em constante processo de construção, de reescritura do
texto, de reelaboração. Desde que ela ingressou no curso de Letras e na docência
temos construído e socializado muitos projetos juntas.
Os meus cinco orientandos, Cinthia, Emerson, Geyse, Adriana, Daniela
publicaram seus trabalhos em anais, revistas, livro, por acreditarmos que a produção
científica deve ser socializada, deve provocar reflexão, mudança, transformação,
precisa chegar à escola e dela emanar.
Depois, outro grupo de alunos do curso de especialização em Processos
educacionais e gestão começou a participar dos seminários integradores (temática:
gestão da educação e da escola) que eu ministrara no curso de licenciatura em
Pedagogia. Os graduandos solicitaram, no decorrer do trajeto, orientações para a
75
construção dos trabalhos de conclusão de curso: A construção de valores humanos
no espaço escolar: uma análise no grupo escolar José Teobaldo de Azevedo
Limoeiro PE (GOMES, 2010); A função dos jogos e brincadeiras para o
desenvolvimento integral das crianças na educação infantil (PRUDENTE, 2010);
Educação Inclusiva: desafios, barreiras e perspectivas (SILVA, 2010); A importância
do brincar na Educação Infantil. (SILVA, 2010); As perspectivas do profissional de
educação na unidade prisional da Vitória de Santo Antão (ALMEIDA, 2010).
Em meados do segundo semestre de 2009, as Faculdades Integradas da
Vitória de Santo Antão ofereceu um curso de pós-graduação em Educação Especial,
coordenado pela professora Leila Medeiros. Ela foi minha professora na disciplina de
Psicologia, na graduação, mas naquela época, não nos aproximamos tanto.
Leila acreditou que eu poderia fazer um trabalho consistente e perguntei-lhe: Mas eu só tenho especialização. A coordenação geral de pós-graduação aceitará a
indicação para docência? Leila respondeu: - Eu sei o que estou fazendo. Será ótimo
para os alunos. E, na verdade, você já faz parte do corpo docente da pós. Minha
coordenadora e amiga começara a me incentivar a cursar o mestrado. Pediu que eu
participasse da construção do livro: “Sexualidade e gênero: construções na
diversidade cultural e nas práticas educativas”, organizado por ela e publicado pela
Libertas em 2010.
Nesta ocasião, eu estava vivenciando a implantação de um
projeto sobre o tema na escola pública e socializei o processo e os resultados da
intervenção
através do texto: “A Constituição do Gênero: reflexões sobre a
intervenção pedagógica”.
Leila, é, para mim, uma fonte segura para o compartilhar de dúvidas,
desejos,
sonhos,
angústias
também
presentes
no
meu
percurso
formativo/existencial.
No curso de pós em Educação Especial da FAINTVISA 10, lecionei a disciplina:
Práticas de inclusão e intervenções em Educação Especial. Cheguei com tanta
10
Supervisões e orientações concluídas - Monografia de conclusão de curso de aperfeiçoamento/especialização
em Educação Especial
Vanessa Maria Barbosa de Amorim. Contribuições das aulas de Educação Física Escolar na melhoria da
qualidade de vida dos alunos com Síndrome de Down. 2010. Monografia. (Aperfeiçoamento/Especialização
em Aperfeiçoamento/especialização em Educação Especial) - Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão.
Orientador: Fabiana Tavares dos Santos Silva.
76
vontade de que aqueles alunos fossem multiplicadores da inclusão, promotores da
acessibilidade que, como fruto desse primeiro trabalho, e sob a pressão dos alunos,
fui intimada a lecionar a disciplina de Educação Formal, Informal e Não-formal.
Visitamos o presídio para compreender outras faces, naturezas, objetivos da
educação, fomos a APAE – Recife (Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais), convidamos pessoas da comunidade para falar como percebiam e
vivenciavam a inclusão.
Essa turma de pós era composta por professores de educação física, de
música, intérpretes de Libras, psicólogos, mestres em educação, psicopedagogos e,
nesse quadro diverso, aqueles encontros tornaram-se laboratórios em que a
aprendizagem foi se firmando em bases significativas, filosóficas, legais, científicas,
empíricas. Promovi encontros dos alunos da pós com os da licenciatura em Letras e
em Pedagogia. Os graduandos estavam desenvolvendo um trabalho sobre a
educação no sistema prisional, os letrólogos implantaram na cela de aula do presídio
de Vitória de Santo Antão um projeto, sob minha coordenação, para que se
discutisse/construísse o gênero poema como fio condutor da reflexão, da vivência da
sensibilidade, num espaço em que se busca a humanização e a ressocialização. Os
pedagogos fizeram pesquisa de campo, entrevistas com professoras atuantes no
presídio, entrevistas com alunos internos. Dessas atividades surgiram os minicursos
efetivados pelos graduandos, cuja clientela alvo era os alunos da pós-graduação e
professores das escolas da GRE Mata Centro (Gerência Regional de Educação da
Mata Centro).
Os resultados desse trabalho foram muito gratificantes, pessoas que
ensinavam em presídios disseram que jamais tinham comentado o assunto porque
estar neste espaço é também ser vitimado por preconceito e discriminação. Isso
sinaliza que quando a clientela educacional é alvo de barreiras sociais, muitas
vezes, os professores que atuam com ela também vivenciam processo semelhante.
Josefa Gerusa de Matos. O processo de ensino-aprendizagem de uma criança com hiperatividade: Uma
revisão da literatura. 2010. Monografia. (Aperfeiçoamento/Especialização em Aperfeiçoamento/especialização
em Educação Especial) - Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão. Orientador: Fabiana Tavares dos
Santos Silva.
77
Em parceira com uma das professoras que atuava no presídio, Veridiana
Almeida, construí o artigo “Educação entre as grades: as perspectivas dos docentes
da EJA na Unidade Prisional de Vitória de Santo Antão”, publicamos o texto na
revista ATHOS - Revista de Estudos Integrados das Faculdades Integradas da
Vitória de Santo Antão (2010, p. 141-158). E ainda como forma de socializar a
experiência docente vivenciada no presídio, apresentei, na modalidade de
comunicação oral, o trabalho “A poesia na cela de aula: a produção textual de
indivíduos em situação de privação de liberdade” no SINALGE - II SIMPOSIO
NACIONAL LINGUAGENS E GÊNEROS TEXTUAIS Universidade Estadual da
Paraíba, em 2009.
No fim do segundo semestre de 2009 e início de 2010, lecionei a disciplina
Técnicas de revisão textual, no curso de pós-graduação lato sensu em Leitura e
Produção Textual, coordenado pelo professor José Ricardo. Ele me convidou para
publicar algum escrito no livro organizado pela Ivanda Martins: Linguagem, Leitura e
Produção Textual, publicado pela Baraúna.
Colaborei fornecendo o texto
“Contribuições da teoria da andaimagem para a promoção da leitura literária em
Classes de Projetos Especiais”.
Em junho de 2011 e em março de 2012, lecionei a disciplina Fundamentos
Pedagógicos para o Trabalho com Portadores de Necessidades Especiais, nos
cursos de pós-graduação em Educação Especial da Faculdade Joaquim Nabuco
(Recife).
O mais gratificante desse percurso tem sido ver outras pessoas vivenciarem
um processo semelhante ao que experiencio, cotidiana e continuamente, desde que
abracei os princípios inclusivistas como fio condutor do meu trabalho pedagógico e
vivência: a percepção e desconstrução de barreiras atitudinais.
5.4 – O pesquisador em formação: a pós graduação stricto sensu
5.4.1- Por entre os obstáculos, o tatear
Do final de 2007 até o ano de 2010, não tive mais condições de participar das
atividades presenciais do CEI. Em 2008, frequentei um curso de metodologia
78
científica, oferecido na HMF Assessoria Pedagógica, sistematizado pelo professor
Hugo Monteiro Ferreira, e comecei a delinear a construção do projeto de mestrado.
Tive de interromper o processo de construção, saí do curso, a minha família
precisava mais de mim.
Algum tempo depois, sob a compreensão de que a inclusão é algo que
perpassa todas as áreas do saber, todas as disciplinas, resolvi ler a bibliografia de
duas das áreas contempladas no mestrado em Educação na UFPE (Formação de
Professores e Prática Pedagógica e Didática dos conteúdos Específicos) para ter
condições de decidir que caminho percorrer. Estudei os teóricos e livros indicados
como leituras obrigatórias, produzi fichamentos e mapas conceituais para facilitar a
apreensão do conteúdo. O caminho escolhido foi Formação de Professores e Prática
Pedagógica.
Li o projeto de mestrado de Lívia e o de doutorado de Iraquitan, tinha uma
ideia de como o gênero é estruturado e comecei a construir os primeiros traços.
Discuti sobre o texto com a Lívia, a Ednea, a Leila, a Mária Lúcia e a Fátima Amorim.
Fátima passou horas me explicando cada subsessão do gênero e revisitando a
coerência do que eu havia delineado. Projeto pronto, intitulado “A prática docente e
as barreiras atitudinais frente ao aluno com deficiência”.
A inscrição não foi homologada. O argumento registrado no mural do
PPGE/UFPE: não há docente nesta linha de pesquisa que oriente esta temática 11.
Achei aquele discurso estranho, contraditório ao que eu percebera e aprendera.
Primeiro, na linha de pesquisa havia algumas dissertações defendidas e em
desenvolvimento sobre educação inclusiva, segundo, eu havia compreendido que os
preceitos da inclusão faziam parte do acervo constitutivo da formação e da prática
docente.
O bom nesse processo foi que tudo o que eu aprendi ao ler os livros
sugeridos foi socializado, principalmente, com os alunos da licenciatura em
Pedagogia. As minhas aulas no curso tinham então o sabor de quem começa a
redescobrir a dialogicidade na educação, a teoria freireana etc.
11
Vide anexo E.
79
Dediquei-me aos estudos de modo bem autônomo, participava da discussão
na lista do CEI, vez ou outra, e mantinha contato não muito frequente com Ednea,
Lívia, Fátima, Lauricéia, pessoas que se dedicavam ao estudo da inclusão; hoje
minhas queridas amigas.
Em 2009, duas amigas que trabalham na FAINTVISA, Cinthya Tavares e
Sheila Roberta sugeriram que eu deveria retornar para as Letras e que esse retorno
não excluiria o percurso que eu vinha delineando. Comecei então a participar de
eventos realizados na UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), conheci a
professora
Maria
Goretti.
Fiquei
fascinada
com
o
debate
acerca
da
interculturalidade. Fui então conhecer o mestrado em Literatura e Interculturalidade
nessa Universidade.
Com o acervo de leitura que eu já tinha não foi tão difícil construir outro
projeto de pesquisa. Elaborei então uma nova proposta, intitulada “A leitura literária
e a formação da opinião do leitor empírico sobre o tema diversidade”. Arquivei o
texto e numa ocasião em que fui participar de um seminário sobre sexualidade na
UEPB, enviei-o com antecedência para a professora Goretti.
Ela se interessou pelo tema, disse que gostaria de ser minha orientadora,
caso eu fosse aprovada na seleção, e que o trabalho estava consistente.
Infelizmente a professora adoeceu algum tempo depois e enviou uma mensagem
dizendo que estava se afastando de todas as atividades laborais, mas que havia
outros professores no programa que certamente se interessariam pelo projeto. Eu
precisava de uma declaração de algum professor dizendo do interesse pelo tema,
esse documento fazia parte da inscrição para seleção.
Observando atentamente os currículos dos professores, encontrei Helena
Parente Cunha, ensaísta, poeta, contista, romancista, professora e tradutora e
pessoa muito sensível.
Li alguns textos escritos por ela. Gostei. Então, decidi
contar-lhe sobre o contato com a professora Maria Goretti e a minha intenção em
participar do processo seletivo, enviei-lhe o projeto, situado na linha de pesquisa
Estudos Socioculturais pela Literatura.
Após alguns dias, a professora Helena escreveu um e-mail solicitando meu
número de telefone. Foi uma grata surpresa quando ela ligou para saber do meu
80
percurso profissional, da percepção que eu tinha da pessoa humana, da ciência, da
docência, da literatura. Ao fim da conversa, Helena disse que mesmo morando no
Rio de Janeiro e eu no interior de Pernambuco seria um prazer fazer parte desse
percurso, que eu demonstrava segurança, sensibilidade, ciência, que seríamos
parceiras na empreitada. O que mais me surpreendeu neste processo é que o
projeto, de algum modo, trazia como centralidade o estudo sobre as barreiras
atitudinais, tema que foi recusado na seleção na UFPE.
Vez ou outra conversávamos por e-mail. Eu estava feliz porque uma pessoa
sensível, competente como Helena, tinha ratificado a pertinência do percurso
acadêmico/formativo, discursivo que eu vinha construindo.
Próximo ao período de seleção, fui participar de um congresso internacional
de tecnologia na educação, realizado no Centro de Convenções em Olinda, lá
encontrei Ana Rosa.
Conversamos sobre o caminho acadêmico que eu estava
percorrendo e Aninha insistiu que eu deveria novamente participar do processo
seletivo na UFPE. Pensei muito, tanto que decidi fazer a inscrição no último dia, por
insistência agora da minha família e de Ana Rosa. Aquele texto que havia sido
reprovado por falta de orientador recebeu um novo formato, título, objetivos e
metodologia. Pedi a Leila que lesse o texto e indicasse se qualitativamente era
interessante investir no percurso. Resposta afirmativa.
Sem expectativa e sem que o professor Francisco Lima, meu possível
orientador, imaginasse, fiz a inscrição, que foi homologada e segui nas demais
etapas do processo. Reli meus fichamentos, voltei a ler textos em inglês sobre a
temática e fui caminhando pelas etapas do processo seletivo, atingindo em cada
uma a nota máxima ou algo bem próximo a isto. Nem acreditei quando no final do
percurso observei que seguindo a ordem da pontuação específica e geral eu fui
classificada como a primeira colocada da linha de pesquisa e do programa como um
todo. Passei algum tempo para processar que eu estava ingressando em outra
etapa da minha formação e que não tinha sido o trajeto que eu havia planejado para
aquele momento. Foi difícil dizer a professora Helena que eu ficaria por aqui.
Iniciei o curso com muita vontade de aprender e trazer para a prática
pedagógica os saberes construídos.
81
5.4.2- Contribuições das disciplinas no curso de mestrado
Durante o curso das disciplinas de mestrado encontrei professores muito
interessados em trazer contribuições para que eu refletisse sobre o objeto de
pesquisa a partir de outras lentes, mas também encontrei quem afirmasse que “o
professor de português, matemática ou de outra área que não a pedagogia quando
resolve estudar essa coisa de inclusão é porque não é bom profissional em sua área
de atuação”. Fiquei impactada com a concepção reducionista de educação que se
cristalizava neste discurso, o qual demonstrava a incompreensão da inclusão e o
desrespeito e até preconceito com os estudiosos da área.
Em contrapartida, para nutrir o meu espírito e de outros dois alunos
pesquisadores da inclusão, Andreza Nobrega, minha atriz preferida, e Anderson
Tavares,
amigo-primo
especial,
outros
professores
caminharam
conosco,
questionaram, demonstraram interesse em compreender o que objetivamos, no que
acreditamos.
As oito disciplinas cursadas em 2010 proporcionaram a ampliação da
compreensão acerca das bases sociológicas, legais, filosóficas, pedagógicas,
psicológicas da educação em nosso país.
No primeiro semestre do mestrado, cursei três disciplinas: “Fundamentos
Sócio-Econômicos e Político da Educação”, ministrada pelos professores Alice
Botler e Daniel Rodrigues. No percurso dessa disciplina foi possível analisar as
barreiras atitudinais
sob os constructos
teóricos da sociologia da educação,
construi o artigo intitulado “As barreiras atitudinais na relação professor e aluno com
deficiência: reflexões à luz das teorias sociológicas bourdieusiana e foucaultiana”,
publicado na
Revista
ATHOS (Revista de Estudos Integrados das Faculdades
Integradas da vitória de Santo Antão.)
O artigo apresenta, numa perspectiva de síntese, um projeto de
pesquisa stricto sensu sobre as barreiras atitudinais que podem ser
praticadas por professores contra os alunos com deficiência. Tais
barreiras interferem e, mesmo, impossibilitam a educação desses
alunos, pois compreendem posturas afetivas e sociais que se
traduzem
em
discriminação
e preconceito.
Comenta-se,
sumariamente, à luz das teorias sociológicas bourdieusiana e
foucaultiana, as relações de poder que podem ser exercitadas
durante as interações escolares. Conclui-se que as barreiras
82
atitudinais, sustentadas por essas relações de poder, marginalizam a
pessoa com deficiência, deterioram-lhe a identidade de pessoa
humana e restringem-lhe as possibilidades de desenvolvimento e de
relação social. Por fim, esclarece-se que reconhecer e erradicar tais
barreiras é possibilitar que o poder que permeia as interações na
escola não se esvazie, mas seja pulverizado entre seus partícipes,
empoderando-os para que das relações travadas na escola
emanem respeito, justiça, fraternidade, ciência, direito de ser e
pertencer. (TAVARES, 2010, p. 141-158).
Na segunda disciplina, intitulada “Fundamentos Psicológicos da Educação e
Teorias da Aprendizagem”, ministrada pelo professor Artur Gomes de Moraes,
conheci mais profundamente muitas teorias psicológicas e o professor forneceu
material de leitura complementar, o qual me ajudou a responder questões
formuladas pelo meu orientador, como os conceitos de
atitude, interação,
interatividade e comportamento.
O artigo produzido ao término da disciplina, intitulado “Rompendo as barreiras
atitudinais na escola: as contribuições de Vygotsky e Wallon” foi publicado, a convite
e parceria da minha amiga Leila Medeiros, no livro “Educação: território
multicultural”, organizado por Lúcia Cordeiro et. al. e publicado pela editora Libertas
(2010):
[...] ao considerarmos que na interação social construímos
significativa parte de nossas aprendizagens e adquirimos
representações em relação aos grupos sociais (POZO, 2002), surge
a necessidade de se investigar como na relação professor e alunos
com deficiência as atitudes do docente materializam tais
representações, configurando barreiras atitudinais que podem obstar
o processo de escolarização desses sujeitos. (LIMA, TAVARES,
2008).
As reflexões aqui propostas acerca deste tema estão
ancoradas em teorias psicológicas que muito contribuíram para o
entendimento do ser humano enquanto eterno aprendente. O que
reafirma a percepção da complexidade dos fenômenos cognitivos,
sociais, psicológicos presentes na escola, na relação professoraluno/aluno-aluno. Sob o manto dessa complexidade de
componentes, sabemos que vários teóricos que se mobilizaram a
discutir a díade Psicologia – Educação buscaram subsídios em
outras ramificações científicas para explicar como se dá o
desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem em sua
dimensão conceitual, procedimental e atitudinal.
O exercício reflexivo que propomos parte de bases
construtivistas, especificamente das contribuições de Vygotsky
(1896-1934) e Wallon (1879-1963), dois autores que consideraram a
perspectiva da psicologia genética, tomaram a dialética como
fundamento epistemológico, demonstraram considerada atenção às
83
crianças com deficiência e conceberam a constituição das relações
firmadas na escola como elementos essenciais nos processos de
aprendizagem. Esses teóricos, seja por considerarem as relações
sociais no processo de aprendizagem, seja por colocarem “a
psicologia a serviço de uma educação que inclui toda criança, e não
apenas as que alcançam bons resultados” (AMARAL, 2006), refletem
a proposição filosófica da Educação Inclusiva: “Educação de Todos,
com Todos e para Todos”, conforme apregoa/postula Lei de
Diretrizes e Bases de 1996 e ratifica a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência (ONU,2006). (MEDEIROS; TAVARES,
2010, p. 186-187)
A terceira disciplina cursada
no período
foi “Pesquisa em Didática de
Conteúdos Específicos I”. As professoras Maria Lucia e Katia Melo propuseram
reflexões sobre os elementos constitutivos do projeto de pesquisa e, em meados do
semestre, convidaram os mestrandos para participarem da Jornada Pedagógica,
ministrando minicursos ou oficinas. Andreza Nobrega e eu decidimos participar,
conversamos com o nosso orientador e organizamos duas propostas para
minicursos: “Jogos teatrais: percepção do corpo na sociedade inclusiva” e “Contação
de histórias: uma vivência lúdica para crianças cegas através da áudio-descrição”.
Foram momentos relevantes, de socialização sobre o que estudamos acerca da
inclusão e da acessibilidade. Posteriormente, fomos informados que os partícipes
dos minicursos solicitaram, através dos formulários avaliativos do evento, que a
Universidade oferecesse curso de extensão ou pós-graduação lato sensu sobre
áudio-descrição.
No segundo semestre de 2010, cursei cinco disciplinas: “Tópicos atuais de
Educação 1 e 2 - Temática: Introdução ao Estudo da Áudio-descrição, voltada à
Educação. Os encontros coordenados pelo professor Francisco Lima resultaram
numa busca incessante por aprender e aprimorar as técnicas de tradução visual.
Três dos trabalhos construídos nas disciplinas foram publicados na RBTV - Revista
Brasileira
de
Tradução
Visual
(http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br):
“Contribuições da áudio-descrição no ensino de Artes”; “As Imagens nos Livros
Didáticos de Língua Estrangeira” e “Reflexões sobre o pilar da áudio-descrição:
‘descreva o que você vê’”. Esses textos discutem as questões da acessibilidade
das pessoas com deficiência visual às imagens que circulam em contextos
educacionais, culturais e de lazer.
84
A terceira disciplina: Fundamentos Legais da Educação Inclusiva, ministrada
pelo professor Francisco José de Lima, possibilitou a compreensão do contexto legal
da educação inclusiva e o entendimento das frestas, ambiguidades, avanços, recuos
da legislação brasileira. Foi possível reconhecer a trajetória da busca legal pela
erradicação das barreiras atitudinais ao longo da historia. E, a partir daí, trazer essa
construção interpretativa como capítulo da presente dissertação.
Nesse período, também tivemos a disciplina de - Pesquisa em Didática de
Conteúdos Específicos II, ministrada pela professora Maria Lucia. Durante as
atividades realizadas nessa disciplina, especificamente na análise de trabalhos
científicos à luz da metodologia e da nossa linha de pesquisa, fui sendo direcionada
pela professora Maria Lucia a refletir sobre a pertinência de pesquisar o contexto
das barreiras atitudinais no discurso científico produzido e socializado no PPGE –
UFPE. A pesquisa começa a caminhar com um novo tom e direcionamento.
Em “Fundamentos Filosóficos e Epistemológicos da Educação”, o professor
Flávio Brayner propôs que ao refletirmos sobre os nossos temas de estudo,
usássemos a alegoria da caverna, escrita pelo filósofo Platão. Esta alegoria fez-me
recordar de todo o meu percurso: o que teria acontecido se eu tivesse continuado
acorrentada nas várias situações de conforto, sem mover a cabeça em direção à
ciência, principalmente, a teoria da inclusão? Eu continuaria olhando apenas para as
paredes do fundo da caverna, para o que me apresentavam enquanto plano e
projeto de educação especial?
A filosofia inclusivista não nos permite ficar imobilizados porque incluir é
verbo de ação, o qual quando verdadeiramente introjetado, compreendido,
vivenciado fornece a motivação que o professor/pesquisador precisa para se
aproximar e desmistificar as sombras projetadas no fundo da caverna. Como os
prisioneiros da alegoria, muitas vezes, damos nomes às coisas, às pessoas, às
situações sem realmente as conhecer. E “tomamos sombras por realidade”. Essa
confusão, porém, não tem como causa a “natureza dos prisioneiros”, a nossa
natureza, e sim as condições adversas em que nos encontramos e acostumamos a
estar.
85
5.4.3 - A Libras, o Braille e a Áudio-descrição: trilhos da acessibilidade
comunicacional
Quando cremos e buscamos a educação para todos, inevitavelmente nos
mobilizamos a conhecer recursos, tecnologias assistivas, códigos, caminhos que
favoreçam a prática includente, a acessibilidade em todas as frentes de ação.
A compreensão de que a ausência de conhecimento de elementos que
possibilitam a acessibilidade comunicacional pode gerar barreiras interacionais,
atitudinais e fragilizar o empoderamento da pessoa com deficiência mobilizou-me,
então, a conhecer a língua de sinais, o braille e a áudio-descrição.
Por hora, eu tenho sido a pessoa mais beneficiada neste processo porque
desenvolvi
outras
habilidades,
competências,
acionei
novos
campos
de
aprendizagens e visualizei outros tantos caminhos laborais.
Há seis anos tenho estudado a língua de sinais e os alunos com deficiência
auditiva são de fato meus instrutores. É uma maravilhosa troca. Também tenho
contado com a orientação e os ensinamentos de Jenisson, meu querido amigo e
professor de Libras e, por vezes, recorro a Ronaldo, meu aluno, meu amigo, meu
instrutor em Libras. Ambos vivem com tenacidade a inclusão na prática docente e
nos trabalhos sociais que efetivam, são pessoas dedicadas a disseminar a crença
de que todas as pessoas devem ter seus direitos linguísticos e sociais respeitados.
Outro processo formativo valoroso tem sido a aprendizagem das técnicas da
áudio-descrição. Sob o incentivo do professor Francisco Lima, participei do III e do
IV curso de Tradução Visual “Imagens que falam”, respectivamente oferecidos em
2010 e em 2011. Tenho me dedicado a “aprender a ver”. No primeiro curso, conheci
Liliana Tavares, grande parceira para os momentos de riso e de dor, conheci
também Regina, Roberto, Patrícia, Flavia Machado etc. e junto a estes novos
amigos tenho discutido sobre acessibilidade nos espaços de difusão cultural.
No decorrer dos cursos de áudio-descrição, em parceira com meu orientador,
foram produzidos os seguintes trabalhos: A áudio-descrição ausente nas
propagandas eleitorais; Áudio-descrição: promovendo o acesso a informações
visuais de pessoas do nosso convívio; Subsídios para a construção de um código de
86
conduta profissional do áudio-descritor; O surrealismo e a construção de imagens:
contribuições da áudio-descrição para os alunos com deficiência visual ; Ler
imagens: áudio-descrição da narrativa de Orlando Teruz; Áudio-descrição de
animação: caminho para o letramento literário das crianças com deficiência visual;
Chaves da Legitimação e da Aprendizagem Televisiva: Áudio-Descrição de um Herói
Humano e de um Herói Mendigo (Estes artigos foram publicados ao longo das
edições da Revista Brasileira de Tradução Visual/ RBTV.). Também escrevemos o
texto: “Áudio-descrição: caminho para a acessibilidade e igualdade de condições na
escola”, publicado no livro: “Educação: um mapa de múltiplas interpretações”,
organizado por Eleta Carvalho, Ivanda Martins e Silvana Pina, publicado pela editora
Libertas (2011). Ainda em 2011, construí, em parceria com Liliana Tavares, o relato
“Áudio-Descrição Dinâmica e Interativa: O Empoderamento do Consumidor com
Deficiência na XII Feira Nacional de Negócios do Artesanato, em Pernambuco”,
publicado na RBTV volume 9.
Durante os cursos, também refleti sobre as barreiras atitudinais, ratifiquei o
entendimento de que ao estudar sobre esses obstáculos sociais inevitavelmente
vêm à tona trans-questões que, consoante Tardif (2006, p. 186), “são aquelas que
alimentam e atravessam (‘trans’) várias problemáticas e várias disciplinas, várias
teorias e campos discursivos, vários projetos políticos, ideológicos, socioeducativos
e pedagógicos”.
No campo da áudio-descrição, as barreiras atitudinais podem
obstar o
empoderamento da pessoa com deficiência, fragilizar o serviço da áudio-descrição,
quando, por exemplo, o áudio-descritor acreditando que o cliente não conseguirá
compreender a obra, oferecer não apenas a tradução, mas a interpretação do que
está sendo lido.
O processo de inclusão comunicacional surge como resultante de
movimentos históricos, ideológicos, filosóficos que se imbricam na compreensão do
que é ser pessoa com deficiência e do reconhecimento do direito de todos a todos
os eventos sociais. Estar engajado nesse processo, conhecer as ferramentas
promotoras da acessibilidade, reconhecer que toda pessoa humana pode
desenvolver potencialidades é buscar ser professor inclusivista.
87
O professor inclusivo/inclusivista, sob o manto da ética, é, portanto, aquele
que imprime a sua marca, o ethos, à ação docente pautada pela atenção,
prudência, sabedoria, ciência, verdade e pelo afeto, equilíbrio, compromisso com
todos os alunos.
Ao longo do processo formativo compartilhado aqui, mencionei situações,
pessoas, questões, desejos, saberes. Falei do lugar do agora e olhei o passado
como quem redescobri que o futuro é um contínuo de todas as frestas do que é
importante e não apresentei neste espaço, do que desaguou neste momento e do
que está no meu caminho singular e coletivo de constituição, de vir-a-ser. A cada
pequena-grande etapa desta jornada, foi como se eu chegasse ao cume de
longínquos montes, o que me faz relembrar a sensação suscitada por um sábio
alerta de Magalhães Júnior:
[...] Lembre-se chegar ao cume do monte é apenas parte do desafio.
Lembre-se, também, de que para valer a pena, a subida tem que ser
divertida, por mais que seja árdua. Quem decidir voltar antes terá
minha compreensão e simpatia. Quem perseverar até o cume, ou
morrer tentando , terá meu respeito. Quem compreender que o topo
é só a metade do caminho e descer com vida é tão importante
quanto subir, terá minha admiração. Terá conquistado o pico e
transformado a si mesmo no processo. Terá aprendido que a vida
continua depois da montanha. Terá aprendido a pedir e dar ajuda.
Terá sido carregado e terá resgatado algum colega que ameaçava
ficar pelo caminho. Vai compreender, por fim, que escalar um monte
não é algo que se possa fazer sozinho, por maior que imaginemos
ser a nossa suficiência. Vai entender que é a escala, e não a
conquista do topo, que nos define . (2007, p. 199-200).
Mergulhar nas memórias, abrir portas, resgatar momentos de crescimento
espiritual, científico, fraterno, rememorar apontamentos de aprendizagem foi buscar,
qual escafandrista, dentre tantas ostras, a preciosa pérola, a porta, a mola
propulsora da minha existência:
o amor ao gênero humano,
à ciência
inclusiva/inclusivista, à educação e mais estritamente, o amor ao divino.
Neste trajeto da pesquisa, busco abrir a porta para uma discussão mais
profunda acerca de como as barreiras atitudinais foram se cristalizando na
sociedade; o que são tais barreiras; como elas tem se manifestado, fechando os
caminhos para a interação, cristalizando atitudes inadequadas diante da pessoa com
deficiência, incitando barreiras que de tão difíceis de serem removidas se tornaram
88
densos entraves à inclusão, os quais ora são sutis, inconfessos, inadvertidos,
inconscientes, ora são ruidosos e propositais.
Como veem, daquela pergunta feita por Lívia Guedes, dois caminhos se
formaram, “I took the one less traveled by, and that has made all the difference”.
Conhecendo-o, se quiserem seguir-me, narro-lhes, no tom da Ciência, mais que o
caminho escolhido, mais que um itinerário singularmente partilhado com meu
orientador, socializo o esforço, a alegria e a dor de quem fazendo pesquisa, conhece
realidades, reflete e se torna, continuamente, pessoa mais humana.
89
Introdução
O verbo tece as barreiras atitudinais
“Deslocar o sentido do lugar estático da exclusão da
diferença para o dinamismo da multiplicidade de
formas de existência é um desafio que exige reflexão,
ação, compreensão e atitude.” (C. MARQUES, 2001,
p.14).
Durante milhares de anos, as pessoas com deficiência foram usurpadas do
direito de participar da dinâmica social. Nesse percurso, firmado inclusive no lastro
da lei, sustentou-se a confusão entre o que elas são, pessoas humanas, e o espaço
e a significação delineados por outros agentes sociais que as consideravam como
deficientes, improdutivas, inválidas, excepcionais, inaptas.
A deficiência foi, portanto, uma das características utilizadas para se legitimar
a desqualificação e a submissão das pessoas com deficiência. Quando associada a
outros aspectos de ordem racial, etária, de gênero etc., ela serviu como justificativa
ao regime de escravidão. Ou ainda, era tida como razão motriz para que pessoas
fossem abandonadas, rejeitadas, descartadas do convívio social e tivessem
denegado o direito de serem pessoas humanas. Esses procedimentos e atitudes
dispensados às pessoas com deficiência, sustentados por modelos de entendimento
místico, caritativo, mercantil, leigo, médico mantiveram milhares de pessoas
marginalizadas e parece ter nutrido nelas a crença descabida de que são incapazes,
dependentes, carentes, limitadas. (ALLAN, 1999; LIMA, 2006).
Allan (1999) afirma que há heterogeneidades nos discursos que materializam
essas compreensões e esclarece impactos sociais e educacionais que esses
modelos trouxeram e/ou trazem à pessoa com deficiência. Por exemplo, no campo
educacional, classificar as crianças como deficientes retirou da competência dos
professores as possíveis ações pedagógicas que deveriam ser ofertadas em sala de
aula convencional.
Essa classificação perpassou os vários entendimentos
construídos ao longo da história da humanidade acerca da existência e
90
potencialidades da pessoa com deficiência, tal como foi descrito em seus diferentes
modelos históricos.
Esses modelos de compreensão parecem ter impulsionado iniciativas
paternalistas e manifestações de pesar as quais foram fontes significativas para a
desumanização das pessoas com deficiência e originaram as barreiras atitudinais, a
partir, por exemplo, da manutenção de descrenças, preconceitos, generalizações,
estereótipos e estigmas.
As barreiras atitudinais são materializadas em discurso e ação, podem ser
originadas, nutridas, eliminadas nas relações interpessoais, na tessitura do que os
sujeitos sociais constroem, negam, afirmam, registram diante da pessoa com
deficiência. Exemplos de algumas delas são a utilização de rótulos, adjetivações,
substantivação da pessoa com deficiência como um todo deficiente. (LIMA;
TAVARES, 2007).
As barreiras atitudinais nem sempre são intencionais ou percebidas. Logo,
ninguém, nem mesmo os pesquisadores sociais que se dedicam ao tema da
inclusão social e educacional das pessoas com deficiência, está alheio à influência
dessas construções, pois várias barreiras sociais são sustentadas não apenas no
discurso do senso comum, mas em bases científicas, filosóficas e históricas que têm
servido para atribuir à pessoa com deficiência uma condição inferior e, por
consequência, tonificam o desrespeito aos direitos humanos.
Na verdade, o reconhecimento do indivíduo com deficiência, enquanto pessoa
humana, detentora do direito à educação, só ocorre a partir do século XX. Nessa
mesma época, também se firma o papel da Universidade, enquanto centro de
pesquisa e de difusão do conhecimento, promotor da educação da pessoa com
deficiência.
Esse ofício da Universidade fica patente no momento em que documentos
legislativos reafirmam que esta instituição formadora do conhecimento tem o dever
de fomentar atitudes positivas favorecedoras à inclusão.
No que concerne ao reconhecimento e a defesa dos direitos humanos,
especificamente o direito à educação, é relevante recordar que o primeiro grande
91
documento de abrangência internacional a contemplar todas as pessoas, com ou
sem deficiência, foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Ao conjugar o valor de liberdade ao valor de igualdade, a referida Declaração
assume que não há liberdade sem igualdade, nem tão pouco igualdade sem
liberdade, afastando a discriminação e acolhendo/defendendo o direito à
diversidade. Logo, o valor da diversidade se impõe como condição para o alcance
da universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos. (Declaração Universal
dos Direitos Humanos, 1948).
Dentre outras declarações firmadas e que enaltecem o direito à educação e
repudiam a discriminação em toda sua manifestação, está a Declaração Universal
dos Direitos da Criança (UNICEF - 20 de novembro de 1959). Este documento
ratifica o valor da pessoa humana e reconhece a heterogeneidade constitutiva do
gênero humano, ao passo em que enfatiza o tratamento desigual, particular, para
igualar em direitos todas as crianças. Tal premissa é enfatizada na Declaração dos
Direitos das Pessoas Deficientes (Organização das Nações Unidas, 1975).
Mais tarde, na década de 80, a opinião das pessoas com deficiência acerca
das condições de efetivação dos direitos humanos é firmada a partir do surgimento
da luta pelos direitos dessas pessoas (SASSAKI, 2006; JANNUZI, 2006; FIGUEIRA,
2008; MAZZOTTA, 2011). Época em que o boom de instituições especializadas
testemunhado na década de 60 dá lugar à percepção de que a integração era
insuficiente para acabar com a discriminação e se buscam novas condições para a
participação plena das pessoas com deficiência nos contextos sociais, mormente na
Educação.
É sob essa percepção que em 1981, ocorre em Torremolinos (Espanha) a
Conferência Mundial sobre ações e Estratégias para Educação, Prevenção e
Integração (UNESCO), a qual origina a Declaração de Sundberg 12. Nesta, há ênfase
na estrutura global de educação permanente para as pessoas com deficiência (Art.
4º) e ainda se anuncia a relevância de se tratar da esfera cognitiva das atitudes
como elemento crucial para a inclusão das pessoas com deficiência, considerando a
12
Esta Declaração recebeu este nome em memória de Nils-Ivar Sundberg, responsável pelo
Programa da Unesco para Educação Especial, no período de 1968 a 1981.
92
mídia como elemento fomentador de opiniões (Art.10). O documento ainda advoga a
formação continuada dos professores e defende o incentivo a pesquisas acerca da
tecnologia assistiva como caminho promotor da educação, desenvolvimento cultural
e emprego para pessoas com deficiência (Art.13).
Em 1990, o mesmo princípio desses documentos foi ratificado na Declaração
Mundial Sobre Educação para Todos, tendo tomado maior amplitude depois da
Conferência Sobre Educação, em Jomtien (Tailândia), no qual se confirmou que a
educação é um direito de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo
inteiro.
Logo, é a partir do reconhecimento de que a educação é de fundamental
importância para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, bem como
favorece o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação
internacional que, então, se almeja uma Educação que contemple a pessoa humana
em todas as suas dimensões, sem discriminação ou quaisquer outras formas de
barreiras ao seu pleno desenvolvimento de pessoa humana livre e cidadã.
Seguindo os princípios mencionados, em 1994, aconteceu em Salamanca
(Espanha) uma conferência realizada pelas Organizações das Nações Unidas sobre
necessidades educativas especiais13, cujo eixo temático centrou-se no acesso, na
qualidade e na atenção educacional de tais alunos. Nessa ocasião, são assinados
compromissos; são estabelecidas metas; são sugeridas reformas e são anunciadas
propostas na perspectiva de superação do quadro educacional vigente, que
demandava por práticas educativas que respeitassem às diferenças. (ARAÚJO,
2007).
A Educação para todos, como um princípio, tem suas bases firmadas nos
documentos mencionados e em vários outros, inclusive anteriores a esta
Declaração, contudo, é a partir dela que várias implicações teóricas e práticas da
educação trazem como centralidade a mudança de atitude, o atendimento às
necessidades educacionais específicas das crianças, o compromisso dos governos
com a Educação para todos como elementos basilares na plataforma das políticas
educacionais.
13
Termo utilizado no texto original de Salamanca.
93
Assim, essa Declaração prima pela igualdade de condições, pelo gozo e
exercício dos direitos humanos no âmbito educacional, ao propor mudanças a partir
de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer as necessidades
educacionais especiais e ser ofertada na escola regular; ao proclamar que escolas
regulares, que possuam orientação inclusiva, constituem os meios mais eficazes de
combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras; ao
incentivar cada governo a cumprir a meta de atribuir prioridade política e financeira
ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a
incluírem todas as crianças e ainda ao propor que este princípio seja consolidado
em forma de lei.
Na ênfase à informação pública para combater o preconceito e criar atitudes
informadas e positivas diante da pessoa com deficiência, como também na ênfase à
capacitação docente, à pesquisa, à tecnologia e à gestão situam-se as mudanças
requeridas na educação para todos.
Essas mudanças não se referem exclusivamente à inclusão do aluno com
deficiência, referem-se às nuanças do sistema educacional e à diversidade humana
que compõe a escola contemporânea, inclusivista, não-discriminatória, como
advogado na Declaração de Washington (1999) e na Convenção Interamericana
para eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de
deficiência14 (GUATEMALA, 1999).
É, pois, na Declaração de Sundberg (1981) e na de Salamanca (1994) que a
pesquisa e a formação continuada de educadores e/ou a capacitação de outros
profissionais que trabalham direta ou indiretamente com a informação ou a formação
de conceitos e opiniões vêm como componentes de grande relevância na
composição da consciência inclusiva, na erradicação da discriminação, do
preconceito e das barreiras atitudinais.
Essa função precípua da Universidade, referente aos fundamentos da
convivência entre ensino e pesquisa, à luz da unidade é, no caso da sociedade
brasileira, institucionalizada no discurso da Reforma Universitária de 1968 (Lei nº
14
Expressão presente no documento em tela.
94
5.540/68), que foi revogada pela Lei 9394/96, cujo capítulo V é dedicado a educação
da pessoa com deficiência.
Considerando os documentos apresentados entre outros, pode-se
afirmar
que a oferta da educação de qualidade como direito de todos deve fazer parte das
pesquisas efetivadas na Universidade.
No presente estudo, se parte da hipótese de que tais produções acadêmicas
vão além dos muros institucionais, isto é, se estendem da universidade às escolas,
alcançando as crianças, imprimindo à prática pedagógica o impacto de novas
reflexões e teorias formativas as quais não estão alheias ao processo histórico de
existência e manutenção da discriminação, das barreiras atitudinais.
As barreiras sociais/atitudinais contra as pessoas com deficiência é objeto de
reflexão e combate no mais democrático tratado de direitos humanos produzido,
reconhecido e defendido mundialmente: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (ONU, 2006). Este tratado de direitos
humanos, o primeiro tornado constitucional no Brasil (Decreto Legislativo nº
186/2008 e Decreto nº 6.949/ 2009), esteia-se na tríade: não discriminação, direitos
humanos e desenvolvimento social.
Assim, desde o preâmbulo e os princípios gerais, demarca e reafirma a
dignidade, integralidade, igualdade e não discriminação. É um documento que
coloca na centralidade das discussões e da lei a garantia da acessibilidade, em
todas as frentes de ação - atitudinal, arquitetônica, programática, metodológica,
instrumental, comunicacional (SASSAKI, 2006), e traz uma diferenciação entre
deficiência e pessoa com deficiência:
A deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação entre
pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao
ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas
pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Preâmbulo, letra ”e”; BRASIL,
DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE
95
OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006; BRASIL,
DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
De acordo com as definições apresentadas por essa Emenda Constitucional ,
uma pessoa com deficiência não é apenas aquela que tradicionalmente se
reconhecia como pessoa com deficiência, mas também as que, em função da leitura
que a sociedade faz da deficiência,
experienciam as barreiras atitudinais, a
discriminação e a desvantagem, na interação social.
Em outras palavras, a perspectiva de entendimento acerca da deficiência não
se situa na deficiência em si, mas na equivocada leitura que outros sujeitos sociais
efetivam sobre a deficiência e a pessoa que a possui.
Justificativa
Embora tenha sido gestado no século XX o discurso em prol da inclusão, é
comum nos vários segmentos sociais, inclusive na escola, a identificação de atitudes
de preconceito e de discriminação, algumas tão danosas que se tornam entraves de
difícil resolução para aqueles que são vitimados por tais ações, restando, como
saída estratégica e não menos nociva, evadir-se da escola.
Traduz-se da percepção deste processo que as fissuras na formação da
consciência inclusiva podem estar na construção científica, legislativa, política
disponível aos agentes escolares. Logo, a efetivação do direito à educação
imprescinde da erradicação de barreiras atitudinais, uma ação cujo ponto de partida
pode ser a leitura crítica, consciente e investigativa dos recursos discursivos
disponíveis na sociedade e constitutivos da dinâmica escolar.
Remover as barreiras sociais dos espaços educativos é, pois, uma ação de
complexa natureza, já que se trata de um movimento individual, “de dentro para
fora”, consciente, contínuo que deve ser emanado para os outros através de ações
concretas. (MITTLER, 2003; CARVALHO, 2006b; LIMA, 2006; LIMA, TAVARES,
2007; GUEDES, 2007).
A lei, muitas vezes, acompanha o desenvolvimento dessas relações entre os
membros da sociedade. Tais relações exprimem tendências políticas que, embora
96
sejam geradas fora do sistema escolar, afetam diretamente as escolas e as
instituições de ensino superior.
A universidade, enquanto lócus de produção e
reprodução do conhecimento, afeta e é afetada por estas tendências, pelas leis e
pelas atitudes, conforme expresso na emenda constitucional supracitada.
A legislação, então, leva, por vezes, a Universidade a efetivar pesquisas que
contribuem para a ampliação das possibilidades de acesso e permanência das
pessoas com deficiência no espaço educativo. Faz isso quando por meio de editais
incentiva pesquisas ou quando, por coerção legal, determina transformações dos
espaços físicos e sociais na universidade etc.
O discurso legislativo-educacional estabelece relações da escola com o
Estado-mantenedor e consolida espaços para reconhecimento e execução dos
direitos humanos das pessoas com deficiência. A seu turno, a ciência da Educação
tem sinalizado que entre as palavras-lei e as práticas sócio-educativas muitos
desencontros são tonificados. (RESENDE, 2006; FROÉS, 2007; ARTIOLI, 2008).
Tais hiatos têm sido alvo de pesquisas de campo e documentais nas universidades
estaduais e federais do país.
Pode-se compreender, portanto, que todos os integrantes da escola, inclusive
professores e pesquisadores que observam, atuam, interferem na dinâmica escolar
são seres políticos que manifestam hegemonia através do dizer e do fazer, quando
expressam ideologias, valores, compromissos, entendimentos por meio de atitudes,
comportamentos e condutas no espaço formativo.
Tal questão, sob o prisma da filosofia da inclusão, poderá revelar, no discurso
da pesquisa sobre as pesquisas em educação especial, que a tríade do
compromisso ético-moral da Universidade - o ensino, a pesquisa e a extensão pode apresentar, produzir, reproduzir, conservar, transmitir, universalizar, combater,
erradicar atitudes que revelam os elementos presentes na gênese da barreira
atitudinal.
No Brasil, este interesse da comunidade acadêmica em refletir sobre os
discursos e encaminhamentos tomados nas pesquisas surgiu em meados da década
de 70, quando ocorrera a expansão dos programas de mestrado e doutorado.
(SANCHÉS; GAMBOA, 1998; SILVA 1990 ; 1997).
97
Como aludem Nunes et. al. ( 2005 apud FROÉS, 2007), análises e revisões
críticas periódicas sobre a produção científica nas diversas áreas são altamente
recomendadas para identificar as tendências e as lacunas no conhecimento
produzido, pois os textos, produtos sócio-históricos das pesquisas, referem-se “aos
pensamentos , sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e
algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam”. (BAUER;
GASKELL, 2008, p.4).
Compreende-se então que é no diálogo que cada pesquisador trava com a
escola, com os sujeitos pesquisados, com as vozes que antecedem o seu objeto de
pesquisa que se pode perceber a Universidade como lugar que historicisa e
consolida ideologias, através de discursos que socializam os achados da pesquisa.
A análise da cultura universitária referente à constituição da escola para todos
insere, portanto, este projeto no conjunto que compõe este tipo de estudo oriundo da
“necessidade de analisar a proliferação de pesquisas e centros de pesquisas que
aparecem a partir dos anos 70 e que têm por objeto a própria pesquisa educacional”
(FREITAS; COSTA, 1990, p. 32).
À luz dessas considerações, vale destacar que na medida em que se
percorreu o contexto histórico, legal e pedagógico referente aos alunos com
deficiência, o próprio objeto de reflexão, as barreiras atitudinais, conduziu esta
pesquisa ao intento de perceber a existência dessas barreiras no discurso das
pesquisas efetivadas/relatadas na universidade.
Abordando a produção científica do Programa de Pós-graduação da
Universidade
Federal
de
Pernambuco
(PPGE/UFPE),
especificamente
as
dissertações de mestrado sobre educação especial produzidas e defendidas no
período de 1978 a 2002, o presente trabalho pretende oferecer uma visão
abrangente, porém não exaustiva, acerca do desempenho da pesquisa sobre
educação da pessoa com deficiência, mormente, da observação ou manutenção das
barreiras atitudinais no discurso constitutivo desses documentos.
Será, então, no interior do discurso de tais pesquisas, especificamente na
análise dos dados e nas conclusões efetivadas por seus agentes, que se pretende
encontrar “elementos que existiram em outros lugares sociais, em outros momentos
98
históricos que, sob novas condições de produção, reconfiguram-se e possibilitam
outros efeitos de sentidos”. (MARQUEZAN, 2009, p. 30).
Vale considerar, neste percurso reflexivo, que o discurso científico contém a
memória coletiva, na qual os pesquisadores estão inscritos. Destarte, a análise do
discurso em tais trabalhos servirá para catalisar os efeitos dessa construção no
dizer, no registro da criticidade e intencionalidade de seus autores. Ou seja, um
ponto que o discurso poderá acenar é se a tessitura dos textos dissertativos alude
teorias pró ou contra a educação inclusiva.
Objetivos
A presente pesquisa investiga como as barreiras atitudinais aparecem no
discurso das dissertações de mestrado defendidas no Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), no período
de 1978 a 2002, sob o tema educação especial; bem como discute o efeito das
barreiras atitudinais no entendimento da sociedade para com as pessoas com
deficiência.
A partir deste objetivo geral, pretende-se:
a) Desenvolver a compreensão a respeito do conceito de barreiras atitudinais e de
suas categorias;
b) Definir/Apresentar, no discurso das dissertações do PPGE/UFPE, as barreiras
atitudinais de acordo com a taxonomia existente;
c) Identificar as barreiras atitudinais que podem ser observadas, geradas ou
veiculadas nas dissertações de mestrado;
d) Analisar as barreiras atitudinais presentes nas dissertações de mestrado;
e) Verificar possíveis mudanças na compreensão / concepção a respeito da pessoa
com deficiência e do processo educativo a ela devido.
99
Organização do trabalho
Este estudo delineou seis capítulos nos quais são contempladas a descrição,
análise e interpretação do fenômeno pesquisado: a existência das barreiras
atitudinais na produção científica (dissertações) do PPGE/UFPE (1978 a 2002), cujo
tema é a educação da pessoa com deficiência.
O primeiro capítulo busca desenvolver a compreensão do conceito de
barreiras atitudinais, discute sobre os componentes cognitivos, afetivos, sociais que
as constituem e, ainda, revisa e busca aprofundar o estudo da taxonomia dessas
barreiras.
O segundo capítulo indica as contribuições dos documentos legislativos para
a efetivação da escola inclusiva. Contempla os documentos que defendem, explícita
ou implicitamente, a urgência da erradicação das barreiras sociais para a efetivação
da escola para todos e indica, consoante tais textos, que a pesquisa/o discurso
científico produzido na universidade é caminho propício à eliminação dessas
barreiras.
O terceiro capítulo comenta/contextualiza a pesquisa sobre as pesquisas no
âmbito nacional e, de modo mais estrito, as realizadas no PPGE/UFPE (1978-2002);
discorre também sobre a pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial e a
pesquisa sobre os estudos dissertativos que contemplem esse tema no
PPGE/UFPE.
O quarto capítulo traz uma reflexão sobre a análise do discurso como base
para o estudo das barreiras atitudinais e propõe que se considere o conteúdo das
barreiras atitudinais como ferramenta para a análise do discurso.
O quinto capítulo discorre sobre o percurso metodológico desta pesquisa
documental. Um intinerário em que se elege a abordagem qualitativa, se
contextualiza o objeto de estudo e, pari passu, se analisa as tendências que se
apresentam no discurso científico produzido no PPGE/UFPE sobre Educação
Especial e podem, por ventura, reger atitudes a favor ou contra uma educação
plenamente inclusiva e inclusivista.
100
O sexto capítulo traz uma leitura das dissertações de mestrado em análise,
indica como os trabalhos foram vanguardistas em relação à efetivação da Educação
Inclusiva e mostra os elementos que, materializados no discurso científico, são
responsáveis pela tonificação de diversas barreiras atitudinais, a começar pelas
que prejudicam a construção da identidade social e pessoal da pessoa com
deficiência: as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação.
Por fim, nas considerações, condensa-se a leitura da trajetória das barreiras
atitudinais nas dissertações e se mapeia a produção científica
produzida
no
PPGE/UFPE (1978 a 2002) sobre Educação Especial, indicando como e onde as
barreiras atitudinais presentes no discurso científico são difundidas e acabam por
chegar até as escolas. Comenta-se os elementos contributivos para que se tenha
no discurso científico
produzido
neste Programa um espaço oportuno para a
existência das barreiras atitudinais, sugere-se como amainar este processo e
defende-se que é papel da Universidade, mormente dos PPGEs, promover a
compreensão e a prática da inclusão social/educacional.
101
Capítulo 1
Barreira Atitudinal: gênese,
conceituação e taxonomia
“Ainda existem barreiras que impedem o acesso e a
permanência, com qualidade, de muitos alunos com
deficiência na escola. São elas físicas [...], pedagógicas e
atitudinais. Essas últimas são as mais sérias e difíceis de
serem vencidas, pois não se removem por decreto a
rejeição, o medo, a estigmatização, os preconceitos, os
mecanismos de defesa existentes frente ao aluno tido como
diferente.” (MARTINS, 2008, p. 79, grifo da autora).
O entendimento acerca da diferença constitutiva da pessoa humana depende
fundamentalmente da cultura, uma vez que esta fornece conceituações construídas
historicamente e é capaz de delinear o retrato interno que cada pessoa possui de si
e do outro. Esta ordenação de códigos de compreensão, esteados muitas vezes em
generalizações, no caso das pessoas com deficiência, demarcou a deficiência como
a diferença central e reduziu metonimicamente a percepção da existência,
humanização e potencialidades dessas pessoas a uma espécie de mecanismo de
incapacidade sustentado pela ideia do déficit.
Tais códigos de compreensão acerca da identidade social e pessoal das
pessoas com deficiência gestaram e fortaleceram diversos obstáculos sociais contra
elas. Este capítulo busca, então, refletir sobre a conceituação, a constituição e as
formas como essas barreiras se apresentam nos discursos/na dinâmica social.
Nessa trajetória, o primeiro passo é compreender e verificar como, ao largo
da história, modelos de entendimento da deficiência sustentaram posturas,
comportamentos, atitudes vivenciados no interior da escola e em todos os demais
espaços sociais.
Bianchetti e Freire (1998), Allan (1999) e Carvalho-Freitas (2007) esclarecem
que os modelos místico, caritativo, mercantil, leigo, médico, surgidos antes do século
XX, são veiculados e nutridos através do discurso científico ou do senso comum os
102
quais trazem à pessoa com deficiência a desvantagem, a desvalorização, o
desrespeito aos direitos humanos.
Na Grécia Antiga (séc. XII a. C. ao séc. VII a. C.), período considerado o
berço da civilização, e no Período Clássico (séc. VI a. C. ao séc. III a. C.) o mundo
era compreendido sob a perspectiva mítica. Assim, a matriz de interpretação da
deficiência era a de dificultadora da sobrevivência/subsistência do povo.
Nesse intervalo histórico, da prática da eugenia chega-se à inserção
condicional das pessoas com deficiência na sociedade, ou seja, o direito de elas
viverem estava condicionado às condições que apresentavam para trabalhar na
Cidade/Estado. E isso tem sérias implicações na forma como as pessoas com
deficiência eram tratadas, não havia lugar para elas, logo, para aquela sociedade,
abandoná-las era natural, adequado, justificado.
Na Idade Média (séc. IV ao séc. XIV), período considerado o corolário da
doutrina cristã, surge o modelo místico da deficiência, o qual compreende a
deficiência como fenômeno espiritual. Esse modelo é mantido no discurso do senso
comum, atrelado a questões que envolvem constructos histórico-religiosos, ao passo
em que atribui a deficiência a um motivo sobrenatural, vinculado a castigo divino,
purgação de pecados da pessoa com deficiência ou de seus pais, oportunidade para
desfazer algo de ruim praticado em existências pregressas etc. (BIANCHETTI;
FREIRE, 1998; ALLAN,1999; CARVALHO-FREITAS; 2007).
Ainda nesse período, mais especificamente durante o século XII, desponta o
modelo caritativo, quando surgem as primeiras instituições para abrigar pessoas
com deficiência. No entanto, “é necessário sublinhar que estas instituições não
tinham um cunho profissional; eram abrigos ou asilos mantidos pela caridade da
Igreja ou das pessoas consideradas normais” (FREITAS, 2011, p.10). Sob esse
modelo, a sociedade compreendia e tratava as pessoas com deficiência como
objetos de piedade, sofredoras, pessoas
que inspiram compaixão, humanismo
benevolente.
Quase concomitante a aqueles dois modelos, desenvolve-se o modelo
médico de interpretação sobre a existência e as potencialidades da pessoa com
deficiência, o qual atinge maior vigor no século XVIII, período fortemente marcado
103
pelo desenvolvimento da medicina e pelo deslocamento da compreensão mística da
deficiência enquanto castigo para uma compreensão da deficiência enquanto
doença. Logo, o médico era o responsável por diagnosticar, prognosticar e
determinar o tratamento da deficiência, que deveria se dar
em instituições
“instrumentalizadas” para este fim. (BIANCHETTI; FREIRE, 1998; ALLAN,1999;
CARVALHO-FREITAS; 2007).
Outro modelo cuja matriz também se desenvolveu na Idade Média é o modelo
mercantil. A presença dele é percebida de forma mais clara na Idade Moderna (séc.
XV a XVIII), quando o discurso de profissionais da saúde enfatiza o déficit individual
e
orienta
a
escolha
mercadológica
por
instituições
especializadas,
reconhecidamente eficientes para gerirem os “problemas oriundos da deficiência”.
Quanto ao modelo leigo, este veio desenhando-se ao largo da história,
perpassando o período da Grécia Antiga, o Período Clássico, a Idade Média, a Idade
Moderna e chegando à Idade Contemporânea (séc. XIX aos dias atuais). No
decurso da história, este modelo se apresentou de diversas formas e se manifestou
por via da prática da rejeição, da subestimação, do estereótipo, da generalização
etc. O modelo leigo perpassa os discursos médico e caritativo, o da normalização e,
ainda nos dias de hoje, o da educação especial.
Esses modelos/teorias sugerem fortes componentes cognitivos, afetivos e
sociais transmitidos de geração em geração, favorecedores à expressão de
(des)crenças, preconceitos, generalizações, estereótipos e estigmas na interação
entre pessoas com e as sem deficiência. Tais componentes, sustentados pela lógica
da percepção estereotipada da sociedade em relação a essas pessoas, contribuem
não apenas para a manutenção de atitudes negativas, mas para a assunção de
posturas pedagógicas impróprias em relação aos alunos com deficiência.
É na interação social, portanto, que as pessoas com deficiência podem ser
desqualificadas, desinseridas, desafiliadas, apartadas socialmente. (SAWAYA,
2007). Em outras palavras, as atitudes que se tornam limitantes a essas pessoas
comprometem a dignidade humana, a capacidade de ser cidadão, a condição
humana nos âmbitos social, político, cultural e até moral. A atitude é, pois, um
processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais,
104
políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil que envolve o homem em sua
plenitude. (GOFFMAN, 1988).
Nesse sentido, as
barreiras atitudinais são barreiras sociais geradas,
mantidas, fortalecidas por meio de ações, omissões e linguagens produzidos ao
longo da história humana, num processo tridimensional o qual envolve cognições,
afetos e ações contra a pessoa com deficiência ou quaisquer grupos em situação de
vulnerabilidade, resultando no desrespeito ou impedimento aos direitos dessas
pessoas, limitando-as ou incapacitando-as para o exercício de direitos e deveres
sociais: são abstratas para quem as produz e concretas para quem sofre seus
efeitos. (LIMA; TAVARES, 2007).
Vale reiterar que as barreiras atitudinais contra as pessoas com deficiência
são tão antigas quanto a existência da sociedade humana, repositória de crenças
que fornecem os componentes cognitivos (geralmente modelos estereotipados de
entendimento da deficiência e da pessoa que a possui), afetivos (sentimentos
instigados pela presença ou mera lembrança de indivíduos com deficiência) e
comportamentais
(geralmente
predisposições
para
a
ação
discriminatória)
materializados no discurso, nas atitudes e nas ações as quais funcionam como
obstáculos a efetivação dos direitos humanos dessas pessoas.
Na gênese das barreiras atitudinais encontram-se, pois, a dialética
inclusão/exclusão, os estereótipos, os preconceitos e a discriminação.
Esses
elementos gestam subjetividades específicas que incitam a rejeição, o pesar, a
rotulação de pessoas em razão não apenas da deficiência, mas de outras
características como a compleição física, a etnia, a variação social e/ou linguística,
as ideologias, o gênero etc.
Tais subjetividades podem determinar e serem determinadas por diferentes
formas de legitimação social ou individual e se manifestar em ações concretas,
contribuindo para a constituição (in)consciente de identidades, sociabilidade,
afetividade e representações sociais,
as quais , por vezes,
geram equívocos,
constrangimentos, desrespeito, mitos diretamente relacionados ao entendimento
acerca da normalidade humana e ao consequente estabelecimento
de uma
hierarquia simbólica violenta entre dois pólos – o deficiente/o normal – em que há
105
uma oposição contundente em relação ao primeiro termo, o qual é marcado
obviamente por questões circunstanciais que situam a pessoa e lhe imputam uma
condição sub-humana, sustentada pelos mitos.
Os mitos são crenças esteadas em conceitos dicotômicos, como por exemplo
excepcional/normal, capaz/incapaz, são/louco, normal/patológico.
Os mitos
reafirmam a origem da humanidade, logo têm nas religiões, nas ciências e no senso
comum fontes seguras de constituição e de manutenção. Eles estão na base do
preconceito, influenciam ações praticadas pelas pessoas e isso ocorre de modo
(in)consciente.
Quando os mitos mantêm o preconceito e se materializam na atitude de
discriminar pessoas com deficiência tem-se a efetivação de barreiras atitudinais.
As barreiras atitudinais, portanto, partem de uma predisposição
negativa, de um julgamento depreciativo em relação às pessoas com
deficiência, sendo sua manifestação a grande responsável pela falta
de acesso e à consequente exclusão e marginalização social
vivenciada por todos os grupos vulneráveis, mais particularmente,
por aquelas pessoas vulneráveis em função da deficiência. (LIMA;
GUEDES; GUEDES, 2009, p. 3)
Neste particular, convém destacar que as pessoas com deficiência,
receptoras das barreiras atitudinais, geralmente passam pelo processo de
desqualificação social, que as empurra para a esfera da inatividade e da
dependência de outros ou até de serviços sociais.
Assim, tanto a observação direta das diferenças entre os vários grupos,
quanto às influências indiretas exercidas pela mídia são os principais responsáveis
pela
evolução
e
transmissão
das
generalizações,
dos
estereótipos,
dos
preconceitos, das discriminações e consequentemente das barreiras atitudinais.
Quando materializadas na atitude social, essas barreiras revelam, portanto, “o
condicionamento da sociedade em repetir antigos padrões de comportamento que a
fazem alimentar o ciclo da exclusão/segregação em torno das pessoas com
deficiência”. (GUEDES, 2007, p. 54).
106
De acordo com Lima15 (2007), podem-se considerar como barreiras atitudinais
as atitudes, as posturas, os comportamentos que se tornam limitantes ou impeditivos
ao exercício do outro [...] (Informação verbal). Essas barreiras encontram-se “[...]
enraizadas a ponto de competir com os obstáculos concretos que comumente
excluem ou marginalizam as pessoas com deficiência [...]”. (GUEDES, op.cit., p. 29).
As barreiras sociais afetam a maneira pela qual a informação acerca da
existência e potencialidades das pessoas com deficiência é organizada e
representada na memória coletiva. Esse processo, segundo Guedes (2007), Lima e
Tavares (2007), pode ser sustentado e nutrido nos espaços pedagógicos, na
interação entre o professor e os alunos com deficiência, quando as relações
interpessoais, ancoradas em estereótipos, forem marcadas por preconceitos
explícitos ou implícitos e discriminações ostensivas ou mesmo tão sutis a ponto de
fazerem das barreiras atitudinais algo inadvertido para quem as manifesta.
As pessoas que recebem a desvalia resultante das barreiras atitudinais
geralmente internalizam os estereótipos, o que as conduz a vivenciar um sentimento
de
inadequação
ou
de
impropriedade,
que
pode
alimentar
a
relação
opressor/oprimido, nos termos da teoria freireana (2005), gerar ansiedade em
relação a ser considerado inferior ou desenvolver um sentimento de baixa
expectativa a respeito de suas próprias capacidades.
Em outras palavras, a confusão entre o que as pessoas com deficiência
realmente são, pessoas humanas, e o que se pensa que elas são “deficientes”
corrobora com a manutenção da crença na deficiência como
[...] sinônimo de doença, dependência, ‘indivíduos sem valor’,
sofrimento, objeto de purgação dos males cometidos por seus pais,
entre outras. Tais visões estereotipadas sempre marginalizaram as
pessoas com deficiência e, por vezes, nutriram nelas a crença
descabida de que são incapazes. (LIMA; TAVARES, 2007, p.23-24).
Essa ameaça à constituição da identidade da pessoa com deficiência centrase
numa
dimensão
estritamente
situacional
independendo
de
qualquer
representação interiorizada, sendo mais apropriadamente caracterizada como uma
espécie de ameaça que atinge e fragiliza o reconhecimento das pessoas com
15
Informação recebida durante encontro do
Centro de Estudos Inclusivos da UFPE, em 2007.
107
deficiência como detentoras do direito a ter preservada sua identidade de pessoa
humana.
Nessa linha, é relevante recordar que as identidades, assim como as
barreiras atitudinais, adquirem sentido por meio da linguagem, dos sistemas
simbólicos e sociais que as constituem. A linguagem é um enorme depósito de préconstruções naturalizadas, portanto, ignoradas como tal, que funcionam como
instrumentos inconscientes de construção da tessitura social, das hierarquias, da
valorização do humano como algo relacional. (SILVA, 2004; BOURDIEU, 2007). A
identidade é, pois, estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras
identidades.
Assim na afirmação da identidade das pessoas com deficiência, por exemplo,
os sistemas representacionais que marcam a diferença podem incluir traços como
bondade, infantilização, incapacidade intelectual, assexualidade etc. Essa marcação
simbólica da identidade a partir dos estereótipos é o meio pelo qual os sentidos, as
práticas e as relações sociais são construídas, definindo, por exemplo, quem é
excluído e quem é incluído.
Destarte, pode-se dizer que as barreiras atitudinais não são concretas, em
essência, na sua definição, no entanto, materializam-se nas atitudes de cada
pessoa, constituindo-se como obstáculos de difícil eliminação para que ocorra a
inclusão social e educacional da pessoa com deficiência. (GUEDES, 2007; LIMA;
TAVARES, 2007).
É importante destacar que as barreiras sociais surgem tão imbricadas que se
confundem. Assim, numa perspectiva ampla de análise, é possível afirmar que as
barreiras atitudinais se fundem, concomitantemente, por meio dos processos inter e
intrapessoal e apresentam as dimensões cognitiva, afetiva e social. (HORNE, 1985;
BRAGHIROLLI, PEREIRA, RIZZON, 1994; COLL, PALACIOS, MARCHESI, 1995,
2004; GLAT, 1995; CATANIA, 1999; ALLAN, 1999; ATKINSON, ATKINSON, SMITH,
BEM,
NOELEN-HOEKSEMA,
JABLONSKI, 2009).
2002;
POZO,
2002;
RODRIGUES,
ASSMAR,
108
Assim, as atitudes, formadas no processo de socialização iniciado por cada
pessoa ainda na tenra idade, levam a uma série de tendências comportamentais e
são constituídas por um sistema relativamente estável de organização de
experiências, sentimentos e compreensões pró ou contra pessoas, objetos ou
eventos com os quais cada indivíduo se depara.
Atkinson et. al. (2002) afirmam que as atitudes podem cumprir muitas
funções. Assim, as pessoas podem mantê-las por motivos práticos, cumprindo uma
função instrumental; para ajudar na compreensão do mundo, cumprindo uma função
de conhecimento; para expressar valores ou refletirem autoconhecimento cumprindo
uma função de expressão de valores; para proteger da ansiedade ou de ameaças à
autoestima, cumprindo uma função de defesa do ego; para manter o sentimento de
pertencimento a uma comunidade social, cumprindo o papel de ajustamento social.
Independente da função que as atitudes sociais exerçam em um dado
momento, consoante Rodrigues et. al. (2009, p.81), elas
[...] decorrem de processos comuns de aprendizagem (reforço,
modelagem); podem surgir em um atendimento a certas funções;
são consequência de características individuais de personalidade
ou de determinantes sociais; e ainda podem se
formar em
consequência de processos cognitivos (busca de equilíbrio, busca
de consonância).
O processo de aprendizagem das atitudes, iniciado através da percepção
social e da interação entre pessoas, origina uma organização duradoura de crenças
e determina, em boa medida, o modo como se efetiva a congruência entre aqueles
modelos de entendimento acerca da pessoa com deficiência e as predisposições da
sociedade à ação excludente.
1.
Atitudes diante das pessoas com deficiência: construindo a taxonomia
A atitude é um processo fortemente influenciado por predisposições genéticas
e elementos fenotípicos oriundos dos discursos construídos, disponíveis ou nutridos
pela sociedade. (ATKINSON et. al., 2002).
Esses discursos materializados nas relações sociais tendem então a moldar
atitudes no processo de interação ou de interatividade. De um lado, a interação é
109
definida por Laplane (2000) como uma cena que envolve dois ou mais indivíduos os
quais exercem influência recíproca. De outro, a interavidade é definida por Coll
(2004) como o salto teórico e metodológico da interação, situado no âmbito do
ensino, e que é regulada de acordo com o conjunto de normas e regras as quais
determinam dizeres e fazeres na estrutura de participação que preside a atividade
conjunta de professor e alunos.
Quando os alunos têm alguma deficiência, as atitudes e o discurso do
professor tendem a materializar, durante a interatividade, compreensões, afetos e
comportamentos esteados na representação que se tem da deficiência e da pessoa
que a possui.
Por exemplo, numa pesquisa sobre a inclusão de alunos com
deficiência na representação social das professoras, uma das profissionais
entrevistadas por Rodrigues (2007, p. 113) afirmou:
Muitas coisas eu aprendi no esforço, no dia a dia. Porque formação
mesmo... Eu fico com medo. Quando eu falo medo nesse sentido.
Nesse ano eu peguei um aluno considerado com deficiência bem
leve. É um menino que praticamente você faz esse jogo de tá
reforçando, reforçando. Mas se eu pegar um aluno com deficiência
visual como é que eu vou trabalhar essa questão? Meu medo é esse.
Porque tudo que eu aprendi, aprendi né? Na prática, tem que fazer,
eu fui lá e fiz.
O medo de não saber
como interagir com o aluno com deficiência, o
reconhecimento de que aprendeu com a prática e o entendimento de que a
educação desse aluno se dá pelo reforço demontram, por exemplo, as dimensões
cognitiva e comportamental da atitude do professor. Nesse caso, é relevante refletir
que a compreensão equivocada sobre o processo de aprendizagem do aluno com
deficiência revela a subestimação das potencialidades desse aluno, o que lhe
impede a aprendizagem.
A atitude pode ser, portanto, entendida como um processo endógeno que
emana para o exterior e traz impactos diretos no processo de construção da
identidade individual e grupal dos sujeitos sociais. (ATKINSON et. al., 2002). A
atitude pode ser até volátil, razão pela qual alguns discursos, como, por exemplo, o
midiático e o pedagógico influenciam, interferem, direta ou subliminarmente, as
pessoas no que tange a hábitos, a comportamentos e a ações estimulados pela
leitura sócio-histórica da diversidade humana.
110
1.1-
Componente cognitivo das atitudes
O plano cognitivo de uma atitude está relacionado a alguma representação
cognitiva de um objeto, pessoa ou evento. As crenças e os demais componentes
cognitivos (conhecimento, maneira de encarar o objeto etc.) relativos à pessoa,
objeto ou evento alvo de uma atitude podem constituir a base para atitudes
preconceituosas, elaboradas a partir de uma série de cognições acerca do elemento,
situação ou indivíduo que é objeto de discriminação. (RODRIGUES, ASSMAR,
JABLONSKI, 2009).
Essas cognições são também produzidas através de sistemas simbólicos,
fabricados no discurso, por meio da marcação, valoração ou desprestígio das
diferenças constitutivas da pessoa humana, do contexto social ou do objeto em foco.
(SILVA, 2004).
Ao observar um trecho da entrevista realizada por Rodrigues (2007), pode-se
compreender como o componente cognitivo da atitude, manifesto verbalmente,
demonstra o modelo médico de compreensão das possibilidades de aprendizagem e
desenvolvimento das potencialidades da pessoa com deficiência
[...] ele não aprende no mesmo tempo que os outros. Não aprende
no mesmo tempo que os outros. Eu preciso de um especialista que
pudesse me dizer que atividades mais seriam mais apropriadas pra
ele? Que atividades seriam essas pra avançar nesse cognitivo dele?
E eu não tenho. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 127)
A comparação enfática da desenvoltura dos alunos com e os sem deficiência,
a mensuração do tempo e ritmo de aprendizagem, a busca pela padronização são
atitudes pedagógicas que estão ancoradas na percepção do déficit como a
característica principal do aluno, portanto, o entendimento equivocado acerca das
nuanças do processo de aprendizagem e ainda a percepção turva das
potencialidades dos alunos conduziram essa professora a crer que apenas um
profissional especializado poderia contribuir para o desenvolvimento de saberes e
competências.
A professora,
sob
esse entendimento,
retira
de
si
a parcela
de
responsabilidade com a escolarização do aluno com deficiência, pois, na ausência
111
do especialista, ela assume não ter condições de orientar o aluno no processo
educativo.
Experiências sociais como essa demonstram que é comum as pessoas
buscarem a coerência racional das atitudes, através de justificativas, levando até a
exaustão argumentos que expliquem negações, rejeições, sentimentos de pesar.
O âmbito cognitivo das atitudes suscita afetos positivos ou negativos e serve
como base aos comportamentos, os quais podem se tornar entraves de difícil
eliminação no contexto da educação da pessoa com deficiência.
1.2-
Componente afetivo das atitudes
A vertente afetiva das atitudes está estritamente relacionada à cognição e
corresponde ao segmento emocional, sentimental presente nas atitudes sociais.
Rosenberg (1960 apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009) defende que os
componentes cognitivo e afetivo das atitudes tendem a ser coerentes entre si.
Assim, considerando que, muitas vezes, a representação cognitiva que a
pessoa tem de um objeto social é imprecisa ou até errônea, Rodrigues et. al. (Ibid.)
explicam que se a representação é imprecisa, o afeto tende a ser pouco intenso e se
errônea, em nada interferirá na intensidade do afeto, o qual será consistente com a
representação cognitiva que a pessoa faz do objeto, seja ela correspondente à
realidade ou não. Por exemplo, na pesquisa realizada por Albuquerque (2007),
quando se perguntou sobre uma palavra representativa do conceito de inclusão de
alunos com deficiência, obtiveram-se as seguintes respostas de cinco das
professoras entrevistadas:
Porque você tem que ter amor ao próximo, se você não tem
amor ao próximo como dar tudo isso? Se não tiver amor, é mesmo
que nada. [...]
Para incluir pessoas com deficiência em salas regulares é
preciso amor. [...]
Se não tiver amor e dedicação, você não consegue mesmo
atingir seu objetivo. [...]
Sem amor não se consegue desenvolver um bom trabalho
principalmente nessa área ou em qualquer área. [...]
112
Porque sem amor você não pode ter dedicação e atenção ao
que está fazendo. [...] (ALBUQUERQUE, 2007, p. 137).
Dessas construções verbais, depreende-se que as professoras, esteadas no
modelo caritativo de compreensão da pessoa com deficiência,
julgam que a
inclusão dos alunos com deficiência é muito mais um ato de caridade, de amor, de
benevolência do que a efetivação de um direito. O afeto suscitado por esse
entendimento pode predispor ações de proteção exacerbada, piedade, exaltação
das potencialidades percebidas, instigar as professoras ao elogio desmedido ao
aluno pela mínima ação que ele realize etc.
Nesse caso específico, é possível identificar que as cognições em relação ao
aluno com deficiência, provoca afetos (piedade, caridade, tolerância) e esses
imputam comportamentos que podem se
tornar
limitantes ao desenvolvimento
pedagógico do aluno (e.g. atitudes protetoras que terminam por fixar uma
pseudoparticipação do aluno com deficiência no processo de ensino-aprendizagem).
Destarte, nesse contexto pedagógico, é perceptível a congruência entre as
dimensões cognitiva e afetiva da atitude. Hovland & Rosenberg (1960 apud
RODRIGUES et. al., 2009) explicam que a destruição dessa congruência afetivocognitiva é um meio de alterar um desses componentes e possibilitar o movimento
de um processo de restauração o qual, sob certas circunstâncias, poderão conduzir
a uma reorganização das atitudes, por meio de mudanças no componente
previamente alterado e acionado nas relações sociais com o objeto das atitudes.
Assim, é importante considerar que, sob essa perspectiva da reestruturação
de cognições para se alcançar a mudança no plano dos afetos e do comportamento
social, muitas teorias tem surgido para explicitar caminhos possibilitadores
(BRAGHIROLLI, RIZZON, 1994; ATKINSON et.al. 2002; POZO, 2002; PEREIRA,
2002; RODRIGUES et.al., 2009) e vários documentos legislativos, que discorrem
sobre os direitos humanos, têm defendido a formação e a informação como bases
para a constituição da mentalidade e atitudes includentes. (Declaração de
Salamanca, 1994; Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência - ONU,
2006; entre outros).
As atitudes são, portanto, resultantes da experiência de cada pessoa e ao
mesmo tempo das representações cognitivas mantidas pela sociedade em relação
113
aos objetos sociais (e.g. grupos em situação de vulnerabilidade). O caráter pessoal,
idiossincrático e volátil das atitudes demonstra que elas são sempre construídas e
vivenciadas de modo relativizado, ou seja, “em relação a” um objeto, situação ou
pessoa, variando em intensidade, impacto nas relações travadas com o objeto
social.
Quando, nas atitudes, as cognições se cristalizam tornam-se de difícil acesso
e alteração, adquirem, através da carga emocional, a força motivadora e
impulsionadora para a ação. (BRAGUIROLLI; RIZZON, 1994).
O componente
comportamental da atitude mais do que uma ação efetiva, significa uma tendência,
uma predisposição à ação.
1.3-
Componente comportamental das atitudes
A dimensão comportamental da atitude está vinculada à intencionalidade do
comportamento em relação a alguém, a algo ou a uma situação. O comportamento
combina, pois, as cognições e os afetos e se refere à vertente ativa da atitude. Ao
examinar mais um trecho da entrevista realizada por Albuquerque (2007) com
professoras que atuam com alunos com deficiência inseridos em salas regulares do
ensino fundamental e ensino médio, pode-se perceber como o comportamento
envolve o que as pessoas sentem ou pensam:
[...] eu vejo muita dificuldade. Eu tenho muita dificuldade em
trabalhar. Por não saber. Por não saber trabalhar? E... é complicado
quando no grupo se fala em inclusão se, se a gente não tem como
fazer essa inclusão, né. A gente tenta trabalhar aquilo ali, agora é
difícil. E principalmente quando você pega uma turma mais
avançada: uma primeira, uma segunda, uma terceira série você tem
que dá aquele conteúdo, tem que ser trabalhado aquilo ali e aquele
seu aluno talvez se sinta um pouco de lado, porque você tem que
trabalhar com o restante da turma que tá acompanhado e ele tá
ficando um pouco esquecido, né? Na alfa a gente tem mais essa
mobilidade, né? (ALBUQUERQUE, 2007, p. 120).
A alegação da dificuldade da professora em não saber como lidar com o
aluno com deficiência (barreira atitudinal de ignorância) , leva a um comportamento
de exclusão do aluno, ao deixá-lo “esquecido”.
Conforme Triandis (1971 apud RODRIGUES et. al., 2009, p. 185),
114
O comportamento não é apenas determinado pelo que as pessoas
gostariam de fazer, mas também pelo que elas pensam que devem
fazer isto é, normas sociais, pelo que eles geralmente tem feito, isto
é, hábitos, e pelas consequências esperadas de seu comportamento.
(Grifo dos autores).
No caso citado anteriormente, o comportamento da professora
leva
ao
“esquecimento” do aluno, acarretando-lhe a exclusão educacional, mesmo ele
estando em sala de aula.
O que leva a percepção de que um dos fatores evidentes na coerência ou
dissonância entre a dimensão cognitiva e a comportamental das atitudes, rumo ao
cumprimento de normas sociais, é o grau de pressão da situação. Ou seja, tomando
como eixo de reflexão o discurso dessa professora o fato de ela ter recebido um
aluno com deficiência e não poder recusá-lo porque legalmente ele tem direito de
estar na escola é algo incompatível com o que ela diz em relação à inclusão.
A ação imposta pela força da lei não alterou compreensões e afetos, em
consequência, a resposta discriminatória da professora continua sendo mantida. E o
que resta ao aluno? O discurso e a ação docente já o marcaram como ineficiente, a
atitude é uma face do processo social que lhe imputa a chancela da menos-valia e o
afasta do gozo aos direitos humanos, mormente da educação de qualidade.
Dessas reflexões sobre as dimensões da atitude traduz-se que as vertentes
cognitiva e afetiva da atitude indicam predisposições para o comportamento, mas
não o determinam.
Em geral, as atitudes tendem a prever melhor o comportamento quando “(a)
elas são fortes e consistentes; (b) elas têm relação específica com o comportamento
previsto; (c) elas se baseiam na experiência direta da pessoa; e (d) o indivíduo tem
consciência de suas atitudes”. (ATKINSON et. al., 2002, p. 647).
Vale então destacar que, por vezes, há ambivalências entre os componentes
que constituem uma atitude, o que pode ocorrer quando os componentes afetivos e
cognitivos não são coerentes – por exemplo, quando o profissional da educação
compreende que a inclusão é um direito do aluno, mas não consegue se
desvencilhar de preconceitos cristalizados (componente afetivo contra a pessoa com
deficiência) – muitas vezes é difícil prever se o comportamento será de rejeição ou
115
se o embate entre as duas dimensões da atitude fará com que o professor busque
se empenhar e modificar atitudes, consoante ao que se espera dele.
Historicamente sabe-se que atitudes negativas direcionadas às pessoas com
deficiência sempre existiram em razão das generalizações negativas e das
tipificações que são construídas na interação social, as quais são mantidas por meio
do discurso, de atitudes e de comportamentos.
Berger e Luckman (1985 apud GLAT, 1995) explicam que o processo de
tipificação é constituído por esquemas em que as pessoas estabelecem a relação eu
versus outros, e nessa construção perceptiva são instituídas as interações sociais,
as atitudes e os comportamentos. Assim, na escola, o professor pode apreender o
outro como aluno, homem, com deficiência, brasileiro, retraído, tranquilo etc., todas
essas tipificações afetam e modelam continuamente as interações face a face.
Nesse contexto, vale destacar que quando as tipificações generalizadas são
consideradas como verdades universais, elas se constituem nos chamados
estereótipos, os quais fundam julgamentos sustentados por crenças equivocadas
(preconceitos) e contribuem para a manutenção de estigmas, que funcionam como
rótulos e incitam a discriminação. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995; PEREIRA, 2002;
VELHO, 2003).
De acordo com Pereira (2002), esse procedimento é considerado arriscado,
pois pode induzir a uma concepção enganosa tanto de si quanto do outro. E quem é
o outro? Segundo esse autor (Ibid.), qualquer um pode ser o outro e só é possível
definir quem é o outro quando fica claro quem está olhando, avaliando, situando a
pessoa em esquemas esteados nas crenças advindas da primeira informação
recebida, a qual tem considerável impacto sobre as impressões e, em consequência,
sobre as atitudes. Esse efeito é chamado de primacial e pode vir a enquadrar o
objeto social das atitudes num esquema de crenças complexo e resistente a dados
novos. (ATKINSON et. al., 2002).
Essas teorias, quando surgem relacionadas às pessoas com deficiência,
apontam, buscam explicar e justificar comportamentos sociais dessas pessoas e de
outros indivíduos sem deficiência diante delas. Portanto, teorias, esquemas ou
modelos de entendimento construídos historicamente podem induzir as pessoas a
116
erros na compreensão, no afeto e na ação social. Um exemplo claro dessa
elaboração cognitiva e social é explicitado por Schneider (2003,62) ao mencionar
uma das falas de uma professora atuante em classe especial:
[...] A senhora aplicou o teste ABC a estas crianças?
— Não, o teste ABC só é aplicado em casos de dúvida. Mas, depois
de muitos anos de ensino, a gente adquire experiência. Quando
comecei com estas crianças, pude ver que a maioria delas era
imatura. Estava na cara. Só tive dúvidas em uns poucos casos. E
então apliquei o teste. [...]
Então, a senhora acha que elas vão ser AEs [alunos excepcionais]?
— Sim, muito provavelmente. Já está na cara. Nós podemos dizer
quase imediatamente.
A generalização que essa professora construiu acerca dos alunos com
deficiência fornece cognições que parecem conferir a ela a habilidade de avaliar
potencialmente os alunos apenas no primeiro contato, a partir das primeiras
impressões.
A ciência, nesse caso, serviu como justificativa para a manutenção da crença
estereotipada, da autorrealização, da profecia que imprime ao aluno a incapacidade
e a imaturidade. A classificação do aluno como excepcional retira, obviamente, da
professora a responsabilidade com o processo educativo da criança a quem ela
tipifica como desviante.
O estereótipo é construído a partir de julgamentos e do estabelecimento de
categorias consideradas universais. No âmbito etimológico, o estereótipo deriva de
duas palavras gregas: stereos e túpos, significando respectivamente rígido e traço.
Essas generalizações rígidas construídas e mantidas pela sociedade a
respeito de atributos e comportamentos constituem os mecanismos cognitivos de
manutenção de estigmas, os quais funcionam como um processo metonímico em
que se faz referência a um atributo depreciativo da pessoa. (GOFFMAN, 1988;
GLAT, 1995; VELHO, 2003).
De acordo com Pereira (2002), os estereótipos podem ser definidos como
crenças sobre predicados típicos de um grupo, que contêm informações não apenas
sobre esses predicados, como também sobre o grau com que eles são
117
compartilhados nas interações sociais. Eles influenciam a percepção social, o
julgamento e o comportamento, como se pode compreender a partir da seguinte
situação ilustrada por Schneider (2003, p. 79) ao mencionar o discurso de uma
professora que trabalha com alunos com deficiência:
— Viu como eles são fogo? Especialmente João. É um AE [aluno
excepcional] típico.
— Mas ele parece ser bom aluno.
__ É, é surpreendente, mas ele é bom aluno. Sofre, porém, de
distúrbio de conduta, como você viu. Ele não é muito bom da cabeça
— e apontou para a própria cabeça. — E depois vem de um
ambiente terrível. Acho que a mãe dele é alcoólatra; as irmãs todas
são prostitutas — as piranhas do morro. Daí você pode imaginar que
tipo de criança ele deve ser. É sempre a mesma coisa com essa
gente.
Os estereótipos afetam as informações e as interpretações a respeito da
identidade, das potencialidades e do comportamento do aluno com deficiência.
Assim, essa professora traz avaliações infundadas, preconceituosas e busca
informações, explicações, justificativas que alimentam a profecia autorrealizadora.
Essa tendência reflete uma das três possibilidades indicadas por Pereira
(op.cit.) como mecanismo de uso dos estereótipos como instrumentos de
racionalização, justificativa para a manutenção de preconceitos e de ações
discriminatórias. O autor explicita que
[...] num nível mais individual, os estereótipos servem como
justificativas para o próprio eu, permitindo que o indivíduo lide melhor
e de uma forma mais confortável com as suas próprias atitudes
preconceituosas e excludentes. Em um nível mais contextual, os
estereótipos também cumpririam uma função de justificar as ações
grupais, enquanto em um plano mais geral os estereótipos
cumpririam a função de justificar o sistema, oferecendo os recursos
cognitivos que permitam a manutenção da estrutura atual da
sociedade em que os percebedores se situam. (PEREIRA, 2002, p.
49).
Dentre os fatores mais significativos para a caracterização dos estereótipos,
destaca-se, então, o consenso, a homogeneidade, a distintividade, os fatores
descritivos e avaliativos. (PEREIRA, Ibid.; ATKINSON et. al., 2002). Considerando,
pois, o discurso da professora, mencionado anteriormente, é perceptível que esses
fatores imprimem a inferiorização não apenas ao aluno com deficiência, mas ao
118
grupo social no qual ele está inserido. Nesse caso,
por razão de deficiência e de
classe social, a discriminação múltipla é praticada.
1.4- Preconceito
Preconceito é um vocábulo de origem latina (praejudicium) o qual demarca o
prejuízo social que, em alguma medida, é vivenciado pela pessoa alvo da ação
preconceituosa.
Na base do preconceito estão as crenças sobre características rígidas e
universais que são atribuídas a pessoas ou a grupos. Em outras palavras, o
preconceito é uma atitude negativa baseada em generalizações e estabelecida na
dimensão da crença, dos juízos de valor, do afeto e não do conhecimento.
(GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995).
Essas opiniões, crenças, teorias admitidas sem ser analisadas influenciam o
modo, às vezes inconsciente e ingênuo, como as pessoas agem diante de grupos
em situação de vulnerabilidade e comumente estigmatizados.
O preconceito é uma atitude (formação de opinião) próxima do
estereótipo, que mal se funda em experiência (informação,
conhecimento objetivo) e tanto mais em formações imaginadas ou
generalizações subjetivas de opiniões, etc. É característica do
preconceito também a persistência irrefletida, inflexível e resistente e
a ação em sua maioria destrutiva (raramente benéfica) [...]
(ADORNO et al 1978 apud DORSCH, 2001, p. 688).
Três dimensões parecem sustentar os preconceitos: a social, a afetiva e a
cognitiva. Entre os fatores sociais, podem-se destacar as injustiças sociais, o senso
de identidade social, a conformidade e o suporte institucional. No caso dos fatores
emocionais, podem estar vinculados à frustração-agressão e à personalidade
autoritária, enquanto no caso dos fatores cognitivos podem estar situados na
categorização, nos estímulos que capturam a atenção e a atribuição de causalidade.
(PEREIRA, 2002).
O poder e a força do preconceito advêm, portanto, do conjunto de ideias
genéricas, pré-estabelecidas e mantidas na e pela sociedade. A exemplo da
descrição que uma professora forneceu a Schneider (2003, p. 73) durante a
119
pesquisa: “— Viu como eles são fogo? Especialmente João. É um AE [aluno
excepcional] típico.” Depreende-se dessa
fala a crença equivocada de que
os
alunos com deficiência apresentam características comportamentais comuns e
impróprias para o ambiente educativo, o que revela que “o preconceito possui um
sentido eminentemente pejorativo, designando o caráter irrefletido e frequentemente
dogmático dessas crenças, que se revestem de uma certeza injustificada”.
(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 244).
A atitude preconceituosa é, pois, fomentada no contexto histórico e cultural de
percepção da diversidade humana no qual se sustenta frequentemente a ideia
dicotômica da inferioridade e da superioridade, do eficiente e do deficiente, do
dominado e do dominante.
Um grande problema que se verifica na escola é que na materialização do
preconceito o aluno com deficiência jamais é visto de acordo com as suas
possibilidades, a visão que o enquadra, seguindo os trilhos da diferença psicológica,
física e biológica, parte da referência e da comparação, assim o preconceito
intensifica atitudes discriminatórias.
1.5- Discriminação
O termo discriminação (do latim discriminatio) significa separar, apartar,
distinguir; ação cujo ponto de partida reside nos modelos de compreensão da
diversidade humana disponíveis socialmente e nos afetos positivos ou negativos que
tais cognições suscitam. Geralmente a conduta (ação ou omissão) da pessoa
preconceituosa, baseada em cognições injustas e injustificáveis, infringe os direitos
sociais do indivíduo alvo da discriminação.
A discriminação é, portanto, um comportamento manifesto, geralmente por
uma pessoa preconceituosa, através da adoção de padrões de preferência em
relação aos membros do próprio grupo e/ou de rejeição em relação aos membros de
grupos externos. (PEREIRA, 2002).
Assim, todas as vezes que pessoas com deficiência recebem tratamento
diferenciado, esteado em cognições e afetividades coletivas e antigas, e são lesadas
120
nos seus direitos, percebe-se o efeito danoso da discriminação que funciona como
um obstáculo social de difícil transposição para que se alcance a inclusão.
Em uma das respostas fornecidas a Albuquerque (2007) por uma professora
que trabalha com alunos com deficiência essa consequência do estereótipo
(elemento cognitivo) e do preconceito (elemento afetivo) resultando em ação
excludente fica evidente:
O desenvolvimento dele. Eu não vejo ele se desenvolver. Eu não
vejo ele desenvolver no geral. Porque ele tá aqui, na 2 ªsérie comigo
e o que foi que ele melhorou? Uma tarefa toda ele não consegue
fazer. E faz muito mal uma ou duas questões e o resto? Eu não vejo
ele crescer aí. Se eu pegasse o caderno dele visse ele fazendo a
tarefa, chateado, direitinho, mas ele é assim. Ele foi fabricado pra
desenhar. Entendesse? Aí é difícil trabalhar com ele, não é.
(ALBUQUERQUE, 2007, p. 120).
Traduz-se do discurso dessa professora que a ação pedagógica efetivada
por ela tem sido maléfica para todos os alunos, pois a prática de separar a turma em
dois grupos, cujo aspecto considerado é a existência da deficiência, só trará a todos
uma defasagem nos conteúdos, sobretudo nos atitudinais, e especificamente para o
aluno com deficiência, alvo do rótulo, do destino pré-determinado, da marca da
incapacidade. Para ele, restará a desqualificação, a rejeição advinda dos demais
alunos que, sob a perspectiva da aprendizagem por modelagem ou reforço, poderão
apreender com a professora que as pessoas com deficiência tem menores
potencialidades e valor.
Na atualidade, muitas vezes, o preconceito e a discriminação têm se
apresentado de forma distinta da vivenciada e explicitada por essa professora, ou
seja, em muitas ocasiões quem discrimina pode ser uma pessoa que professa
valores igualitários e que se vê como alguém desprovido de preconceitos. Esse
novo estilo de discriminação opera de uma forma bastante sutil, sem que o
percebedor se dê conta ou tenha a intenção deliberada de discriminar ao outro e
sem que o alvo da discriminação se sinta em condições de reagir de forma
semelhante a que provavelmente reagiria se fosse objeto de uma discriminação
ostensiva. (PEREIRA, 2002).
As várias formas em que o ato discriminatório se manifesta traz danos, às
vezes irreversíveis, para o aluno com deficiência, pois lhe atingem a identidade, os
121
direitos de pessoa humana, as oportunidades de interagir socialmente e de contribuir
com a construção de bens sócio-culturais.
Com base nos estudos sobre a discriminação realizados por Pereira (2002),
pode-se afirmar que a forma menos insidiosa das barreiras atitudinais, mas nem por
isso menos negativa no plano axiológico, é a rejeição verbal, que se manifesta por
meio de comentários ácidos, anedotas ou mesmo insultos verbais (e.g. este aluno foi
fabricado para desenhar). Uma forma um pouco mais grave é a evitação que se
manifesta quando a pessoa que elicia
o comportamento discriminatório adota
estratégias cuja finalidade se resume a impedir o acesso ou o contato de pessoas
do grupo alvo da discriminação (e.g. é melhor para o aluno com deficiência ser
acompanhado por um professor especialista).
Outro modo mais intenso impõe não apenas atos que se manifestam em uma
dimensão verbal, uma vez que envolve um julgamento explícito em que a pessoa
com deficiência é implícita ou claramente desvalorizada (e.g. este aí é um aluno
excepcional típico).
E uma quarta forma de manifestação de uma barreira atitudinal são os atos
de
exclusão
ou
de
desigualdade,
quando
se
impede
um
tratamento
igualitário/equitativo entre os indivíduos ou quando os membros do grupo alvo têm o
acesso negado a bens, objetos ou eventos (e.g. este aluno não acompanha os
outros, não há o que fazer).
Enfim, a forma mais insidiosa de materialização de uma barreira atitudinal é
aquela que se apresenta através de ameaças, punições, como vem ocorrendo com
as crianças e jovens que apresentam transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade (TDH), cujo comportamento é, por vezes, avaliado como proposital.
(LEITE; FERREIRA, 2008).
Os graus de intensidade, as formas de manifestação das barreiras atitudinais
e seus resultados deteriorantes conduzem a reflexão de que essas barreiras
envolvem trans-questões, ou seja, situações científicas, sociais, legais, filosóficas,
pedagógicas que atravessam cada circunstância de desvantagem vivenciada pela
pessoa com deficiência nos espaços sociais.
122
A taxonomia dessas barreiras auxilia a clarificar o modo como elas se
apresentam, complementam-se, polarizam-se sempre partindo das tipificações e
generalizações equivocadas em relação às potencialidades da pessoa com
deficiência e disponíveis historicamente na sociedade.
1.6- Taxonomia das barreiras atitudinais
Uma taxonomia é um processo de classificação que, no caso deste estudo,
pretende promover a compreensão e a análise da origem e da manutenção de
barreiras sociais, as quais, ao longo da história humana, se cristalizaram nas
relações interpessoais, nos discursos e nas atitudes conferindo à pessoa com
deficiência um destino pré-determinado no limbo social.
Segundo Amaral (1999 apud SILVA, 2007), embora se considere importante a
reflexão sobre os nomes dados às coisas, pensa-se que esse denominar é apenas
uma ponta do iceberg, pois a grande massa gélida que se esconde nas profundezas
do oceano da convivência humana é constituída pelo efeito das atitudes cujos
resultados são tão danosos que, por vezes, não são possíveis de serem expressos
em palavras.
Aqui se propõe, então, o conhecimento e a reflexão acerca da proposição
taxonômica das barreiras atitudinais, delineada por Lima (2000)16; Lima e Lima, em
200517; revisitada/ampliada por Lima e Tavares, em 2007 18; utilizada em pesquisa de
mestrado efetivada no PPGE/UFPE por Guedes, sob orientação de Lima ( 2007).
16
No texto “Questão de postura ou de taxonomia? Uma proposta” publicado na Revista do Instituto
Benjamin Constant, nº15, em 2000 e reeditado na Coleção Pedagógica- RN- Natal, em 2003.
17
Relatório intitulado “A Empregabilidade da Pessoa com Deficiência: um Estudo do Potencial
Empregador de uma Concessionária de Energia Elétrica”, resultante do projeto “A Empregabilidade
da Pessoa com Deficiência e a Celpe: um estudo da potencialidade empregadora de uma empresa
concessionária de energia elétrica para a promoção da cidadania da pessoa com deficiência
permanente ou temporária” desenvolvido no Programa de Desenvolvimento (P&D) da Companhia
Energética de Pernambuco. (CELPE) / (Contrato nº. 4600005024),2005.
18
Reeditado, em 2008, no livro Itinerários da Inclusão Escolar.
123
Depreende-se dos textos desses autores que as barreiras atitudinais
comumente impedem as pessoas com deficiência de gerir suas vidas, explorar suas
próprias possibilidades. Em outras palavras, esse processo de construção e de
manifestação das barreiras atitudinais atribui a pessoa com deficiência o lugar do
descrédito social, deteriora-lhe o empoderamento, que consiste no poder pessoal
inerente a cada pessoa de fazer escolhas, de tomar decisões etc. (SASSAKI, 2006).
No âmbito da educação, de acordo com Carvalho (2000) e Mantoan (2001),
essas barreiras estão na base da exclusão, seja quando se impede o acesso e o
ingresso de pessoas com deficiência, seja quando se expulsam essas pessoas de
forma ostensiva ou sutil, não lhes oferecendo condições possibilitadoras da
aprendizagem, imputando-lhes condição inferior em relação aos seus pares. Tais
barreiras podem se manifestar de diversas formas e intensidades e sempre
veiculam, firmam impedimentos à cidadania da pessoa com deficiência.
1.6.1- Barreira Atitudinal de Substantivação
Historicamente os indivíduos com deficiência têm sido chamados de
deficientes. Tendo esse termo o sentido de ineficiente, incapaz, imperfeito,
defeituoso etc.
A barreira atitudinal de substantivação é materializada no discurso quando
este se refere à falta de uma parte ou sentido da pessoa como se a parte “faltante”
fosse o todo. Ex: o deficiente mental, o cego, o “perneta”, etc. (LIMA; TAVARES,
2007). Neste caso,
[...] o nome não tem apenas uma função denotativa, mas implica
também em uma função conotativa. O nome “deficiente” exprime um
significado específico, e confere ao indivíduo assim nomeado uma
identidade social e pessoal estereotipada. [...]. Os outros não se
relacionam com as pessoas estigmatizadas em si, mas sim com o
seu rótulo: o surdo, o crioulo etc. Criando como lembra Shneider
(1985), ‘uma relação de distância e despersonificação’ (GLAT, 1995,
p. 24).
Esse procedimento nutre na sociedade a barreira social do déficit, da
incapacidade, da inferioridade, da pena e sustenta a divisão da sociedade na
dicotomia deficiente versus normal.
124
De acordo com essa perspectiva , Berthou (2009, p. 18-19) afirma que em se
tratando de pessoa ou de grupos apresentando necessidade ou diferença,
[...] o normal estabelecido vem a ser a regra; o resto é exceção. No
limite, há a pessoa humana e a pessoa deficiente, ou pior, o
deficiente, o louco, o marginal, alguém inferior. O adjetivo se
transmuda em substantivo. Esse olhar redutor manifesta um ponto de
vista estigmatizante sobre a realidade alheia. Olhar negativo, ele
conduz à rejeição ou à proteção. [...].
Fazer referência à deficiência em detrimento do todo da pessoa que a tem,
além de ser pejorativo, deteriora a autoestima da pessoa com deficiência,
constituindo, pois, numa barreira atitudinal. (LIMA; TAVARES, 2007; LIMA;
GUEDES; GUEDES, 2009).
Assim como a substantivação da deficiência em deficiente, a substantivação
da diferença em diferente constitui barreira atitudinal, pois igualmente reduz o
indivíduo à substantivação de uma de suas características.
Lima (2006) ao questionar o uso da substantivação “diferente” propõe uma
reflexão esteada na ética: o trato honesto para com a pessoa com deficiência. Ao
fazê-lo questiona a expressão “portadores de diferenças menores”, dizendo que
tanto as pessoas com deficiência não devem ser chamadas de diferentes, quanto
não há diferenças menores, visto que a diferença é atributo da humanidade e não
exclusiva da pessoa com deficiência. Nas palavras do autor, então, lê-se que “o
termo ‘diferente’ é um eufemismo para termos que incluem dizer honestamente que
uma pessoa é cega, surda, ou tem deficiência física, intelectual, cerebral, etc.” (Id.,
Ibid. p. 58).
A barreira atitudinal de substantivação sustenta-se na leitura equivocada da
deficiência não como algo constitutivo da pessoa humana, mas como sinônimo de
diferença, de desvio. Segundo Cruz (1991, p. 19),
Diferença pressupõe deficiência; deficiência pressupõe dependência,
num mundo preparado para a normalidade. Dependência pressupõe
tutela e atitudes paternalistas que, por sua vez, pressupõem
irresponsabilidade, incapacidade de autogestão, minoridade. [...] .
O processo de substantivação da deficiência tornando o indivíduo deficiente,
logo reduzindo-o a uma classe, segmentada e não pertencente a outras, também é
125
visto nas situações de raça, gênero etc. em que um atributo é tomado para definir o
todo da pessoa.
Este fenômeno atravessa o universo social real representado pela
conjunção das categorias sociais classe/ raça/ gênero/idade, vistas
normalmente como categorias existentes em separado e não
remissíveis umas as outras. (Id. Ibid.).
As pessoas com deficiência precisam do respeito de todos. Parte dessa
consideração é expressa pelo modo como a elas outros sujeitos sociais se referem.
A substantivação não denota respeito às idiossincrasias dessas pessoas. Assim,
não considerar a identidade de pessoa humana do indivíduo com deficiência é
efetivar uma das múltiplas manifestações da discriminação.
1.6.2 – Barreira Atitudinal de Adjetivação ou de Rotulação
A barreira atitudinal de adjetivação é o uso de rótulos ou atributos
depreciativos em função da deficiência. Assim como a barreira atitudinal de
substantivação, a de adjetivação também predispõe as pessoas sem deficiência a
pressupor comportamentos da pessoa que foi rotulada compatíveis com a
representação social que foi imposta a ela.
Incapaz, pecadora, feia, supranormal, marcada pelo destino,
estigmatizada, indesejada, descartável, amaldiçoada, impura,
possessa: eis alguns dentre os muitos rótulos desabonadores
impostos a uma pessoa com deficiência, pelo simples fato de teimar
em continuar existindo. (CERIGNONI, RODRIGUES, 2005, p. 46).
A adjetivação, compreendida como uma barreira atitudinal, é, portanto, um
processo tão contundente que pode gerar no indivíduo uma identificação total com o
papel e as tipificações que lhe são atribuídos. Esse processo conduz as pessoas
com deficiência a ver a si próprio como se não fosse nada além do rótulo. (GLAT,
1995).
Lima et. al. (2009, p. 18) ao se referirem à barreira atitudinal de adjetivação,
em relação à pessoa com deficiência visual, afirmam
[...] o uso de adjetivação, tanto deteriora individualmente a
identidade das pessoas, como o faz coletivamente, a partir da
presunção de que o indivíduo com deficiência visual ou o grupo de
pessoas com deficiência visual, por exemplo, seriam formados por
pessoas ‘deficientes’ (ineficientes), ao passo que o que são designase, com melhor conceito, de pessoa com deficiência. Nos dois casos,
126
a barreira atitudinal e o desrespeito residem em adjetivar as pessoas
de forma depreciativa.
Utilizar, pois, adjetivos para classificar ou designar pessoas pejorativamente
como “lentas”, “agressivas”, “dóceis”, “difíceis”, “alunos-problema”, “deficientes
mentais’” etc. é uma ação que deteriora a identidade das pessoas com deficiência.
No âmbito escolar, a rotulação é contraprudecente à excelência educacional. (LIMA,
TAVARES, 2007).
A designação indica, pois, a imagem profunda que a sociedade constrói
acerca da pessoa com deficiência.
Os processos de substantivação e de
adjetivação atingem uma dimensão preocupante por não considerar na pessoa com
deficiência “as múltiplas dimensões do ser humano – quer na sua realidade humana,
pessoal por sua presença, quer funcional, por suas capacidades em áreas
particulares de expressão”. (BERTHOU, 2009, p.35).
1.6.3- Barreira Atitudinal de Propagação
Outra barreira atitudinal cuja expressão pressupõe a deterioração da
identidade de pessoa humana, indivisível e capaz é a barreira atitudinal de
propagação. Ela é a suposição de que uma pessoa, por ter uma deficiência, tem
outras. Neste caso, o estereótipo de diferentes deficiências é aplicado a um
indivíduo em função da deficiência que ele tem.
Ao se achar, por exemplo, que uma pessoa surda não fala, passa-se a
entendê-la como tendo deficiência intelectual. Uma pessoa surda não pode mais ser
vista como sendo “surdo-muda”. Ela pode falar em libras ou em qualquer outra
língua oral, desde que seja ensinada. A barreira atitudinal de propagação imprime à
pessoa com deficiência a incapacidade que ela não tem.
A sociedade tem mantido um efeito de propagação da deficiência através da
suposição de que a deficiência de uma pessoa implica em outra ou afeta
negativamente outros sentidos, habilidades e traços da personalidade.
Essa barreira atitudinal surge quando pessoas sem deficiência imaginam, por
exemplo, que a pessoa com deficiência auditiva ou física tem também deficiência
127
intelectual; supõem que a pessoa com deficiência visual também tem deficiência
auditiva ou intelectual etc. (LIMA; TAVARES, 2007; LIMA; GUEDES; GUEDES,
2009).
Quando, portanto, a deficiência é visivelmente identificada, o julgamento
advindo da perspectiva do desvio e da propagação da deficiência pode ser mais
frequentemente praticado. (GLAT, 1995; VELHO, 2003).
Um estudo que derruba a barreira atitudinal de propagação em relação à
pessoa com deficiência física é relatado em trabalho recente efetivado por Melo
(2010), que ao analisar a inclusão educacional do aluno com deficiência física
verifica que a diminuição ou a ausência de motricidade não tem relação com a
capacidade cognitiva.
Esse autor (Ibid.) afirma que as crianças com deficiência motora grave e
incapacidade da fala, consideradas “retardadas mentais” (sic) (barreira atitudinal de
propagação), após a implementação de meios alternativos de comunicação e
expressão, apresentaram resultados compatíveis aos de crianças consideradas
normais.
Dessa experiência, depreende-se que a falta de acessibilidade nas escolas
promovem o insucesso do aluno com deficiência. Por outro lado, confirma que os
rótulos, enquanto barreira atitudinal de propagação, expandem a leitura que se tem
da deficiência a outras dimensões da pessoa humana, atribuindo, no caso da
pessoa com deficiência física, a deficiência intelectual e a marca descabida da
incapacidade.
1.6.4- Barreiras Atitudinais de Estereótipos
A barreira atitudinal de estereótipos é a representação social “positiva” ou
“negativa”, sobre pessoas com a mesma deficiência, tem origem subjetiva e base,
principalmente, cognitiva.
Os estereótipos influenciam as interações sociais e incitam uma tendência em
enfatizar o que há de similar entre as pessoas, não necessariamente similares, e em
128
agir de acordo com esta percepção com experiências atuais e futuras. (HORNE,
1985; RODRIGUES et.al., 2009).
Quando esses esquemas de compreensão surgem, por exemplo, em torno do
comportamento e potencialidades da pessoa com deficiência, provocam a
manutenção de tipificações sobre todas as pessoas que apresentam aquela mesma
deficiência. (LIMA; GUEDES; GUEDES, 2009).
Consoante Horne (op.cit.), parece que quanto mais grave a deficiência, mais
negativa é a atitude. Essa relação pode indicar que os estereótipos estão bem
estabelecidos em nossa sociedade e não podem ser sujeitos a modificações
simplistas.
Corroborando esse entendimento Sassaki (1997), Carvalho (2000),
Mantoan (2001), Lima (2006) e Guedes (2007) afirmam que todas as barreiras
atitudinais são de difícil remoção.
A barreira atitudinal de estereótipos, de acordo com Lima e Tavares (2007),
no ambiente escolar, ocorre quando, a partir da comparação do aluno com
deficiência
e
outros
alunos
com
a
mesma
deficiência,
são
construídas
generalizações positivas e/ou negativas sobre todos os alunos com deficiência.
Horne (1985) corrobora essa ideia e postula que os estereótipos podem afetar o
desempenho acadêmico dos alunos rotulados.
Nesse caso, “como o estereótipo é, por natureza, depreciativo, todas as
potencialidades do indivíduo são subestimadas e ele passa a ser visto apenas como
um exemplo do estigma”. (GLAT, 1995, p. 24). Estereotipar pode, portanto, levar a
compreensões incorretas e indevidas, principalmente, quando em razão do véu
aglutinador dos modelos de entendimento, não se consegue perceber as pessoas
com deficiência e suas idiossincrasias.
1.6.5 – Barreira Atitudinal de Generalização
Diferente da barreira atitudinal de estereótipos, em que se generaliza a partir
de uma representação social que se tem da pessoa com deficiência, a barreira
atitudinal de generalização parte da experiência ou conhecimento que se tem de um
indivíduo ou grupo com deficiência. Ou seja, essa barreira atitudinal é construída
129
através de um esquema cognitivo baseado numa experiência interacional e essa
estrutura representará e fornecerá o pseudoconhecimento acerca de pessoas e
situações.
Essa barreira atitudinal tem base afetiva e é, principalmente, objetiva.
Segundo Lima e Tavares (2007), a barreira atitudinal de generalização ocorre
na escola quando professores ou alunos sem deficiência generalizam aspectos
positivos ou negativos de um aluno com deficiência em relação a outro com a
mesma deficiência, imaginando que ambos terão os mesmos avanços, dificuldades
e habilidades no processo educacional.
Essa generalização homogeneíza os indivíduos colocando-os numa classe,
desconsiderando-lhes as idiossincrasias. Será a partir da barreira atitudinal de
generalização que outra barreira se sustentará, a saber: a barreira atitudinal de
padronização.
1.6.6- Barreira Atitudinal de Padronização
A barreira atitudinal de padronização consiste na provisão de um serviço
efetivado do mesmo modo para todas as pessoas com deficiência, a partir de
generalizações feitas da experiência com um indivíduo ou grupo.
No âmbito pedagógico, essa barreira social pode ser materializada ao se
[...] fazer comentários sobre o desenvolvimento dos alunos,
agrupando-os em torno da deficiência; conduzir os alunos com
deficiência às atividades mais simples, de baixa habilidade,
ajustando os padrões ou, ainda, esperar que um aluno com
deficiência aprecie a oportunidade de apenas estar na escola
(achando que, para esse aluno, basta a integração quando, de fato, o
que lhe é devido é a inclusão). (LIMA; TAVARES, 2007, p.29).
Ao refletir sobre o enfrentamento dessa barreira atitudinal, Lima et. al. (2009)
alertam sobre o fato de que as pessoas com deficiência não formam grupos
homogêneos, ainda que tenham características semelhantes.
Assim, a eliminação da barreira atitudinal de padronização é possível quando
se conjuga o respeito às individualidades de cada pessoa com deficiência e a
acessibilidade como promotora desta atenção. (SASSAKI, 2006).
130
1.6.7- Barreira Atitudinal de Particularização
A crença em formas restritivas, particulares de a pessoa com deficiência não
se desenvolver em todos os ambientes sociais, porém, em apenas num ambiente
segregado é o elemento incitador da barreira atitudinal de particularização. Em
outros termos, a barreira atitudinal de particularização é a segregação das pessoas
em função de uma dada deficiência e do entendimento de que elas atuam de modo
específico ou particular por causa dessa deficiência.
Esse entendimento, esteado na deficiência como condição determinante e
limitante das potencialidades do indivíduo que a tem, promove a compreensão de
que há modos particularizados, específicos para a participação das pessoas com
deficiência na produção de bens socioeconômicos, no estabelecimento de relações
afetivas e profissionais, sendo esse caminho especificamente definido pela natureza
da deficiência.
A barreira atitudinal de particularização está estritamente relacionada ao
processo de padronização, a partir do qual se toma de uma experiência individual ou
coletiva e se generaliza a provisão de um serviço ou um produto para todos com a
mesma deficiência.
Essa barreira atitudinal constitui um processo de segregação, presente no
tratamento que é dispensado às pessoas com deficiência, com base na crença de
que elas são incapazes de elaborar e conviver com o que diverge da norma. Logo, a
particularização se sustenta na crença de que as pessoas com deficiência
necessitam ser entendidas, consideradas, tratadas à parte do todo da comunidade
humana.
No âmbito do ensino, Lima e Tavares (2007) explicam que essa barreira pode
ser materializada quando se afirma, de maneira restritiva, que o aluno com
deficiência está progredindo à sua maneira, do seu jeito, etc.; ou ainda quando se
supõe que uma pessoa com deficiência só aprenderá com outra com a mesma
deficiência.
Como se vê, essa barreira social, cuja compreensão está aportada na filosofia
e práticas segregacionistas do passado, tem efeitos prejudiciais às pessoas com
131
deficiência e à sociedade em geral. Segundo Stainback e Stainback (1999, p. 4344),
[...] a ideia de que [as pessoas com deficiência] poderiam ser
ajudadas em ambientes segregados, alijadas do resto da sociedade,
fortaleceu os estigmas sociais e a rejeição. Para as escolas
regulares, a rejeição das crianças com deficiência contribuiu para
aumentar a rigidez e a homogeneização do ensino, para ajustar-se
ao mito de que, uma vez que as classes tivessem apenas alunos
normais, a instrução não necessitaria de outras modificações ou
adaptações. Para a sociedade em geral, a rejeição reforçou a
mentalidade do “nós contra eles”, o que contribuiu para disseminar a
incapacidade de apreciar a diversidade social e cultural e valorizar as
coisas significativas que nos unem.
Traduz-se da afirmativa desses autores que a particularização gera e é
gerada pela segregação. Particularizar tem sido, então, um dos processos
responsáveis pela manutenção de sistemas sociais e educacionais distintos, um
destinado às pessoas com deficiência e o outro aos considerados normais. Essa
construção socioeconômica e simbólica tem reforçado o mito de que, em função da
deficiência, as pessoas aprendem, trabalham, interagem, sentem, vivem de maneira
tão diferente que requerem métodos, técnicas e recursos cognitivos ou técnicos
acentuadamente distintos dos utilizados pela comunidade em geral. (STAINBACK,
STAINBACK, 1999; MARTINS, 2002; GUEDES, 2007; LIMA; TAVARES, 2007).
1.6.8- Barreira Atitudinal de Rejeição
A barreira atitudinal de rejeição é a recusa irracional de interagir com uma
pessoa em razão da deficiência. Essa recusa se faz não por medo, nem por ignorar
como agir perante uma pessoa com deficiência. A rejeição não se deve a uma
experiência anterior com o indivíduo ou grupo a partir do qual se generaliza uma
experiência ruim, ela é a mera expressão da recusa por razão de deficiência,
independentemente de quaisquer atributos “positivos” relacionados a uma pessoa
ou grupo.
A barreira atitudinal de rejeição é perversa, pois na negativa de interagir com
a pessoa com deficiência não se lhe dá a oportunidade de quebrar demais barreiras
como a subestimação, a adjetivação etc. Quando se pratica essa barreira
132
simplesmente se nega o indivíduo como pessoa humana, colocando-o em um limbo
social.
1.6.9- Barreira Atitudinal de Negação
A barreira atitudinal de negação é quando se nega a existência ou limite
decorrente de uma deficiência. Resulta em um pseudotratamento igualitário que, no
entanto, exclui por não considerar os limites reais impostos por uma deficiência. No
entendimento de Carvalho (2006, p. 59), a negação é
[...] certamente, uma forma de exclusão, talvez mais grave do que a
física – que segrega pessoas em espaços restritivos, pois revela sua
exclusão dentro de nós, num movimento inconsciente de rejeição à
suas diferenças, porque significativas.
A barreira atitudinal de negação pode ser manifestada através da existência
de uma aparente naturalização da deficiência, em construções discursivas como
“todos somos deficientes” ou “não existem normais”.
Tal naturalização tanto pode contribuir para uma aproximação das
diferenças quanto para reduzir as especificidades a uma “diferença”
homogeneizada, não sendo muito distinta, em seus efeitos de
sentido, daquela naturalização criada pelos processos segregativos,
que atribuía ao indivíduo a responsabilidade pela deficiência.
(ANJOS, ANDRADE, PEREIRA, 2009, p. 5-6).
Ao desconsiderar, pois, a deficiência como atributo da pessoa humana além
de manifestar a barreira atitudinal de negação é uma forma de não reconhecer as
necessidades específicas da pessoa com deficiência.
Consoante
Carvalho
(2006, p. 59),
Negar a deficiência (sensorial, mental, física, motora, múltipla ou
decorrente de transtornos invasivos do desenvolvimento) de
inúmeras pessoas é tão perverso quanto lhes negar a possibilidade
de acesso, ingresso e permanência bem sucedida no processo
educacional escolar, recebendo a educação escolar que melhor lhes
permita a remoção de barreiras para sua aprendizagem e
participação.
Uma das formas da negação da deficiência é a manutenção dos eufemismos.
Sassaki (2010, p.2) esclarece que “o ponto frágil do eufemismo é que, na tentativa
de dissimular a deficiência, ele acaba não sendo capaz de descrever a
especificidade da condição que a pessoa tem”. Portanto, são diversos os prejuízos
133
que esta barreira atitudinal traz às pessoas com deficiência, pois quando há uma
naturalização/desconsideração da deficiência a sociedade não se organiza ou se
responsabiliza pela inclusão social dessas pessoas. Logo, a acessibilidade
permanece inexistente.
1.6.10 - Barreira Atitudinal de Ignorância
A barreira atitudinal de ignorância é o desconhecimento que se tem de uma
dada deficiência, das habilidades e potenciais daquele que a tem. É comumente
expressa pelo não saber/ conhecer a potencialidade/capacidade da pessoa com
deficiência e é mais facilmente eliminada pela tomada de conhecimento de que a
postura anteriormente tida para com a pessoa com deficiência se deveu aquele
ignorar, ao desconhecimento.
A barreira atitudinal de ignorância surge, então, do desconhecimento acerca
das potencialidades da pessoa com deficiência. Essa barreira atitudinal estea-se em
modelos de entendimento acerca da deficiência os quais foram surgindo e sendo
revitalizados pelo senso comum.
Nesse caso, julga-se frequentemente a pessoa com deficiência pelo não
saber, pela falta de informação positiva.
desinformação
ou
as
compreensões
Pereira (2002, p. 86) explica que a
equivocadas
podem
interferir
no
comportamento social:
Presume-se que se as pessoas vivem em um emaranhado de
concepções errôneas sobre as características físicas, psicológicas e
sobre as tradições culturais de uma determinada categoria social ,
acabarão por perder a dimensão exata da realidade em que vivem,
adotando consequentemente um comportamento marcado pelos
pressupostos etnocêntricos.
O etnocentrismo é um conceito antropológico referente à avaliação que se faz
de uma pessoa ou grupo tomando como ponto de partida o grupo de origem, os
valores e as ideologias do avaliador. Essa avaliação, realizada a partir de um ponto
de vista específico, em que o outro é sempre o diferente, é, por definição,
preconceituosa e nutre a dificuldade social de pensar e aceitar a diferença como
constitutiva do gênero humano. (ROCHA, 1985).
134
Segundo Rocha (Ibid., p. 8), “no plano intelectual, isso pode ser visto como a
dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimento de
estranheza, medo, hostilidade, etc.”. Esses aspectos geram, então, a negação de
quaisquer características de gênero, compleição física, ideológicas etc. constitutivas
da pessoa humana.
1.6.11- Barreira Atitudinal de Medo
A barreira atitudinal de medo é o receio em fazer ou dizer “algo errado” diante
da pessoa com deficiência. Essa barreira atitudinal pode se manifestar através do
uso de eufemismos ou pode se revelar, de forma sutil , na esfera do comportamento,
através do receio (medo) de que a pessoa com deficiência faça, diga “algo errado”
perante terceiros, na relação social.
Assim como a barreira de ignorância, a barreira atitudinal de medo é
quebrada no momento em que ocorre a tomada de consciência a respeito de sua
causa; no momento em que há uma interação com a pessoa com deficiência, ou
seja, essas circunstâncias levam a ruptura da situação de medo, pelo conhecimento
de que ele era descabido, desprovido de razão de ser etc.
1.6.12- Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa ou de Subestimação
A barreira atitudinal de baixa expectativa ou subestimação é o juízo
antecipado e sem fundamento (conhecimento ou experiência) de que a pessoa com
deficiência é incapaz de fazer algo, atingir uma meta etc.
Essa barreira atitudinal atinge negativamente o desenvolvimento das
potencialidades da pessoa com deficiência, pois provoca a baixa-estima; torna-se
obstáculo para a escolarização, para o labor e para a vida afetiva e social dos
indivíduos com deficiência, os quais são alvos da perspectiva limitante imposta pela
sociedade.
O mais deteriorante desse processo é que as pessoas com deficiência podem
internalizar a avaliação depreciativa e se auto-julgar incapazes. A barreira atitudinal
de baixa expectativa pode, então, levar a duas situações: estimular as pessoas a
135
não esperarem que o indivíduo com deficiência seja capaz de fazer qualquer coisa,
e quando faz, o elogio é grosseiramente desproporcional (barreira atitudinal de
supervalorização). Ou incitar nas pessoas a compreensão de que o indivíduo com
deficiência sempre produzirá, compreenderá, se desenvolverá emocional e
culturalmente
menos
que
outros
sem
deficiência
(barreira
atitudinal
de
inferiorização).
Outro exemplo do impacto dessa barreira atitudinal na constituição identitária
da pessoa com deficiência pode ser lido em recente estudo efetivado por Maia
(2011). O autor realizou algumas oficinas de produção de vídeodocumentário,
oferecidas pelo Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do Rio Grande do
Norte - IERC/RN, com a participação de pessoas não videntes, com baixa visão e
videntes colaboradores da instituição. Nesse estudo, Maia (Ibid., p. 69) diz que
[...] alguns dos participantes relataram que haviam se inscrito para
constatar se era realmente possível um cego trabalhar produzindo
imagens, pois todas as pessoas que elas (sic) conheciam diziam ser
impossível a produção de imagens por cegos com tanta veemência
que até elas (sic) mesmas passaram a duvidar se era realmente
possível.
Diante dessa resposta dos participantes, esse autor considera que
Essa forma de pensar, de avaliar e de formular concepções
fechadas, é construída e absorvida socialmente desde as primeiras
experiências da criança e vai sendo reforçada eliminando outros
modos possíveis de conhecer e, no caso dos não videntes, de
perceber as potencialidades além do que é apresentado como
“próprio” para uma pessoa que não enxerga. (Id.,Ibid.).
A pessoa com deficiência pode então, desde a tenra idade, hospedar essa
imagem distorcida que a sociedade lhe oferece em relação ao que se espera dela
enquanto sujeito social.
1.6.13- Barreira Atitudinal de Inferiorização da deficiência
A barreira atitudinal de inferiorização é uma atitude constituída por meio da
comparação pejorativa que se faz do resultado das ações das pessoas com
deficiência em relação a outros indivíduos sem deficiência, atribuindo à deficiência
resultados negativos que não são devidos a ela, sob a justificativa de que o que não
136
foi alcançado pelas pessoas com deficiência é inferior, exclusivamente, em razão da
deficiência.
A base dessa barreira social, segundo Guedes (2007), está na percepção de
que a deficiência limita as pessoas de forma determinante e irreversível. No que
concerne a empregabilidade da pessoa com deficiência, essa autora defende que o
processo de inferiorização
[...]
têm
o
poder
de
“minimizar”
a
visão
dos
empregadores/selecionadores a respeito das potencialidades das
pessoas com deficiência, vendo-as a partir de suas limitações e
subestimando sua capacidade laboral pela crença de que são menos
capazes ou completamente incapazes para o trabalho. (Id., Ibid., p.
127)
Quando, portanto, na comparação há o destaque para a deficiência, banindo
das experiências sociais o reconhecimento justo de atos, contribuições trazidas
pelas pessoas com deficiência, tem-se a manutenção da barreira atitudinal de
inferiorização.
1.6.14- Barreira Atitudinal de Menos Valia
A barreira atitudinal de menos valia consiste na avaliação depreciativa das
potencialidades, ações e produções das pessoas com deficiência. Essa avaliação é
incitada pela crença de que a pessoa com deficiência é incapaz ou que o que
conseguiu alcançar, o que produziu tem menos valor do que trabalho igual ou
inferior ao seu, produzido pela pessoa sem deficiência. Isto é, na barreira atitudinal
de menos valia, avalia-se para baixo aquilo que a pessoa com deficiência fez,
esteando a avaliação na deficiência a qual, sob essa ótica, tudo o que o indivíduo
com deficiência produzir terá menor qualidade, não será tão bom quanto o produzido
por seu par sem deficiência etc.
1.6.15- Barreira Atitudinal de Adoração do Herói ou de Superestimação
A barreira atitudinal de adoração do herói consiste na supervalorização ou
superestimação de ações, comportamentos, aprendizagens, produções, atitudes
efetivadas pelas pessoas com deficiência; não pelo que essas pessoas atingiram,
137
mas porque delas se esperava algo de inferior intensidade. Em outras palavras, a
hipervalorização das construções efetivadas pela pessoa com deficiência é um
processo resultante da barreira atitudinal da baixa expectativa ou subestimação.
É comum, portanto, que pessoas com deficiência, na medida em que
conseguem adaptar-se ao meio sem exigir transformações no mesmo, sejam
apontadas como figuras emblemáticas ou exemplares, “exemplos de superação”,
como verdadeiros heróis. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005).
Como menciona Sinason (1993 apud LOURO, 2003, p. 28) acreditar que a
pessoa com deficiência
[...] goza de alguma ‘capacidade superior’ porque consegue
desempenhar as mesmas tarefas que uma pessoa normal ou, até
mesmo, tarefas que exijam habilidades específicas, é postura tão
maléfica e equivocada quanto acreditar que, por ser portador de
deficiência, não consiga realizar nada de significativo.
A baixa expectativa e a adoração do herói são barreiras atitudinais que
constituem as duas faces opostas e complementares de um mesmo processo que
desqualifica a pessoa com deficiência.
Além disso, o processo de exaltação das construções e respostas sociais, o
elogio desmedido, também está vinculado às substantivações e adjetivações
recebidas pelas pessoas com deficiência: “especial”, “excepcional”, “gênio” (no caso
das pessoas com altas habilidades). Termos que por um lado denotam a diferença
entendida estritamente como deficiência e, por outro, ressaltam a deficiência como
uma excepcionalidade.
Exaltar, pois, a pessoa com deficiência não pelo que ela faz, constrói, pensa,
expressa, produz, mas pelo que ela é: pessoa com deficiência, tem sido um
comportamento social quase comum. Como afirma Louro (2003, p. 28),
Muitos acreditam que pelo fato dessas pessoas terem uma dificuldade
acentuada em algum aspecto, tudo que ele (sic) faça, mesmo que sua
deficiência não interfira em modo algum nesse fazer, é melhor, ou
mais importante que os demais. Sendo assim, ele (sic) recebe mais
elogios por parte dos amigos, mais atenção por parte dos familiares,
mais notas por parte dos professores, entre outras situações.
138
Ao tornar fáceis as coisas imprimindo às pessoas com deficiência uma
pseudoconstrução ou elogiar de modo desmedido as ações realizadas por elas são
barreiras atitudinais equivalentemente prejudiciais à identidade de pessoa humana.
1.6.16- Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo
A barreira atitudinal de exaltação do modelo ocorre quando se compara a
pessoa com deficiência e a pessoa sem deficiência usando a primeira como um
modelo a ser seguido, justificando a “vantagem”, o “desempenho” da primeira
meramente pela deficiência. Isto é, enquanto que na barreira atitudinal de menos
valia ou de baixa expectativa/subestimação se coloca a pessoa com deficiência
“abaixo”, na barreira atitudinal de exaltação do modelo, a pessoa com deficiência
“está acima” ou “é melhor”, justificado por ter a deficiência.
Em outras palavras, a barreira atitudinal de exaltação do modelo é vivenciada
todas as vezes em que se utiliza a deficiência do indivíduo para ressaltar uma
qualidade ou habilidade que ele apresente.
No âmbito do ensino, de acordo com Lima e Tavares (2007), essa barreira
atitudinal é manifestada quando se utiliza a imagem do estudante com deficiência
como modelo de persistência e coragem diante dos demais alunos. Nesse caso, o
fato de ter uma deficiência é o que eleva a pessoa.
1.6.17- Barreira Atitudinal de Compensação
A barreira atitudinal de compensação é quando se favorece, privilegia e
paternaliza a pessoa com deficiência com algum bem ou serviço, por piedade e
percepção de déficit.
Esse processo leva ao favorecimento/vantagem das pessoas com deficiência.
Muitas são as formas e os danos trazidos por essa barreira social entre eles:
[...] facilitar as coisas que poderiam ser conquistadas como outra
pessoa qualquer, ou, não aceitá-lo como capaz de alcançar
determinados objetivos, são posturas comuns e equivalentemente
prejudiciais, pois, ou lhes empregam limites demasiados, ou não lhes
dão parâmetro algum de limites. (LOURO, 2003, p.2).
139
Nesse caso, marcam-se as pessoas com deficiência como “coitadinhas”, temse com elas cuidados excessivos. E esses exageros se dão em razão da tendência
da sociedade imaginar e mensurar o sofrimento que as pessoas com deficiência
passam.
1.6.18-Barreira atitudinal de dó ou de pena
É a expressão e/ou atitude piedosa manifesta para com às pessoas com
deficiência, restringe-as e mesmo as constrange pelas atitudes que se tem para com
elas. Essa barreira atitudinal é aparente
no uso de diminutivos e de outras
expressões de comiseração, tanto quanto em comportamentos de “proteção
desmedida”.
1.6.19- Barreira Atitudinal de Superproteção
Por temer que as pessoas com deficiência sofram, experienciem insucessos e
dificuldades, além da barreira atitudinal de compensação, de dó ou pena a
sociedade tem manifestado a barreira atitudinal de superproteção.
A barreira atitudinal de superproteção é a proteção desproporcional esteada
na piedade ou na percepção de incapacidade do sujeito realizar algo, tomar decisão
por si só, avaliar adequadamente perigo etc.
Essa barreira social impede as pessoas com deficiência de tomarem suas
próprias decisões, efetivarem ações com independência, pois, a crença e o medo de
que
elas
fracassem
deterioram-lhes
o
empoderamento.
Outro
modo
de
apresentação dessa barreira é o paternalismo o qual pode ser compreendido como
[...] um vínculo vertical, caracterizado pelo domínio de uma pessoa
sobre a outra com base em benefícios que a primeira realiza para a
segunda, tornando-se esta ‘devedora’ daquela. Expressa-se por
meio de uma ajuda caritativa que serve para sustentar o poder dos
‘benfeitores’ sobre os ‘beneficiários’, impedindo este último de
avançar no sentido da própria autonomia. No contexto paternalista,
a pessoa com deficiência é tratada como alguém cronicamente
140
dependente, incapaz e evoluir e atingir autonomia. (CERIGNONI;
RODRIGUES, 2005, p. 41)
A barreira atitudinal de superproteção impede que as pessoas com
deficiência experimentem suas próprias estratégias de aprendizagem e de produção.
A manutenção e os efeitos de todas essas barreiras atitudinais desvirtuam as
potencialidades e, por vezes, até a humanidade da pessoa com deficiência, pois
revelam e nutrem o espírito coletivo e dicotômico do “nós contra eles”, do “normal
contra o patológico” , do “eficiente contra o incapaz” etc. sustentado pela ideia do
déficit, pelo sentimento de dó, pela rejeição. (STAINBACK; STAINBACK, 1999;
BERTHOU, 2009).
As barreiras atitudinais se renovam, então, através de crenças, preconceitos,
posturas que limitam, excluem, prejudicam, marginalizam a pessoa com deficiência.
Essas barreiras também são potencialmente danosas porque induzem o indivíduo
com deficiência a uma concepção enganosa de si e, muitas vezes, a autoimagem
advinda desse processo social deteriora a capacidade do indivíduo exigir seus
direitos e de contribuir com as produções socioeconômicas e culturais.
As barreiras sociais, compostas por componentes cognitivos, afetivos e
sociais são vivificadas pela falta de um repertório informacional adequado/positivo
acerca da deficiência e da pessoa que a tem. Essa é a razão para que nos diversos
documentos legais internacionais e nacionais (conforme se verificará no capítulo 2)
se vise à erradicação do preconceito, da discriminação e das barreiras atitudinais
contra a pessoa com deficiência como centralidade para a construção de uma
sociedade inclusiva.
141
Capítulo 2
A
eliminação
atitudinais:
das
barreiras
contribuições
do
discurso da legislação
“A discursividade produzida na legislação [sobre a
pessoa com deficiência] define, identifica, classifica,
determina o que, como e quando fazer e quem vai
fazer. Designa um lugar/não lugar, uma forma/não
forma de significar.(...) [Assim] colocando-se o dito em
relação com o não dito no discurso, ouvindo naquilo que
o sujeito legislador diz o que ele não diz, mas que
igualmente produz sentido, pode-se interpretar a sua
ação.” (MARQUEZAN, 2009, p.152).
Há milhares de anos, pessoas em condições de vulnerabilidade vêm sendo
vitimadas pela forma desigual em que os direitos humanos são vivenciados. Entre
as barreiras que pessoas com deficiência se deparam no decurso de suas vidas
estão as atitudinais. Essas barreiras caracterizam os indivíduos com deficiência
como desviantes; confirmam e perpetuam a chancela da ineficiência ou, nas
palavras de Velho (2003), nutrem o rótulo que, eventualmente, se prolonga durante
toda a vida.
O tratamento desigual e a discriminação contra indivíduos são tão frequentes
que, historica e politicamente, se tornou necessária a produção e publicação de
documentos legais contingenciados por fatores de ordem socioeconômica,
destinados a promover a ordem e a equidade de direitos, inclusive o de acesso à
escola e a permanência nela.
Partindo desse pressuposto, este capítulo objetiva refletir acerca das
diretrizes internacionais e legislações nacionais que orientam e defendem a
erradicação de barreiras atitudinais ou de elementos que se encontram na gênese
de tais barreiras - (des)crenças, preconceitos, estereótipos e estigmas. É na
educação que se materializa tais documentos.
142
Nesse sentido, as prescrições oficiais são percebidas, interpretadas e
corporificadas nas escolas e nas instâncias de nível superior. Em ambos os casos
são campos privilegiados da educação, lugar em que as práticas pedagógicas se
constituem.
No entanto, é na Universidade que haverá a formação e reflexão sobre os
elementos constitutivos da prática educacional que pode sedimentar possíveis
interpretações de práticas arraigadas, costumes cristalizados, valores em jogo na
sociedade, que se estendem às escolas.
Enfim, talvez esse seja o lócus das
práticas discursivas e das produções de sentidos que se afiliam à perspectiva do
direito à Educação e que se materializam nas pesquisas das Pós-graduações nas
mais diversas instituições do nosso país.
É claro que o debate contemporâneo, situado na legislação internacional e
nacional, acerca da eliminação da discriminação e do preconceito, situa o momento
histórico em que a genealogia das barreiras atitudinais começou a ter visibilidade
frente ao legislador e à sociedade civil.
Nesse contexto, é relevante recordar que a lei visa estabilizar os sentidos e
produzir efeitos previsíveis, assegurando a reprodução social (MARQUEZAN, 2009),
assim, a análise de alguns dos mais relevantes documentos legislativos oportuniza a
percepção das contribuições do discurso-lei para a eliminação dos obstáculos
sociais.
É igualmente importante que se considere que o discurso materializa
entendimentos históricos acerca da genericidade humana e da conceituação de
quem são os sujeitos do direito.
Destarte, alguns dos documentos em estudo, neste trabalho, não estão livres
de, em outras leituras, revelarem retrocessos e barreiras sociais, mesmo tendo sido
originados para defender os direitos das pessoas com deficiência. A necessidade
da produção, ampliação, renovação e excesso da legislação sobre esse grupo
vulnerável revela as contradições presentes na sociedade e impressas ao discurso
legislativo.
143
Nesse sentido, dois subtópicos se fizeram necessários. O primeiro desvela a
erradicação das barreiras atitudinais tomando como análise os documentos
internacionais e o segundo busca uma interlocução com os documentos nacionais.
2.1- A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do marco
legal: análise de documentos internacionais
Na leitura e análise dos documentos legais que discorrem sobre os direitos
humanos, percebe-se que o discurso includente de agora está ancorado na história
mundial e nacional de reconhecimento e garantia dos direitos sociais da pessoa com
deficiência.
Os direitos sociais visam à garantia da igualdade material. São
direitos que têm a finalidade de, com sua concretização, permitir aos
indivíduos a possibilidade não somente de subsistência, mas de
inserção plena na vida em sociedade. Parte-se da idéia (sic) de que
nada adianta a positivação de um rol de liberdades, sem a
correspondente garantia de um mínimo necessário para a vida
humana. (GALINDO, 2009, p. 21).
Esses direitos vinculados ao direito de igualdade, influenciado por valores
sociais (solidariedade, justiça, honestidade, dignidade etc.)19, têm fomentado
políticas e práticas sociais e educacionais centralizadas no respeito ao gênero
humano.
Olhar, pois, a superfície do discurso sobre a pessoa com deficiência,
produzido pelas legislações e pelas políticas é também perceber a busca e
determinação legal da igualdade entre pessoas com ou sem deficiência, mulheres,
homens, crianças,
negros, índios, jovens, idosos; enfim é perceber que de tão
maléfica que é a fronteira entre os que vivem em condições de subalternidade e os
que se julgam ter o poder de gerir a vida desses, que
a força da lei faz-se
necessária para combater as desvantagens sociais advindas da prática de
preconceitos, discriminação e materialização de barreiras atitudinais.
Documentos redigidos sob o impacto do desrespeito às idiossincrasias do ser
humano
19
começaram,
então,
a
gestar
um
novo
tipo
de
sociedade
e,
Do ponto de vista ético, os valores são os fundamentos da moral, das normas e regras que
prescrevem a conduta correta. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 275).
144
consequentemente, uma nova face da educação, em que o maior princípio
axiológico dos direitos fundamentais é a igualdade de oportunidades.
Da década de 40 ao ano de 2006, no que se refere aos direitos das pessoas
com deficiência, percebe-se que a legislação internacional indica que as barreiras
atitudinais devem ser eliminadas para que os direitos fundamentais sejam
respeitados. Também se observa a ênfase na informação e formação de
profissionais que ao atuarem contribuam para a erradicação de compreensões
equivocadas acerca da existência e potencial desse grupo vulnerável.
Na década de 40 surge o primeiro documento para combater a violação dos
direitos humanos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU 20, 1948).
Nesta já se propunha a solidificação de ideais de igualdade, liberdade e fraternidade
através da educação em direitos humanos.
Esse esforço sistemático na busca da construção de uma sociedade mais
humana, na qual a educação assume sua função de promover a reflexão, a
compreensão dos eventos sociais e a mudança de mentalidades, é encontrado em
várias Convenções, Declarações, Tratados, Leis, todos oriundos do empenho da
sociedade civil organizada em lutar pela efetivação de uma dinâmica social mais
humanizada.
Já no ano de 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (ONU, 2006) advoga que para que estes e outros princípios sejam
respeitados faz-se necessária a acessibilidade em todas as frentes de ação,
principalmente a atitudinal.
No entremeio desse espaço de tempo várias foram as políticas que
buscaram, de alguma maneira, erradicar as barreiras atitudinais no âmbito
internacional e, na sustentação dessas políticas surgiram vários documentos legais,
os de maiores destaques foram contempladas nos subitens abaixo.
20
Em 1945, com o objetivo de promover a paz, a segurança internacional, aprofundar a cooperação
e o desenvolvimento mundial, foi fundada a Organização das Nações Unidas - ONU, sucessora da
Sociedade das Nações.
145
2.1.1- Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada em meados do século
XX, surgiu num período em que a sociedade vivenciava os impactos da Segunda
Guerra Mundial. Este documento consagrou ideais da Revolução Francesa:
liberdade, igualdade e fraternidade entre os homens e reconheceu a equidade de
direito de acesso ao serviço público (Art. XXI), bem como a compatibilidade do
regime democrático ao pleno exercício de cidadania (Art. XXIX).
Assim, o reconhecimento da igualdade essencial de todas as pessoas, o
respeito à dignidade humana e a proibição de qualquer forma de discriminação ou
exclusão são defendidos nesta Declaração.
Artigo 1º
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas
às outras com espírito de fraternidade.
Artigo 2º
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição.
A declaração inaugura, portanto, uma nova compreensão social que implica
em compreender que todos os cidadãos são iguais em dignidade e direitos,
independentemente de suas idiossincrasias. Logo, se a lei fosse determinante das
práticas sociais e educativas, o princípio da igualdade e da não-discriminação
afirmados nessa Declaração, colocaria em xeque atitudes de rejeição, piedade,
assistencialismo que foram contundentemente sustentadas mesmo após a
publicação destas orientações legais.
Nesse caso, revelam-se retrocessos e barreiras sociais, mesmo que o
documento oficial tenha sido originado para defender os direitos da pessoa com
deficiência.
Da década de 40, marcada pela definição de direitos presentes na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, traduz-se que a ideia de superioridade de alguns
146
grupos sobre outros, em razão inclusive da deficiência, põe em risco a paz social
(fraternidade) e a sobrevivência da humanidade. Como virtude cívica, mais tarde
concebida como princípio jurídico, a fraternidade, um dos pilares desse documento,
ratifica o valor da pessoa humana.
Dessa orientação, depreende-se a urgência de se erradicar quaisquer
obstáculos nas relações sociais. Alguns desses obstáculos foram perpetuados por
tradições históricas que remontam o período da sociedade primitiva: o descaso, o
abandono, a eugenia de pessoas com deficiência. Os primeiros a serem vitimados
por essas barreiras sociais são as crianças, pois é na família que, muitas vezes, elas
começam a busca por firmar um lugar no mundo, na sala de aula, na construção
sócio-econômico-cultural do Estado Parte em que vivem. Esse parece ser mais um
novo paradoxo encontrado na efetivação do documento aqui analisado.
2.1.2- Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF 21 - 20 de
novembro de 1959)
Esta Declaração amplia, através de seus dez princípios, o conjunto de direitos
das crianças.
As diretrizes presentes nesse documento advogam que todas as
crianças, independentemente das características que as constituem, não podem ser
vitimadas por preconceito ou discriminação:
PRINCÍPIO 1º
A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração.
Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão
credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo
de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer
outra condição, quer sua ou de sua família.
PRINCÍPIO 10º
A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar
discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar21
O Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF),
posteriormente denominado Fundo das Nações Unidas para a Infância, foi criado no dia 11 de
dezembro de 1946. Os primeiros programas do UNICEF forneceram assistência emergencial a
milhões de crianças no período do pós-guerra na Europa, no Oriente Médio e na China. No Brasil, o
UNICEF foi instalado em 1950, em João Pessoa (PB), objetivando proteger a saúde de crianças e
gestantes no nordeste.
147
se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre
os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência
que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus
semelhantes.
O espírito de fraternidade e de respeito à pessoa humana é novamente
enfatizado através desta Declaração. Depreende-se do artigo 10 que as crianças
devem receber orientação/educação para que na efetivação da plena consciência
elas estejam a serviço de seus semelhantes.
Assim, as situações protagonizadas pelas próprias crianças precisam ser
convergentes ao princípio da não-discriminação, da erradicação de barreiras
atitudinais, as quais muitas vezes são vivenciadas na escola quando, por exemplo,
sob reflexo de posturas e entendimentos assimilados no ambiente em que vivem, as
crianças apresentam receio, recusa em relação à outra criança por motivo de
deficiência, etnia etc. Acredita-se, então, que a formação da criança , de acordo
com a filosofia
includente, será o momento de
inscrever nos comportamentos
sociais a habilidade de acolher a diversidade de indivíduos.
Nesse sentido, proteger as crianças contra atos que possam suscitar
discriminação ou barreiras atitunais será uma questão de ética. A ética deve estar
inscrita no ethos de cada agente educacional, pois os ditames éticos do
reconhecimento do homem pelo homem constituem a base para uma sociedade de
cooperação, de respeito e de sabedoria. (LIMA, 2006).
Para garantir que todas as crianças tenham acesso à orientação educacional
adequada e sejam instrumentalizadas para contribuir na construção de “um
ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de
fraternidade universal” (Art.10), essa Declaração, em seu princípio 5, determina: “À
criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o
tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição
peculiar”.
O tratamento desigual para igualar em direitos é um elemento filosófico e
sócio-político da inclusão social e educacional, sinalizado neste princípio, o qual
prima pelo direito à educação e considera as especificidades de cada aluno. Esta
orientação é ratificada no princípio 7, o qual afirma que a toda criança será
148
[...] propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral
e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver
as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de
responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da
sociedade. [...]
Assim sendo, a igualdade de oportunidades é um elemento constitutivo das
práticas sociais includentes, quando não se efetiva essa diretriz, vê-se, com clareza
solar, que a materialização de barreiras atitudinais pode obstar o acesso dos alunos
com deficiência à escola e a permanência nela. Assim, por exemplo, se a uma
criança cega não for ofertada as condições de participar equitativamente das
atividades escolares, esta estará em desvantagem no processo formativo.
Nesse caso, se o professor, esteado na avaliação depreciativa da
capacidade da criança cega, não oferecer a áudio-descrição ou quaisquer outros
recursos de tecnologia assistiva, ele (o docente) estará materializando e nutrindo a
barreira atitudinal de percepção de menos-valia. (LIMA; TAVARES, 2007).
Para tornar a criança um membro útil da sociedade, capaz de contribuir com o
crescimento socioeconômico e com a paz mundial é relevante que a ela sejam
ofertadas oportunidades iguais às disponíveis aos seus pares. Nessa direção,
Martins (2006, p. 18), afirma que “[...] a inclusão, no ambiente comum de ensino,
daqueles que são comumente excluídos [...] é essencial para a sua dignidade e para
o exercício dos seus direitos humanos.”
Reconhecer, como prega essa Declaração, que toda criança tem direito à
educação e a ser tratada no ambiente educativo sob as lentes do respeito e da
fraternidade é considerar que os direitos das crianças com deficiência precisam
estar na ordem do dia, pois a compreensão negativa sobre a deficiência associada a
características como etnia, gênero, classe social etc. traz impactos danosos ao
processo de escolarização das crianças e a efetivação dos direitos humanos.
É sob a percepção das desvantagens vivenciadas nos espaços sociais que
surgem os documentos que defendem, pontualmente, os direitos de todas as
pessoas que possuem alguma deficiência.
O primeiro destes documentos foi a
Declaração de Direitos do Deficiente Mental (ONU, 1971), onde se advoga, no artigo
1º, que a pessoa com deficiência intelectual deve gozar de todos os direitos
humanos e, no artigo 2º, defende-se o acesso à educação. Esse documento surge
149
da necessidade de salvaguardar os direitos da pessoa com deficiência e é ratificado
na Declaração de 1975.
2.1.3 - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino
(UNESCO, 1960)
A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino foi
adotada pela Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura
(doravante, UNESCO), em 1960.
É um documento que defende o princípio
inclusivista da não-discriminação e busca instituir “a colaboração entre as nações
para assegurar a todos o respeito universal dos direitos do homem e oportunidades
igual de educação” (Ibid., p. 2).
As diretrizes dessa Convenção demonstram, com clareza, a urgência de se
erradicar a discriminação no âmbito do ensino. O documento é vanguardista em
relação ao que se anuncia hoje acerca da educação inclusiva: equidade de
oportunidades e de tratamento.
Nesse sentido, o artigo 1º da referida Convenção desvela a impossibilidade
de aceitação de tratamento desigual e desbonificador com base nas características
da pessoa humana:
Artigo 1º
Para os fins da presente Convenção, o termo "discriminação" abarca
qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por
motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou
qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição
econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou
alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e,
principalmente:
a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos
diversos tipos ou graus de ensino;
b) limitar a nível inferior à educação de qualquer pessoa ou grupo;
c) sob reserva do disposto no artigo 2º da presente Convenção,
instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino
separados para pessoas ou grupos de pessoas; ou
d) de impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições
incompatíveis com a dignidade do homem.
150
Como pode ser observado, o conceito que o documento traz sobre a
discriminação aponta para ações relevantes para a erradicação de barreiras sociais.
Depreende-se desse documento que para atender ao conjunto de
necessidades e características de todos os alunos a escola precisa ser um ambiente
acolhedor, desmitificador, promotor da justiça social e da equinânime produção
sociocultural. Para atingir essa meta a Convenção institui, em seu artigo 3º, que os
Estados Partes devem “tomar as medidas necessárias, inclusive legislativas, para
que não haja discriminação na admissão de alunos nos estabelecimentos de
ensino.”
A necessidade de se estabelecer numa Convenção uma diretriz legal para
que todos os alunos tenham acesso à educação clarifica a situação social
vivenciada por muitos alunos: a barreira atitudinal da rejeição. Apesar de todos os
contributos trazidos na década de 60, essa e outras barreiras ainda são percebidas
e registradas na legislação como elemento a ser combatido com firmeza e
determinação.
2.1.4- Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975).
A história descreve que desde meados do século XX, na luta contra a
discriminação, a sociedade começou a buscar alternativas, para exigir que os
direitos dos grupos vulneráveis fossem resguardados.
Nesse período surgiram substantivas iniciativas contra as desvantagens e
discriminação vivenciadas pelas pessoas com deficiência.
É sob o manto da
reivindicação de direitos que surgiu a Declaração dos Direitos das Pessoas
Deficientes (ONU, 1975), instituída a partir da Declaração de Direitos do Deficiente
Mental (1971) e da Resolução XXX/3.447.
Depreende-se da tessitura dessa Declaração que há uma orientação para que
se compreenda a deficiência como uma das características da pessoa humana;
nesse caso, o substantivo pessoa deve agregar o sentido de pertencimento ao
gênero humano.
151
Em relação a esse aspecto Sassaki (2003) esclarece que em 1981, sob
pressão das Organizações das Nações Unidas, o valor “pessoas” foi ratificado
àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade à maioria dos
membros de qualquer sociedade ou país. Assim, esse ano foi considerado o “Ano
Internacional das Pessoas Deficientes” (“Participação Plena e Igualdade”) e trouxe
significativas contribuições para a percepção de que a sociedade precisava mudar
para acolher a diversidade humana.
Como se vê, o termo “pessoa com deficiência” revela valores e ideologias
percebidos numa fase da história da humanidade, é mais que a mudança de
nomenclatura. Logo, evitar termos como “o deficiente”, “o surdo” etc. cuja expressão
seja metonímica ao todo da pessoa com deficiência é buscar erradicar a barreira
atitudinal de substantivação da deficiência. (LIMA; TAVARES, 2007).
A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975), nos artigos
2º e 3º, defende que as pessoas com deficiência, em pleno gozo de seus direitos e
consideração da dignidade de pessoa humana, jamais podem ser discriminadas em
razão da deficiência, nem tão pouco com base em outras características linguísticas,
étnicas, de gênero, etárias etc.
2º - As pessoas com deficiência gozam de todos os direitos
estabelecidos nesta Declaração. Estes são reconhecidos a todas as
pessoas com deficiência sem qualquer exceção e sem distinção ou
discriminação com base em questões de raça, cor, sexo, língua,
religião, opiniões políticas ou outras, origem social ou nacional,
estado de saúde, nascimento ou qualquer outra situação que diga
respeito à própria pessoa com deficiência ou a sua família.
3º - As pessoas com deficiência têm o direito inalienável ao respeito
pela sua dignidade humana. As pessoas com deficiência, qualquer
que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm
os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma
idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma
vida decente, tão normal e plena quanto possível.
Muitas vezes, na escola, as pessoas com deficiência foram discriminadas ao
fazer parte de um sistema educacional separado do regular e receber atendimento
educacional diferenciado em relação aos alunos de sua mesma faixa etária.
Na década de 60, período da institucionalização, e na década de 70 até
meados de 80, período da integração, tal fato decorria da visão que se tinha da
152
deficiência – percebida como doença – e do próprio aluno, visto como um doente,
como um ser incapaz de aprender com os demais alunos. (MARTINS, 2002).
Essa teoria pedagógica, onde as crianças deveriam se ajustar ao sistema
educacional a elas ofertado, esteada nas barreiras atitudinais de inferiorização,
baixa expectativa, ignorância, rejeição, percepção de incapacidade intelectual,
atitude de segregação e assistencialismo, segundo Martins (Ibid.), só conduziu à
sociedade a negação da função precípua da escola: ensinar.
O documento da ONU (1975) aqui analisado também traz algumas garantias
às pessoas com deficiência, entre essas, o direito à educação que possibilite
“desenvolver ao máximo as suas capacidades e aptidões e a acelerar o processo de
sua integração ou reintegração social” (Art. 6º). Esta ênfase na capacidade das
pessoas com deficiência, um preceito da inclusão social e educacional, é percebida
também nos artigos 5º e 7º.
O artigo 13 reporta sobre a relevância de as pessoas com deficiência, suas
famílias e comunidades estarem cientes dos direitos assegurados por esta
Declaração. A informação instrumentaliza a pessoa com deficiência e todos os que
estão engajados numa perspectiva de construção social includente a aquilatar o
cumprimento dos direitos sociais.
Traduz-se dos artigos que constituem essa Declaração que a erradicação da
discriminação seria condição sine qua non para a efetivação da reestruturação da
cultura, da política e das práticas pedagógicas vivenciadas nas escolas de modo que
essas respondam à diversidade de alunos.
2.1.5 - Declaração de Sundberg (UNESCO, 1981)
Em 1981, “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, houve em
Torremolinos, Espanha, a Conferência Mundial sobre Ações e Estratégias para
Educação, Prevenção e Integração, organizada pelo Governo Espanhol em
cooperação com a UNESCO.
Ao considerar as contribuições, orientações e determinações presentes na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros relevantes instrumentos das
153
Nações Unidas e, particularmente, na Declaração dos Direitos da Criança, na
Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes e na Declaração dos Direitos das
Pessoas Deficientes Mentais, a Declaração de Sundberg tornou-se, segundo
Sassaki (2004), fundamental para que a Década das Nações Unidas das Pessoas
com Deficiência (1983-1992) pudesse trazer contribuições significativas no contexto
mundial, no que concerne à inclusão social de pessoas com deficiência.
Sassaki (op.cit.) faz um alerta para que na leitura deste documento sejam
visualizados vários dos princípios inclusivistas, muitas vezes designados por outras
nomenclaturas, mas que trazem um conteúdo atual, includente e respeitoso às
idiossincrasias de seu público. O primeiro desses conceitos é o da integração o qual,
nesta Declaração, significa “modificar e adequar a sociedade às necessidades das
pessoas com deficiência e nela incluí-las.”
Esta Declaração além de reportar sobre o objetivo da legislação em promover
e assegurar a plena participação das pessoas com deficiência na vida social enfatiza
a informação, as atitudes, a pesquisa e a atuação da Universidade como
garantidoras da construção e manutenção de um nível de consciência social
promotor da solidariedade e da justiça.
Na
tessitura
da
Declaração
de
Sundberg
(UNESCO,1981)
surgem
conceituações que configuram os princípios da inclusão social e educacional, nos
termos utilizados hoje.
A atenção a estes conceitos é fundamental para o entendimento das atitudes
e comportamentos sociais. Segundo Sassaki (1997), os conceitos moldam ações
sociais e permitem à sociedade analisar programas, serviços e políticas sociais, pois
os conceitos acompanham a evolução de certos valores éticos.
Conhecer, identificar, compreender os conceitos e as mudanças sociais que
eles sinalizam são ações que instrumentalizam todas as pessoas, agentes da
inclusão, a fortalecer as raízes e diretrizes do movimento em prol da construção de
uma sociedade de e para todos.
Muitos conceitos inclusivistas surgidos a partir deste período encontram-se
registrados nos dezesseis artigos que compõe a Declaração de Sundberg (1981).
154
Os artigos 2º e 12 defendem a plena participação e
o empoderamento
(empowerment) o qual significa
[...] o processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa
o seu poder pessoal inerente à sua condição – por exemplo:
deficiência, gênero, idade, cor – para fazer escolhas e tomar
decisões, assumindo assim o controle de sua vida. (SASSAKI, 1997,
p. 37)
Nesse sentido, a participação e o empoderamento são relevantes para a
eliminação das barreiras atitudinas, pois quando essas não são erradicadas,
pessoas com deficiência têm sido alijadas do direito de decidir sobre suas próprias
vidas e exercem uma pseudoparticipação nos eventos que lhes dizem respeito,
inclusive quando, na escola, o ambiente social é segregador ou imprime a elas a
marca da ineficiência, do pesar, da compensação.
Já a ênfase nos aspectos educacionais da pessoa com deficiência e no
acesso à informação que deve ser ofertado a elas e aos seus pais, surge nos artigos
1º, 4º, 6º, 7º, 8º os quais advogam, entre outros aspectos, que a inclusão deve ser
iniciada o “mais cedo possível” como forma de ampliar a eficácia de programas
educacionais, culturais e econômicos; assegurar a cooperação da família e, ainda,
conjugar esforços conjuntos de governos e organizações não governamentais
envolvidas no processo inclusivista.
Nos artigos 5º, 11 e 13, a equiparação de oportunidades, a acessibilidade, as
tecnologias assistivas22 (TA) e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
são
consideradas
aspecto
motriz
para
a
participação
nos
programas
supramencionados.
Nesta linha, é relevante esclarecer que as tecnologias são consideradas
assistivas quando usadas para auxiliar pessoas com deficiência “no desempenho
funcional de atividades, reduzindo incapacidades para a realização de atividades da
vida diária e da vida prática, nos diversos domínios do cotidiano”. (SILVA, 2010, p.
296).
22
O termo Assistive Technology, traduzido no Brasil como Tecnologia Assistiva foi criado em 1988,
como importante elemento jurídico dentro da legislação norteamericana. (SILVA, 2010, p. 295).
155
Silva (Ibid.) afirma que as ajudas técnicas ou tecnologias assistivas só
adquirem funcionalidade quando são respeitadas as potencialidades de cada
indivíduo. O reconhecimento das potencialidades das pessoas com deficiência é
valorado no artigo 3º desta Declaração. Neste, traduz-se que considerar as
capacidades de cada pessoa é oportunizar a participação plena e fomentar nelas o
desejo e o compromisso de contribuir para o melhoramento da sociedade.
Uma vez tendo desvelado o conceito que imprime o significado das
tecnologias assistivas, busca-se agora a retomada da análise do referido documento
em seus demais artigos.
Nesse sentido, merece destaque, neste contexto, a formação e qualificação
de educadores e dos profissionais que atuam diretamente com a construção e
manutenção de programas educacionais, culturais e informacionais, como também a
capacitação dos profissionais da mídia. De acordo com os artigos 9º e 10, estes
profissionais devem ser orientados para lidar com as situações e necessidades
específicas das pessoas com deficiência. E, neste caso, as associações dessas
pessoas devem ser consultadas e ter suas experiências valoradas e consideradas
no delinear desses programas.
A ênfase na colaboração desse grupo à produção sócio-econômica-cultural
contribui para erradicar a crença de que incluir pessoas com deficiência nos espaços
sociais é uma ação que apenas beneficia a essas pessoas. Esse entendimento
equivocado ancora-se na pseudoconcepção da inclusão social e educacional,
nutrida na barreira atitudinal de ignorância, a qual consiste, segundo Lima e Tavares
(2007), no desconhecimento das potencialidades da pessoa com deficiência.
Diante desse contexto, as universidades precisam desempenhar um papel
significativo, sendo responsáveis pela formação inicial e continuada desses
profissionais que devem ser capazes de estabelecer vínculos fortes e duradouros
entre o universo da pesquisa acadêmica e o mundo exterior. Assim, através de
ações de ensino, pesquisa e extensão, poderão promover um trabalho de orientação
fecundante, promotor da mentalidade includente e, em consequência, da
transformação social; pois as mentalidades se exprimem no olhar e na linguagem,
156
nas atitudes, nas relações e no tratamento dispensado aos grupos cujo status social
é desfavorecido. (BERTHOU, 2009).
De acordo com o artigo 13, o incentivo e socialização de pesquisas que
ampliem o conhecimento sobre a inclusão e que versem, inclusive, sobre tecnologia
assistiva precisam ser socializados:
Devem ser incentivadas as pesquisas voltadas ao aumento do
conhecimento e à sua aplicação em apoio aos objetivos desta
Declaração, especialmente para adaptar a moderna tecnologia às
necessidades das pessoas com deficiência e para reduzir o custo de
fabricação dos equipamentos; e os resultados de tais pesquisas
devem ser disseminados amplamente a fim de se promover a
educação, o desenvolvimento cultural e o emprego de pessoas com
deficiência. (Declaração de Sundebeg. Art. 13.)
A informação e a formação científica auxiliam as pessoas a revisarem seu
sistema cognitivo e suas atitudes, por conseguinte, a promover a constituição e a
renovação da consciência includente.
Com efeito, esta disposição cognitiva, psíquica e afetiva que compõe as
atitudes deve estar na centralidade das ações formativas anunciadas a todas as
crianças com ou sem deficiência. As primeiras, porque, muitas vezes oprimidas, são
vitimadas pela barreira atitudinal de menos valia; as segundas, porque precisam
reconhecer o sentido de complementaridade e a riqueza de oportunidades advindas
da interação com todas as pessoas, reconhecendo que cada ser humano constrói,
ao longo de sua trajetória de vida, habilidades e competências as quais devem
desatravancar o caminho da fraternidade, da ciência e do crescimento justo da
comunidade humana.
Por fim, nos artigos 14, 15 e 16, respectivamente exige-se que o governo e a
sociedade em geral propiciem oportunidades laborais para as pessoas com
deficiência, defende-se a cooperação internacional como ação urgente para que a
inclusão se efetive e advoga-se que os Estados devem tomar medidas legislativas,
bem como assegurar a participação das pessoas com deficiência, a fim de fazer
valer todos os direitos humanos.
157
2.1.6 - Convenção dos Direitos das Crianças23 (ONU,1989)
Esta Convenção teve seu esboço iniciado, por um grupo estabelecido pela
comissão de Direitos Humanos, três anos antes de sua publicação, período em que
se vivenciou o Ano Internacional da Criança (1979).
Com mais de 140 países tendo assinado este tratado e mais de 80 ratificado,
em 1990 a referida convenção entrou em vigor, defendendo que as crianças devem
ter direitos civis, econômicos, sociais, culturais e políticos semelhantes aos dos
adultos, como também precisam ser educadas, “em particular, em um espírito de
paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade” (ONU, 1989, p. 1).
Este documento considera a vulnerabilidade das crianças, a necessidade que
elas apresentam de serem protegidas pela família e pela sociedade em geral.
Enfatiza a relevância da cooperação internacional para que estas diretrizes sejam
atendidas.
A Convenção dos Direitos das Crianças (ONU, 1989) traz significativas
contribuições para a construção de uma sociedade e escola includente, pois coloca
na agenda das obrigações do Estado Parte a garantia de que as crianças sejam
protegidas contra a discriminação, por quaisquer aspectos: “raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais,
ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de
qualquer outra situação” (Art. 2º).
Nessa Convenção, valoriza-se também a formação de profissionais para atuar
com as crianças com deficiência, especificamente no âmbito médico, psicológico e
funcional.
cooperação
Assim, no artigo 1º defende-se que a troca de informações e a
internacional
devem
atingir
às
necessidades
dos
países
em
desenvolvimento no que concerne , entre outros aspectos, a esta formação.
23
Em 1924 foi aprovado o primeiro documento internacional sobre os direitos da criança, conhecido
como "A DECLARAÇÃO DE GENEBRA”. Esta Declaração foi construída por membros da ONG
“Save the Children” e é considerada o documento que motivou a origem da “Convenção dos Direitos
da Criança” (1989).
158
Essa Convenção também defende que as crianças com deficiência devem ter
uma vida plena e digna, com vistas à autonomia e à inclusão social. Determina a
gratuidade de serviços prestados a estas crianças e o acesso
[...] à educação, à formação, aos cuidados de saúde, à reabilitação,
à preparação para o emprego e a atividades recreativas, e beneficie
desses serviços de forma a assegurar uma integração social tão
completa quanto possível e o desenvolvimento pessoal, incluindo nos
domínios cultural e espiritual. (Art.1º)
A educação é concebida, então, como um direito assegurado a todas as
crianças e esteado nos princípios inclusivistas da igualdade de oportunidades e da
acessibilidade.
A Convenção ressalta, pois, a função da educação em promover a construção
da mentalidade includente ao inculcar valores humanos e os princípios de justiça,
respeito, tolerância, resguardando e constituindo a sua própria identidade, enquanto,
num espírito fraterno, desenvolve seu potencial e contribui para a constituição de
uma sociedade livre e responsável pela espécie humana e pelo meio ambiente,
conforme artigo 29, no seu inciso primeiro, que afirma o seguinte:
1. Os Estados Partes acordam em que a educação da criança deve
destinar-se a:
a) Promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos
seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas
potencialidades;
b) Inculcar na criança o respeito pelos direitos do homem e
liberdades fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta
das Nações Unidas;
c) Inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade
cultural, língua e valores, pelos valores nacionais do país em que
vive, do país de origem e pelas civilizações diferentes da sua;
d) Preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida
numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância,
igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos
étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena;
e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente. [...] (Art. 29)
Esta atenção na potencialidade das crianças, na preservação da identidade e
da dignidade, na promoção da equiparação de oportunidades nos ambientes sociais
e educativos demonstram que os elementos constitutivos da inclusão são ratificados
na presente Convenção. Logo, a contribuição primeira desse documento é cuidar
159
para que as crianças sejam herdeiras de um destino de igualdade social, o qual as
conduzirá a experienciar o lugar de cidadãos e cidadãs, sujeitos de direitos e de
deveres, providos de potencialidades, acolhidos na escola e em todos os espaços
sociais como membros da família humana.
2.1.7 - Declaração mundial sobre educação para todos ( ONU,1990)
Um marco no século XX, para a constituição da Educação Inclusiva foi a
Conferência realizada na Tailândia (Jomtien), em 1990, momento em que se
produziram dois relevantes documentos: a Declaração Mundial e o marco de ação
para a Educação Básica.
Esses documentos definiram as metas a serem alcançadas pelos diferentes
países. Contudo, algum tempo depois, a partir da percepção de que era insuficiente
criar apenas uma declaração, os partícipes da conferência criaram algo para dar
maior visibilidade à legislação que estava sendo construída e à ação de todos os
países envolvidos no processo de construir uma política de educação para todos.
Criou-se então o fórum permanente, o qual objetivava ajudar os países a
implementar tal política.
Com a efetivação do fórum, ficou perceptível o valor dessas ações na
passagem do pensar acerca da educação para todos e a busca mundial por
caminhos de concretização. O discurso inclusivista caminha para a prática de uma
melhor qualidade impressa à educação.
Nos três fóruns promovidos pela UNESCO em Paris (1991), Nova Delhi
(1993) e Amã (1996), as limitações foram apontadas e as metas, revisitadas. Entre
as estratégias definidas, merecem destaque, no contexto da acessibilidade:
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de todos, valorizar o ambiente
para a aprendizagem, ampliar o alcance e os meios da Educação Básica. No Artigo
1º, da declaração lê-se:
1. Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em
condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas
para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.
Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos
essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a
160
expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os
conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos,
habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres
humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas
potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida,
tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A
amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a
maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada
cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo.
(Grifos nossos).
A
ênfase
na
provisão
de
instrumentos/recursos
para
a
oferta
de
oportunidades educativas voltadas às necessidades de todos os alunos se alinha ao
que já vinha sendo defendido por vários documentos internacionais: a defesa dos
direitos humanos e a promoção da educação para todos, ações esteadas no
princípio da igualdade entre as pessoas.
Essa igualdade é um valor essencial quando o assunto em tela é a escola
para todos. “Podemos encará-lo de vários ângulos, mas em todos, o sentido da
igualdade não se esgota no indivíduo, expandindo as considerações para aspectos
de natureza política, social e econômica.” (MANTOAN , 2001, p. 55).
Por esse motivo, a exemplo da Declaração de Jomtien, muitos documentos
internacionais que reportam sobre os objetivos sócio-político-culturais da educação,
quase sempre, fazem referência à cooperação internacional e à permuta de
experiências formativas e científicas.
Essa
Declaração,
desde
o
preâmbulo,
defende que a educação assume papel fundamental para a mudança do “quadro
sombrio” vivenciado pela humanidade: degradação humana e ambiental.
O documento em estudo insta a cooperação internacional e sinaliza que a
erradicação de preconceitos e estereótipos, elementos constitutivos das barreiras
atitudinais, é condição fundamental para a garantia da educação de qualidade para
todos.
O artigo 1º defende que cada pessoa tem, no âmbito educacional, a
necessidade básica de compreender e praticar valores e atitudes. Aqueles
entendidos como “os princípios ou as ideias éticas que permitem às pessoas emitir
um juízo sobre as condutas e seu sentido. São valores: a solidariedade, o respeito, a
responsabilidade, a liberdade etc.” (ZABALA, 2007, p. 46) e estas, como “tendências
161
ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira.
São a forma como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com os valores
determinados” (Ibid.).
Ambos os conceitos constituem as bases dos conteúdos atitudinais,
implicitamente mencionados nesta Declaração e em outros documentos legislativos
que discorrem sobre a educação, a informação e a formação científica ofertada nos
espaços formativos (escolas, universidades, mídia etc.).
Na escola para todos, cada partícipe deve ter, portanto, a
2. [..] possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de
respeitar e desenvolver sua herança cultural, linguística e espiritual,
de promover a educação de outros, de defender a causa da justiça
social, de proteger o meio-ambiente e de ser tolerante com os
sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos seus,
assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos
humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e
pela solidariedade internacionais em um mundo interdependente.
(Art.1º).
A interdependência, assim como a vivência de valores culturais e morais, rege
a constituição identitária de cada agente escolar e promove o respeito à dignidade
humana e a percepção de complementaridade, fraternidade, ou nas palavras da
Declaração, de calor humano (Art.6º).
Para que a constituição da escola para todos seja possível,
A sociedade deve garantir também um sólido ambiente intelectual
e científico à educação básica, o que implica a melhoria do
ensino superior e o desenvolvimento da pesquisa científica.
Deve ser possível estabelecer, em cada nível da educação, um
contato estreito com o conhecimento tecnológico e científico
contemporâneo. (Art. 8º. Grifos nossos).
A ênfase nesse movimento cíclico: escola – universidade – escola, evoca a
universidade a cumprir seu papel como promotora da produção de saberes, da
reflexão, da análise de teorias e práticas já cristalizadas no seio das instituições
escolares e formativas.
De acordo com essa Declaração, a construção e eficácia de um plano de
ações em que se busque a educação para todos dependerá da capacidade de cada
162
país na formação de capacidades para a pesquisa, planejamento e inovações em
pequena escala.
Para isso, será indispensável uma sólida base de conhecimentos,
alimentada pelos resultados da pesquisa, lições aprendidas com
experiências e inovações, tanto quanto pela disponibilidade de
competentes planejadores educacionais (ONU, 1990, p. 38).
É, pois, o reconhecimento da educação como uma dimensão fundamental de
todo projeto social, cultural e econômico (Art. 9º) que traz para os agentes escolares
e para as instituições de curso superior a necessidade de determinar individual e
coletivamente o compromisso ético de fazer valer o desenho universal da educação
(Art. 10, 15 e 17).
Na Declaração de Jomtien, os Estados Partes firmam o compromisso de
“desenvolver programas que objetivem erradicar barreiras sociais e culturais que têm
desencorajado pessoas a participarem das escolas, principalmente mulheres e
meninas” (ONU, 1990, p. 37).
Esse documento prima pela educação acessível, de qualidade e traz algumas
diretrizes para uma ação conjunta e colaboração regional em prol da educação para
todos, a saber:
40. [...]
(i)
capacitação
de
pessoal-chave,
como
planejadores,
administradores, formadores de educadores, pesquisadores, etc.;
(ii) esforços para melhorar a coleta e análise da informação;
(iii) pesquisa;
(iv) produção de material didático;
(v) utilização dos meios de comunicação para satisfazer as
necessidades básicas de aprendizagem; e
(vi) gestão e uso dos serviços de educação à distância; (p. 32)
Nessas seis áreas sugeridas para uma ação colaborativa entre os países,
merece destacar, mais uma vez, a ênfase na pesquisa, pois se a fraternidade, as
atitudes, os comportamentos, a construção de valores tem lugar garantido na
constituição da escola para todos, a percepção e melhoramento destes só podem
ser possíveis através das lentes da ciência, da criticidade, do olhar investigativo e da
socialização daquilo que se depreende na relação entre teoria e prática.
163
2.1.8- A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994)
Em 1994, mais de 300 participantes, representando 92 governos e 25
organizações internacionais, reuniram-se em Salamanca (Espanha), com o objetivo
de, à luz da Declaração de Jomtien, analisar quais eram as mudanças necessárias
para o desenvolvimento da Educação Inclusiva.
A Conferência foi organizada pelo governo espanhol em cooperação com a
UNESCO,
[...] congregando altos funcionários da educação, administradores,
responsáveis pela política e especialistas, assim como
representantes das Nações Unidas e das Organizações
Especializadas, outras organizações governamentais internacionais,
organizações não-governamentais e organismos financiadores.
(UNESCO, 1994, p.1).
A “Declaração de Salamanca – Sobre Princípios, Políticas e Práticas na área
das Necessidades Educativas Especiais e o Enquadramento da ação”, adotados
nesta Conferência, propõem uma Pedagogia centrada na criança e que considere
normais as diferenças humanas. Tem-se, pela primeira vez em um documento
legislativo, a expressão Educação Inclusiva, ou seja, o que foi construído em 1990,
com a Declaração do Jomtien, foi ratificado em 1994, já tecendo a expressão
educação inclusiva.
Esta Declaração e o enquadramento da ação são considerados grandes
promotores da educação inclusiva em todo o mundo.
Ela é resultante de uma
tendência mundial de busca e consolidação por uma educação para todos, cuja
gênese é atribuída à reivindicação de movimentos sociais os quais, ainda na década
de 70, começaram a lutar pela desinstitucionalização manicomial.
O
documento
em estudo incita todos os governos a “adotar o princípio de educação inclusiva em
forma de lei ou política, matriculando todas as crianças em escolas regulares”
(UNESCO, 1994, p. 5), inclusive as que apresentarem necessidades educativas
especiais.
Na Declaração, defende-se o princípio que orienta a estrutura da escola
inclusiva: o acesso e permanência de todas as crianças:
164
[...] crianças com deficiência e superdotadas, crianças de rua e que
trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade,
crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais,
crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados
(UNESCO, 1994, p. 3) .
Assim como as crianças que estejam apresentando dificuldades educativas
permanentes ou temporárias, as que estão em repetência de séries escolares, as
que vivem em condições de pobreza, são desnutridas ou experienciam a
desestrutura familiar, as que são vitimadas por situações de conflitos sociais, as que
sofrem abusos físicos, emocionais e sexuais, as que são discriminadas
multiplamente, enfim, todas as que estão fora da escola, deixando de gozar o direito
à educação, são consideradas com necessidades especiais e precisam ter garantido
o direito de uma formação plena, contínua e centrada nos valores universais,
despida de barreiras sociais, para que as bases de uma sociedade mais humana
sejam fortalecidas pelas novas gerações.
Neste contexto, o termo necessidades educacionais especiais, o qual teve
origem no Relatório de Warnock (Grã-Bretanha, 1979), refere-se a todas aquelas
crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em
função de deficiências ou de dificuldades de aprendizagem. E o consenso de que
essas pessoas devem estar interagindo com outras que não apresentem tais
características foi um elemento impulsionador na busca pela escola inclusiva.
(UNESCO, 1994).
Para que as escolas possam então acolher todas as crianças, a Declaração
propõe que os governos garantam, “no contexto de mudança sistêmica, os
programas de formação de professores, tanto em nível inicial como em serviço,
incluam as respostas às necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas.”
(Id., Ibid., p. 2).
Esse seria um dos relevantes passos para erradicar atitudes que foram, por
um tempo demasiadamente longo, impresso pela sociedade às pessoas com
deficiência, pois o sucesso ou as dificuldades experienciadas na escola eram
atribuídos unicamente a essas pessoas.
Nesse sentido, merece destacar que a Declaração de Salamanca sugere
algumas ações contributivas para o combate ao atendimento educacional situado na
165
perspectiva das limitações funcionais, promotor da discriminação e das barreiras
atitudinais. Ela sinaliza que um caminho valoroso é a capacitação de profissionais e
a pesquisa levada a cabo em níveis nacional e regional, no sentido de desenvolver
sistemas tecnológicos de apoio apropriado à educação especial situada na escola
inclusiva. Esta capacitação, além dos saberes científicos, deve fomentar atitudes
positivas diante do aluno com deficiência. (UNESCO, 1994).
Nesse documento, a ênfase nas atitudes positivas, na informação e na
pesquisa, como caminhos contributivos para a construção de uma mentalidade
includente e para a sistematização da escola inclusiva, é reforçada em diversas
passagens:
36. A disseminação de exemplos de boa prática ajudaria o
aprimoramento do ensino e aprendizagem. Informação sobre os
resultados de estudos que sejam relevantes também seria valiosa. A
demonstração de experiências e o desenvolvimento de centros de
informação deveriam receber apoio a nível nacional, e o acesso a
fontes de informação deveria ser ampliado.
37. A educação especial deveria ser integrada dentro de programas
de instituições de pesquisa e desenvolvimento e de centros de
desenvolvimento curricular. Atenção especial deveria ser prestada
nesta área, a pesquisa-ação locando em estratégias inovadoras de
ensino-aprendizagem. Professores deveriam participar ativamente
tanto na ação quanto na reflexão envolvidas em tais investigações.
Estudos-piloto e estudos de profundidade deveriam ser lançados
para auxiliar tomadas de decisões e para prover orientação futura.
Tais experimentos e estudos deveriam ser levados a cabo numa
base de cooperação entre os países. (UNESCO, 1994, p. 10).
A atenção que deve ser dispensada à inclusão da pessoa com deficiência na
escola inclusiva reafirma o compromisso da universidade em contribuir para a
erradicação de diversas barreiras, tanto nos espaços físicos, quanto pedagógicos e
nas interações sociais. Tem-se, portanto, a
[...] convicção de que a implementação de políticas de qualidade
voltadas à inclusão está diretamente influenciada pelo papel e pela
responsabilidade social da universidade, sobretudo, da universidade
pública, na produção de conhecimento para a formulação e o debate
crítico sobre as políticas educacionais, na formação de profissionais
e na criação de parcerias e iniciativas inovadoras com a comunidade.
(JESUS et. al. 2007, p. 130).
A constituição de escolas inclusivas requer, portanto, além do investimento na
formação dos professores, na tecnologia e nos recursos de acessibilidade, o
166
incentivo às famílias para que participem do processo educativo, o estímulo à
manutenção de redes de apoio e a pulverização de “informações públicas que
ajudem a combater o preconceito e a criar atitudes informadas e positivas”, neste
processo, a mídia, os políticos e todos os agentes educacionais poderão e devem
provocar a erradicação de barreiras atitudinais. (UNESCO, 1994).
O documento defende, portanto, a erradicação de entendimentos e ações
equivocados e prejudiciais à pessoa com deficiência, tais como a discriminação
múltipla e as atitudes inadequadas trazidas por uma sociedade que inabilita as
pessoas com deficiência e, por consequência, priva-lhes de vivenciar os direitos
humanos, fragiliza-lhes o acesso à escola e a permanência nela.
Na Declaração de Salamanca, insurge a reflexão acerca do valor do processo
de conscientização pública, pesquisa, tecnologia, formação continuada dos
profissionais, cooperação regional e internacional e da educação que contemple
todas as pessoas indistintamente. Reafirma-se, portanto, o compromisso ético de
todos os Estados Partes de planejar linhas de ação que garantam a estruturação da
escola e da sociedade como um todo numa atmosfera de mobilização conjunta,
apoio, fraternidade, justiça e ciência.
2.1.9- Declaração de Washington (ONU, 1999)
De 21 a 25 de setembro de 1999, em Washington (EUA), os líderes do
Movimento de Direitos das Pessoas com Deficiência e de Vida Independente dos 50
países participantes da Conferência de Cúpula Perspectivas Globais sobre vida
Independente para o Próximo Milênio, entre outras ações, celebraram as conquistas
mundiais do movimento de vida Independente.
Este movimento surgiu, nos Estados Unidos, no final dos anos 60 e meados
da década de 70, por meio de um grupo pessoas com deficiência que estavam
mantidas isoladas, em instituições terminais e outras “no fundo do quintal” pelos
familiares. O movimento oportunizou a descoberta de potencialidades e a
independência. Esta última, neste contexto, passou a significar não-dependência
em relação à autoridade (institucional e/ou familiar). (SASSAKI, 2004).
167
Além da independência, a autonomia e o empoderamento também são
conceitos que se fazem presentes nos princípios básicos da Vida Independente os
quais foram reafirmados na Declaração de Washington, um documento que defende
o direito de todas as pessoas participarem plenamente da sociedade e vivenciarem
uma educação inclusiva e igualitária.
Esta Declaração traz como um dos aspectos centrais para o plano de ação e
promoção da Filosofia da Vida Independente as contribuições das universidades e
das mídias. Considerando de grande relevância:
h. Firmar parcerias com universidades e instituições acadêmicas
para que incorporem os Princípios de Vida Independente, criem
maior acessibilidade para estudantes e professores com deficiência
e ofertem cursos sobre estudos referentes a deficiências;
i. Utilizar a mídia para promovermos a igualdade, imagens positivas e
a Filosofia da Vida Independente; (p.2)
Neste sentido, tomando como referência o exposto acima, as universidades
são triplamente importantes no processo de formação da escola e sociedade
includentes. Primeiro porque devem promover o acesso das pessoas com
deficiência ao curso superior, o que demanda uma reavaliação da estrutura física,
pedagógica e atitudinal ofertada a todos os alunos. Segundo porque são, por
excelência, lugares em que a investigação e a criticidade devem ser palavras de
ordem traduzidas em benefício para a família humana.
E, por fim, porque elas
devem promover, através da formação inicial e continuada de profissionais, a
socialização das pesquisas cujos temas possam contribuir para o fortalecimento da
educação e sociedade inclusiva.
Quanto às mídias, se forem disponibilizadas por profissionais conhecedores
da filosofa includente, elas poderão fomentar na consciência pública as
conceituações positivas e gestarem os comportamentos sociais adequados,
permeados por valores humanos.
168
2.1.10 - Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de
discriminação contra os portadores de deficiência (1999) 24
A Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de
discriminação contra os portadores de deficiência (1999), documento também
conhecido como Convenção da Guatemala, defende o direito das pessoas com
deficiência não serem submetidas à discriminação, com base na deficiência e
considera que este princípio emana da dignidade e da igualdade inerentes a todo o
ser humano.
A Convenção define deficiência e discriminação:
1. Deficiência
O termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou
sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida
diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.
(Art.1º. Grifos nossos).
Depreende-se, dessa conceituação, que a deficiência surge como uma
característica que, associada a barreiras econômicas e sociais, restringe a pessoa
humana na execução de suas atividades de vida diária. Essas barreiras podem estar
associadas e serem fortalecidas pela discriminação.
De acordo com esta Convenção, discriminação significa
[...] toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência,
antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou
percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou
propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício
por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos
humanos e suas liberdades fundamentais. (Art.1º).
Ao advogar a erradicação do impacto negativo provocado pela discriminação
e pelas barreiras sociais, a Convenção de Guatemala considera a mídia como
24
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Pessoa Portadora de Deficiência(1999): apesar de não se referir diretamente à educação, é de suma
importância nessa temática. Tal Convenção, ratificada e promulgada no Brasil (Dec. 3.956/2001),
proíbe qualquer diferenciação que implique em exclusão ou restrição de acesso a direitos
fundamentais e a educação, pelos menos na etapa do ensino fundamental, é um deles. (FÁVERO,
2004, p. 29-30).
169
ferramenta para promover a consciência pública includente, conforme aponta o
artigo 3º da referida declaração, na sua alínea c:
c) sensibilização da população, por meio de campanhas de
educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras
atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais,
permitindo desta forma o respeito e a convivência com as pessoas
portadoras de deficiência. (Art. 3º).
Além da contribuição dos canais de comunicação para minorar e, quiçá,
erradicar atitudes inadequadas diante das pessoas com deficiência, a Convenção
propõe que os Estados Partes se comprometam a colaborar com a “pesquisa
científica e tecnológica relacionada com a prevenção das deficiências, o tratamento,
a reabilitação e a integração na sociedade de pessoas portadoras de deficiência”
(Art.4º).
Destarte, as pesquisas sobre a inclusão das pessoas com deficiência nos
contextos sociais, de acordo com a Convenção de Guatemala, devem ser
incentivadas e terem seus resultados socializados em nível nacional e internacional.
Essa rede de pesquisa e socialização dos percursos e obstáculos percebidos por
cada governo tem sido solicitada pelos legisladores ao longo da história legislativa e
científica da inclusão social.
A ciência que num período remoto já serviu para
excluir, hoje é a chave para visualizar possíveis itinerários de humanização nas
interações, produções e bens construídos culturalmente.
2.1.11 - Declaração de Dakar (2000)
Em abril de 2000, os participantes da Cúpula Mundial de Educação reuniramse em Dakar e firmaram um compromisso coletivo para a ação em prol da
“Educação para Todos”. Também, apontaram a importância de parcerias no âmbito
de cada país e da cooperação de agências e instituições regionais e internacionais,
para possibilitar o alcance de objetivos e metas.
Comungando com as concepções contidas na Declaração Mundial de
Educação para Todos (Jomtien, 1990), o documento reafirma que
[...] toda criança, jovem, adulto, têm o direito humano de se beneficiar
de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de
170
aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, o que inclui
aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e
aprender a ser. (p.1).
Na centralidade dos objetivos de aprendizagem está o verbo “aprender” o
qual denota mobilização de todos, que na condição de alunos ou de eternos
aprendentes, precisam resignificar e ampliar saberes conceituais e atitudinais. Estes
últimos saberes podem trazer significativas contribuições na efetivação da inclusão
social e educacional.
Aprender a ser promove a erradicação de barreiras atitudinais que são
internalizadas pelas pessoas com deficiência, por exemplo, a crença descabida de
que são incapazes, ineficientes, uma marca que fragiliza a construção da identidade,
principalmente, naquelas situações em que se vivencia a múltipla discriminação.
Aprender a ser também insta as pessoas sem deficiência a reconhecer que são
atores da construção social e que apenas juntos a outros agentes de origem,
compleição física, faixa etária, características distintas poderão ter êxito, praticar a
justiça e promover a paz. Aprender a conviver é um conteúdo atitudinal que solicita
a todos a prática de valores humanos como: justiça, honestidade, fraternidade,
solidariedade e tolerância.
Essa ideia interliga-se ao Relatório Jacques Delors (1998), em que a dinâmica
do verbo aprender carrega em si a centralidade da educação como uma formação
permanente tanto para o professor quanto para o aluno. Depreende-se desse
relatório que os saberes que permeiam a formação docente não podem ser
minimizados ao aspecto cognitivo, mas compreendem dimensões existenciais,
pragmáticas e sociais que devem servir de base para a prática pedagógica.
A Declaração de Dakar reafirma que a educação é o caminho para assegurar
“a paz e a estabilidade dentro e entre países, portanto, um meio indispensável para
alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI” (p.1).
Para que esse caminho seja percorrido, como sinaliza a própria Declaração, são
necessárias ações/mudança de atitudes diante da pessoa com deficiência e uma
contínua aprendizagem.
171
2.1.12-- Declaração de Madri (2002)
Em 2002, mais de 400 participantes no Congresso Europeu sobre deficiência,
reunidos em Madrid, estavam juntos para comemorar e proclamar o Ano Europeu
das Pessoas com Deficiência (2003), instando a atenção da sociedade para as
perguntas: O que nós, enquanto sociedade organizada, podemos fazer pelas
pessoas com deficiência? O que fazer, o que legislar para combater as situações de
desvantagens ainda vivenciadas por estas pessoas?
Em Madri, origina-se um importante documento cuja intenção é de modificar a
legislação de todos os países da comunidade europeia e atingir a política a nível
comunitário, nacional, regional e local.
A Declaração de Madri é um documento que reforça o posicionamento político
de bases inclusivas. Considera as pessoas com deficiência como detentoras de
direitos, cidadãos e consumidores autônomos, responsáveis, independentes e
capazes de tomar decisões.
Este documento reflete não apenas acerca da
educação, mas coloca no centro das atenções a sociedade como um todo. Também,
reafirma diretrizes para combater o preconceito social e o estigma.
Ela reconhece que as pessoas com deficiência são dotadas de aptidões e
potencialidades, defende o desenho universal da educação e a transformação da
sociedade para incluir e adaptar-se às necessidades de todos os cidadãos.
A Declaração de Madri também reconhece os entraves para a inclusão social
e educacional. Indica que são as barreiras sociais (invisibilidade, discriminação,
preconceito, ignorância, descaso, desprezo, caridade) que geram a discriminação e
a exclusão social.
No documento em estudo, as barreiras atitudinais são conceituadas como
aquelas que levam as pessoas a não serem capazes de exercer plenamente os
seus direitos fundamentais e a serem excluídas socialmente (p. 1 -2).
Consoante à Declaração, para erradicar esses obstáculos, fazem-se
necessários alguns elementos: a conscientização pública, a educação, a ciência, a
mudança de atitude e a publicação de legislações amplas que contemplem os
direitos humanos de todas as pessoas.
172
A conscientização pública pode ser fomentada pela informação disponível
através da mídia. Por isso, na Declaração de Madri essa contribuição é mencionada
de modo pontual:
6. A mídia deve criar e fortalecer parcerias com as organizações de
pessoas com deficiência a fim de melhorar a descrição de pessoas
com deficiência nos meios de comunicação de massa. Mais
informações sobre pessoas com deficiência devem ser inseridas na
mídia em reconhecimento à existência da diversidade humana.
Quando se referir a questões de deficiência, a mídia deve evitar
quaisquer abordagens condescendentes ou humilhantes e deve
focalizar as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência e as
contribuições positivas que as pessoas com deficiência podem dar à
sociedade quando essas barreiras tenham sido removidas. (p.7)
Atitudes e comportamentos sociais paternalistas e condescendentes podem
originar e nutrir barreiras atitudinais de assistencialismo e superproteção. Para
combatê-las,
Uma legislação antidiscriminatória abrangente precisa ser aprovada
sem demora para se remover barreiras e evitar a construção de
barreiras contra pessoas com deficiência na educação, no emprego
e no acesso a bens e serviços, barreiras que impedem pessoas
com deficiência de realizar plenamente seu potencial de
participação social e autonomia. [...] (p.3).
Muitas vezes, alguns entraves sociais só são visualizados e tratados com
rigor quando sofrem intervenção da legislação. Contudo, ao considerar o percurso
legal efetivado até o ano de publicação dessa Declaração, percebe-se que foram
muitos os avanços, mas que a letra da lei dissociada de um movimento de
conscientização, não é suficiente para a mudança de atitudes.
Legislações antidiscriminatórias provaram ser bem sucedidas para
provocar mudanças atitudinais em relação a pessoas que têm
deficiência. Contudo, a lei não é suficiente. Sem um forte
compromisso de toda a sociedade, incluindo a participação ativa de
pessoas com deficiência e suas organizações para defender seus
direitos, a legislação permanece como uma concha vazia. Portanto,
torna-se necessário educar o público para dar suporte às medidas
legislativas, para aumentar a sua compreensão sobre os direitos e
necessidades das pessoas com deficiência na sociedade e para
combater preconceitos e estigmas que ainda existem nos dias de
hoje. (p.3).
173
A conscientização pública impulsiona movimentos sociais e recebe influência
direta da mídia e da ação educacional promovida pelas escolas e universidades. As
escolas inclusivas precisam, portanto, assumir a função fundamental de disseminar
entendimentos
precisos,
compreensão
adequada
acerca
da
existência
e
potencialidades das pessoas com deficiência. Essas instituições, como promotoras
da ciência e da aquisição de valores éticos e morais, precisam ajudar a banir os
mitos, as falsas concepções, as barreiras atitudinais de medo, rejeição, pesar,
generalização, particularização. Devem, portanto, apoiar e acolher a comunidade
humana e a diversidade que a constitui. Destarte,
As escolas, faculdades e universidades devem, em cooperação com
ativistas de movimentos ligados à deficiência, desencadear palestras
e oficinas de conscientização sobre assuntos de deficiência, dirigidas
a jornalistas, publicitários, arquitetos, empregadores, profissionais de
saúde e de serviços sociais, atendentes familiares, voluntários e
membros de governos locais. (p.7).
Para combater as barreiras atitudinais, as instituições pedagógicas devem
oportunizar a todos os alunos o reconhecimento mais positivo das diferenças e
orientar os alunos com deficiência a desenvolver neles mesmos e nos outros um
senso de individualidade em relação à deficiência.
Nesse percurso constitutivo da consciência includente, vale salientar, mais
uma vez, a função da universidade, considerando as experiências vivenciadas pelos
movimentos sociais relacionados à inclusão, devendo promover situações formativas
dirigidas a vários profissionais, para que as ações destes nas diversas áreas em que
atuarem estejam esteadas no desenho universal da sociedade.
A Declaração de Madri busca promover ambientes acessíveis e apoia a
eliminação de todos os tipos de barreiras; propõe a revisão de culturas, de políticas
e normas sociais; funda uma nova visão.
Essa nova visão instituída em Madri é justificável porque a legislação pouco a
pouco começa a responsabilizar os governos pela inclusão das pessoas com
deficiência. O lema é uma sociedade inclusiva para todos e a proposta dessa
Declaração é que as autoridades públicas além de iniciar investigações acerca das
restrições e barreiras discriminatórias, que limitam a liberdade das pessoas com
174
deficiência de participar plenamente da sociedade, tomem quaisquer medidas que
sejam necessárias para remediar essa situação.
A referida Declaração ainda não se constitui como uma legislação, contudo,
ela impulsiona a mobilização da sociedade para que esta nova legislação seja criada
e tenha grande alcance para dar conta da erradicação das discriminações e
barreiras atitudinais que as pessoas com deficiência ainda vivenciam, mesmo após
vários avanços legais e sociais.
A substantiva mensagem que se apreende dos documentos formulados
internacionalmente, até esse período histórico-social, é que as pessoas precisam ser
educadas num novo comportamento, numa nova visão, numa nova possibilidade de
ser. Esta é, pois, a atmosfera em que emerge o tratado de direitos humanos que
conjuga saberes, expectativas e direitos de todas as pessoas: A Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006).
2.1.13- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (doravante
CDPD) e seu Protocolo Facultativo (ONU, 2006) 25
A garantia dos direitos humanos às pessoas com deficiência culmina no
engajamento da comunidade internacional (governos, ongs, cidadãos) num esforço
de incidência política que resultou na elaboração de diversos documentos 26 e,
recentemente, na construção da Convenção sobre os direitos das Pessoas com
Deficiência, um tratado de direitos humanos que demarca e reafirma princípios
universais (dignidade, integralidade, igualdade e não discriminação).
Segundo Don Mackay, embaixador da Nova Zelândia, 70% deste tratado se
deve às organizações de pessoas com deficiência. Essas pessoas firmaram o
11
Esta Convenção foi ratificada pelo Brasil com equivalência de Emenda Constitucional, conforme
Decreto Legislativo nº 186/2008, promulgado pelo Presidente do Senado Federal, e o Decreto nº
6.949/2009, pelo presidente da República.
12
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Declaração dos Direitos do Retardado Mental
(1971); Declaração da Pessoa Deficiente (1975); Declaração de Jomtien(1990); Normas sobre a
Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (1993); Declaração de Salamanca
(1994); Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
Pessoas Portadoras de Deficiência ( 1999); etc.
175
slogan “Nada sobre nós, sem nós”
27
e o transformaram num princípio não-
negociável dos direitos das pessoas com deficiência.
Durante a sistematização deste tratado, a partir de 2002, ocorreram as
sessões do Comitê Ad Hoc, presidido por Don Mackay. O comitê foi criado para
construir, negociar e implementar a CDPD. Nessa ocasião, as pessoas com
deficiência defenderam condições de vida digna e a emancipação de cidadãos e
cidadãs com deficiência. Esse comitê também assegurou a participação ativa da
sociedade civil na negociação durante a convenção. (LOPES, 2009).
Nesse
sentido
a
tríade:
não
discriminação,
direitos
humanos
e
desenvolvimento social, sedimenta a ancoragem do documento construído e coloca
na centralidade das discussões e da lei a garantia da acessibilidade, em todas as
frentes de ação - atitudinal, arquitetônica, programática, metodológica, instrumental.
(SASSAKI, 2006).
Esse tratado, diferentemente ao ocorrido em Madri, traz agora uma
diferenciação entre deficiência e pessoa com deficiência:
A deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação entre
pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao
ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas
pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Preâmbulo, letra ”e”; BRASIL,
DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09).
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas. (Id., Ibid., p.22).
De acordo com essas definições contempladas nesta Convenção, uma
pessoa com deficiência é não só aquela que tem deficiência, mas também as que
experienciam as barreiras atitudinais, a discriminação e a desvantagem em razão da
deficiência. A perspectiva de entendimento não está na deficiência das pessoas,
mas na desigualdade advinda da leitura que outros sujeitos sociais efetivam sobre a
deficiência e a pessoa que a possui.
11
Desde 1992 comemora-se em 3 de dezembro o Dia Internacional da Pessoa com deficiência. A
partir do ano de 1998, a ONU escolheu um tema específico para cada ano. Em 2004, o tema
escolhido foi “Nada sobre nós, sem nós”.
176
No documento em estudo, as obrigações internacionais dos Estados Partes
de salvaguardar e garantir os direitos das pessoas com deficiência são enfatizadas
nas conceituações de desenho universal, adaptação razoável e acessibilidade, as
quais sinalizam o impacto que a perspectiva inclusivista deve imprimir a Educação
nos próximos anos. Perspectiva que se traduz nas palavras proferidas por Luis
Astorga (Director Ejecutivo para América Latina del Instituto Interamericano Sobre
discapacidad y desarrolo inclusivo -IIDI) no VI encuentro internacional de inclusión
educativa:
Os Estados devem criar as condições para que as pessoas com
deficiência possam acessar uma educação primária e secundaria
inclusiva de qualidade e gratuita, em igualdade de condições com os
demais, na comunidade em que vivem. Para efetivar este direito os
Estados:
devem fazer ajustes razoáveis em função das necessidades
individuais;
devem prestar apoio necessário as pessoas com deficiência ,
no marco do sistema regular de educação, para facilitar a sua
formação efetiva.
devem facilitar medidas de apoio personalizadas e efetivas
em ambientes que fomentem ao máximo o desenvolvimento
acadêmico e social , em conformidade com o objetivo da plena
inclusão. (ASTORGA, 2010, p.3. Grifos nossos).
Nesse sentido, é relevante salientar que a Convenção coloca como obrigação
geral dos Estados Partes o desenvolvimento da pesquisa como caminho promotor
do desenho universal da sociedade, a ser desenvolvido através de produtos,
serviços, equipamentos ou instalações que possibilitem a participação plena das
pessoas com deficiência em todos os contextos sociais (Art. 4º).
Além do desenvolvimento científico e social e da formação de profissionais
aptos a compreender e a acolher a diversidade humana, o incentivo à
conscientização pública faz parte das diretrizes delineadas na Convenção:
Artigo 8º - Conscientização
1) Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas,
efetivas e apropriadas para:
a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as
condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos
direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência;
177
b) Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em
relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a
sexo e idade, em todas as áreas da vida;
c) Promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições
das pessoas com deficiência.
2) As medidas para esse fim incluem:
a) Lançar e dar continuidade a efetivas campanhas de
conscientização
públicas,
destinadas
a:
i) Favorecer atitude receptiva em relação aos direitos das pessoas
com deficiência;
ii) Promover percepção positiva e maior consciência social em
relação às pessoas com deficiência;
iii) Promover o reconhecimento das habilidades, dos méritos e das
capacidades das pessoas com deficiência e de sua contribuição ao
local de trabalho e ao mercado laboral;
b) Fomentar em todos os níveis do sistema educacional, inclusive em
todas as crianças desde tenra idade, uma atitude de respeito para
com os direitos das pessoas com deficiência;
c) Incentivar todos os órgãos da mídia a retratar as pessoas com
deficiência de maneira compatível com o propósito da presente
Convenção;
d) Promover programas de formação em sensibilização a respeito
das pessoas com deficiência e sobre os direitos das pessoas com
deficiência.
Muitas dessas medidas trazidas como obrigações dos Estados Partes em
relação ao desenho universal da sociedade e da educação, se levadas a cabo,
certamente contribuirão para que em todos os níveis de escolarização as pessoas
com deficiência sejam percebidas pelas lentes da dignidade, do respeito, da
consideração e da fraternidade.
Contudo, esse objetivo, só poderá ser alcançado, como sinaliza o artigo
supramencionado, se a mídia e, principalmente, a universidade forem sensíveis à
defesa dos direitos humanos e se comprometerem, através das situações de
comunicação, informação ou formação, a combater compreensões equivocadas,
estereótipos, preconceitos, práticas nocivas, barreiras atitudinais existentes quando
o assunto em tela é a inclusão da pessoa com deficiência na escola, no trabalho, no
lazer, na política local e mundial.
Diante do exposto, o respeito à dignidade dos partícipes da escola; a garantia
de condições equitativas de oportunidades formativas; a erradicação de barreiras; a
preservação da identidade de crianças, mulheres e homens com deficiência; a
formação contínua e tenaz dos professores e a elaboração de políticas nacionais
que assegurem as medidas já mencionadas (Art.24), inclusive planejadas em outros
178
documentos internacionais (e.g. Declaração de Jomtien/1990, Declaração de
Salamanca/1994
etc.),
assumem
caráter
de
emergência
e
serão
acompanhadas/monitoradas pela ONU.
O tratado é, pois, uma norma vinculante que obriga os Estados a prestar
contas de como estão implementando essas transformações, principalmente
aqueles que assinaram o Protocolo Facultativo. Ou seja, a ratificação do Protocolo
Facultativo realizada pelo Brasil e por vários outros países significa que estes
Estados poderão ser interpelados internacionalmente e receber sanções, caso
ocorram violações dos direitos das pessoas com deficiência.
Essa Convenção assinala, com a força da lei, a mudança da perspectiva
assistencialista dirigida às pessoas com deficiência para o atendimento baseado no
modelo de direitos. Ao reafirmar que o direito à vida deve ser sustentado pela
participação plena, autonomia, independência e empoderamento, a CDPD
reconhece que a deficiência é uma parte constitutiva da pessoa humana e que os
limites advém das barreiras construídas e mantidas na e pela sociedade.
Nesse sentido, Astorga (2010, p. 4) alerta:
A Convenção não será implementada se não houver instituições,
organizações e pessoas que impulsionem a sua implementação quer
através de formulações de políticas públicas e programas inclusivos
e transversais como através da harmonização legislativa, derrogando
normas, reformando normas.
Sem ação não há direito. Sem ação consciente dos formuladores e
formuladoras das políticas públicas, as disposições do tratado não se
converterão em programas públicos.
Assim se faz necessário aqui mencionar que na condição embrionária da
formulação da Convenção, as negociações, assim como o texto que surgiu delas,
estabeleceram um novo paradigma para a participação popular. Esse aspecto da
CDPC originou direitos híbridos (compostos por componentes civis e políticos,
sociais e econômicos) os quais fortaleceram a indivisibilidade do discurso acerca da
jurisprudência dos direitos da pessoa com deficiência.
Nesse caso, as atitudes dos atores sociais e educacionais devem ser
consoantes a tais direitos, pois como diria Lima (2008), a inclusão exige que a
sociedade se transforme para respeitar, acolher e atender as necessidades de todos
179
os seus membros, num contínuo fazendo.
Logo, apenas conhecer a Convenção, compreender o processo histórico,
social, jurídico que a sustenta não será suficiente para uma mudança radical nas
bases excludentes da sociedade e na dinâmica classificatória e meritocrática da
escola. É preciso observar se o que está posto na lei está sendo materializado. É
preciso, junto a todos os que contribuíram para a construção da Convenção,
reconstruir o termo direitos humanos. É preciso encontrar os fundamentos da
consciência includente e materializá-los no discurso, nas atitudes, na dinâmica social
e educacional esteada nos princípios de igualdade, não discriminação, respeito à
diversidade, equiparação de oportunidades, acessibilidade, empoderamento.
Esse tratado internacional, sem dúvida, é um caminho valoroso na
constituição de cidadãos e cidadãs conscientes do valor da diversidade humana. A
Educação, por seu turno, é o motor para o desenvolvimento dessa consciência
inclusivista.
A rua de acesso a esse processo não tem fim, pois a inclusão é, em
sua essência, mais um processo do que um destino. A inclusão representa, de fato,
uma mudança na mente e nos valores para as escolas e para a sociedade como um
todo. (MITLER, 2003).
Em busca de efetivar as diretrizes inclusivistas trazidas pelos documentos já
comentados, surgiram, pois, novas perspectivas de vida em sociedade, novas
formas de compreender, considerar, interatuar com a pessoa humana e perceber a
diversidade que a constitui.
Mais adiante, analisa-se na legislação brasileira como o entendimento da
educação como input a transformação social é fortalecido; como a busca pelas
origens, causas da manutenção, modos de eliminação das barreiras sociais, que
atravancam este percurso, é renovada a cada palavra-lei e a cada filete da
constituição da mentalidade includente.
2.2 - A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do marco
legal: análise de documentos nacionais
O direito internacional e o direito interno precisam estar eficazmente
integrados na proteção e promoção dos direitos humanos. Assim, é relevante
180
considerar que a legislação internacional trouxe significativas contribuições e, por
vezes, determinações para que o Brasil se torne um país em que todos tenham
acesso à educação e gozem dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Contudo, a extensa legislação e literatura científica relacionada à inclusão
demonstram que na sociedade e, especificamente, nas escolas brasileiras ainda não
se alcançou a prática inclusivista, em razão dos obstáculos arquitetônicos,
metodológicos, instrumentais, programáticos, comunicacionais e atitudinais. Sobre
este último, Mantoan (2001, p.65) recomenda:
As barreiras atitudinais às diferenças raciais, culturais, de gênero,
religiosas, familiares, de origem social, a certos talentos e
habilidades, a aspectos ligados ao físico e demais estereótipos
podem ser removidas, gradualmente, na medida em que enfocamos
cada situação preconceituosa e/ou discriminatória com o cuidado
necessário, sem banalizar os sentimentos e trivializar os costumes
envolvidos.
No Brasil, a luta pela erradicação destes obstáculos começa timidamente, no
século XX, na década de 50. Período em que se teve o marco inicial da educação
especial com a criação do “Imperial Instituto dos Meninos Cegos”, em 1854 (Decreto
Imperial nº 428) e o “Imperial Instituto de Surdos-Mudos” (Decreto lei nº 839/ 57).
Um período marcado pelo modelo médico da deficiência, contudo, um momento
histórico em que se reconheceu que as pessoas com deficiência têm capacidades e
podem aprender quando a elas é oportunizado o acesso ao processo formativo.
A Educação Especial Brasileira pode ser dividida, segundo Figueira (2008),
em três períodos distintos: o nascimento das instituições e entidades, o
desenvolvimento de legislações específicas e a era da Inclusão social. Todas as
etapas foram fundamentais para que se desenhasse a política educacional
direcionada ao acesso e a permanência de todos na escola. Contudo, os ranços da
segregação presentes na fase histórica inicial da educação da pessoa com
deficiência ainda precisam ser analisados e erradicados, à luz da mentalidade
includente.
A legislação, num movimento de avanços e, às vezes, de contradições, trouxe
suas contribuições. Ao analisá-la, com vagar e atenção, percebe-se o quanto todas
as pessoas envolvidas no contexto educativo precisam estar engajadas no ideário
do desenho universal da educação e da sociedade.
181
Do mesmo modo como sinalizado no âmbito internacional, no plano nacional
a universidade brasileira, a fim de efetivar o que está posto na lei, deve contribuir
com a efetivação desse processo social, bem como deve promover atividades de
ensino, pesquisa e extensão que tragam à comunidade humana o benefício natural
da ciência.
Em outras palavras, por meio da atuação da universidade, espera-se que
ocorra a análise das legislações, da tessitura do discurso científico e dos entraves
nas práticas sociais.
A cada nova etapa da educação das pessoas com deficiência as
contribuições diretas da universidade podem ser visualizadas, a exemplo, já no
século XX, na década de 60, por meio do boom da institucionalização e mais tarde
da
perspectiva
da
integração.
Momentos
históricos
e
educacionais
que
impulsionaram as universidades, a partir dos anos 70, a oferecer cursos de pósgraduação com objetivos de formar especialistas na área de Educação Especial.
A formação de profissionais, o funcionamento e função dos ambientes
escolares, as práticas pedagógicas são previstas na legislação do Brasil, a qual é
vasta em relação ao processo de inclusão educacional dos alunos com deficiência.
Deste acervo alguns pontos significativos merecem atenção especial, dentre eles
destacam-se:
2.2.1- Lei nº 4024/61
Em meados do século XX, já no final da década de 50 e início da década de
60, o Brasil vivencia um período marcado por movimentos sociais reivindicatórios em
prol da participação social das pessoas com deficiência.
Algumas campanhas
ocorreram neste período, tais como: a Campanha para Educação do Surdo
Brasileiro (CESB), pelo Decreto Federal nº 42. 728/ 57; a campanha Nacional de
Educação de Cegos (CNEC) (Decreto nº 48.252 /60) e a Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME (Decreto nº 48.961/60).
As duas últimas subordinadas ao Gabinete do Ministro da Educação e Cultura.
(FIGUEIRA, 2008).
182
Essas campanhas
atreladas
às
pressões
de
entidades
públicas e
filantrópicas, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a
Associação Pestalozzi, estimularam a construção e acréscimo de um capítulo
(composto por dois artigos) sobre a educação de pessoas com deficiência na
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, conforme descrito abaixo:
Título X – Da Educação de Excepcionais
Art. 88 - A educação dos excepcionais deve, no que for possível,
enquadrar-se no sistema geral da educação a fim de integrá-los na
comunidade.
Art.89 - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos Conselhos
Estaduais de Educação e relativa à educação de excepcionais
receberá tratamento especial mediante bolsas de estudo,
empréstimos e subvenções.
Apesar da atribuição do direito à educação, firmado desde a Declaração dos
Direitos Humanos (ONU, 1948), é relevante observar que o Estado brasileiro
transfere a responsabilidade da educação especial para a rede particular de ensino,
tal como pode ser observado no artigo mencionado acima.
Nesse período, em que se vivenciava uma pedagogia mais voltada para o
treinamento e a reabilitação, nutria-se a barreira atitudinal da descrença nas
potencialidades dos alunos com deficiência, pois os enfoques educacionais
traduziam, sobretudo, a consideração centrada na deficiência. (JANUZZI, 2006).
A década de 60 trouxe duas outras situações relevantes: o Plano Nacional de
Educação (1962), que através do Fundo Nacional de Ensino Primário alocou uma
verba de 5% do total da arrecadação econômica e criou recursos, bolsas de
estudos, para a educação de alunos com deficiência; e a Semana Nacional da
Criança Excepcional (Decreto nº 54.199/ 64, promulgado pelo Marechal Castelo
Branco). Esta Semana, período de 21 a 28 de agosto, apresenta uma característica
peculiar: de um lado,
deixava no limbo jovens e adultos com diversos tipos de deficiência
que clamavam por reconhecimento e visibilidade. Além disso, fazia
uma insólita alusão ao ato ou efeito de ‘comemorar’ e discriminava as
crianças ‘excepcionais’ como se elas não fossem dignas de
comemorar, em outubro, o “Dia das Crianças”. Para o bem de quase
todos, lá se foram a ditadura, o marechal e o decreto.
(NASCIMENTO, 2011).
183
De outro, consiste num período em que as ações em prol da educação, e
qualidade de vida das pessoas com deficiência são assuntos colocados em
visibilidade e, a partir de campanhas, fóruns, seminários, encontros etc. , efetivados
por ativistas dos movimentos sociais e pela sociedade civil, reafirma-se
compromissos, reivindica-se novos encaminhamentos com metas a efetivação de
direitos.
Em 1968, alguns paradoxos políticos e legais se instalam. Em meio a um
clima político extremamente tenso em todo o país, foi promulgada a Lei nº 5540/68
que trazia a Reforma Universitária, desvinculando o ensino superior da LDB então
vigente. Posteriormente, sob a supervisão geral da Campanha Nacional de
Educação e Cultura constituiu-se uma Comissão Especial destinada a elaborar e
apresentar subsídios para o estudo de regulamentação de cursos de formação e
especialização em Educação Especial e Integrada, atendendo às conclusões
oriundas do II Curso Intensivo de Atualização Cultural sobre Educação de
Deficientes Visuais. (SILVA; BURNER; FERREIRA, 2001).
Nesse período, o Brasil seguindo uma tendência mundial, inicia a luta contra a
discriminação de pessoas com deficiência. Vale ressaltar, então, as contribuições
advindas do Decreto nº 63.223/68, correspondente a Convenção Relativa à Luta
Contra a Discriminação no Campo do Ensino (UNESCO, 1960), em que ficou
estabelecido que nenhuma distinção seja por motivo de raça, sexo, origem nacional
ou social, tenha por objeto destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria
de ensino, e conforme , o DOCUMENTÁRIO EBSA (1968, p.09 ):
a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos
diversos tipos de graus de ensino;
b) limitar a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo;
c) instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino
separados para pessoas ou grupo de pessoas;
d) impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições
incompatíveis com a dignidade do homem. (SILVA; BURNER;
FERREIRA, 2001, p.8)
Essa compreensão advinda da análise atenta do atendimento educacional da
época anunciava o respeito às singularidades dos alunos com deficiência, contudo,
na prática, a efetivação de uma proposta educacional inclusivista continuou frágil,
permeada por incoerências e retrocessos registrados nas legislações subsequentes.
184
2.2.2 – Lei nº 5.692 / 71
Na Lei nº 5.692/71, o artigo 9º, referente à
educação especial, causa
controvérsias no cenário educacional brasileiro.
Art. 9º – os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais,
os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular
de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial,
de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de
Educação.
O sentido clínico e/ou terapêutico explicitamente permeava o que estava
sendo advogado no artigo: a educação especial. Desse artigo, tem-se uma primeira
polêmica
originada da percepção de que a qualificação dos alunos como
ineficientes, advinha da identificação de patologias médicas, resultava na
manutenção de diversas barreiras atitudinais, entre essas, a de percepção de
menos-valia, que consiste na avaliação depreciativa da capacidade dos alunos com
deficiência. (LIMA; TAVARES, 2007).
A segunda polêmica originou-se da orientação de que os alunos em
defasagem idade/série tinham de ir para as classes especiais. O que implicou no
aumento do quantitativo de alunos nas salas especiais e, por outro lado, afastou,
contundentemente, uma parcela deste grupo do processo de escolarização.
Também se questionou, na leitura desse artigo, “a exclusão dos estudantes
com deficiência visual, auditiva, visual/auditiva e dos que apresentavam condutas
típicas das síndromes neurológicas,
psiquiátricas
ou psicológicas
graves.”
(CARVALHO, 1997, p.66).
Outro tema polêmico, de acordo com Carvalho (Ibid.), foi a determinação do
"tratamento especial", objeto de pronunciamento do Conselho Federal de Educação,
na pessoa do Prof. Walnir Chagas (1972). Segundo ele, o Art. 9º deixa clara a
definição da educação de excepcionais como um aspecto do ensino regular, o que
significa um compromisso dos vários sistemas educacionais e a garantia de
assistência técnica e financeira.
Considerando a efervescência provocada pela tessitura e implicações do
artigo, esse conselheiro propõe três grandes medidas em âmbito nacional: o
desenvolvimento de técnicos nas várias manifestações de excepcionalidade; o
185
preparo e aperfeiçoamento de pessoal e a instalação e melhoria de escolas ou
“seções” escolares especializadas nos diversos sistemas de ensino.
A ênfase na formação de especialistas impulsiona as faculdades a
reformularem seus currículos. Assim, a década de 70 vai criar, nos seus currículos
acadêmicos, os supervisores, orientadores, administradores e, além disso, nas
universidades vão acontecer os cursos de pós-graduação que se destinam à
educação especial.
Surgem também escolas que se especializam em um tipo de deficiência. A
maioria delas pertencentes à iniciativa privada. E a proposição de Chagas de que a
educação sendo direito de todos exigia a qualificação de profissionais serviu
erroneamente para que se continuasse a sustentar dois sistemas separados:
[...] o regular e o especial, envolvendo
pressupostos político–
educacionais específicos , formas de administração e pessoal técnico
– pedagógico e orçamentos próprios, meios de transporte
segregados, programas especiais, formação docente separada , e
consequentemente, alunos diversos. (MARTINS, 2002, p. 23).
O modelo médico da deficiência, claramente imputado à prática pedagógica,
nutriu o entendimento de que os alunos com deficiência apresentavam limitações
que só um especialista na deficiência poderia compreender e estabelecer as metas
educacionais. Essa compreensão distorcida ainda está na base cognitiva das
atitudes equivocadas em relação à inclusão educacional das pessoas com
deficiência.
2.2.3- Constituição Federal (1988)
Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal Brasileira,
um documento que defende a valorização dos direitos humanos e o combate a
toda e qualquer forma de discriminação.
As ações garantidoras da inclusão podem ser observadas desde o preâmbulo
desta Carta:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia (sic)
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
186
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos [...].
Além da determinação de que a igualdade, entre outros valores, deve ser
assegurada a todos os cidadãos, este documento traz como princípio fundamental
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (Art.3º).
É relevante destacar que, na Carta Constitucional, o Brasil incorporou vários
dispositivos referentes aos direitos das pessoas com deficiência, nos âmbitos da
saúde, educação, trabalho, assistência. Também se comprometeu a aplicar o
princípio da igualdade, portanto, a promover a equiparação entre pessoas com e
sem deficiência em todos os contextos sociais.
Especificamente em relação ao campo educacional, este documento registrou
o direito público subjetivo à educação de todos (Art. 208) e firmou o compromisso do
Brasil em promover “igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola” (Art.206); ofertar “atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (Art. 208); primar pela
“universalização do atendimento escolar” (Art.214).
Esses compromissos postos à nação brasileira estão vinculados à promessa
de uma sociedade mais “humanística” (Art.214), em que o tratamento desigual, por
exemplo, o atendimento educacional especializado, busca igualar as pessoas
humanas em condições de participação plena.
Nesse contexto, a Constituição, ao afirmar que as universidades devem
obedecer ao princípio de indissociablidade entre ensino, pesquisa e extensão (Art.
207), clarifica e firma o compromisso da universidade em promover as mudanças
sociais e educacionais garantidoras da não exclusão.
2.2.4- Lei 7853/89
A Lei 7.853/89 reafirmou a obrigatoriedade da oferta da educação especial
em estabelecimentos públicos de ensino; ratificou os valores básicos da igualdade
de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa
187
humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos
princípios gerais de direito (Art 1º § 1º) e definiu como crime punível o ato de
[...] recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem
justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de
qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da
deficiência que porta; ( Art. 8º)
Com a força da lei, buscou-se erradicar o desrespeito que se impunha à
pessoa com deficiência, quando da recusa de sua matrícula em estabelecimento de
ensino. Esse documento reafirmou a obrigação nacional de afastar a discriminação
e o preconceito (Art. 1º.§ 2º). E trouxe contribuições para a erradicação das barreiras
atitudinais, entre estas, as de rejeição, atitude de segregação e percepção de
incapacidade intelectual.
2.2.5- Estatuto da Criança e do Adolescente (13 de julho de 1990)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, relevante documento de defesa dos
direitos humanos, surgiu a partir das contribuições e reivindicações de vários
segmentos e movimentos sociais envolvidos com a causa da infância no Brasil.
Esta Lei de número 8.069/90 se reporta aos direitos estabelecidos pela
Constituição Federal (1988) e se inspira nas diretrizes internacionais fornecidas pela
Declaração dos Direitos da Criança (ONU, Resolução nº 1386/59).
Esse documento assegura à criança as condições de liberdade, dignidade e
de não discriminação (Art. 3º, 4º, 5º). Com efeito, analisando-se os dispositivos do
estatuto, conclui-se que ele é um importante documento de consolidação do direito à
educação inclusiva, pois advoga a equidade de direitos, a dignidade, a cidadania, o
pleno desenvolvimento da pessoa humana.
No capítulo IV – Do direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao lazer,
Artigo 53, defende-se, entre outros aspectos, a igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola e o direito da criança ser respeitada pelos
professores.
Se essas orientações, associadas ao atendimento especializado (Art.11) e as
bases sócio-políticas do estatuto, fossem levadas a cabo, todas as crianças
188
indistintamente seriam beneficiadas e emanaria para a comunidade humana
respeito, consideração, fraternidade. Uma vez orientadas no espírito de igualdade,
as crianças teriam condições de trazer contribuições socioeconômicas e culturais
justas.
Quanto ao respeito emanado pelo professor ao interagir e orientar seus
alunos só é possível quando esse agente educacional, situado na mentalidade
includente, tem condições de reconhecer e eliminar as barreiras atitudinais
(CARVALHO, 2000; LIMA; TAVARES, 2007). Não há respeito à identidade do aluno
quando se o substantiva ou se constrói qualquer entrave social danoso ao seu
desenvolvimento de pessoa humana.
2.2.6- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (20 de dezembro de
1996)
A década de 90 é marcada por significativos passos rumo à educação para
todos. Um deles, antecedente a LDB nº 9394/96, foi o Plano Decenal de Educação
para Todos, inspirado na Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada
em Jomtien, Tailândia, em 1990, ocasião em que os Estados Partes, inclusive o
Brasil, comprometeram-se a universalizar a educação básica.
O Plano, elaborado pelo Ministério da Educação em 1993, colocava em
situação de visibilidade as pessoas com deficiência como sujeitos merecedores de
atenção especial nos esforços para o alcance da universalização da educação com
qualidade e equidade.
E é sob o manto da busca pela equidade no contexto educacional que o Brasil
acolhe as diretrizes de outra conferência mundial, realizada em Salamanca em
1994.
Consoante, Carvalho (2000?), quatro temas foram estruturantes do trabalho
realizado na Conferência de Salamanca: Política e Legislação; Perspectivas
Escolares; Perspectivas Comunitárias e Parceria e Construção de Redes. Ocorreram
palestras seguidas de discussões em grupos e sessões plenárias para análise das
189
contribuições dos grupos.
No texto final divulgado no Brasil28 aparecem esses
mesmos temas, mas com outros títulos: Política e organização; Fatores escolares;
Contratação e formação do pessoal docente; Serviços externos de apoio; Áreas
prioritárias; Participação da comunidade e Recursos necessários.
Essa autora (Ibid.), tomando como foco o tema “Política e a Organização”,
esclarece que alguns indicadores extraídos das dez diretrizes, geradas a partir da
Conferência de Salamanca, trazem como resposta a substituição da LDB nº 4024/61
e a de nº 5692/71 pela de nº 9394/96, a qual possui um capítulo sobre a educação
especial.
A promulgação da LDB 9394/96 representou um passo significativo na
construção de uma nova concepção de ensino. E em relação à educação das
pessoas com deficiência, esta lei definiu a educação especial como “a modalidade
de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais” (Art. 58, LDB) e situou a
educação especial como transversal. Contudo, a lei é passível de muitas
interpretações e a expressão “preferencialmente” foi alvo de
muitos embates
situados entre a aceitação do aluno com deficiência na sala regular e a aceitação de
que a escola é por excelência o ambiente de Todos.
Segundo Carvalho (2000?, p. 8) essa LDB contribuiu para que a educação da
pessoa com deficiência no Brasil evoluísse da visão substantiva da educação
especial, como subsistema, para o enfoque adjetivo.
Em vez de tratamento para alunos “especiais”, a LDB determina que
especiais sejam os currículos, métodos, técnicas, recursos e
organização específicos para atender às necessidades dos alunos.
É a resposta educativa que deve ser adjetivada como especial! O
olhar é para as necessidades especiais dos alunos e não para os
alunos com necessidades especiais, como se fossem os únicos a
apresentá-las porque são portadores de deficiências ou porque
superdotados.
Nesse sentido, especial seria um adjetivo utilizado para todos os alunos por
trazerem para os espaços educativos: conhecimentos, habilidades, competências,
necessidades, aspirações. Especial seria a escola que soubesse fazer perceber a
28
Trata-se do documento divulgado gratuitamente em 1977, pela Coordenadoria Nacional para a
Integração da Pessoa com Deficiência (CORDE) do Ministério da Justiça.
190
diversidade humana como riqueza existencial. Especial seria o professor que
conseguisse ministrar suas aulas para todos os alunos, situando-as na abordagem
do desenho universal.
Assim, a ação de substantivar um aluno com deficiência como especial,
simplesmente em razão da deficiência, é uma barreira atitudinal nociva ao processo
de escolarização dele, primeiro porque enfatiza a deficiência em detrimento do todo,
segundo, fragiliza-lhe a identidade de pessoa humana.
Vale destacar também que a LDB 9394/96 não menciona a educação das
pessoas com deficiência no curso superior. E é apenas por imposição da Portaria
MEC 1779/99 (que especifica condições de acessibilidade nas Instituições de Ensino
Superior/ IES, para fins de autorização e reconhecimento de cursos) que a educação
deste grupo traz reflexões relacionadas ao acesso e condições de permanência no
3º grau. Muito se discute, então, em relação a esta lacuna na LDB, pois talvez a
crença descabida de que as pessoas com deficiência não teriam interesse ou
condições de chegar ao curso superior teria levado o legislador a cometer esta
lacuna, e, por consequência, a contribuir com a manutenção das barreiras sociais.
2.2.7- Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica CNE / CEB Nº 17/2001
As diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica foram
instituídas pela Resolução nº 02/2001, da Câmara de Educação do Conselho
Nacional de Educação, e trouxe contribuições substantivas para a universalização
da educação.
O Parecer CNE/CEB nº 17/2001 (MEC/SEESP, 2001) trata destas diretrizes,
nos âmbitos político, técnico-científico, pedagógico e administrativo, e destaca que o
direito à educação deve estar fundamentado em três princípios: a preservação da
dignidade humana, a busca da identidade e o exercício de cidadania. (BRASIL,
2001).
O documento prima pelo convívio e a valorização das diferenças como bases
para uma verdadeira cultura da paz. Incita o combate ao preconceito e ao apartheid
191
estabelecido na escola em relação à provisão de serviços educacionais oferecidos
aos alunos com e aos sem deficiência.
Para banir práticas sociais e educacionais excludentes, o documento defende
que se deve combater, no exercício da educação e da formação da personalidade
humana, a atitude de comiseração, como se os alunos com deficiência fossem
dignos de piedade.
Os indivíduos com deficiência, vistos como ‘doentes’ e incapazes,
sempre estiveram em situação de maior desvantagem, ocupando, no
imaginário coletivo, a posição de alvos de caridade popular e da
assistência social, e não de sujeitos de direitos sociais, entre os
quais o direito à educação. Ainda hoje, constata-se a dificuldade de
aceitação do diferente no seio familiar e social. (BRASIL, 2001, p. 7).
Para erradicar as barreiras atitudinais, como a piedade, advindas dos
equívocos em relação à existência e potencialidades da pessoa com deficiência, o
documento reafirma que o compromisso político com a educação inclusiva deve ser
efetivado por meio de estratégias de comunicação e de atividades comunitárias,
entre outras, as que “fomentarem atitudes pró-ativas das famílias, alunos,
professores e da comunidade escolar em geral” e as que contribuam para a
“superação de obstáculos como ignorância, medo e preconceito” (Id.,Ibid., p. 17).
Nesse contexto, nos fundamentos da política nacional de educação básica
está a busca pela erradicação das barreiras atitudinais e a definição da educação
especial como o atendimento transversal ofertado aos alunos com necessidades
educacionais específicas nos diferentes níveis de educação e de ensino. Igualar os
alunos em direitos é a palavra de ordem.
O início do século XXI traz inúmeras contribuições à efetivação da educação
para todos. Em 2001, além do avanço advindo das orientações e contribuições deste
documento, é relevante destacar a promulgação do Decreto nº 3.956 que oficializa a
Convenção de Guatemala, ao determinar o combate à discriminação, exigindo que a
educação especial seja reestruturada e assuma uma natureza transversal
garantidora do acesso à educação.
No ano seguinte, surge a Lei nº 10.436/02 a qual reconhece a Língua
Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão. E surge também
192
a Portaria nº 2.678/02 do MEC para o uso, o ensino, a produção e a difusão do
sistema Braille em todas as modalidades de ensino. Ambos documentos relevantes
para que as pessoas com deficiência auditiva e/ou visual possam participar da
dinâmica escolar com maior autonomia e que a acessibilidade, garantida pela Lei nº
10.098/00, ocorra em todas as dimensões do trabalho pedagógico.
De acordo com Dantas (2010), todas estas diretrizes legais retiram o foco do
diagnóstico da deficiência e o redireciona sobre as necessidades de aprendizagem,
ou seja, ao invés de
[...] focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola,
bem como as formas e condições de aprendizagem; em vez de
procurar, no aluno, a origem de um problema, defini-se pelo tipo de
resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve
proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez
de pressupor, que o aluno deve ajustar-se a padrões de
“normalidade” para aprender, aponta para a escola o desafio de
ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos. (BRASIL,
2001, p.15).
A escola delineada pelas diretrizes da educação especial, portanto,
caracteriza-se como um espaço em que a atenção às necessidades educacionais de
todos os alunos é prevista no desenho universal de cada situação pedagógica.
2.2.8. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (MEC/SEESP / Portaria nº948/2007)
A primeira década do século XXI foi marcada por movimentos sociais que
trouxeram impactos a política internacional e local referente à inclusão social e a
constituição da escola para todos. Um fato cabal para o reconhecimento das
contribuições advindas da união, força, conscientização e luta do povo brasileiro é a
Lei nº 11.133/05 que institui o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de
Deficiência, o qual teve origem em 1982, ano em que se escolheu o 21 de setembro
“pela proximidade com a primavera e o dia da árvore numa representação do
nascimento de reivindicações de cidadania e participação plena em igualdade de
condições.” (http://www.cedipod.org. br/dia21.htm).
193
O movimento das pessoas com deficiência preconizava, então, com maior
vigor, que a sociedade deve promover as adequações necessárias, favoráveis a
todos no que concerne ao pleno acesso aos eventos e bens sociais.
Em 2007, esta defesa do direito de todos ao que está disponível na sociedade
desencadeou a construção da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP / Portaria nº 948/2007), um
documento que defende a inclusão; a não-discriminação; a equidade de
oportunidades; a acessibilidade; a igualdade e a diferença como valores
indissociáveis.
Este
documento
reafirma
que
a
escola
deve
confrontar
práticas
discriminatórias e criar alternativas para superar a lógica da exclusão. Enfatiza que o
uso de classificações ou conceituações em torno da deficiência deve ser
contextualizado. Assim considera pessoa com deficiência
[...] aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física,
mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras,
podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade. (BRASIL, 2007, p.9).
Essa conceituação está intrinsecamente relacionada a que foi construída e
publicada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU,
2006). É um conceito que atribui à escola a tarefa de minorar os diversos tipos de
barreiras e assegurar que o tratamento diferenciado seja ofertado ao aluno com
deficiência para que se promova a igualdade de oportunidades.
Nesta linha, o atendimento educacional especializado assume a função de
identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas. (BRASIL, 2007, p.10).
Esse comprometimento com a valorização dos diferentes ritmos, processos e
condições de aprendizagem exige que o professor perceba as barreiras atitudinais
tão comumente nutridas nas interações, se desvencilhe delas e tenha uma atitude
proativa de forjar práticas sociais positivas, educativas, reveladoras de um
compromisso ético com a humanização da escola e da sociedade como um todo.
194
O respeito à cultura, as potencialidades, as idiossincrasias de todos os atores
escolares é fortalecido no Decreto nº 186/2008, no qual o Brasil estabelece o
compromisso de erradicar barreiras atitudinais e eliminar todos os demais obstáculos
que fragilizem ou impossibilitem a constituição e manutenção da escola inclusiva.
2.2.9- Decreto nº 186/2008
O Brasil, como país signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (ONU, 2006), assume legal e socialmente o compromisso com a
educação inclusiva em todos os níveis de ensino e de educação, através do Decreto
nº 186/2008.
Esse documento considera que as dificuldades em se alcançar uma educação
de qualidade para todos reside nas barreiras atitudinais e na falta de acessibilidade
que restringe e limita as pessoas com deficiência no processo de escolarização.
Reflete que o respeito ao gênero humano e a crença nas potencialidades de todos
os alunos constituem a díade que pode sustentar a educação comprometida com a
pesquisa, a tecnologia, a ciência e, principalmente, o espírito de solidariedade,
fraternidade e humanização.
Nesse Decreto, em que se aprova e oficializa a Convenção, o Brasil assume o
dever de, a partir de uma nova postura social e política, rever o modo como a
educação se estrutura e fomentar, através das ações efetivadas pela universidade, a
formação de profissionais que possam contribuir para a informação e formação
pública acerca da existência, potencialidades e direitos das pessoas com deficiência.
Cientes de que esse processo é uma conquista de todos, cada pessoa em
particular e cada Estado Parte devem estar inseridos numa rede em que o
ordenamento jurídico pátrio, os tratados e convenções internacionais, principalmente
esta última convenção proclamada pela ONU, tornem-se bases firmes para atitudes
positivas diante da diversidade humana.
Considera-se, portanto, que todos os documentos legislativos, estudados e
analisados neste capítulo, eleitos como de indescritível relevância no processo de
195
amadurecimento da consciência includente coletiva influem no processo, mas não o
determinam em seu conjunto. (MACHADO; LABEGALINI, 2007).
De um modo geral, as recomendações sugeridas pelos organismos
internacionais trouxeram impactos positivos à educação brasileira, contudo, sem o
efetivo compromisso de todos os membros da escola, em particular, e da sociedade,
em geral, fatalmente os obstáculos sociais continuarão a existir e a tolher o direito à
educação.
Pensar essa reconstrução da educação para todos é, portanto, reconhecer
que
O maior problema que se enfrenta, hoje, não diz respeito à inclusão
escolar, em si. Na realidade, está naqueles que constituem o sistema
escolar – planejadores, dirigentes, supervisores, coordenadores,
docentes – que , em decorrência do desconhecimento a respeito das
reais condições das pessoas com deficiência e com outras
necessidades educacionais especiais, assim como da sua falta de
preparação, apresentam barreiras atitudinais, limites conceituais e,
consequentemente, incapacidade de planejar um mundo diferente,
um sistema escolar não homogêneo, no qual cada pessoa possa
progredir em seu ritmo próprio e de maneira conjunta com a turma
onde está inserida. (MARTINS, 2008, p. 88).
O desenvolvimento de práticas planejadas, contributivas à promoção da
cidadania perpassa pelo compromisso da universidade em gerar reflexão acerca das
práticas cristalizadas e, através da pesquisa, identificar os elementos que sustentam
tais práticas, combatê-los, sob a lente das ciências, e apontar alternativas,
encaminhamentos, questões empreendedoras que emanem o que está posto na lei:
uma educação comprometida com o processo de mudança de cada pessoa e de
todas ao mesmo tempo.
Assim, é partindo da compreensão de que
a pesquisa é uma prática
reflexiva, crítica, social, contínua, atravessada por formações discursivas e por um
movimento
cíclico onde a universidade recebe demandas da sociedade e a
sociedade recebe demandas da universidade que, no próximo capítulo, discute-se
sobre a efetivação das pesquisas sobre as pesquisas efetivadas no âmbito nacional
e, mais especificamente, no PPGE/UFPE (1978 a 2002).
196
É nessa esfera que emerge o debate sobre o surgimento das pesquisas
sobre as pesquisas em educação especial e oportunamente a pesquisa sobre
educação especial/educação inclusiva efetivadas no Brasil e nesse importante
Centro de difusão de cultura.
197
Capítulo 3
A pesquisa sobre Educação da
pessoa
com
deficiência:
contextualizando
a
produção
científica no PPGE/ UFPE
“[...] o labor científico caminha sempre em duas direções:
numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e
estabelece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu
caminho, abandona certas vias e encaminha-se para certas
direções privilegiadas. E ao fazer tal percurso, os
investigadores aceitam os critérios da historicidade, da
colaboração e, sobretudo, imbuem-se da humildade de
quem sabe que qualquer conhecimento é aproximado, é
construído.” (MINAYO, 1996, p. 12-13).
O labor científico é um desafio, assim como o é desafiante comunicar a
ciência em construção. A pesquisa, em educação, retroalimenta a prática docente e
as teorias pedagógicas. A pesquisa não se subordina ao já existente, ela confirma
ou retifica caminhos, é guiada por perguntas motrizes que infinitamente mostram
que qualquer conhecimento advindo dela é passível de que se torne ponto de
partida para novas indagações.
Essa perspectiva é, consoante Serrano (2011, p.43), o que faz “a
Universidade exercer o papel nuclear de ambicionar a conquista de novos ‘saberes’
inéditos, de novas contribuições que possam ser adicionadas ao reservatório do
conhecimento universal.”
Para cumprir essa atividade, os pesquisadores sociais não podem ser
“trapezistas sem rede” (Id., Ibid., p. 45). Eles precisam de um instrumental que lhes
possibilite conhecer os itinerários possíveis, já percorridos, já sinalizados ou ainda
pouco desvelados.
Partindo desse pressuposto, este capítulo objetiva apresentar brevemente o
contexto das pesquisas sobre as pesquisas realizadas nacionalmente e, de modo
198
mais estrito, no PPGE/UFPE, principalmente aquelas cuja contingência é a da
análise da educação especial.
Essa discussão coloca, então, como primeiro plano a percepção de que os
rumos da pesquisa em Educação é ferramenta valorosa porque pode revelar aos
pesquisadores sociais: valores, contextos, contradições, inquietações, avanços,
retrocessos, lacunas, caminhos etc., através da contemplação e da análise das
manifestações discursivas em que o labor científico é ao mesmo tempo processo e
produto da construção dialógica de saberes.
Nesse sentido, vale destacar o valor que a pesquisa sobre as pesquisas tem
assumido no contexto da Ciência da Educação no Brasil. Primeiro, tais trabalhos,
mais frequentes a partir da década de 90, têm situado os Programas de Pósgraduação
em
seus
respectivos
êxitos
e
emergências,
principalmente
epistemológicas. Segundo, porque o valor do resgate do conteúdo destes trabalhos
é mais que um procedimento historicizante, é a efetivação da busca pela
compreensão de ideologias, representações sociais, atitudes e comportamentos que
estão na gênese dos problemas que, por exemplo, dificultam a constituição de uma
sociedade/ de uma escola inclusiva. (WARDE, 1990; ALVES, 1992; KUENZER E
MORAES, 2005; LIMA, 2001; MENDES, NUNES e FERREIRA, 2004; SILVA, 2003;
2004; MANZINI, 2003; 2006; FROÉS, 2007; CERQUEIRA, 2008; NAUJORKS, 2008;
ALMEIDA, 2010).
Em outras palavras, no âmbito nacional, as pesquisas sobre as pesquisas
mostram, além do cenário das produções, as tendências, os paradigmas, a
cristalização de crenças etc. Assim, as pesquisas sobre as pesquisas terminam por
se tornarem historiantes, catalisadoras do que tem sido construído numa área, numa
época, sobre um tema ou até num Programa. (op. cit.).
Essas pesquisas denominadas, muitas vezes, de “Estado da Arte” ou “Estado
do Conhecimento” tem sido definidas como de caráter documental ou bibliográfico e
parecem trazer em comum
[...] o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica
em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que
aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em
diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm
199
sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de
doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de
congressos e de seminários. Também são reconhecidas por
realizarem uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da
produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar,
à luz de categorias e facetas que se caracterizam enquanto tais em
cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a
ser analisado. (FERREIRA, 2002, p. 1).
Essa autora (Ibid.), tomando como referência o Brasil, cita como exemplos de
pesquisa do tipo “Estado da Arte” os seguintes trabalhos:
Alfabetização no Brasil - o estado do conhecimento (Soares, 1989);
Rumos da pesquisa brasileira em Educação Matemática: o caso da
produção científica em cursos de pós-graduação (Fiorentini, 1994);
Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no
nível fundamental (Megid, 1999); Pesquisa em Leitura: um estudo
dos resumos e dissertações de mestrado e teses de doutorado
defendidas no Brasil, 1980 a 1995 (Ferreira, 1999); Estado da arte
sobre formação de professores nas dissertações e teses dos
programas de pós-graduação das universidades brasileiras, 1990 a
1996 (André e Romanowski) e Estado da arte sobre a formação de
professores nos trabalhos apresentados no GT 8 da Anped, 19901998 (Brzezinski e Garrido, 1999).
De acordo com Ferreira (op.cit.) esses e outros pesquisadores sociais que
trilham o caminho da pesquisa sobre as pesquisas são
[...] sustentados e movidos pelo desafio de conhecer o já construído
e produzido para depois buscar o que ainda não foi feito, de dedicar
cada vez mais atenção a um número considerável de pesquisas
realizadas de difícil acesso, de dar conta de determinado saber que
se avoluma cada vez mais rapidamente e de divulgá-lo para a
sociedade, todos esses pesquisadores trazem em comum a opção
metodológica, por se constituírem pesquisas de levantamento e de
avaliação do conhecimento sobre determinado tema.
No elenco dessas motivações, poderia ser acrescentado o fato de as
pesquisas sobre as pesquisas resgatarem trabalhos que foram esquecidos nas
prateleiras das bibliotecas ou que estão deteriorados pela ação do tempo, trabalhos
que se mostram vanguardistas ao que hoje é discutido em educação, trabalhos que
historiam, por exemplo, a construção da identidade social e pessoal de indivíduos
em situação de vulnerabilidade etc.
Soares (1987, p. 3 apud Ferreira 2002, p. 2) ratifica essa assertiva ao dizer
que a pesquisa sobre as pesquisas são relevantes porque possibilitam a
200
[...] compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em
determinado momento, é necessária no processo de evolução da
ciência, afim de que se ordene periodicamente o conjunto de
informações e resultados já obtidos, ordenação que permita
indicação das possibilidades de integração de diferentes
perspectivas, aparentemente autônomas, a identificação de
duplicações ou contradições, e a determinação de lacunas e vieses.
As pesquisas sobre as pesquisas podem ainda compilar e mostrar o projeto
de sociedade, o projeto de educação e o projeto de pós-graduação que se tem
fomentado a partir da produção de pesquisas. Mostra o projeto de sociedade quando
cada estudo reflete interdiscursos e o olhar do pesquisador sobre o fenômeno
observado. Esse olhar, obviamente, não é neutro, através dele é projetado, por
vezes (in)conscientemente, o projeto de sociedade gestado em uma dada época.
Mostra o projeto de educação quando cada estudioso traz o registro das práticas
educativas vivenciadas por um período, na mesma instituição, em instituições
diversas etc. e culmina com as ponderações sobre a educação que se tinha (tem) e
a educação que se delineia no agora da pesquisa para o futuro. Mostra o projeto de
Pós-graduação quando, ao analisar produções de cursos diversos termina por
sinalizar os objetivos formativos dos PPGs, a atuação deles diante das comunidades
intra e extracadêmica, os vieses epistemológicos que orientam as produções, enfim,
a identidade dos cursos e dos programas em que os trabalhos em análise estão
situados.
As pesquisas sobre as pesquisas desenvolvidas aqui no Brasil servem para
que se mapeiem os assuntos, os problemas, as indagações que tem tornado
possível o papel da Universidade, qual seja, o de, no caso dos cursos de graduação
e pós-graduação em Educação, pensar a escola e propor caminhos para sua
contínua transformação.
Nesse itinerário, a sociedade e a escola trazem suas demandas para a
Universidade e esta deve assumir o compromisso ético de, junto àquelas, revisitar a
ciência, ratificar ou retificar o que já está posto e, principalmente, produzir ciência
com vistas à prática de atitudes que engendrem um processo de mudanças rumo
à constituição de uma sociedade mais humana, respeitosa à diversidade que a
constitui. Essa função se sustenta porque o papel da universidade não é o de se
apropriar e de armazenar produtos, mas de apreender processos, é o de construir
201
conhecimento como elemento específico fundamental no delinear do destino da
humanidade. (SEVERINO, 2007).
A universidade, voltada para o contexto da busca pela qualidade do/no
ensino, deve, pois, não apenas estar incorporada ao contexto da produção da
ciência, mas precisa (re)examiná-lo, recriá-lo, questioná-lo, complementá-lo e fazêlo chegar a cumprir a difusão da cultura local, nacional, universal. Tais
compromissos da universidade fazem urgente a prática de pesquisas sobre as
pesquisas, pois essas, conforme discutido, trazem à reflexão a estrutura, a
organização, as ideologias, as teorias, as práticas do fazer ciência nos PPGs e,
geralmente, servem (ou deveriam servir), através de seus achados, como input para
a mudança.
3.1 - A pesquisa sobre as pesquisas no contexto nacional
A pesquisa científica é de importância ímpar no processo de extensão do
conhecimento científico à sociedade. Esse fato indica que o conhecimento produzido
[...] para se tornar ferramenta apropriada de intencionalização das
práticas mediadoras da existência humana, precisa ser disseminado
e repassado, colocado em condições de universalização. Ele não
pode ficar arquivado. (SEVERINO, 2007, p. 34).
Destarte, as pesquisas sobre as pesquisas são estudos que possibilitam
compilar e universalizar o conhecimento, daí sua importância para que um número
cada vez maior de pessoas possam, acessando-as, conhecer realidades. Esses
estudos trazem
[...] produtos do conhecimento, instrumentos mediadores do existir
humano, bens simbólicos que precisam ser usufruídos por todos os
integrantes da comunidade, à qual se vinculam as instituições
produtoras e disseminadoras do conhecimento. (Id., Ibid.)
No presente trabalho, a busca por perceber como tem se dado esse processo
fez necessário conhecer o estado da arte referente: a) a pesquisa sobre as
pesquisas realizadas no Brasil; b) a pesquisa sobre as produções científicas
relacionadas à educação da pessoa com deficiência.
A pesquisa científica como centralidade do sistema de pós-graduação foi
consolidada no Brasil desde o final dos anos 60 , quando este nível de ensino foi
202
regulamentado em 03 de dezembro de 1965, através do Parecer CFE n° 977/65.
Este parecer “conferiu ao Conselho Federal de Educação a responsabilidade pelo
reconhecimento
e
pela
avaliação
dos
programas
de
pós-graduação.”
(BALVACHEVSKY, 2005, p.291).
Antes deste parecer, a pós-graduação já havia sido contemplada na Lei nº
4.024 de 1961, Art. 69, letra b (LDB), contudo, não havia sido ainda objeto de uma
conceituação, definindo sua natureza e formas de organização. Havia então no
ambiente universitário um conflito onde cursos de especialização e até de extensão
eram imprecisamente considerados como Pós-Graduação.
O parecer conceitua os cursos de pós-graduação e ainda os divide em duas
categorias – Stricto Sensu, que visa prioritariamente à formação do pesquisador e
Lato Sensu, dirigido à especialização profissional – e estabelece as categorias de
mestrado e de doutorado para o Stricto Sensu. O marco legal ficou conhecido como
“Parecer Sucupira”, referência a seu relator, o professor emérito da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), Newton Sucupira.
Nesse período, à luz de uma concepção crítica do processo de conhecimento,
os pareceres 977/65 e 77/69, legislação básica da pós-graduação no Brasil, situam a
realização da pesquisa científica no âmago do investimento acadêmico exigido
nesse nível de formação, o qual é marcado pela finalidade de “desenvolver uma
pesquisa que realize, efetivamente, um ato de criação de conhecimento novo, um
processo que faça avançar a ciência na área.” (SEVERINO, 2007, p. 212-213).
A
pós-graduação brasileira cresceu rápida e intensamente.
Em 1965, quando os primeiros estudos pós-graduados foram
reconhecidos, o Conselho Nacional de Educação identificou ao todo
38 programas de pós-graduação: 27 mestrados e 11 doutorados.
Dez anos depois, em 1975, o Brasil já contava com 429 programas
de mestrado e 149 de doutorado. Desde então esses números não
pararam de crescer. Em 2002, tínhamos 1506 programas de
mestrado e 841 de doutorado. (BALBACHEVSKY, 2005, p. 281).
Em 2009, a CAPES informou a existência de 2.718 programas reconhecidos:
40 doutorados, 243 mestrados profissionais, 1.054 mestrados, 1.382 mestrados
/doutorados (http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#).
203
A partir dos anos 70, como se pode observar, houve significativa expansão
dos programas de mestrado e doutorado e, em consequência, um considerável
aumento na produção científica do Brasil. Esse fato mobilizou alguns pesquisadores
a se preocuparem com o caminho registrado, adotado, impulsionado por essa
produção. O que se justifica porque a construção de um robusto sistema de ciência
era vista como um importante instrumento para o desenvolvimento econômico do
país. (BALBACHEVSKY, 2005).
Na área educacional essa década é, portanto, marcada por vários estudos
focalizados na análise da produção desenvolvida nos mestrados e doutorados. Silva
(2004; 2010) sinaliza que autores como Gouveia (1971), Almeida (1972), Di Dio
(1976) e Cunha (1979) buscaram descobrir as tendências da pesquisa desenvolvida
nesse setor.
Nos anos 80, iniciaram-se as pesquisas cujos objetos de estudo eram (são) a
produção científica na área de Educação Especial. Nunes, Ferreira e Mendes (2003)
ressaltam que o trabalho pioneiro nessa área foi efetivado por Dias e Goyos et.al.
(2003) que analisaram resumos de dissertações defendidas no Programa de PósGraduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos
(PPGE/UFSCar) e verificaram que no período de 1981 a 1987 os estudos estavam
voltados para o ensino-aprendizagem no âmbito familiar e escolar e algumas
pesquisas para interações em contextos mais amplos.
Na década de 90, merecem destaque os trabalhos desenvolvidos por Warde
(1990), Alves (1992) e Costa (1994) que discutem o papel da pesquisa na pósgraduação em Educação e destacam as fragilidades na constituição desse gênero
acadêmico, a exemplo da efetivação dos objetivos delineados nos trabalhos
investigados, da análise crítica do estado atual do conhecimento na área de
interesse e até mesmo da delimitação do tema.
É importante destacar que no ano de 1995 um grupo de pesquisadores 29
iniciou um projeto de análise da produção discente no âmbito dos programas de
Pós-Graduação voltada para o indivíduo com “necessidades educacionais
29
Este grupo de pesquisadores era coordenado por Leila R. D’Oliveira de P. Nunes ( UERJ), Rosana
Glat ( UERJ), Júlio R. Ferreira ( UNIMEP) e Enicéia Gonçalves Mendes ( UFScar) (SILVA,VIDAL,
SOUSA. s/d, p. 4)
204
especiais”, projeto este intitulado “A Pós-Graduação em Educação Especial:
Caracterização e Perspectivas dos Programas e Análise Crítica da Produção
Discente” (PRODISC /1995-2003), cujo objetivo, consoante Silva (2010), era o de
identificar temas estudados, tendências teóricas e metodológicas; as principais
descobertas; as lacunas nesse conhecimento e as implicações teóricas e práticas
dessa produção.
Em 2000, foi realizado um maior quantitativo de trabalhos cujo objeto de
estudo é a pesquisa realizada nos programas de pós-graduação. Nesse período,
Kuenzer e Moraes (2001) retomaram alguns pontos da história da pós-graduação no
país, indicaram uma inflexão importante nesse processo e discorreram sobre as
mudanças induzidas pela avaliação da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) de 1996/1997 que, entre outros impactos,
redesenhou o perfil da pós-graduação brasileira, que passou a priorizar
fundamentalmente as atividades de pesquisa e de formação de pesquisadores.
Lima (2001) investigou as tendências paradigmáticas na pesquisa educacional por
um período semelhante 1995-1998, Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Em 2003, Silva analisou 27 documentos produzidos na UFSCar, do período
da implantação do mestrado nesta universidade (1981) ao ano de 2002. Este autor
(Ibid.)
analisou,
a
partir
das
abordagens
metodológicas,
as
implicações
epistemológicas das dissertações e teses e concluiu que o paradigma positivista
ainda era prevalecente nestes trabalhos. Silva (Ibid.) advoga que para compreender
com maior profundidade a produção científica (dissertações e teses), não se pode
perder de vista as condições sócio-históricas, nas quais se desenvolvem as
atividades sociais.
Em 2005, Eduardo José Manzini mapeou dissertações de mestrado e teses
de doutorado que tinham utilizado, na pesquisa sobre educação especial, a técnica
da entrevista para coleta de dados. Esse estudo foi apresentado no texto
“Considerações Sobre a Entrevista para Pesquisa em Educação Especial: Um
Estudo sobre Análise de Dados”. (SIMÓ; SILVA, 2009).
205
Posteriormente, Froés (2007), na UFSCar, realizou uma análise de dez
dissertações produzidas em 2001, na área de Educação Especial, considerando o
discurso sobre a deficiência, a relação entre Educação Especial e a Educação
Regular e sobre a Educação Inclusiva. Os trabalhos analisados foram produzidos
nos diversos Programas de Pós-graduação em Educação e em Educação Especial
das Universidades Federais Brasileiras, encontradas no Banco de Teses da
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
De acordo com Froés (Ibid.), a concepção de deficiência entre as autoras das
dissertações é pré-determinista, uma vez que a maioria se posiciona num discurso
clínico e trata a educação dos alunos com deficiência de forma dicotomizada, ou
seja, algumas defendem o isolamento do indivíduo com deficiência ou propõem que
antes de inserir as crianças com deficiência no espaço regular de ensino, seja
realizada uma avaliação para se verificar o nível de comprometimento, para a partir
desta observação decidir se elas devem ou não ser inseridas nas salas de aula
comuns.
É relevante considerar que as dissertações analisadas por Froés (2007) foram
produzidas no mesmo ano, contudo em estados brasileiros diferentes, e a partir
delas foram publicados artigos, trabalhos foram apresentados em congressos etc.,
fica latente o quanto é prejudicial à escola inclusiva a materialização e divulgação de
um discurso científico permeado por entendimentos equivocados em relação ao
aluno com deficiência e ao processo de inclusão educacional.
Em 2008, José Geraldo Silveira Bueno apresentou sua pesquisa com o tema
“A Produção Acadêmica sobre Inclusão Escolar e Educação Inclusiva”. O
pesquisador buscou
“mapear as produções científicas sobre os processos de
inclusão escolar fazendo um balanço detalhado sobre a produção”. (SIMÓ; SILVA,
2009).
Nesse mesmo ano, consoante essas autoras (Ibid.), mais dois trabalhos sobre
as pesquisas em Educação Especial foram divulgados: o de Altemir José Gonçalves
Barbosa, Camila Serrani Setani, Wesley Heleno de Oliveira, Danielle Lucílio da Silva
e Thays Correia Santana, intitulado “Produção Científica Sobre Inclusão Escolar em
Periódicos Nacionais de Educação e Psicologia” e o de Célia Regina Vitalino,
206
intitulado “Diagnóstico das Necessidades de Preparação dos Professores de Cursos
de Licenciatura para Incluir Estudantes com Necessidades Especiais e Formar
Futuros Professores Aptos a Promover a Inclusão”. O primeiro estudo teve como
objetivo:
[...] realizar uma análise cienciométrica de artigos sobre inclusão
escolar publicados em periódicos brasileiros ao longo de uma
década, tendo a Declaração de Salamanca como ponto de partida do
intervalo temporal considerado. Especificamente, analisaram-se as
variáveis; autoria, tipologia de artigos, distribuição temporal,
periódicos-chaves, temas estudados e abordagem das necessidades
especiais educacionais adotada. (BARBOSA et. al. 2008 apud SIMÓ;
SILVA, 2009, p.8-9 ).
E a pesquisa de Célia Vitalino pretendeu:
[...] analisar as instituições de ensino superior de nosso país a fim de
verificar se estão propiciando a formação dos professores com vista
à inclusão dos alunos com necessidades especiais educacionais, ou
seja, se estão cumprindo sua responsabilidade em relação a essa
questão. (VITALINO , 2008 apud SIMÓ; SILVA, 2009, p.8-9 )
Em 2010, Almeida busca compreender os enfoques epistemológicos dos
trabalhos produzidos na área de Educação Especial, no período de 1999 a 2008. O
autor concluiu que as condições da produção da pesquisa são marcadas pela
presença de professores formados dentro de determinadas tradições teóricas, além
da organização curricular de cada universidade 30
.
Com a análise dos trabalhos brevemente apresentados acima, percebe-se
que
[...] as pesquisas que têm como foco analisar até onde vai o
conhecimento da área de educação e educação especial,
preocupam-se com os temas que estão sendo abordados, verificam
os assuntos que estão sendo explorados nesta área e como estão
sendo divulgados, analisam os impactos na sociedade tanto no
âmbito nacional como mundial. Percebe-se o interesse em verificar
se a formação de professores está sendo eficaz na inclusão de
pessoas com necessidades especiais e o mais importante [...] são os
estudos que tiveram a intenção de verificar a contribuição efetiva das
pesquisas para a área e aqueles que utilizaram a análise dos
trabalhos para contribuir com acesso e a melhoria na qualidade de
ensino. Verifica-se o esforço dos pesquisadores em não apenas
realizar produções que tenham como foco principal a área de
30
Esta afirmação de Almeida (2010) nos remete a relevância da disciplina “Tópicos atuais da
Educação: Barreiras Atitudinais e Acessibilidade, ofertada no curso de Mestrado da Universidade
Federal de Pernambuco (2006)
207
educação especial, mas também a produção de pesquisas que
aborde em um único trabalho os temas mais relevantes e mais
explorados, no intuito de universalizar o conhecimento produzido nos
últimos anos. (SIMÓ, SILVA, 2009, p.10).
A análise da produção em Educação Especial é um importante indicador para
verificar as tendências de pesquisa no campo específico. Com esse indicador seria
possível verificar se as políticas delineadas para a área estão sendo alcançadas ou
se é imperativo um redirecionamento de empenhos para, realmente, atingir as
necessidades prementes.
A pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial possibilita, portanto, a
caracterização do estágio de desenvolvimento da área e a hierarquização das suas
prioridades. (MANZINI, 2003; CERQUEIRA, 2008; NAUJORKS, 2008).
É, então, importante considerar que no percurso da pesquisa sobre a
pesquisa em Educação/ Educação Especial o diálogo entre a Psicologia e a
Educação se fortaleceu e impulsionou a construção científica sobre o processo de
ensino aprendizagem vivenciado pela pessoa com deficiência. A exemplo de
Mendes, Nunes e Ferreira (2002) que após investigar 81 dissertações e teses sobre
atitudes e percepções acerca das pessoas com deficiência concluíram que “as
representações sociais, em geral de cunho negativas, se infiltram nos pais e
profissionais permeando suas ações e induzindo ao conformismo e falta de
responsabilidade na oferta de uma educação de qualidade”. (p.3).
Esses autores (Ibid.) ainda afirmam que um ponto fulcral no estudo acerca
das atitudes dos agentes escolares diante da pessoa com deficiência é a percepção
da demanda por melhoria nos programas de formação. Para eles, cotejar visões de
responsabilidade ou de culpa nas relações sociais, na atual situação, é pouco em
relação ao elevado compromisso social dessas pesquisas. É preciso, pois, como
afirma Guedes (2007), ao produzir a primeira dissertação no Brasil sobre o tema
barreiras atitudinais, erradicar essas barreiras que de tão danosas ao processo
educativo chegam a impedir o acesso dos alunos à escola e permanência nela.
208
3.2- A pesquisa sobre Educação Especial/Educação Inclusiva no Brasil
O conhecimento produzido sobre a Educação Especial, em sua gênese, tem
vínculos estreitos com a Psicologia, pois, ao analisar o contexto da educação
dispensada às pessoas com deficiência, muitas vezes, o foco do estudo incidia
(incide) na suposta anormalidade/diferença apresentada por essas pessoas tanto na
produção
do
conhecimento
científico
quanto
nas
interações.
Essa
visão
individualista, patologizante, esteada em barreiras atitudinais, fez com que o campo
de
conhecimento
acerca
da
educação
especial
estivesse
polarizado
e
descontextualizado da Educação como um todo. (LAPLANE; LACERDA; KASSAR,
2006).
Vale lembrar, portanto, que na década de 80 se inicia, com maior vigor, a
interlocução entre a Educação Especial e a Educação como um todo. Essa
aproximação ocorre em função do empreendimento de pesquisas históricas e
sociológicas que traziam aos PPGs a possibilidade de se ter análises diversificadas
do processo educativo. (Idem.).
É interessante ressaltar que, na década de 80, o estado de São Paulo foi
vanguardista ao estudo da Educação especial.
O PPGEEs/ UFSCar foi o primeiro programa do Brasil implantado
para tratar a Educação Especial e, desde então, constitui-se no único
programa específico na área. Atualmente existem apenas
programas, particularmente na área de Educação, que contam com
eixos temáticos, núcleos ou linhas de pesquisas dedicados à
Educação Especial. (Jornal da Ciência, 2007).
Essa nota registrada no Jornal da Ciência (2007) pela Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) possibilita que se apreenda que os PPGEs não
têm cumprido o que, em razão de demandas trazidas para a Universidade, a CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior) , desde 2001, recomendou, ou
seja, a
[...] ampliação das fronteiras temáticas de formação, identificando
cinco temas que se vinculam a essa demanda: avaliação institucional
e de sistemas, educação ambiental, educação especial, educação à
distância, informática e educação e, ainda, a área de métodos
quantitativos em educação. (SANTOS, 2008, p. 108).
209
Na UFSCar tem-se o primeiro Programa em Educação Especial que guarda
em sua origem forte influencia da Psicologia experimental e através de suas
produções tem ao longo dos anos, desenvolvido pesquisas em todos os níveis
educacionais, buscando catalisar as bases, o desenvolvimento da educação que
hoje se diz inclusiva. (Id., Ibid.).
Nesse Programa, de forma explícita, o candidato ao curso de mestrado tem
ciência de que a área de concentração do curso é “Educação do indivíduo Especial”
e a área de conhecimento: “Educação Especial”. O candidato também tem acesso à
informação sobre a atuação do Programa, a qual tem sido
[...] presidida por princípios teóricos e filosóficos emanados da
evolução conceitual e da definição de políticas para a Educação
Especial, enquanto área de conhecimento e campo de atuação
profissional, buscando contribuir, de maneira intencional e planejada,
para a superação de uma Educação Especial equivocada: a que
responsabiliza o deficiente ou o seu meio próximo pelas dificuldades
de aprendizagem e de adaptação ao meio, exerce uma função
segregadora e excludente, e atua contra os ideais de inclusão e
integração social de portadores de deficiências e a garantia de sua
plena cidadania. (Informação coletada no site do Programa).
Os objetivos dessa formação também são claros:
A estrutura curricular foi programada com base na necessidade de
fornecer aos alunos formação para:
1. Docência Universitária: o que implicaria em oferecer formação
conceitual e nas habilidades requeridas pela educação especial, de
forma que o aluno seja capaz de analisar as variáveis envolvidas no
processo ensino-aprendizagem, planejar, aplicar e avaliar
procedimentos e atividades de ensino.
2. Pesquisa em Educação Especial: o que implicaria em oferecer ao
aluno fundamentos da teoria da ciência e do conhecimento,
princípios de metodologia científica, e história da ciência que o
habilitem a realizar pesquisas experimentais e descritivas na área.
3. Assessoria a programas e serviços de Educação Especial para
portadores de deficiência mental: o que implicaria em oferecer
conhecimento sobre as peculiaridades das instituições e situações de
Educação Especial no Brasil, e ensinar ao aluno habilidades para
treinamento de pessoal, planejamento e avaliação de programas e
de recursos tecnológicos para serviços educacionais especializados.
(Informação coletada no site do Programa).
210
Como linhas de pesquisa o PPGEEs/UFScar traz: Linha 1 - Aprendizagem e
cognição de indivíduos com necessidades especiais de ensino; Linha 2 - Currículo
funcional: implementação e avaliação de programas alternativos de ensino especial;
Linha 3 - Práticas educativas: processos e problemas; Linha 4 - Atenção primária e
secundária em Educação Especial: prevenção de deficiências; Linha 5 - Produção
científica e formação de recursos humanos em Educação Especial.
Como se vê, nesse Programa a Educação Especial surge como área
transversal que perpassa estudos sobre o currículo, a avaliação, as práticas
educativas, a formação de profissionais, a produção científica. Neste último tópico,
constitutivo do foco de uma linha de pesquisa, infere-se que o PPGEEs/UFSCar ao
produzir os gêneros acadêmicos analisa também a produção científica interna ou
externa ao Programa. Abre, portanto, espaço para a realização da pesquisa
documental, dá visibilidade e valoriza a
[...] importância de se analisar o conhecimento produzido em
Educação Especial no Brasil, para que possa fundamentar a
formação de profissionais habilitados a avaliar, implantar, administrar
e orientar programas e serviços em Educação Especial. (BARBOSA,
2008 apud SIMÓ; SILVA, 2009, p. 7).
No site do curso e nos editais de mestrado do PPGEEs/UFSCar, a
comunidade intra e extra-acadêmica encontra fontes seguras, seja para o caso de
se buscar orientação quanto à educação especial, seja para o caso de que se
deseje responder a alguma inquietação científica.
Reconhecer, então, a identidade do curso, seus objetivos e linhas como
percurso para se pesquisar, discutir e reavaliar a educação especial é, então, ação
sine qua non para se delinear um trajeto de pesquisa bem situado na área de
educação especial/educação inclusiva.
Uma análise pormenorizada das pesquisas realizadas nos espaços
formativos, ou seja nos PPGs, poderá ser “um indicativo, dentre outros aspectos, do
tipo, qualidade e quantidade do conhecimento produzido”. (MANZINI, 2007, p. 176).
Esse autor, no texto “Que tipo de conhecimento as pesquisas de pósgraduação tem fornecido sobre inclusão?” (2007), propõe que se reflita, a partir dos
resultados de vários estudos, entre eles o estudo documental de 95 artigos
211
publicados entre 1992 a 2002, na Revista Brasileira de Educação Especial, sobre a
percepção de que “os temas menos referidos nas pesquisas em educação especial
são: acessibilidade, ética, história da educação especial e análise de programa e de
produção em cursos de pós-graduação”. (Id., Ibid., p. 178).
A Revista, cuja intenção é de disseminar o conhecimento em Educação
Especial, é uma publicação trimestral mantida pela Associação Brasileira de
Pesquisadores em Educação Especial - ABPEE, a qual foi elaborada durante a
realização do III Seminário de Educação realizado em 1993, na cidade do Rio de
Janeiro. Ela publica trabalhos originais, especialmente textos científicos resultantes
de pesquisas.
Essa Revista é, portanto, um espaço que contempla produções de diversos
autores, nos variados estados brasileiros. Logo, quando ela sinaliza, através do
trabalho de Manzini (2007), que durante dez anos, os quais são contemplados no
presente estudo, pouco se investigou sobre a ética, necessária para a promoção da
inclusão, e sobre a análise de Programas e de produções da Pós-graduação, o
autor indica que nacionalmente esses, entre outros temas,
estão em posição
secundária nas pesquisas de pós-graduação sobre inclusão.
Marques (2007) ao comentar o estudo “A pesquisa em educação especial no
Brasil: aspectos epistemológicos”, iniciado em 2005, procura conhecer a literatura
sobre a produção científica na área de Educação Especial no Brasil; sobre esta
produção na área específica de educação especial; como também sobre a questão
da epistemologia na pesquisa educacional. A autora utiliza como corpus de análise
quatro teses e onze dissertações todas sobre Educação Especial, produzidas em
2001, nos programas de pós-graduação stricto sensu de nove instituições: PUC-RS,
PUC-SP, UFES, UFJF, UFSC, UFSCar, UFSM, UNESP/Marília e USP. Marques
(Ibid.) afirma encontrar, nas produções em análise, entre outros equívocos, o da não
inserção das pesquisas em Educação Especial na Educação em Geral em função
disso a autora recomenda:
[...] inserir a discussão que está sendo feita na área da educação
especial no contexto maior das discussões na área da educação,
considerando que isto daria maior consistência à área de educação
especial no cenário da educação geral. (Id., Ibid., p. 239).
212
Traduz-se, então, que as pesquisas em educação especial, muitas vezes, são
apartadas de um contexto de produção ampla do conhecimento. As universidades
fazem isso quando, na agenda de suas atividades produtivas não dão visibilidade a
área em equiparação a outros temas de estudo.
Vale reiterar que ainda são poucas as universidades que apresentam
Programa sobre Educação Especial ou uma linha de pesquisa. Em outros termos,
além da UFSCar, outras universidades tem se dedicado à pesquisa na área de
Educação Especial/ Educação Inclusiva, mas como um eixo temático, como uma
linha, como é o caso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; ou como uma
subárea, conforme tratou a Universidade Federal de Pernambuco, no período de
2005 a 2010.
3.3 - A pesquisa sobre as pesquisas no PPGE/UFPE
O movimento de estruturação do Programa de Pós-graduação em Educação
da UFPE iniciou-se em meio a um contexto social turbulento e a intensos debates,
no âmbito nacional, sobre esse nível de formação. (SILVA et. al. 2008).
Segundo esses autores (Ibid., p. 36),
O Curso de Mestrado em Educação da UFPE, tendo como área de
concentração Planejamento Educacional, foi aprovado pelo Conselho
Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPE, em
29/04/1977 e recomendado pelo Grupo Tecnico e Coordenação
(GTC), do Conselho Nacional de Pós-Graduação, em 1978.
Essa área de concentração inicial do PPGE/UFPE se desdobrou em duas
linhas de estudo: O estado e a Política Educacional no Nordeste e Política
Educacional e Prática Pedagógica.
Desde a implantação do mestrado em Educação na UFPE (1978) ao corrente
ano, há apenas duas pesquisas sobre as pesquisas produzidas no PPGE: a
dissertação de mestrado “Pesquisando sobre a Pesquisa Educacional - A produção
Científica no Centro de Educação da UFPE: Relatório de Pesquisa” (FREITAS;
COSTA, 1990) e recentemente o livro “Programa de Pós-graduação em Educação
da UFPE: 30 anos de uma história”. (SILVA et. al., 2008). Os autores desses
213
trabalhos não se debruçam sobre as pesquisas em educação especial/educação
inclusiva.
Vale, então, ressaltar que as pesquisas sobre as pesquisas nesse Curso
poderiam historiar os objetivos, a natureza, o currículo do Programa e mostrar de
que forma ele tem avançado para cumprir, inclusive, o que a própria CAPES,
conforme mencionado, recomenda: uma ampliação das fronteiras temáticas de
formação, incluindo avaliação institucional e de sistemas, educação ambiental,
educação especial, educação à distância, informática e educação e, ainda, a área de
métodos quantitativos em educação. (Infocapes , 2001).
3.4- A pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial/ Educação Inclusiva
no PPGE/UFPE
A partir da pesquisa no acervo da biblioteca do Centro de Educação da UFPE
e da listagem de dissertações defendidas informada pela secretaria do curso de
Pós-graduação em Educação (PPGE/UFPE), verificou-se que no intervalo temporal
focalizado neste estudo (1978-2002), foram produzidas 191 (cento e noventa e uma)
dissertações de mestrado, sendo a primeira defendida em 1982.
Neste número substantivo de produções situadas nos diversos temas da
ciência da Educação, foram construídas 5 (cinco) dissertações que discorrem sobre
a Educação da Pessoa com Deficiência.
Essas dissertações são partes relevantes da literatura científica sobre
educação da pessoa com deficiência. A partir de uma primeira leitura situada nos
títulos, temas e resumos de tais trabalhos percebeu-se a preocupação dos
pesquisadores quanto à configuração do campo de pesquisa em educação especial
e as dimensões do impacto das teorias e da política no processo de escolarização
das pessoas com deficiência.
Alguns desses trabalhos estão fisicamente deteriorados 31. Assim, a pesquisa
documental resgata os achados registrados nessas dissertações e contribui para
que se verifique se há mudanças nos eventos e atitudes vivenciados desde a
década em que o mestrado em educação foi implantado na UFPE (1978) até o
31
Vide fotografia de dissertação de mestrado utilizada no corpus da presente pesquisa - Anexo F.
214
período em que o Brasil inicia a política de educação especial na perspectiva da
educação inclusiva(1996, com a LDB 9394/96).
Até a presente data, no PPGE/UFPE não foi realizada pesquisa sobre as
pesquisas em Educação Especial/ Educação inclusiva. Um estudo dessa natureza e
com recorte longínquo poderia possibilitar que o Programa visualizasse o quanto e
como tem contribuído para que a sociedade, em seus mais diversos espaços
formativos, culturais, sociais, perceba o movimento do PPGE/UFPE para que a
pessoa com deficiência tenha seus direitos sociais garantidos, mormente o da
educação, que é objeto de reflexão do Programa.
O estudo das pesquisas sobre as pesquisas poderia trazer à baila, por
exemplo, quais as teorias utilizadas para se ler a educação especial/educação
inclusiva nos trabalhos realizados no Programa; poderia revelar quais os temas mais
recorrentes e se estes surgem de uma demanda extra ou intrainstitucional etc.
3.5- A pesquisa sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva no PPGE/UFPE
Nos vinte e quatro primeiros anos de existência do PPGE/UFPE (1978-2002),
foram construídas cinco dissertações que discorrem sobre a Educação da Pessoa
com Deficiência, a saber: Educação para Todos: a prática e o discurso (BACELAR,
1988); Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da
cidadania? A Educação especial em Pernambuco (ROSA, 1990); Ser diferente numa
sociedade massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de
deficiência (Nery, 1996); Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência
mental. Uma abordagem histórico-discursiva do Plano Estadual de Educação – PE –
1988/1991 (MOREIRA, 1997); Quando as (in)certezas e as esperanças se
(des)encontram: um estudo das representações
sociais dos professores sobre
educação especial na rede estadual de ensino (BAZANTE, 2002).
Vale observar que a produção de trabalhos sobre Educação Especial/
Educação Inclusiva não ocorreu no PPGE/UFPE no intervalo de 1998 a 2001. É
relevante também destacar que os títulos temáticos desses trabalhos situam as
pesquisas num contexto histórico-discursivo, em que a memória, a situação e os
sujeitos envolvidos são chamados a interagir.
215
Essa tríade faz parte dos pilares conceituais da análise do discurso, uma
teoria que serve como instrumental para a pesquisa sobre barreiras atitudinais, a
qual só é possível se o pesquisador interrogar os sentidos do discurso sob a égide
da própria teoria das barreiras sociais. É dentro desta perspectiva que se delineia o
próximo capítulo.
216
Capítulo 4
Análise do discurso: um suporte para
o estudo das barreiras atitudinais
[...] “Para que nossas falas ditas não sejam emissárias do
estigma e preconceito historicamente produzidos contra as
muitas minorias, por vias não ditas, é imperioso que
exercitemos a inclusão plena não como um conceito
teórico dos livros e leis de papel, mas como uma prática
diária, onde agir é respeitar o "ser" humano de cada um e
de TODOS, nas suas idiossincrasias e nas suas
características gerais de simplesmente cidadãos.” (LIMA
et. al., 2003, p. 10).
Nas práticas sociais e, não menos, no discurso científico, as barreiras
atitudinais, em geral, surgem, são apresentadas, fortalecidas, difundidas na
linguagem, entre os ditos e os não ditos que constituem o discurso, e levam e/ou
resultam no desrespeito ou impedimento aos direitos das pessoas com deficiência.
Olhar para a superfície das palavras, então, se torna ação vã, quando se
quer encontrar/identificar as barreiras atitudinais, assim como entender-lhes o efeito
na vida das pessoas com deficiência. Para, portanto, investigar a existência dessas
barreiras no discurso
é preciso compreender que por trás do tecido constituído
pelas palavras há mais do que seus autores imaginam. (LIMA, 2003; BAUER,
GASKELL, 2008).
Por isso, é importante
que
o discurso seja visto não apenas em sua
materialidade linguística, mas como produto social e histórico que veicula
compreensões, incita afetos e estimula ações; que quando o discurso vem
embotado de barreiras atitudinais prejudica a interação entre as pessoas com e as
sem deficiência, limitando as primeiras no excercício dos seus direitos e deveres
sociais ou as
incapacitando, quando a deficiência apenas lhes impõe limites
superáveis pessoal e tecnologicamente. (LIMA,2000a).
Com efeito, as palavras não significam, em si mesmas, ainda que tragam
significados; elas precisam ser tomadas e traduzidas no texto e tornam necessário
217
um olhar investigativo que conjugue a análise da linguagem em seu contexto, a
análise das ideologias/crenças/valores que ela expressa e a análise do poder que
ela toma para si e a ela é atribuído.
Para tanto, é exigido do pesquisador social que interrogue o quê o texto
significa, isto é, o sentido que ele tem ou traz na opacidade do seu discurso, no
discurso por trás do discurso.
Essa busca pelos sentidos do discurso para identificar as barreiras atitudinais
só é possível se o investigador estear-se na teoria da inclusão, especificamente na
compreensão do que são e como se manifestam as barreiras atitudinais.
No campo científico constituirá importante ferramenta para o investigador
das barreiras atitudinais o estudo da teoria da análise do discurso. De um lado, a
teoria da inclusão fornecerá as lentes para se ler o discurso; de outro, a análise do
discurso permitirá relacionar a linguagem à sua exterioridade, considerar que a
linguagem não é transparente, afirmar que ela é igualmente constituída por ditos e
não-ditos e indicar o percurso para o analista. (ORLANDI, 2000, 2006).
Posto, então, que o reconhecimento de que as barreiras atitudinais contra a
pessoa com deficiência são manifestadas na linguagem, na opacidade do texto, nos
ditos e não ditos (LIMA, 2003; LIMA, TAVARES, 2007; DUARTE, 2011) reitera-se a
pertinência de se buscar na análise do discurso o suporte para que se perceba como
as barreiras sociais são materializadas nos entremeios das palavras, nas
contradições e nos silêncios.
Este capítulo versa, portanto, sobre como surgiu a análise do discurso e
comenta alguns dos constructos dessa teoria que são de relevância ímpar para que
se desvele como as barreira atitudinais podem ser
apresentadas, praticadas,
tonificadas, difundidas através do discurso.
4.1- Análise do discurso: origem e filiações teóricas
A análise do discurso, uma alternativa metodológica originada na França, por
volta dos anos 60, foi estabelecida por Michel Pêcheux, o qual lança em 1969 o livro
218
Análise Automática do Discurso, obra considerada por muitos estudiosos desta
teoria como marco de sua fundação.
A análise do discurso é, por assim dizer, um percurso de análise que, como o
próprio nome indica, se ocupa em estudar o discurso, ou seja, objetiva
“compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, sendo ele
concebido enquanto objeto linguístico-histórico”. (ORLANDI, 1996, p. 56).
Essa teoria é resultante das interlocuções que seu fundador estabeleceu com
três domínios disciplinares: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise. O primeiro
domínio favorece, entre outros entendimentos, o da compreensão da opacidade da
linguagem, mostra que a relação “linguagem/pensamento/mundo não é unívoca, não
é uma relação direta que se faz termo-a-termo, isto é, não se passa diretamente de
um a outro. Cada um tem sua especificidade”. (Id., 2000, p. 19).
O Marxismo
contribui para que se perceba que o homem é, a um só tempo, aquele que produz a
história da sociedade e é também produzido por essa mesma história, a qual lhe é
intransparente. E a Psicanálise favorece o “deslocamento dessa noção de homem
para a de sujeito”, o qual é considerado resultante de sua relação com o simbólico,
na história. (Id., Ibid.).
É relevante esclarecer que a interlocução entre esses três campos dos
saberes não deságua em uma união passiva para se formar a perspectiva da análise
do discurso, pois Pêcheux não é subserviente a elas ao trabalhar a língua, a história
e o sujeito. Na verdade, a teoria da análise do discurso desenvolvida pelo autor é
pressuposta a opacidade da língua, a opacidade da história e a opacidade do
sujeito, e essas a pressupõe na medida em que relaciona aqueles três campos,
tocando-lhes na criação de um espaço teórico propício à edificação de uma teoria e
método em que o objeto de análise é o texto em sua materialidade, é o texto
enquanto unidade de sentido.
Em outras palavras, a análise do discurso, cujo objeto de estudo é o
discurso/o funcionamento da linguagem, é uma disciplina de entremeio que investiga
como os sentidos do texto significam e como os sujeitos são afetados por eles.
Torna-se uma disciplina de entremeio porque não é somente sob aquela tríplice
opacidade (da língua, da história e do sujeito) que ela vai operar, mas nos espaços
219
em que as três teorias se contradizem. Para melhor dizer, a análise do discurso fazse no espaço entre a linguística e as ciências sociais, “interrogando a linguística que
pensa a linguagem mas exclui o que é histórico-social e interrogando as ciências
sociais na medida em que estas não consideram a linguagem em sua
materialidade.” (ORLANDI, 2006, p.14).
Assim, uma das questões que move a análise do discurso, consoante a
perspectiva delineada por Pêcheux, é a compreensão de como as relações de poder
são estabelecidas, significadas através da linguagem, do funcionamento discursivo,
sendo este ligado às condições de exterioridade da própria linguagem.
Essa perspectiva se sustenta em função do discurso guardar em si faces que
precisam ser decifradas, faces que vão além de sua literalidade, que ocultam um
sentido por trás de outro e que fazem dos enunciados suscetíveis de engendrar
outros diferentes dos primeiros ou, como discurso é palavra em movimento, os
fazem se deslocar discursivamente para resultar para um outro. (PECHÊUX, 1983
apud ORLANDI, 2005). Logo, as palavras por trás das palavras, os sentidos que
delas emanam e por elas são alimentados/propagados interessam a análise do
discurso tanto quanto os espaços em branco no texto, os silêncios.
Destarte, essa disciplina considera que cada sujeito apresenta um corpo
linguagem formado por escolhas, muitas dessas (in)conscientes, que firmam,
confirmam não apenas um modo de expressão como ingenuamente poderia se
pensar, mas as ideologias, crenças, posturas esculpidas através da linguagem,
difundidas ao largo da história e arquivadas no inconsciente social e pessoal.
Sob essa compreensão, faz-se premente a definição de: linguagem, língua,
discurso, texto, formação discursiva, condições de produção, interdiscurso,
intertexto, sentido, sujeito, silêncio e ideologia, pois tais definições esclarecem o
modo como o dizer se relaciona a sua exterioridade, a qual o constitui e o firma no
caminhar por uma construção compartilhada de sentidos pelos interlocutores do
discurso.
220
4.2- Algumas conceituações basilares à análise do discurso
A análise do discurso, enquanto disciplina que se ocupa em investigar as
produções verbais no interior de suas condições sociais de produção, traz
conceituações que conduzem o analista a considerar a língua para além de sua face
abstrata, ou seja, a língua no mundo, produzindo sentidos e operando no simbólico e
na significância para e com os sujeitos. (ORLANDI, 2000; PAVEAU, 2006).
Tais conceitos surgem esteados num movimento interdisciplinar que fez surgir
a análise do discurso, conforme discutido anteriormente. Apreendê-los é, pois,
compreender como o objeto simbólico (o texto, entre outros) produz, dimana,
resgata e resignifica sentidos e como o sujeito produtor do texto nele se inscreve.
4.2.1- Linguagem e língua
Na ótica da análise do discurso, o conceito de linguagem transcende o de
instrumental para a interlocução; nela a linguagem é concebida como espaço em
que se engendram conflitos, confrontos, negociações de sentidos, identidades etc., o
que a torna passível da análise de sentido no processo de movimento.
Já a língua, nesse contexto, pode ser compreendida como a materialidade
específica do discurso (ORLANDI, 2006). Ambos conceitos primam por indicar ao
analista que o discurso não pode ser apartado das condições sócio-históricas que o
fazem emergir, pois são essas condições que engendram aquelas ocorrências
enquanto se corporificam através da língua.
4.2.2- Discurso e texto
A etimologia da palavra discurso revela a ideia de linguagem em curso, em
movimento. Sob a égide da análise do discurso, essa palavra é conceituada como
prática linguística inserida num contexto histórico-social, posta em funcionamento
por interlocutores que produzem sentidos, numa relação que não é linear.
(ORLANDI, 2000; ORLANDI, 2006).
Assim, o discurso diferencia-se da língua e da fala, em razão da relação que
ele assume com a exterioridade da linguagem, envolvendo, portanto, aspectos que
221
ultrapassam a natureza linguística e se movem para os sentidos históricos e
ideológicos que são evocados na linguagem em uso.
Na análise do discurso, o objeto teórico é o discurso e o objeto empírico
(analítico) é o texto.
Então, enquanto aquele é definido como “um objeto sócio-
histórico em que o linguístico intervém como pressuposto” (ORLANDI, 2000, p.16),
este é definido, pragmaticamente, como “a unidade complexa de significação,
consideradas as condições de sua produção”. (ORLANDI, 2001, p. 21).
Vale, então, considerar que o texto do discurso, além de ser produto de
enunciados advindos das mais variadas formações discursivas, marca as diferentes
posições do sujeito e evoca sentidos distintos.
Destarte, tomar a palavra, dizê-la, materializar o discurso é “um ato social
com todas as suas implicações: conflitos, reconhecimentos, relações de poder,
constituição de identidades, etc.” (Id., Ibid.). E assim o é porque os interlocutores
falam de acordo com as condições de produção do discurso, as quais envolvem
essencialmente os sujeitos, a situação e a memória.
Marquezan (2009) robustece essa compreensão ao defender que a natureza
do discurso e do texto implica em, quando da análise de um discurso, o pesquisador
não apenas ultrapassar o conceito de texto como um tecido fechado em si mesmo,
em sua condição material, mas ter presente que para indagar os sentidos do
discurso é necessário ter ciência das condições socioideológicas dessa produção.
4.2.3- Formação discursiva
O discurso guarda em si e ao mesmo tempo agencia a movência de sentidos.
Assim, para assumir um sentido determinado e não outro, o discurso precisa estar
inscrito em uma determinada formação discursiva.
Essa formação define o que pode ser dito e o que não deve ser proferido
numa determinada conjuntura, ou seja, a formação discursiva carrega em sua
constituição as chaves do sentido do discurso, é uma “projeção, na linguagem, das
formações ideológicas”. (ORLANDI, 2006, p. 17).
222
Em outras palavras, a formação ideológica é a fonte da formação discursiva,
sendo esta, em essência, consoante Brandão (1998), heterogênea, perpassada por
outras formações e emergente da configuração e do trânsito de interdiscursos.
4.2.4- Condições de produção, interdiscurso e intertexto
As condições de produção do discurso, de acordo com a teoria da análise do
discurso, são essencialmente: os sujeitos, a situação e a memória.
Orlandi (2000) esclarece que ao considerar as condições de produção, em
sentido mais estrito, chega-se às circunstâncias da enunciação. Então, conforme a
autora, esse sentido está relacionado à história, à produção de acontecimentos e ao
imaginário que afeta os sujeitos em suas posições políticas.
No itinerário da formação das condições de produção discursiva, os discursos
exprimem uma memória coletiva, na qual se inscrevem sujeitos que podem estar em
diferentes grupos culturais. (MARQUEZAN, 2009). Assim, a memória, quando
pensada no contexto da análise do discurso, é compreendida como um interdiscurso
e este como dizeres que já se falavam em outro lugar antes de o sujeito tomá-lo
para si e se inscrever.
Essa memória, adjetivada de discursiva, exprime o saber discursivo, o acervo
linguístico que torna possível a materialização do discurso, como algo que se
sustenta no dizível, no já dito, no pré-construído em distintos lugares e tempos por
diferentes sujeitos.
Orlandi (2000, p. 33), citando Pêcheux (1983), afirma que
[...] o interdiscurso especifica as condições nas quais um
acontecimento histórico (elemento histórico descontínuo e exterior) é
suscetível de vir a escrever-se na continuidade interna, no espaço
potencial de coerência próprio a uma memória.
Assim, pode-se considerar que o interdiscurso está para o conjunto de
formulações feitas que direcionam e até determinam o que os sujeitos dizem. Essa
compreensão faz com que a distinção entre ele e o intertexto seja mais cristalina,
pois o intertexto reduz-se à interação de um texto com outros textos; enquanto o
interdiscurso entrelaça-se a discursos que lhes são pressupostos, vindos de
223
momentos históricos, fontes e autores diferentes, mas cujas formulações caem no
esquecimento e exercem poder de determinação no que os sujeitos expressam
através do discurso.
4.2.5- Sentido, silêncio, sujeito e ideologia
A análise do discurso define o sentido como algo constituído no contexto, na
exterioridade da palavra, na sua discursividade. Em outros termos, para o analista
do discurso, o sentido é determinado na historicidade dos sujeitos que utilizam o
discurso e/ou o interpela, consoante a posição que ocupam socialmente.
Os sentidos não são inerentes ou estão imbricados rigidamente às palavras,
não dependem apenas da intencionalidade dos sujeitos, por esta razão as palavras
assumem sentidos distintos, concordantes com as ideologias dos interlocutores,
cujos papéis sociais indicam as posições discursivas e estas o sentido da
enunciação em lugar de outro(s). Os sentidos vêm, por assim dizer, através da
memória, das filiações ideológicas, do jogo da língua que “vai se historicizando aqui
e ali, indiferentemente, mas marcada pela ideologia e pelas posições relativas ao
poder”. (ORLANDI, 2000, p. 31).
Eles não se firmam apenas nos ditos, mas nos não ditos, nos espaços em
branco, no silêncio do/no discurso. O silêncio, nessa perspectiva, deve ser
compreendido como constitutivo do discurso porque o antecede, o atravessa, ajuda
a palavra a significar e torna possível a movência dos sentidos. O silêncio é o nãodito no interior da linguagem, sem ele não há sentido. ( ORLANDI, 1995; LAPLANE,
2000).
Para a teoria da análise do discurso, o sujeito que enuncia esses sentidos,
nos falares e no silêncio, não é considerado homogêneo ou subserviente aos
sentidos,
porque
ele
(o
sujeito)
é
quem
os
confere,
inconsciente
ou
conscientemente.
Assim é coerente que se pense que “a voz do sujeito revela o lugar social de
onde ele significa e expressa um conjunto de outras vozes componentes da mesma
realidade social.” (MARQUEZAN, 2009, p. 32).
224
É importante considerar, então, que essa voz é polifônica, é constituída pelo
entrecruzamento de ideologias que estão na matriz de cada discurso, ao mesmo
passo em que deles também dimana. De acordo com esse autor (Ibid.), o sujeito
discursivo é aquele que tem existência em um espaço social e ideológico, assume
uma determinada posição e se insere em um específico momento da história.
Nesse sentido, as formações ideológicas do sujeito são representadas nas
formações discursivas. Logo, surgem a partir de “uma posição dada em uma
conjuntura sócio-histórica dada”. (ORLANDI, 2000, p. 43).
A ideologia, nessa perspectiva teórico-discursiva, está materialmente ligada
ao inconsciente, é a “condição para a constituição do sujeito e dos sentidos”, sendo
função dela “a produção de evidências as quais colocam o homem na relação
imaginária com suas condições materiais de existência”. (Id., Ibid.).
Vale, então, reiterar que o sujeito é atravessado, a um só tempo, pela
ideologia e pelo inconsciente. E isso ocorre em função da construção dos sentidos,
da intervenção histórica existente nesse processo, dos equívocos e opacidades
presentes no discurso.
4.3- Discurso, poder e constituição de identidade
O discurso é um modo de ação, uma prática social que carrega em si o poder
de inscrever os sujeitos no mundo e de alterar o mundo através dos sentidos que
esses mesmos sujeitos, constitutivamente heterogêneos, dispersos e esteados em
interdiscursos, constroem, socializam, (re)significam. O
poder
do
discurso
é,
portanto, intrinsecamente, relacionado as distintas posições sociais assumidas
(in)conscientemente pelos sujeitos e firmadas por meio das formações discursivas e
das formações ideológicas.
Essa assertiva relaciona a noção de sujeito à noção de identidade propostas
pela análise do discurso como sendo de produção ininterrupta, um constante vir-aser, o qual se constitui em diversos lugares, espaços, tempos e interações, conforme
os papéis que cada pessoa assume na dinâmica social.
225
Vale, então, destacar que o discurso, interferindo na manutenção de
entendimentos, crenças e valores, demarca as posições do sujeito enquanto lhe
impõe constructos para a edificação de uma identidade social e pessoal.
Assim, o poder do discurso validado como legítimo em razão de ter sido
construído e veiculado por fontes autorizadas, confiáveis ou críveis, muitas vezes,
faz a sociedade crer, erroneamente, que a identidade é imutável, fixa. Essa
compreensão, por vezes, tem proporcionado à sustentação de modelos de
compreensão equivocados sobre as pessoas com deficiência e, inferiorizando-as,
demarca as identidades sociais e pessoais que as mantêm, através de uma
linguagem de atributos, apartadas da sociedade considerada hígida. A linguagem de
atributos, ao estigmatizar as pessoas com deficiência, exerce o poder de confirmar a
normalidade de outrem. (GOFFMAN, 1988).
Nesse processo, o discurso científico, concebido como aquele que registra,
veicula conhecimento, torna-se essencial para a construção discursiva sobre a
pessoa com deficiência, pois ao assumir fórum de verdade científica, embora esta
possa ser contestada, faz com que o conhecimento nele expresso contenha o poder
do controle do sentido do sujeito/pessoa com deficiência. Marquezan (2009, p. 90 91) esclarece que
O conhecimento constrói uma terminologia e dá origem a uma prática
que vai influenciar as ações posteriores com/sobre o sujeito
deficiente. Também é o conhecimento que viabiliza a construção de
uma categorização social para explicar as percepções e as relações
entre as pessoas e os grupos. A classificação, por meio do
estabelecimento de categorias, possibilita a interpretação e o
controle do ambiente físico e social. O pertencimento a uma
categoria assegura, ao mesmo tempo, um conjunto de características
comuns aos membros do grupo e também o não pertencimento de
integrantes com características distintas.
O conhecimento, veiculado no discurso científico, pode corroborar com a
manutenção de identidades que se firmam na lógica do Nós versus Outros. E,
conforme esse autor, “a diferença que confronta o sujeito sadio com o sujeito doente
abala a identidade daquele, impelindo-o a criar barreiras simbólicas que assegurem
essas duas diferenças”. (Id., Ibid., p. 91-92).
A análise do discurso ao reconhecer, então, que o sujeito é um ser histórico,
social, heterogêneo, de identidade fluida, inserido numa conjuntura sócio-ideológica
226
clarifica que a identidade está vinculada ao reconhecimento da alteridade. E esta é
estabelecida na diferença entre si e o outro, pois não é possível a consciência de si
sem consciência do outro.
Contudo, o que ocorre, muitas vezes, é que a marcação da diferença entre
os sujeitos (a construção da alteridade) situa discursivamente, com rigidez, a
posição dicotômica entre o “Nós da normalidade” e o “Outro deficiente”. Assim, a
“identidade colocada em relação à” (ORLANDI, 2000) ou delineada como “a
diferença entre”, engendra processos discursivos, os quais baseados na identidade
idealizada e fixa, mantenedora de modelos arbitrários, excludentes, reificados,
confinam a pessoa com deficiência a pertencer a uma categoria sub-humana.
(MANTOAN, 2011).
Nesse processo, os padrões que a sociedade incorpora através dos discursos
e ao mesmo tempo nutre-os podem levar a pessoa com deficiência a concordar que
ela realmente é ou está abaixo do que deveria ser. É assim que a pessoa com
deficiência aprende, desde a tenra idade, “o que é”, em meio aos significados
atribuídos pela sociedade. (GOFFMAN, 1988; LIMA, 2006; LIMA; TAVARES, 2007).
A identidade de “deficiente” simbolicamente construída é difundida por meio
dos discursos científicos, é uma
[...] construção que resulta do conhecimento do médico, do
psicólogo, do pedagogo. O discurso que esses profissionais
possuem/produzem sobre o sujeito deficiente é compreendido (e
aceito) como aquilo que é. Materializado no discurso profissional,
esse conhecimento que descreve, ao mesmo tempo, constitui o
sujeito deficiente. As narrativas desses profissionais constituem-se
em representações sociais, ou seja, tornam-se conhecimentos
partilhados que contribuem para a construção de uma realidade
comum a um segmento social. (MARQUEZAN, 2009, p. 91).
A manutenção dessa “realidade comum” só é possível porque nas formações
discursivas e nas formações ideológicas a sociedade manipula regularidades
simbólicas que fazem com que as identidades, enquanto criações sociais, culturais
e linguísticas, sustentadas pelo entrecruzamento de diversos discursos, pareçam
naturalizadas.
Esses
discursos
exercem
o
poder
de
identificar,
classificar
e
orientar/determinar as atividades a que a pessoa com deficiência será submetida ou
227
as posições sociais que ela deverá assumir. É um discurso feito sobre a pessoa
com deficiência, que preenche e atesta o espaço em que ela significa. Como afirma
Marquezan (Ibid., p. 117), é um discurso que
[...] fala do lugar do sujeito deficiente, fala por e fala sobre ele. Fala
como o representante do sujeito deficiente legitimado pela verdade
da ciência e pela autoridade da lei. Assim, ocupando seu espaço,
tenta interditá-lo e impedir que ele fale. Significa por ele. O discurso
sobre a deficiência abre e ao mesmo tempo fecha e consolida um
espaço de enunciação em que tenta impedir o sujeito deficiente de
significar, mas autoriza os outros, como o Estado, os profissionais, a
significar por ele. O discurso desses mediadores vai produzir
sentidos e constituir os sujeitos, nesse caso o sujeito deficiente.
Desse modo, falar sobre implica o silenciamento do sujeito deficiente.
É assim que a percepção da ideologia existente na construção dos sentidos
que se movem interdiscursivamente e a constituição do sujeito, ambas situadas na
perspectiva delineada por Pêcheux (1997), clarificam como “ambas assentam-se na
figura da interpelação: fala-se do/sobre o sujeito, fala-se para o sujeito antes que ele
fale”. (Id., Ibid.,p.35).
Ao considerar, então, que o indivíduo ao ser interpelado pela ideologia é que
se faz sujeito, é possível compreender como a existência e as potencialidades da
pessoa com deficiência foram e são marcadas por um sistema de significações que
adquire sentidos estereotipados e inferiorizantes na dinâmica sócio-ideológica, cujas
condições de produção “inscritas na materialidade da linguagem e na relação desta
com o sujeito produzem o efeito-sujeito, o sujeito deficiente, identificado em tais
condições”. (Id., Ibid., p. 118).
Esses sentidos deslocam-se entre os ditos e os não ditos do discurso, na
opacidade da linguagem, vêm do entrecruzamento de posições-sujeito, decorrem e
são atravessados por diversas formações discursivas, resultam de diversos
contextos históricos, de diversos lugares e chegam à prática da linguagem que
rotula, inferioriza e fixa uma identidade de “anormal”, de “deficiente".
Nesse processo histórico de demarcação da identidade pela deficiência,
tornou-se urgente que, no discurso científico, dentre outros, estejam cimentadas
informações positivas e legítimas sobre as pessoas com deficiência, para que tais
conhecimentos engendrem, no funcionamento da linguagem, a formação contínua
de identidades sociais e pessoais dos indivíduos com deficiência de modo que a
228
eles a condição de pessoa humana seja legitimada, conforme, inclusive,
determinação, prescrição, coerção advinda de outro discurso: o legal, conforme
discutido no segundo capítulo do presente trabalho.
A identidade, sob a égide da análise do discurso, é vista como algo
estruturalmente aberto, móvel, mutável.
A identidade, sob a égide da inclusão,
consoante Mantoan (2011), tem sua estabilidade colocada em xeque, pois essa
teoria não admite que a identidade e a diferença sejam firmadas através de critérios
que implicam oposições binárias, que desconhecem a instabilidade e a capacidade
multiplicativa da diferença.
E isso se dá porque a teoria da inclusão não admite conter a identidade e a
diferença “nas malhas das categorizações firmadas pelo poder da sociedade em
criar critérios de identificação e de diferenciação estáticos e discriminatórios”. (Id.,
Ibid., p.103).
Assim, o reconhecimento de que a construção da identidade é tanto simbólica
quanto social, é marcada pela diferença, muitas vezes hierarquizadas como mais
importantes que outras (SILVA, 2004), faz urgente no discurso inclusivista, tanto
quanto em outros espaços de difusão da ciência, que seja esclarecido que
[...] as pessoas não se reduzem a modelos estabelecidos
arbitrariamente e produzidos pela dificuldade de lidarmos com o
caráter emergente, imanente e inacabado do sujeito em todas as
fases de sua existência. (MANTOAN, 2011, p. 103).
Essa compreensão precisa ser pavimentada nos discursos para que, na
movência dos sentidos que os constituem, as estruturas simbólicas, que são
verdadeiros apelos a antecedentes históricos da exclusão, sejam colocadas em
tensão e possam ter seus danosos resultados (as barreiras atitudinais) amainados,
ou melhor, erradicados.
4.4- A análise do discurso como base para o estudo das barreiras atitudinais e
as barreiras atitudinais como ferramenta para a análise do discurso
Como visto, a teoria da análise do discurso serve como suporte para o estudo
das barreiras atitudinais, pois ela oferece instrumentos de indagação que
fazem
emergir os sentidos que essas barreiras encerram sobre a pessoa com deficiência.
229
No entanto, será o conhecimento sobre as barreiras sociais que permitirá
reconhecer, numa dada fala ou prática social, as barreiras atitudinais. Logo, o
conteúdo das barreiras atitudinais, retroalimentando o discurso, serve igualmente na
análise desse discurso, pois, como dizem Lima (2000a), Lima et. al. (2003) e Lima e
Tavares (2007), para o estudo e análise desses obstáculos sociais tem de ser
considerado que:
a)
A linguagem é opaca e passível de ter seus sentidos desvendados à
luz da sua exterioridade;
b)
A linguagem, em seu funcionamento, denuncia o que uma pessoa não
quer dizer ou gostaria de omitir (miniteorias, preconceitos, discriminação), mesmo
que inconscientemente;
c)
As ações da sociedade se dão na e pela linguagem. Logo, a linguagem
é o terreno para a edificação dos mecanismos de excludência ou de posturas
inclusivistas;
d)
Os ditos e não ditos representam posições ideológicas que se movem,
inclusive, no silêncio do discurso e promovem o fortalecimento e a difusão das
barreiras atitudinais;
e)
A fala não dita a respeito da deficiência ou da pessoa com deficiência
pode ter efeito incapacitante, direto e/ou indireto, sobre aqueles que versa;
f)
Os silêncios no discurso pode ser o espaço para a movência de
representações sociais, de ideologias, de sentidos contra a pessoa com deficiência;
g)
A crença, não dita, na incapacidade das pessoas com deficiência se
mostra manifesta nos discursos e é elemento que gera/fortalece barreiras atitudinais;
h)
Os discursos são constituídos por interdiscursos (memórias) que
resgatam, vivificam construções discursivas já ditas, caídas no esquecimento, mas
que significam nos discursos em que aparecem e resgatam expressões e sentidos
que terminam por incitar disposições afetivas negativas em relação à pessoa com
deficiência e levam a sociedade à prática da discriminação;
230
i)
Os discursos podem atribuir predicativos pejorativos às pessoas com
deficiência e se tornarem mecanismos de uma profecia social de autorrealização;
j)
Os discursos firmam identidades sociais e pessoais das pessoas com
deficiência;
k)
A pessoa com deficiência, numa prática social específica, ao nascer e
se desenvolver ouvindo o que a sociedade construiu acerca dela e de suas
potencialidades, pode assumir uma posição-sujeito de “anormal”, de “deficiente”, por
assim ser a ela creditada uma identidade. Nesse processo, a própria pessoa com
deficiência poderá reproduzir barreiras atitudinais no discurso, nas ações diante de
outros sujeitos que também apresentem essa característica.
l)
A linguagem firma ideologias, crenças, posturas que são difundidas ao
largo da história e arquivadas no inconsciente social e pessoal. Em razão desses
aspectos, a prática de barreiras atitudinais não é proposital;
m)
As palavras mudam de sentido segundo as posições mantidas por
aqueles que as empregam. Assim, uma palavra que historia compreensões
equivocadas sobre a pessoa com deficiência pode, dependendo do contexto,
assumir um sentido inclusivista. Logo, o discurso inclusivo/inclusivista é, para além
da escolha taxonômica adequada, uma questão de postura/de atitude.
n)
As posições-sujeito dizem mais do que supõe os autores do discurso
porque as palavras soam, encerram, produzem e proclamam ações e argumentos
para o exercício da inclusão ou da própria exclusão;
o)
No discurso de profissionais que se pretendem defensores da
diversidade, da "diferença", da multiplicidade e de outros conceitos correlatos
também se podem encontrar barreiras atitudinais manifestas. O que se dá porque
essas barreiras transitam por entre a linguagem em funcionamento, a história e o
inconsciente, e fazem com que ninguém esteja livre de internalizá-las e difundi-las ,
ao tecer o discurso, ao ser inscrito e se inscrever na história, ao ter acesso e
alimentar as construções simbólicas e o inconsciente coletivo.
p)
Novos contextos deparam-se com novas barreiras que surgem de
diferentes formas. Logo, não há como definir as barreiras atitudinais e enquadrá-las
231
com exatidão, na superficialidade das palavras. Elas só podem ser percebidas na
exterioridade, nos ditos, nos não-ditos e nos silêncios do discurso.
q)
Os sentidos do discurso precisam ser interrogados, num movimento
contínuo de reflexão e de autoavaliação do sujeito sobre como o seu próprio
discurso pode apresentar, fortalecer e difundir barreiras atitudinais, sendo esse o
início
do
processo
que
se
pode
chamar
de
formação
da
consciência
inclusiva/inclusivista com vistas à prática da inclusão plena.
Esses são alguns dos substantivos aspectos que transitam na conceituação
das barreiras atitudinais e servem ao pesquisador para que ele construa o
instrumental analítico que dê conta de trazer à luz a ocorrência dessas barreiras na
opacidade do discurso.
Em resumo, para se compreender como indagar e desvelar os sentidos do
discurso e encontrar as formas de apresentação das barreiras atitudinais, os
primeiros passos são dados quando há a compreensão de que: i) os discursos não
apenas existem em sua materialidade linguística, mas como produto social e
histórico que veicula compreensões, incita afetos e estimula ações (des)favoráveis à
inclusão da pessoa com deficiência; ii) os sentidos, assim
como o sujeito
discursivo, não estão fixados à essência da palavra, logo, não podem ser qualquer
um; há um contexto/ uma injunção histórica para sua constituição; iii) os discursos
constituem a via para a
manutenção de identidades sociais e pessoais dos
indivíduos; iv) a presença das barreiras atitudinais revela representações sociais
compartilhadas e negativamente orientadas acerca da existência, da identidade e
das potencialidades da pessoa com deficiência; v) reconhecer a existência das
barreiras atitudinais contribui para a eliminação desses obstáculos.
Corrobora esse entendimento Lima (2003, p. 4-5) quando exemplifica como o
discurso revela compreensões equivocadas sobre a pessoa surda:
Ao se alegar, por exemplo, que "um indivíduo surdo só pode
aprender a língua de sinais (Libras) se for em instituições para
surdos, com seus colegas surdos e com professores especializados
em surdos" ou que "a escola comum/regular não está preparada para
atender esses alunos, pois seus professores não detêm os
conhecimentos necessários para ensinar alunos surdos", embute-se,
numa fala não dita, a crença de que surdos são seres que aprendem,
232
se é que aprendem, na visão dessas pessoas, de maneira tal e
diferente, que é preciso confiá-los a instituições especializadas, para
que possam ser treinados para um convívio social mais amplo.
Crença essa, infundada e descabida, quando sabemos que as
pessoas com limitação auditiva, parcial ou total, congênita ou
adventícia, são dotadas de igual potencial de aprendizagem como
quaisquer outras crianças, jovens e adultos, mesmo quando
precisam de metodologia de ensino específica, como para aprender
Libras.
O
desdobramento das barreiras
atitudinais é possível através das
designações utilizadas pela sociedade para fazer referência às pessoas com
deficiência, o que se dá em razão da nomeação promover
[...] um isolamento que permite a comparação, a avaliação e, com
isso, a classificação dos sujeitos. O trabalho de classificação revela
o desejo de conhecer o outro, de torná-lo transparente, previsível,
para que não possa representar surpresa e ameaça. Do ponto de
vista da análise discursiva do silêncio, a ação de classificar o outro
realiza um movimento de quebrar como silêncio e ali fixar, encher o
lugar dos sentidos. A fixação de sentidos dá a ilusão de que o dizer
limita a profusão de sentidos, ao passo que o silêncio pode gerar
muitos sentidos. (MARQUEZAN, 2009, p. 14).
A classificação das pessoas com deficiência por motivo da deficiência,
consoante esse autor (Ibid.), representa uma tentativa de fazer o sujeito/pessoa com
deficiência conhecido, de demarcar suas características de identidade e suas
diferenças para torná-lo interpretável e pertencente ao mesmo grupo, classificado
hierarquicamente para menos, através de uma discursividade que sobredetermina
os sentidos e o sujeito/ a pessoa com deficiência. Assim, trazer o que emana do
discurso é trazer à balia o modo como as barreiras atitudinais se fortalecem e
aparecerem (in)confessas, (in)voluntárias, (in)advertidas e (in)conscientes.
Nesse decurso discursivo e analítico, focaliza-se também o papel da
Universidade e da Pós-graduação. A primeira entendida como um espaço que
consolida compreensões acerca da pessoa com deficiência e do processo educativo
a ela devido; e a segunda, como sendo, por excelência, o tempo/espaço em que se
prioriza a ação reflexiva acerca das práticas pedagógicas, como sendo o período de
formação que aglutina interesses múltiplos que devem favorecer a educação para
Todos e impulsionar as ações formativas na própria Universidade.
Central a essa discussão é o delinear de como reconhecer nos enunciados do
discurso científico as dimensões que se intercruzam num ponto que é produto e
233
caracteriza a contingência universitária e
é produtor da dinâmica social/ das
atitudes, em constante formação, tonificação e difusão por meio do planejamento,
construção e socialização de pesquisas. O delinear desse itinerário para trazer à luz
o objeto da presente pesquisa é apresentado no próximo capítulo.
234
Capítulo 5
Percurso metodológico
“É necessário que o cientista e sua ciência sejam,
primeiro, um momento de compromisso e participação
com o trabalho histórico e os projetos de luta do outro,
a quem, mais do que conhecer para explicar a
pesquisa, pretende compreender para servir.”
(BRANDÃO, 1987, p.12).
A operacionalização da presente pesquisa segue este trilho: “mais do que
conhecer para explicar, pretende compreender para servir”. Ou seja, este estudo
busca refletir e sistematicamente desvelar a trajetória das barreiras atitudinais, isto é,
como elas são apresentadas, observadas, geradas ou veiculadas nas dissertações
de mestrado sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE, no período de
1978 a 2002.
Assim, é também meta deste trabalho servir à ciência e à sociedade com as
ponderações formuladas a partir de uma leitura de abordagem qualitativa, que
contextualiza o objeto de estudo e, pari passu, analisa as tendências que se
apresentam no discurso científico produzido no PPGE/UFPE sobre Educação
Especial /Educação Inclusiva e podem, por ventura, reger atitudes a favor ou contra
uma educação plenamente inclusiva e inclusivista.
Nesse caso, faz-se valoroso recordar que, no Brasil, as pesquisas sobre a
educação da pessoa com deficiência atingem maior vigor a partir da década de 80 e
que a Universidade Federal de Pernambuco, seguindo esta tendência, também tem
promovido pesquisas na área, principalmente pesquisas de natureza qualitativa. (Cf.
percebido nas dissertações produzidas nesse Centro as quais fazem parte do
referencial teórico deste estudo).
Este tipo de pesquisa é caracterizado por ser uma atividade
[...] situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um
conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade
ao mundo[...]. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma
abordagem naturalista, interpretativa, para mundo, o que significa
235
que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários
naturais, tentando entender , ou interpretar, os fenômenos em
termos dos significados que as pessoas a eles conferem. (DENZIN;
LINCOLN et. al. 2006, p. 17).
Os entraves sociais que impedem a inclusão social/educacional da pessoa
com deficiência é o fato do qual se busca entender o significado conferido pela
sociedade/pelos autores das dissertações sobre Educação Especial.
Este estudo, quanto à abordagem, não foge, então, ao fluxo maior, ou seja,
assume, como afirmado, as diretrizes da perspectiva da análise qualitativa, a qual
tem, entre outras, as seguintes características:
[...] a imersão do pesquisador nas circunstâncias e contexto da
pesquisa, a saber, o mergulho nos sentidos e emoções; o
reconhecimento dos atores sociais como sujeitos que produzem
conhecimentos e práticas; os resultados como fruto de um trabalho
coletivo resultante da dinâmica entre pesquisador e pesquisado; a
aceitação de todos os fenômenos como igualmente importantes e
preciosos: a constância e a ocasionalidade, a freqüência (sic) e a
interrupção, a fala e o silêncio, as revelações e os ocultamentos, a
continuidade e a ruptura, o significado manifesto e o que permanece
oculto. (CHIZOTTI 1991 apud PAULILO, 1999, p. 1).
Destarte, considerando o objetivo central desta pesquisa (a investigação de
como as barreiras atitudinais aparecem no discurso das dissertações de mestrado
sobre educação especial defendidas no PPGE/UFPE, de1978 a 2002; bem como a
discussão sobre o efeito das barreiras atitudinais no entendimento da sociedade
para com as pessoas com deficiência) a abordagem escolhida implica no
compromisso de ressaltar, nos trabalhos em estudo, “a natureza socialmente
construída da realidade, a íntima relação entre pesquisador e o que é estudado, e as
limitações situacionais” (DENZIN; LINCOLN et. al. 2006, p. 23) que influenciaram o
pesquisador a não percepção de barreiras atitudinais nos discursos: científico, legal,
de depoentes, de autores, do próprio pesquisador.
Nestes termos, a pesquisa qualitativa aqui delineada considera a interação
vital, singular, situacional, temporal entre o pesquisador e o objeto de estudo. Esta
foi a razão de ser compartilhado, no texto proêmio deste trabalho, o itinerário
formativo da pesquisadora. Considera também que o objeto de estudo “carece de
uma interpretação dos fenômenos à luz do contexto, do tempo, dos fatos”. (MICHEL,
2009, p. 36-37). Por esta razão, historia, no primeiro e segundo capítulos, como
236
surgiram as barreiras atitudinais e como a sociedade, através da força da lei, tem se
preocupado em removê-las.
Aquela compreensão de que a interpretação dos fenômenos necessita de
contextualização também levou a: I) no terceiro capítulo, situar este estudo num
contexto geral e estrito sobre a Pesquisa das pesquisas em Educação
Especial/Educação Inclusiva; II) no quarto capítulo, registrar como o discurso
científico, atravessando o contexto, o tempo e os fatos, indica a trajetória das
barreiras atitudinais; e, principalmente conduziu a : III) no sexto capítulo, referente à
análise dos dados, considerar e buscar registrar elementos extratextuais que
influenciaram a construção das dissertações em estudo.
Além da abordagem qualitativa, neste trabalho, recursos da abordagem
quantitativa também foram utilizados em função da necessidade de se atuar em
níveis da realidade estudada nos quais tais dados são relevantes para trazer à luz
fenômenos, indicadores e tendências observáveis, como indicam Sanches & Minayo
(1993a; 1993b) e Paulilo (1999). Especificamente tais recursos aparecem na forma
de levantamento do: a) percentual de trabalhos produzidos no PPGE/UFPE sobre
Educação Especial, no período de 1978 a 2011; b) os autores mais citados nos
trabalhos; c) as obras mais referenciadas nas dissertações em estudo; d) o
percentual de autores estudiosos da inclusão presentes no referencial teórico dos
trabalhos em análise. Esses dados contribuem para a observação de tendências
das pesquisas realizadas no PPGE/UFPE e, de modo mais estrito, tendências do
foco de leitura da Educação Especial materializadas nas dissertações em estudo.
O alto grau de complexidade de investigação das barreiras atitudinais no
discurso científico requer a intersecção de dados quantitativos para se compreender
qualitativamente o objeto de análise que aparece no discurso. Em outras palavras, o
uso de dados quantitativos serve, nesta pesquisa, para reiterar a sustentação da
análise no estudo qualitativo, o qual se caracteriza por uma imersão na esfera da
subjetividade, do simbolismo, dos modelos de entendimento sobre a diversidade
humana etc., conteúdos firmemente enraizados no contexto social do qual emergem.
A abordagem qualitativa, junto ao método e técnicas que lhe competem, é,
pois, o caminho para se penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais ações e
237
relações adquirem sentido, validade, relevância. E, no caso deste estudo, indicam
as razões da manutenção das barreiras sociais praticadas contra as pessoas com
deficiência.
É relevante reiterar que esta dissertação, assume um foco eminentemente
qualitativo por ser este o que se propõe em compreender e explicar “a dinâmica das
relações sociais, que, por sua vez, são depositárias de crenças, valores, atitudes,
hábitos e discursos”. (MINAYO, 1999, p.24). Além disso, a natureza desse trabalho
o insere no contexto da pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial.
5.1- Caracterização da Pesquisa
Caracterizar uma pesquisa é situá-la em uma teoria, em uma ciência, em um
status de caminho para se conhecer uma realidade. Esta pesquisa ampara-se em
bases da teoria inclusiva e inclusivista, em seus aspectos legais e sociais, os quais
refletem alguns dos objetos que são comuns a abordagem qualitativa, eg.
as
atitudes, as interações, as crenças etc. (Cf. MINAYO, Ibid.).
5.1.1- Caracterização da pesquisa quanto à natureza das fontes utilizadas
Quanto à natureza das fontes utilizadas para a abordagem e o tratamento do
objeto deste estudo, a pesquisa é caracterizada como documental. Consoante
Severino (2007, p. 122), no sentido amplo, a pesquisa documental é aquela que
contempla não só
[...] documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de
documentos, tais como jornais, fotos , filmes, gravações, documentos
legais. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram
nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da
qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação.
Esse autor explicita a forma como amplamente tem sido compreendida a
documentação:
Documentação: É toda forma de registro e sistematização de dados,
informações, colocando-os em condições de análise por parte do
pesquisador. Pode ser tomada em três sentidos fundamentais: como
técnica de coleta, de organização e conservação de documentos ;
como ciência que elabora critérios para a coleta, organização,
sistematização, conservação, difusão de documentos; no contexto da
238
realização de uma pesquisa, é a técnica de identificação,
levantamento, exploração de documentos, fontes e que serão
utilizadas no desenvolvimento do trabalho. (Id., Ibid., p. 124).
No caso da presente pesquisa as dissertações são documentos que ainda
não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, no que concerne
ao tema deste trabalho, o qual é o primeiro estudo da pesquisa sobre as pesquisas
em Educação Especial no PPGE/UFPE.
A documentação, neste particular, foi utilizada como ciência que elabora
critérios para a coleta, como técnica de identificação e técnica de coleta e
organização dos textos. Esses sentidos da pesquisa documental serão, pois,
comentados nos itens subsequentes.
5.1.2- Caracterização da pesquisa quanto aos objetivos
Quanto aos objetivos, esta pesquisa é caracterizada como exploratória e
explicativa.
É exploratória porque
busca “levantar informações sobre um
determinado objeto” (a trajetória das barreiras atitudinais no discurso cientifico
produzido no PPGE/UFPE), “delimitando assim um campo de trabalho” (as
dissertações
de
mestrado
produzidas
especial/educação Inclusiva), “mapeando
naquele
as
Centro
sobre
Educação
condições de manifestação desse
objeto” (análise do contexto em que as barreiras atitudinais são manifestas,
denunciadas,
apresentadas nas dissertações de mestrado em
estudo).
(SEVERINO, 2007, p. 123).
Na verdade, consoante Severino (Ibid.), a pesquisa exploratória é uma
preparação para a pesquisa explicativa. O autor esclarece, então, que a pesquisa é
explicativa quando não apenas registra e analisa, mas busca identificar as causas
do
fenômeno
estudado,
“seja
através
da
aplicação
do
método
experimental/matemático, seja através da interpretação possibilitada pelos métodos
qualitativos”. (Id., Ibid.).
239
5.2- Corpus discursivo
De modo especial, o presente estudo busca conhecer a trajetória das
barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência e as contribuições do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco
(PPGE/UFPE) para a erradicação de tais barreiras e tem como corpus discursivo as
dissertações de mestrado que tratam de questões relacionadas à Educação
Especial.
Em outros termos, a presente pesquisa investiga a existência de barreiras
atitudinais em cinco trabalhos defendidos no PPGE/UFPE, no período de 1978 a
2002, cujos temas envolvem a Educação Especial.
As obras foram selecionadas de uma lista de 313 dissertações fornecida pelo
PPGE/UFPE (Anexo G), bem como da pesquisa junto ao banco de dados da
biblioteca Central da UFPE e da Biblioteca do Centro de Educação da UFPE , a
partir de palavras-chaves tais como: educação especial, educação inclusiva,
deficiente, pessoa com deficiência, classes especiais, escola especial, necessidades
especiais, deficiente visual, deficiente mental, excepcional, síndrome de Down,
surdo, integração, educação para todos, dislexia, autismo, hiperatividade, TDAH,
cego.
5.3- Técnicas de Coleta de dados
Quanto aos procedimentos operacionais para a realização desta pesquisa,
procurou-se delineá-los de modo que estejam ajustados ao método adotado. Assim,
considerando que, de acordo com Michel (2009), as técnicas são instrumentos
utilizados com fins de coletar os dados e as informações que possibilitem analisar e
explicar, com fidelidade, fidedignidade, completude e relevância o objeto do presente
estudo elegeu-se a observação indireta e a análise documental como percurso
operacional.
Essa autora define a coleta de dados como a observação da vida. No caso
da presente pesquisa, a observação da vida, através da análise do discurso
científico, busca catalisar como a sociedade vem apresentando, fortalecendo,
240
difundindo barreiras sociais, que são verdadeiros fósseis na interação humana, tão
profundos que se fazem presentes no silêncio do discurso tanto quanto em sua
histórica polifonia.
O levantamento de dados, consoante Michel (2009), pode ser classificado
quanto a sua natureza em: dados primários, dados secundários e dados terciários.
No contexto deste estudo, os dados são considerados secundários.
A autora (Ibid., p. 65) explica que os dados secundários são “coletados
através de análise documental, ou seja, em documentos, relatórios, livros, revistas,
jornais, sites etc”. Michel faz também um alerta: “neste caso, deve-se,
obrigatoriamente, manter a autoria das ideias e falas, através da informação do
autor, ou seja, de forma literal ou parafrásica”. (Id., Ibid.).
5.3.1- Observação indireta
A observação indireta consiste na busca de dados efetivada indiretamente, ou
seja,
[...] não através das pessoas, mas de documentos pessoais ou
institucionais, material gráfico, quadros, tabelas, fotografias etc.,
produzidos por pessoas e/ou instituições constantes da população
definida na metodologia proposta para a pesquisa. São, portanto,
dados secundários. Os dados são feitos e analisados a partir da
leitura e interpretação do material disponibilizado. (MICHEL, 2009, p.
65).
Na presente pesquisa, os materiais utilizados na observação indireta foram: a
listagem de dissertações defendidas sobre Educação Especial no PPGE/UFPE de
1978 a 2011, num quantitativo total de 45 (quarenta e cinco) páginas; as
dissertações de mestrado sobre Educação Especial defendidas no intervalo de 1978
a 2002, o que corresponde ao total de 910 (novecentas e dez) páginas para análise;
os editais de mestrado publicados no período de 1978 a 2012, num quantitativo de
173 páginas (cento e setenta e três); os currículos lattes impressos dos professoresorientadores das pesquisas, num quantitativo total de 155 (cento e cinquenta e
cinco) páginas, e os currículos lattes dos autores das dissertações, disponíveis na
plataforma em 29 de fevereiro de 2012, os quais foram impressos num quantitativo
total de 70 (setenta) páginas.
241
5.3.2- Análise documental
Conforme sinalizado no item anterior, a observação indireta se faz através da
técnica da análise documental, que significa consulta a “documentos, registros
pertencentes ou não ao objeto de pesquisa estudado, para fins de coletar
informações úteis para o entendimento e análise do problema”. (MICHEL, 2009, p.
65-66).
A autora orienta que este tipo de documento precisa ser consultado com fins
de se ampliar o conjunto de informações sobre o objeto de estudo. Ela ainda explica
que esse procedimento se dá em função da importância dos documentos para a
análise e interpretação dos dados da pesquisa. A autora reitera: “Os dados obtidos
na observação indireta são chamados de secundários”. (Id., Ibid.,p. 66).
Em razão daquela orientação e para investigar a trajetória das barreiras
atitudinais nas dissertações sobre educação especial no PPGE/UFPE, foram,
inicialmente, realizadas as seguintes ações:
levantamento bibliográfico sobre o
tema (o estado da arte, o qual auxiliou na composição dos capítulos do referencial
teórico); investigação e listagem de todas as dissertações produzidas sobre
educação especial no PPGE/UFPE até o ano de 2012; levantamento de estudos
que contemplam a pesquisa sobre a pesquisa em educação especial/educação
inclusiva no âmbito nacional e, de modo mais estrito, nesse Centro.
Assim, a fim de pesquisar a existência de barreiras atitudinais nas
dissertações foram lidos e analisados inicialmente, nas dissertações, os capítulos de
análise de dados e de conclusão/considerações finais, à luz do suporte teórico da
teoria da análise do discurso (PÊCHEUX, 1983, 1990; ORLANDI,1987, 1990, 1992, ,
1995,1996, 2006) e da literatura sobre barreiras atitudinais, desenvolvida por Lima
(2000a; 2000b; 2006; 2007), Guedes (2007), Lima & Tavares (2007), Lima (2008),
Lima, Guedes; Guedes (2009), Lima (2011) entre outros autores.
Então, a análise é iniciada com a reflexão sobre as barreiras atitudinais que
se mostram, são fortalecidas ou difundidas através das dissertações. A escolha por
iniciar a leitura e a análise das dissertações a partir dessas seções se justifica por
ser nesses itens textuais o espaço em que o pesquisador manifesta seu ponto de
242
vista sobre os dados encontrados, os resultados obtidos, enfim, sobre o que emana
daqueles e sobre o alcance desses. (SEVERINO, 2007).
A fim de viabilizar a busca pelas informações, situações
discursivas que
apresentavam, difundiam, denunciavam barreiras atitudinais, um dos procedimentos
foi fotocopiar as cinco dissertações encontradas, demarcar com cores distintas os
trechos
do discurso
em
que
explicita ou implicitamente e
aquelas situações discursivas eram percebidas
fichar as
dissertações, percorrendo, pois,
caminho sugerido
por
essenciais para a
visualização de categorias
um
Moreira (2005) que coloca esses procedimentos como
que emanam
dos
diferentes
documentos analisados.
No percurso da investigação, em razão do desdobramento ocorrido durante a
coleta de dados, se fez necessário o aprofundamento da leitura dos documentos
dissertativos, incluindo no roteiro previamente exposto a inclusão da leitura de:
elementos pré-textuais (capa, título, capa de rosto, sumário e resumo), elementos
textuais, e até elementos pós-textuais como referências, anexos.
Ao todo, neste trabalho, foi contemplado um total de 910 páginas dos
documentos dissertativos, lidos, analisados e demarcados quanto às nomenclaturas
utilizadas para fazer referência à pessoa com deficiência
por
pesquisadores,
autores, nos documentos citados ou presentes nas falas de depoentes.
Em razão de 80% das dissertações versarem sobre o tema política, e de não
se ter, nas dissertações, a informação precisa sobre as áreas ou linhas de pesquisa
a que os trabalhos estavam vinculados, foi necessária a pesquisa em documentos
(editais de mestrado de 1978 a 2002 e depois os de 2002 a 2012), um total de 173
páginas de documentos, e em publicação sobre os 30 anos do PPGE (SILVA et.
al., 2008), num total de 143 páginas.
Como nos editais disponíveis as informações quanto às linhas de pesquisa
não foram encontradas em sua totalidade, recorreu-se à pesquisa dos currículos dos
orientadores e dos pesquisadores, na plataforma lattes.
Em outro momento, examinou-se os currículos dos pesquisadores para
mapear suas produções, ou seja, buscar as informações de onde e quando os
243
trabalhos desses pesquisadores foram utilizados, primeiro por eles em palestras,
conferências, minicursos,
artigos,
trabalhos apresentados em congressos etc.;
depois por outros, como citações em dissertações, artigos etc. Isso foi necessário
para investigar como e onde as barreiras atitudinais são difundidas, disseminadas
por meio do discurso científico.
5.4- Procedimentos de análise dos dados
A pesquisa qualitativa, comumente, gera significativo volume de dados os
quais necessitam de sistematização para que sejam compreendidos.
Conforme
Alves-Mazzotti; Gewandsnajder, 1998, p. 170)
[...] Isto se faz através de um processo continuado em que se
procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões,
relações, desvendando-lhes o significado. Este é um processo
complexo, não linear, que implica um trabalho de redução,
organização e interpretação dos dados que se inicia já na fase
exploratória e acompanha toda a investigação. À medida que os
dados vão sendo coletados, o pesquisador vai procurando
tantavivamente
identificar temas e relações, construindo
interpretações e gerando novas questões e/ou aperfeiçoando as
anteriores, o que, por sua vez, o leva a buscar novos dados,
complementares
ou mais específicos, que testem
suas
interpretações, num processo de “sintonia fina” que vai até a análise
final.
No caso da presente pesquisa, à medida que os dados foram sendo
coletados, identificaram-se temas e relações, construíram-se interpretações e
geraram-se novas questões e/ou aperfeiçoaram-se as anteriores, o que guiou a
pesquisa à urgência de novos dados, complementares ou mais específicos.
O referencial teórico deste trabalho permitiu destacar dimensões e categorias
analíticas de análise, especificamente através da proposição da taxonomia de
barreiras atitudinais, delineada, por Lima (2000);
Lima e Lima (2005);
revisitada/ampliada por Lima e Tavares (2007); utilizada em pesquisa de mestrado
efetivada no PPGE/UFPE por Guedes, sob orientação de Lima (2007). (Cf. discutido
no primeiro capítulo desta dissertação).
A análise dos dados, esteada nessa taxonomia, foi, então, desenvolvida
durante toda a investigação, seguindo diretrizes fornecidas por Alves-Mazzotti e
244
Gewandsnadjer (1998) para a pesquisa documental, o que se deu por meio de
teorizações progressivas em um processo interativo com a coleta de dados.
Para a fundamentação da análise, além do uso da taxonomia de barreiras
atitudinais propriamente dita, valeu-se da teoria da análise do discurso, tendo na
primeira a fonte das categorias e na segunda a de procedimentos.
As categorias eleitas para este estudo foram as que abaixo se seguem, as
quais são definidas, sob a égide do discurso por trás do discurso, ou conforme Lima
(2003), do dito na fala de quem não diz. São elas: Barreira Atitudinal de
Substantivação, Barreira Atitudinal de Adjetivação ou Rotulação, Barreira Atitudinal
de Propagação, Barreiras Atitudinais de Estereótipos, Barreira Atitudinal de
Generalização,
Barreira
atitudinal
de
Padronização,
Barreira
Atitudinal
de
Particularização, Barreira Atitudinal de Rejeição, Barreira Atitudinal de Negação,
Barreira Atitudinal de Ignorância, Barreira Atitudinal de Medo, Barreira Atitudinal de
Baixa Expectativa ou Subestimação, Barreira Atitudinal de Inferiorização da
deficiência, Barreira Atitudinal de Menos Valia, Barreira Atitudinal de Adoração do
Herói ou
Superestimação, Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo, Barreira
atitudinal de Compensação; Barreira Atitudinal de Dó ou de Pena; Barreira Atitudinal
de Superproteção. (LIMA; TAVARES, 2007).
A partir da compreensão dessa taxonomia, o discurso das dissertações foi
analisado em seu funcionamento, como orienta Orlandi (2006). Em outras palavras,
cumprindo as orientações dessa autora, as seguintes etapas foram vivenciadas:
a) “em um primeiro passo da análise, tomou-se o material bruto linguístico
como tal (o corpus, os textos) e por um primeiro lance de análise procedeu-se à
de-superficialização desse material, sua de-sintagmatização” (Id., Ibid., p. 17), ou
seja a demarcação e o fichamento da análise de dados e das conclusões dos
trabalhos; o destaque das nomenclaturas utilizadas no todo das dissertações
para
fazer referência à
pessoa com deficiência.
Através desses
procedimentos, chegou-se ao objeto discursivo, o qual, consoante Orlandi (Ibid.)
“não corresponde ao material analisado, mas já resulta um passo da análise.
Nele já começamos a pressentir o desenho das formações discursivas que
presidem a organização do material”;
245
b) Em um segundo passo da análise, procurou-se no objeto discursivo ( o
discurso
das
dissertações
sobre
Educação
Especial
produzidas
no
PPGE/UFPE) determinar que relação este estabelece com as formações
ideológicas. Nesta etapa, após a releitura do todo das dissertações, foram
analisados os títulos e buscou-se
nos resumos, na análise das tendências
teóricas prevalecentes (percepção obtida a partir da análise dos referenciais
teóricos e das referências dos trabalhos), na análise da área ou linha de
pesquisa
em que os trabalhos estavam situados (dado obtido a partir da
leitura dos editais de mestrado, do currículo lattes de
pesquisadores); no contexto do uso de designações
orientadores e dos
utilizadas para
fazer
referencias às pessoas com deficiência. Através desses procedimentos, tem-se,
pois a chegada ao processo discursivo, ou seja, o trânsito do material bruto da
análise ao objeto discursivo e deste ao processo discursivo;
c) Chega-se então a mais um estágio, o qual é explicitado por Orlandi
(Ibid., p. 17):
Após conhecer o processo discursivo podemos dispensar o material
da análise inicial, pois estaremos de posse do funcionamento
discursivo que pode ser generalizado para outros conjuntos de
materiais, outros textos. O processo discursivo é definido por
M.Pêcheux (1975) como sistema de relações de substituição,
paráfrases, sinonímias etc. que funcionam entre elementos
linguísticos – significantes – em uma formação discursiva dada.
Ou seja, nesse estágio foram utilizados os fichamentos em que as barreiras
atitudinais apareciam no discurso, foram construídas tabelas com as designações
utilizadas para fazer referência a pessoa com deficiência e tabelas para o registro do
levantamento de autores e documentos que mais substantivamente fundamentaram
os trabalhos. Todo esse material foi analisado sob a égide da teoria da inclusão e do
estudo das barreiras atitudinais, nas ponderações considera-se, pois, não apenas a
memória, o sujeito e o contexto dos discursos, mas o que deles emana na
materialização das palavras, nas frestas discursivas, no funcionamento do discurso.
É nessa dialética entre o dito e o não dito que, no próximo capítulo, discorrese sobre como os discursos científicos produzidos no PPGE/UFPE apresentam a
trajetória das barreiras sociais e as contribuições da Universidade no processo de
inclusão social/educacional da pessoa com deficiência.
246
Capítulo 6
O itinerário das barreiras atitudinais:
um registro nas dissertações do
PPGE/UFPE
“Só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade
de uma desestruturação-reestruturação de redes e trajetos:
todo discurso [inclusive o científico] é o índice potencial de
uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação,
na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito
dessas filiações e um trabalho (...) de deslocamento no seu
espaço”. (PÊCHEUX, 1997, p. 56).
O discurso científico, através da relação entre a ordem do real da língua
(neste caso situado na construção do gênero dissertação de mestrado) e do real da
história (os interdiscursos), filia-se e/ou desloca-se ideologicamente, engendrando
atitudes, incitando a construção de realidades. Será que esse movimento, no caso
das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE, espelha as possibilidades de na
desestruturação-reestruturação de redes e trajetos promover laços entre o lócus da
ciência
e
o
campo
humanizadas/includentes
social
ou
com
esse
vistas
itinerário
a
construir
revela,
na
realidades
materialização
mais
da
linguagem/nos interdiscursos, a cristalização de obstáculos sociais?
Nesta linha de debate, é mister relembrar que desde a mais remota história
do gênero humano, os obstáculos sociais estão presentes, cristalizando-se,
nutrindo-se nas relações humanas, através do discurso, de ações e de atitudes que
foram se perpetuando e consolidando mecanismos de exclusão.
O discurso, como fio condutor de expressão de valores, ideologias,
sentimentos, intenções e compreensões tem atuado na base cognitiva das ações e
das atitudes, servindo ao propósito de fornecer um padrão mental para a leitura, a
aceitação ou a rejeição da diversidade humana.
Este capítulo, a partir destas reflexões,
discurso científico são
busca explicitar como através do
produzidos sentidos, são sustentados mecanismos
247
ideológicos, modelos de compreensão que são responsáveis pelo fortalecimento e
difusão de barreiras atitudinais praticadas contra as pessoas com deficiência.
A análise discursiva, realizada na presente dissertação, estea-se, entre outros
estudos, nos trabalhos de Orlandi (1987; 1990; 1992; 1995; 1996;1998; 2000; 2001;
2006), os quais são comunicantes com a Escola Francesa de Análise de Discurso
(PÊCHEUX,1983;1990;1997), e na conceituação e taxonomia das barreiras
atitudinais, explicitadas na literatura de Lima (2000a); Lima (2000b); Lima (2006);
Lima; Lima; Moura (2003); Guedes (2007); Lima & Tavares (2007); Lima (2008);
Lima; Guedes; Guedes (2009); Lima (2011).
Para Orlandi (op. cit.), compreender o texto é relacionar os distintos modos de
significação que nele se conformam, reconhecendo tais modos como o resultado da
história dos sujeitos e dos sentidos impostos a eles no ato de produzir e serem
produzidos pelo discurso, o qual está situado num movimento social.
Esse
movimento é, pois, constituído por práticas discursivas por meio das quais os
sujeitos constroem suas identidades e aqueles sentidos adquirem unidade,
significado e validez.
É nessa linha de compreensão que aqueles estudiosos têm buscado delinear
o conceito e a taxonomia das barreiras atitudinais. Ou seja, eles analisam como, no
funcionamento do discurso e nas interações sociais, orbitam os elementos que
fazem surgir, disseminam, fortalecem as barreiras atitudinais ou, quiçá, contribuem
para a eliminação delas.
Em outras palavras, os pesquisadores atuam sob o entendimento de que,
conjugando significado e validez, as representações sociais e o poder do simbólico
estão presentes no discurso, consolidam compreensões e atitudes diante da pessoa
com deficiência. Nesse sentido, o discurso, mormente o produzido na academia,
alcançando o lugar de reconhecimento e valoração, pode servir à manutenção das
barreiras atitudinais, a elas dar origem ou ainda difundi-las, incitando atitudes
danosas ao processo de escolarização da pessoa com deficiência.
Destarte, vale destacar que as pesquisas em Educação Especial/ Educação
Inclusiva e o discurso científico resultante delas trazem o registro da historicidade,
248
contribuições, avanços e retrocessos da sociedade no que concerne à prática ou à
eliminação das barreiras atitudinais.
É, pois, sob essa percepção que se analisa, a seguir, o discurso das cinco
dissertações de mestrado produzidas no PPGE/UFPE, no período de 1978 a 2002,
as quais discorrem sobre Educação Especial.
Neste percurso de análise, considera-se que não é de hoje que o sistema de
ensino regular nutre barreiras atitudinais praticadas contra os alunos que não se
enquadram no rigoroso sistema estabelecido nas unidades escolares.
Em
consequência a este processo, sustenta-se o quadro de evasão e/ou de reprovação
vivenciado na escola brasileira, de modo substantivo a partir da década de 70, fato
investigado pela Universidade Federal de Pernambuco a partir de 1978,
principalmente através de trabalhos como o de Inalda Bacelar, construído quase dez
anos após a constituição do PPGE/UFPE.
Bacelar, em sua dissertação “Educação para Todos: a prática e o discurso”,
sob orientação da professora Iracema Pires Ferreira, não menciona especificamente
o processo de Educação Especial/Educação Inclusiva que se delineava no Brasil no
período, contudo, o título e a tônica do trabalho demonstram um despertar da
Universidade
para a necessidade de se pesquisar sobre a Educação em
Pernambuco, no que diz respeito “à efetivação da obrigatoriedade do ensino, ao
caráter ilusório da escola
para todos e a
função ideológica da legislação do
ensino”. Obviamente, quando a pesquisadora fala na “educação para Todos”, nesse
“Todos” insere-se as pessoas com deficiência, sujeitos a quem a educação deve ser
ofertada em razão de constituir um direito humano, fundamental, indisponível,
assegurado pela legislação nacional.
A autora ressalta, contudo, as contradições do discurso legislativo e a prática
da educação para Todos: “o discurso oficial, ao proclamar o direito de todos à
educação, na prática, nega esse direito para uma parcela da população”.
(BACELAR, 1988, p. 1).
Marquezam (2009) tonifica essa assertiva ao afirmar que a legislação
inscreve, historica e ideologicamente, as posições do sujeito; isto é, demarca um
território de possibilidades, de limites, de onde o sujeito vai/pode significar.
249
Atenta às contradições sustentadas no hiato entre o discurso oficial e a
prática educacional, Bacelar (1987) discute
[...] o desempenho, em termos dos resultados quantitativos, do
sistema educacional de Pernambuco, quanto ao cumprimento da
obrigatoriedade escolar, nos períodos 1964/71 e 1978/85, sob a
vigência das Leis 4024/61 e 5692/71, respectivamente. (Ibid., p.2)
O trabalho mostra que “a expansão escolar foi um fato, tanto num período,
como no outro; entretanto, que ao lado dela, também se expandiram os mecanismos
de excludência”. (Id.,Ibid.)
Esses mecanismos, segundo a autora, excluem antecipadamente uma
parcela da população, quando não, a exclusão se dá no início do ingresso no
sistema escolar. Bacelar observa que
[...] aqueles que mais sofrem essa ação são as crianças provenientes
das camadas populares, que ao ingressarem na escola encontram
barreiras que as levam a acreditar antecipadamente no seu fracasso
escolar (Ibid., p. 1).
Em outro trabalho dissertativo produzido no PPGE/UFPE três anos depois, a
autora, Ester Rosa, corrobora essa afirmativa ao analisar que algumas crianças
provenientes das camadas populares eram, em Pernambuco, encaminhadas para o
setor de diagnóstico e rotuladas como clientela da educação especial. Traduz-se
desse processo que a manutenção da excludência na escola gera a demanda da
educação especial e mantém o transcurso da profecia, da autorrealização, da
hegemonia, de interesses particulares em detrimento do direito das crianças a uma
educação de qualidade e para todos.
Para explicitar os fatores que vivificam esse procedimento, Bacelar (Ibid.)
menciona um documento construído pelo Ministério da Educação e Cultura:
“Educação para Todos: um caminho para a mudança” (1985), no qual se publica a
situação de escolarização interrompida ou a má formação vivenciada no Brasil.
Consoante a autora, o MEC demonstra então que a evasão, a repetência e a
formação inadequada dos professores permanecem tornando inviável o direito de
todos à educação.
Bacelar (1987) afirma que para que tais condições sejam modificadas é
necessário que a forma de operar da escola seja tecnicamente adequada às
250
características das crianças e que as lacunas na formação do professor sejam
urgentemente preenchidas.
A autora caracteriza a competência que deveria ser
assegurada nesta formação como:
[...] o domínio adequado do saber escolar a ser transmitido,
juntamente com a habilidade de organizar e transmitir esse saber de
modo a garantir que ele seja efetivamente apropriado pelo aluno. Em
segundo lugar, uma visão relativamente integrada e articulada dos
aspectos relevantes mais imediatos de sua própria prática (...). Em
terceiro, uma compreensão das relações entre o preparo técnico que
recebeu, a organização da escola e os resultados de sua ação. Em
quarto, uma relação mais ampla das relações entre a escola e a
sociedade. (MELLO, 1982, p. 15 apud BACELAR, 1988, p.32).
A carência de competências como essas na formação do professor faz valer
critérios subjetivos de avaliação das crianças, assim, é a padronização, a
generalização, a inferiorização e, por vezes, a menos valia, os procedimentos
atitudinais que partindo do professor, cuja formação é deficitária, provocarão a
evasão, a repetência e o surgimento de outro sistema de ensino para que se possa
efetivar o caráter seletivo e até higienizante da escola, ao distinguir, classificar,
rotular, separar bons e fracos, aptos e inaptos, eficientes e deficientes.
Quanto àqueles elementos, enumerados pelo MEC como constitutivos dos
impedimentos à educação para todos, Bacelar (Ibid., p. 34) esclarece:
Em seu conjunto, ou seja, a oferta insuficiente, o rendimento interno
do sistema escolar e a discriminação social formam a barreira para
que a educação não se efetive como um direito de todos.
Constatados tais obstáculos, é necessário afirmar que não se deve
admitir a perpetuação dos mesmos, visto que o próprio povo sofre os
efeitos de tais medidas, revela condições para superá-los, enquanto
força a expansão do ensino.
Depreende-se desta assertiva que a discriminação social, ao mesmo tempo
elemento motriz e resultante de barreiras atitudinais, pode ser compreendida como
base para os outros dois fatores. Assim, entende-se que a discriminação é uma
fonte que impulsiona uma educação insuficiente, por vezes, ineficiente, inadequada,
distante da realidade vivenciada pelos alunos e, em consequência, impulsiona a
fragilidade no rendimento interno do sistema escolar, ambos os fatores são
constitutivos do critério basilar da educação especial, uma educação pensada para
quem não correspondia aos subjetivos padrões de normalidade e de produtividade
ditados pela sociedade.
251
Um caminho para que os profissionais da educação possam amainar os
prejuízos decorrentes desse processo é “insistir na efetivação do direito de todos à
educação, traduzindo esse direito no acesso e permanência na escola, de todos,
sem discriminação de qualquer natureza”. (BACELAR, 1988, p. 34). Essa tarefa é,
então, “necessária àqueles que trabalham na área educacional e acreditam na
importância da educação para a participação do homem na sociedade em que se
insere”. (Id.Ibid.).
A tônica de defesa da promoção da acessibilidade para fazer valer o direito de
todos à educação é acolhida pela autora ao longo da dissertação, o que se traduz
dessa postura é que a pesquisa se incorpora à luta dos que vêm denunciando que
esse direito, por vezes, permanece no plano dos ideais, tornando o espírito da lei
palavra morta. Bacelar (Ibid., p. 25) defende:
O não acesso de todos à educação espelha a desigualdade sócioeconômica, no entanto, mesmo numa sociedade desigual, postula-se
que a escola tem um espaço próprio e que dele todos têm o direito
de auferir seus benefícios.
O direito igualitário ao acesso à educação é assegurado, como discutido no
segundo capítulo do presente trabalho, em documentos legais, contudo, a
universalização do ensino, por vezes, não se concretiza em razão do discurso
explícito ser diferente do real, ou seja, proclamar uma coisa, enquanto deseja e visa
a outra. (SEVERINO, 1986 apud BACELAR, 1987).
Uma forma de prejuízo aos alunos, decorrente da contradição entre o que o
discurso legislativo apregoa e a efetivação, pode ser verificada, segundo Bacelar
(Ibid.), no desempenho insatisfatório do professor junto aos alunos. Esse baixo
desempenho, segundo a autora, pode ocorrer por motivos vários que deságuam
nesta problemática: primeiro o fato de que a expansão escolar implicou
necessariamente na maior absorção de professores; segundo porque esses
professores demonstraram preparo inadequado para lidar com alunos provenientes
das camadas populares; terceiro, porque
[...] o processo legalmente previsto para admissão no setor público é
o do concurso público e este foi nas duas últimas décadas, relegado
dando lugar a uma política clientelista, através da qual o ingresso do
professor se fazia. Outro fator importante, na questão do professor,
é o nível de marginalização que esse segmento sofre em relação ao
252
aspecto salarial, o que poderá ser um dos indicadores do
desestímulo à atividade docente. (Id.Ibid., p. 74)
Hoje se pode acrescentar a essa enumeração de fatores a formação
aligeirada, descontextualizada e com fins a atender tão somente as necessidades
imediatas do mercado de trabalho. Esse pode ser um elemento tonificador dos
mecanismos de excludência, sinalizados por Bacelar (Ibid.), os quais evitam a
transformação da escola e a oferta da educação para todos.
Consoante a autora, para que a educação para todos seja uma realidade é
necessário mais que a legislação, é preciso que a mudança ocorra
[...] a partir das próprias condições internas da escola e da vontade
política de todos os agentes escolares, através de um compromisso
em torná-la de fato, um direito de todos. Mesmo reconhecendo-se a
força dos determinantes sócio-econômicos (sic), acredita-se na
democratização do ensino e esta deve estar ligada ao esforço de
democratização da própria sociedade. (Id., Ibid., p. 82).
A vontade política atrelada à consciência inclusiva e inclusivista, à
compreensão de que a educação é direito inalienável de todos é um fator singular
que pode emanar da, na e para a coletividade os elementos contributivos a
erradicação das barreiras atitudinais, a exemplo da compreensão da diversidade
humana como algo natural, inevitável, imprescindível, constitutivo da comunidade
humana.
É desse lugar de respeito ao gênero humano, à pessoa com deficiência como
cidadã que Ester Calland de Sousa Rosa realiza no PPGE/UFPE, sob orientação da
professora Silke Weber, o primeiro estudo específico sobre o tema Educação
Especial.
Na dissertação intitulada “Aluno portador de Deficiência: problema médicopedagógico ou conquista de cidadania? A Educação Especial em Pernambuco”
(1990), Rosa comenta a intervenção estatal, no âmbito da educação especial,
definida politicamente na década de 80. Pernambuco foi o estado escolhido pela
pesquisadora para a efetivação do estudo de caso. Esse estado foi selecionado por
ser “pioneiro no atendimento educacional do portador de deficiência e contar com
uma rede estadual de educação especial compatível com as diretrizes propostas
nacionalmente”. (ROSA, 1990, p. 7).
253
A pesquisadora procura compreender o papel dessa modalidade de ensino
para a escola pública e para o debate sobre os direitos educacionais das pessoas
com deficiência. Questiona se os avanços observados na política de educação
especial referentes ao “atendimento dos direitos sociais do portador de deficiência,
resultantes de conquistas de sua organização, na prática, permitiram a superação do
modelo médico tradicional”. (Ibid.)
O fio discursivo dessa dissertação retoma questões apresentadas/ refletidas
no trabalho de Bacelar (1987): a excludência, a evasão, a avaliação subjetiva de
potencialidades dos alunos, a formação deficitária do professor, o preconceito, a
discriminação contra crianças das camadas populares e suas famílias e , ainda, traz
à discussão os mecanismos de rejeição, classificação, rotulação de crianças com
deficiência.
Mais uma vez, em pesquisa realizada no PPGE/UFPE, analisa-se as fissuras
da escola para todos e os obstáculos subjetivos, metodológicos, científicos, do
senso comum que estão na gênese dos impeditivos ao acesso igualitário e
equitativo à educação.
O trabalho de Ester Rosa é um relevante passo que traz de modo vívido,
consciente, coerente as contribuições das pesquisas efetivadas neste Programa
para que se perceba as barreiras atitudinais que podem se fazer presentes na
formação e no exercício do docente. A autora denuncia os efeitos da prática do
modelo
médico-pedagógico,
dos
danos
causados
pela
perspectiva
de
institucionalização que gerou e tem munido diversas barreiras atitudinais na escola.
Tais impeditivos podem ser percebidos a partir das formas discursivas que a
sociedade utilizava para se referir à pessoa com deficiência.
Muitas dessas
nomenclaturas, mencionadas na dissertação em análise, demonstram a visão que
se tinha das pessoas com deficiência: anormais, indigentes, idiotas, imbecis, débeis
etc. Essas substantivações/adjetivações remontam os princípios do atendimento
higienista, os quais
[...] pretendiam penetrar nos interstícios da escola, na sua
organização espacial, nas relações entre seus membros e até na
determinação de estratégias pedagógicas, a fim de garantir
254
condições para a formação de uma juventude hígida e instruída.
(ROSA, 1990, p.230).
Nesse contexto, é, pois, relevante recordar que o período higienista ao qual a
autora se refere, fortemente vivenciado na segunda metade do século XIX, tinha
como foco de atenção o controle de epidemias, a promoção da saúde pública. A
deficiência era, então, compreendida como doença, mal, “chaga”, um problema
inerente à pessoa. Por essa razão, não se tinha nenhuma preocupação com
intervenções pedagógicas destinadas às crianças com deficiência. O diagnóstico e
os testes de QI (Quoeficiente de inteligência) forneciam os subsídios necessários
para se apartar as crianças em diferentes níveis de normalidade e, em
consequência, situá-las em unidades escolares compatíveis ao resultado desse
subjetivo e nocivo processo, sustentado pela Psicologia, pela Medicina, pela
Pedagogia e pelo senso comum.
É, então, nesse decurso que o médico assume o papel de cientista que
demarca na escola a separação das crianças “normais” das “anormais”; a
medicalização da educação obtém fontes seguras; proteger os membros da
sociedade hígida das “anormalidades” era o objetivo perseguido e executado através
da ação de triangular etiologia, prognóstico e a escolha do tratamento.
É por esta orientação que o serviço de diagnóstico parece pautar-se,
na tentativa de estabelecer relações de causa-e-efeito entre fatores
patógenos e aparecimento de sintomas, fazer predições e “curar”,
especialmente a partir de interpretações psicológicas para
comportamentos inadaptados à escola. Tal modelo, no entanto, não
é exatamente o que se espera de práticas eminentemente
pedagógicas, ou seja, voltadas para o desenvolvimento de
potencialidades, o que leva a pensar num distanciamento dos
objetivos de serviços de diagnóstico e do que se pretende
normalmente em instituições de ensino. Assim, “o setor saúde
incorpora a educação, aplicando-lhe seu raciocínio clínico tradicional,
privilegiando relações causais lineares e explicações fisiopatológicas”
tendo como resultado mais gritante, a “medicalização do fracasso
escolar” (COLLARES e MOYSÉS, 1985, p. 10). Isto considerando
que o motivo de encaminhamento para o diagnóstico está, muito
frequentemente, associado a dificuldades de aprendizagem do aluno,
acompanhadas do histórico escolar com várias repetências,
realidade para a qual se busca causas e soluções médicas, em nível
organicista ou psicológico e individual. (ROSA, 1990, p, 217).
É perceptível que nesse processo a medicalização da educação e a
pedagogização da atuação médica são resultantes das lacunas presentes na
formação profissional ofertada na época; uma formação cujas fragilidades
255
implicaram numa prática laboral contributiva aos mecanismos de excludência e de
fracasso escolar, através da
construção de
diagnósticos
imprecisos e
determinantes das potencialidades da clientela atendida na escola.
A respeito desse transcurso, Rosa elucida:
Esse processo [o da medicalização do fracasso escolar] parece
relacionar-se com o tipo de formação tanto de profissionais da área
de saúde (que não se especializa nos conhecimentos de
características das crianças em idade escolar, e de possíveis
anomalias), quanto de educadores (que não tem contato com
questões elementares de saúde). Em consequência, pode-se supor
que “ambos se tornam extremamente receptivos à difusão de
conceitos médicos em seus aspectos mais simplistas, despidos de
toda a controvérsia existente na literatura médica, contribuindo,
assim para isentar de responsabilidade sobre o fracasso escolar e,
ao mesmo tempo, dar conotação “educativa” a serviços de
assistência médica e social, supostamente serviços de acesso
público sob gerência do Estado. Assim como é possível falar numa
perspectiva de medicalização da relação pedagógica, a ação médica
também assume caráter pedagógico, ‘a partir da tentativa de
estruturação simbólica, para toda a sociedade, das representações
de saúde e doença’ elaborados cientificamente e que acabam por
‘regular a vida privada, em particular dos estratos sociais inferiores’
(DONNANGELLO, 1979, p. 43) ao determinar como normais e
universalmente válidos , padrões de conduta típicos de apenas
algumas camadas da população. ( Ibid., 1990, p, 217).
A família e a escola, como partes constitutivas dessa estrutura, foram se
tornando objetos do movimento higienista e, consequentemente, contribuíram com a
manutenção de barreiras atitudinais quando ratificavam, cooperavam para que se
percebessem na criança os desvios e os limites salientados no atendimento médico.
Essa perspectiva consolidou a ideia de que a educação e a aprendizagem
eram homogêneas. Logo, a sistematização de uma escola baseada nesse princípio
resultaria no êxito de uma postura racional, planejada, produtiva e principalmente
eugênica, que poderia lograr lucros ao sistema capitalista. A educação especial, sob
essa atmosfera, deveria cumprir a meta de educar e “normalizar” a pessoa com
deficiência tornando-a apta a conviver com os outros e a produzir.
Consoante Lima (2006, p. 61), normalizar é ato que exprime interesses e
mecanismos de excludência manifestos através de uma “sincronicidade histórica,
regional, social etc”. A normalização é, portanto, algo virtual, arbitrário que se faz
presente na gênese das barreiras atitudinais. Nas palavras desse autor,
256
Considerar-se normal é considerar a existência de outros, cujos
atributos diferem dos que você elegeu para a normalidade, ao fazêlo, promoveu a exclusão dos que desses atributos não partilham, ou
apenas não são considerados capazes de partilhar .(Id., Ibid.).
A
prática
discricionária
da
normalização
servia
para
avalizar
o
encaminhamento do aluno com deficiência à educação especial. Rosa (1990, p.
223) comenta que uma estratégia comum empregada pela equipe médicopedagógica era a de “buscar uma normalidade familiar à semelhança da
normalidade individual esperada do comportamento do aluno”.
A autora reflete sobre essas situações que, fundadas no modelo médicopedagógico, sedimentam barreiras atitudinais e distanciam a educação da tônica do
direito.
A pesquisadora, mencionando as palavras de Ulisses Pernambucano
(1918), traz uma conceituação de ensino especial que se atualiza ao refletir alguns
dos preceitos da educação/escola inclusiva configurada como aquela que
[...] seja “livre e individual”, afastada de disciplina sistemática e de
regimes severos, nada de regras fixas para ensino de tal ou qual
matéria, nada de quietude obrigatória” pelo contrário, “liberdade,
exercícios físicos, trabalho intelectual frequentemente interrompido”,
já que “ cada inteligência tem seu aspecto próprio deve ter ensino
relativo. (MELLO, 1918 apud ROSA, 1990, p.115-116).
Esse conceito de escola especial expresso por Ulisses Pernambucano destoa
dos princípios básicos da Educação Especial, a saber, consoante Martins (2006, p.
25), “a normalização e a integração”, os quais fundaram a compreensão de que a
criança tinha de se adaptar às exigências escolares. Portanto, a escola descrita e
defendida por Ulisses apresentava bases inclusivistas, pressupunha prática
pedagógica aportada na historicidade dos alunos, na individualidade, na liberdade
de criação e de expressão, nas inteligências e potencialidades múltiplas. Em outros
termos, implicava
[...] a prática [de] conhecer no outro (pessoa com deficiência ou não)
o potencial para aprender e a capacidade de ser. Isso significa
quebrar tabus em relação à pessoa com deficiência, implica em pôr
por terra barreiras atitudinais; pressupõe um novo modo de ser e
viver, sob valores éticos sociais e humanos. Pressupõe viver na
cooperação, na parceria, no respeito e, por que não no amor. (LIMA,
2006, p. 64).
Rosa (1990), ao refletir sobre a educação ofertada à pessoa com deficiência,
considera a educação especial como produto de condições sociais concretas, e não
257
como decorrência inevitável da existência de “indivíduos portadores de deficiência”
(Id., Ibid., p.116).
Tais condições são refletidas nos resultados da pesquisa em
comento:
[...] há alunos especiais que não estão em classes especiais ou
escola especial por não ser constatada deficiência física, sensorial ou
mental que intervenha no seu aprendizado escolar, mas por
apresentarem inadaptação à escola regular são tomados apenas
secundariamente como aluno, sendo interpretada a sua inadaptação
como doença, levando à prescrição de “tratamento pedagógico”
efetuado por agentes de saúde da rede especial de ensino”. ( Id.,
Ibid.).
Desse processo denunciado por Rosa (1990), percebe-se que a inadaptação
sempre recai sobre o aluno e nunca sobre a escola. Esse procedimento foi
identificado pela pesquisadora ao analisar que a orientação para que se alterasse o
ambiente escolar
[...] só apareceu em dois dos trinta casos examinados, o que parece
estar relacionado com expectativas geradas em torno da identidade
de deficiência no aluno testado e só em último caso associadas
circunstancialmente à situação escolar onde foram detectadas.
Mesmo quando é sugerida alteração no ambiente escolar, esta é
referida ao relacionamento interpessoal professor-aluno e não à
didática ou condições ambientais necessárias à aprendizagem, o que
traduz, novamente, uma visão “psicológica” da inadaptação escolar.
(ROSA, 1990, p. 218).
Traduz-se desse fato que a percepção e a avaliação do professor acerca dos
desvios da conduta esperada é um passaporte para que se perceba o aluno como
um típico “doente”, que precisa ser encaminhado para “tratamento pedagógico” e
não mais deve retornar a sala de origem.
[...] a expectativa após o encaminhamento da professora, é que o
aluno não retorne à classe de origem, sendo inclusive “mal visto” o
reenvio à sala comum, porque aparentemente não foi cumprido o
papel de diagnosticar e recomendar respectivos tratamentos,
confirmando, assim a patologia suspeitada.
Isto provavelmente
porque o prognóstico a respeito destes alunos precede a avaliação
diagnóstica, que é solicitada, possivelmente, mais com caráter de
confirmação científica para o conhecimento empírico da professora no
que diz respeito à “deficiência” de seu aluno. [...] Em alguns casos,
também segundo informação de técnicos do diagnóstico, o
encaminhamento é para que haja uma mudança de sala, já prevendo
que haverá rejeição por parte da professora, que resiste ao retorno do
aluno testado. Na realidade esta possível expectativa da professora
tem respaldo legal na Resolução nº15/78 do CEE-PE, que considera
“evidente ser deficiente o aluno que apresenta inadaptação escolar,
258
recomendando a avaliação médica e psicológica sempre que o
professor julgue conveniente”. (Id. Ibid.p. 220)
O diagnóstico era, portanto, construído de modo arbitrário, unidirecional,
esteado na delimitação do desvio que se define por fatores sociais, legais,
educacionais, políticos, pelo julgamento científico etc. Destarte, a relatividade das
normas de julgamento para que se avalize e se agrupe os alunos com deficiência
não pode ser desconsiderada, pois tal relativismo cumpre o ritual de manutenção de
barreiras atitudinais quando o rótulo de deficiente serve de máscara para se justificar
o porquê da sustentação de dois sistemas educacionais: o regular e o especial,
legitimados por determinações médico-pedagógicas.
Rosa
(Ibid.)
acredita
que
a
educação
especial
pode
funcionar
satisfatoriamente, contudo, questiona esse percurso de construção do diagnóstico.
Para a autora, ao que parece, era necessário o diagnóstico preciso, bem feito,
adequado, pois assim seria ofertado o melhor tratamento aos alunos com
deficiência.
Na perspectiva da educação inclusiva, o diagnóstico coerente é reconhecido
como contributivo ao atendimento educacional dos alunos. Consoante Lima (2009,
p. 196),
O conhecimento do diagnóstico deve ser para o benefício do aluno e,
certamente, não para o rotular/classificar em algum protocolo.
Quando pensamos em Inclusão Educacional, portanto, o diagnóstico
que a família nos traz de seus filhos é a deixa para que possamos
melhor educá-los e não para justificar nossa atitude de ‘não fazer’.
Esse autor alerta para que se perceba e se erradique os danos causados pelo
pseudo-diagnóstico construído sob o modelo médico-pedagógico, o qual nutre os
mecanismos de fracasso escolar e de excludência.
A tentativa de a escola rotular seus alunos, usando de um pseudo
diagnóstico para sustentar a repetência (hoje se diz retenção) da
criança em séries anteriores, nada mais é que uma forma grosseira de
discriminação por razão de deficiência, tanto quanto o é, quando a
escola quer restringir o número de alunos com deficiência numa sala
de aula. (Id., Ibid., 195)
A restrição do número de alunos em sala de aula é a restrição de direitos
garantidos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988). Fato que demonstra que a
hegemonia perversa da prática das barreiras atitudinais enfraquece o espírito da lei.
259
Atualmente, muitas escolas ainda se baseiam no diagnóstico unilateral e
mantêm práticas como essas sob o argumento de que se está fazendo o melhor
para a pessoa com deficiência. Lima (Ibid., p. 195) observa que
[...] muitas escolas que se dizem inclusivas usam desse subterfúgio,
valendo-se de um golpe baixo chamado de ‘é melhor para a criança’,
aqui travestido pela alegação de que se houverem muitos alunos com
deficiência numa sala, esta se torna sala especial e não inclusiva.
Depreende-se, portanto, que muitas escolas, travestidas do discurso
inclusivista, têm gerado, difundido, tonificado barreiras atitudinais e, nesse percurso,
o diagnóstico, ainda construído sob lentes subjetivas, tem servido de elemento
motriz ao processo de excludência.
Através da literatura de Rosa (1990) é possível compreender que essa prática
tem raízes longínquas e envolve a comunidade extra e intraescolar; possibilita o
atendimento de causas pessoais ou familiares quando torna a medicalização a
alternativa para que se explique, ou melhor, se justifique a evasão, a repetência de
uma considerável parcela que não se enquadra na fôrma imposta pela escola e
sustentada pelo modelo médico-pedagógico.
A predominância de alunos testados em processo de psicoterapia
individual e o fato de que poucos dos alunos que passam pelo
serviço de diagnóstico conseguem sair dele sem nenhuma
recomendação de tratamento leva a supor que ali se estabeleçam
formas de patologização de queixas de professores das séries
iniciais do ensino regular quanto à inadaptação escolar, em
detrimento da prestação de serviços especializados eminentemente
voltados ao atendimento de direitos do portador de deficiência a
padrões educacionais e de saúde semelhantes à população em
geral. Os poucos casos para os quais se recomenda reforço
pedagógico ou alterações no ambiente escolar também reforçam o
argumento de que os testados no serviço de diagnóstico tem na sua
escolarização uma preocupação apenas secundária, ou no máximo,
deverá ser atendido nalguma das formas convencionais de educação
especial (predominantemente em classes especiais). Além disso, a
pouca praticidade na escolha dos cursos profissionalizantes
oferecidos na própria instituição de diagnóstico e tratamento também
corrobora a interpretação de que o serviço não se volta, de fato, à
criação de condições efetivas de disputa igualitária do portador de
deficiência no mercado de trabalho, sendo o trabalho encarado
também como “terapia” para a anormalidade e não como direito de
cidadãos. (ROSA, 1990, p. 213).
Em outras palavras, consoante a autora, o prognóstico já estava estabelecido
no momento em que o aluno era admitido no serviço de diagnóstico. Assim, o ato de
260
encaminhar
alunos
para
a
educação
especial
emerge
como
uma
ação
estrategicamente coordenada, como resultado de uma negociação fundada em uma
racionalidade cognitivo-instrumental, técnica, que surge e persiste na definição de
objetos e processos escolares (FROES, 2007), os quais se sustentavam num fazer
pedagógico padronizado, numa avaliação meritocrática e punitiva que, encontrando
abrigo
na
institucionalização,
apregoava
que
os
insucessos,
retrocessos,
inadaptações na escola eram decorrentes de “doenças”, de “deficiências” do aluno.
Assim, quem não se ajustava à massa dos bem adaptados e úteis ao sistema
deveria compor uma escola, uma classe apartada do todo concebido, pela
sociedade, como homogêneo.
O aluno especial parece figurar aí como um representante legítimo
da “doença”, e que precisa ter seu comportamento disciplinado
através da “instauração de um método , e, para dizer melhor, de um
discurso que permite constituir como fatos elementos que, sem
ele, permaneceriam puramente contingentes, inessenciais. Tal
discurso torna-se normativo na medida em que “implica que ele
tenha sansão , a sanção terapêutica , que autoriza seu agente
(individual ou institucional) a uma ação reguladora do comportamento
“desviante” da norma de saúde. (ROSA, 1990, p.98).
Nesse processo, a barreira atitudinal de rejeição encontra campo fértil para
fortalecer-se na recusa do professor por não querer ou não saber promover em sua
sala de aula a educação para todos. No caso da segunda situação, estaria o
professor agindo sob o manto da barreira atitudinal da ignorância. Para erradicar
essa e outras barreiras, Rosa (Ibid.) indica como caminho promissor o fornecimento
de informações positivas acerca da pessoa com deficiência:
Além do âmbito governamental, a possibilidade de veiculação dos
conteúdos deste debate nos meios de comunicação de massa
parece refletir um novo estágio de participação e conscientização,
extrapolando a ação intraescolar, como ocorreu, por exemplo, na
Semana Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência, de 21 a 28 de
agosto, de 1988, que contou com o apoio de todas as emissoras de
rádio sediadas no Recife, “as quais cederam espaços nas suas
respectivas programações, para que o assunto seja debatido e
consequentemente chegue ao conhecimento da sociedade. (Diário
de Pernambuco, Domingo, 21/08/1988, p. 11 apud ROSA, 1990, p.
156).
A autora, além de reconhecer que é papel da mídia, como elemento
fomentador de atitudes, participar amplamente da difusão de informações coerentes
e positivas em relação à pessoa com deficiência, reconhece que falar e vivenciar a
261
inclusão é algo que deve extrapolar o espaço educativo e alcançar a sociedade
como um todo, pois ambas, sociedade e escola, se retroalimentam, uma é reflexo
e resultado da outra.
Obviamente, nesse trajeto, as comunidades intra e extraescolar devem
reconhecer e advogar que o empenho para que a conscientização da sociedade e a
participação das pessoas com deficiência ocorram não deve ser unilateral. Contudo,
uma questão emana da reflexão proposta por essa pesquisadora: como modificar o
quadro de responsabilidade unilateral das pessoas com deficiência, no que concerne
a educação para todos, se o esforço dessas pessoas era o exclusivo caminho
salientado nos cursos de formação?
A possibilidade de viver “normalmente” é proposta a partir de esforço
praticamente unilateral por parte do portador de deficiência, proposta
semelhante à orientação seguida nos cursos oferecidos ao pessoal
técnico e professores de educação especial no Estado de
Pernambuco quando se enfatiza o “esforço próprio” do portador de
deficiência como elemento fundamental de sua escolarização já que
por sua natureza ele seria resistente ao “processo educativo normal”,
apoiada, por sua vez, no princípio da normalização estabelecido
como uma das diretrizes da política nacional [...]. (Id. Ibid., p. 148).
O equivocado entendimento de que a pessoa com deficiência tem “uma
natureza resistente ao processo educativo normal” nutre a barreira atitudinal de
particularização ao passo em que se entende erroneamente que todos os alunos
com
deficiência
apresentam
um
caráter,
temperamento,
comportamento,
dificuldades que os fazem “resistentes” ou menos capazes de experienciar a
educação regular.
Outra situação de prática de barreira atitudinal é percebida e denunciada pela
autora, ao analisar materiais elaborados pelo Departamento de Educação Especial
de Pernambuco, especificamente produzidos no ano de 1986. Os folhetos orientam
pais de crianças com deficiência visual ou auditiva a lidar com as singularidades dos
filhos; tem-se então um discurso que surge vinculado à barreira atitudinal de
generalização, uma vez que as crianças são homogeneizadas a partir da deficiência.
Essa barreira social pode conduzir os pais, destinatários desses textos, a praticar a
barreira atitudinal de padronização, ao buscarem efetuar ações educativas baseadas
no discurso generalizante.
compreensão de que
Imbricada a esse processo pode ainda surgir a
crianças com deficiência tem uma “natureza”, um modo
262
específico de agir, diverso do utilizado por outras crianças sem deficiência (barreira
atitudinal de particularização).
O enlace desses três tipos de barreiras atitudinais pode conduzir a ações
semelhantes às vivenciadas durante o fim do século XIX e início do século XX: a
criação e a manutenção da
[...] teoria dos dois espaços ou das duas casas, onde as crianças são
consideradas normais ou portadoras de excepcionalidade e a
educação, por sua vez, se ajustava a um modelo comum ou
segregado, combinando com um agrupamento homogêneo de
educandos. (MARTINS, 2002, p. 23).
Refletir sobre essa questão é, pois, retraçar a linha naturalista dos
movimentos higienistas e eugenistas fortemente vivenciados nesse período e que
ressoam até os dias atuais. Tais movimentos tiveram no instrumental da Medicina,
da Psicologia e da então delineada Pedagogia o esquadrinhamento e classificação
de indivíduos em “sãos” ou “doentes”, o que incitou a equivocada compreensão da
deficiência como continente ou sinônimo de doença.
A medicalização torna-se, pois, o cerne do pensamento higienista e da ação
eugênica, ambos envolvidos no objetivo de formar uma nação hígida, contribuíram
para dar sustentação “a diferentes formas de encaminhamentos das instituições
brasileiras, no caso, circunscrevendo a discussão às questões sociais no Brasil”
(BOARINI, YAMAMOTO, 2004, p.3).
Nessa linha, é importante destacar que os movimentos higienista e eugenista
se aproximaram tanto que o segundo tornou-se componente do primeiro. Boarini e
Yamamoto (Ibid., p.5), citando Renato Kehl (1935, p. 46), trazem a discriminação
desses termos:
(...) a higiene, por exemplo, procura melhorar as condições do meio e
as individuais, para tornar os homens em melhor estado físico, a
eugenia, intermediária entre a higiene social e a medicina prática,
favorecendo os fatores sociais de tendência seletiva, se esforça pelo
constante e progressivo multiplicar de indivíduos “bem dotados” ou
eugenizados.
A escola, sob influencia desses movimentos deveria ser “higienizada” e, na
atuação dela, o corpo estaria no foco de tratamento e atenção. Logo, “a infância - e
263
a sua entrada na escola - era apontada como o momento ideal para a criação de
hábitos que possibilitariam a ‘higienização’ dos indivíduos” (Id. Ibid.).
A higienização na escola consistia na separação das crianças em razão de
deficiência, ou seja, a deficiência, uma vez compreendida como doença, justificava a
ação segregativa. A eugenia defendia a relação entre pares hígidos para que se
produzisse mais e melhor, consoante os ideiais de força, beleza, intelectualidade e
manufatura.
Boarini e Yamamoto (2004, p. 2) ratificam que é nos limites tênues
[...] entre Educação/Psicologia/Saúde que as idéias higienista e
eugenista encontram seu elixir da juventude. A título de ilustração,
diríamos que é fato corriqueiro para o psicólogo, sobretudo o que
atua nos serviços de Saúde Mental da Saúde Pública, receber uma
grande demanda aos seus serviços oriunda da escola com a queixa
de “problemas de aprendizagem” ou “problemas de disciplina”.
Detalhe interessante a destacar é que, antes mesmo da avaliação do
aluno pelo profissional da saúde ou até antes do encaminhamento à
saúde, a queixa do mau rendimento escolar já tem sua explicação: “o
aluno é assim porque tem muito piolho e o piolho dá anemia”; ou
“são crianças que nascem de ventre podre” ou “porque os pais são
separados”, ou “porque o pai bebe”, ou “porque mora na periferia”
etc.
Situações como essas são fontes de vivificação das barreiras atitudinais, pois
a higienização e a eugenia justificam a segregação, situam as dificuldades, as
lacunas, os problemas, os insucessos no individual, mitificando as razões do
fracasso escolar e da excludência.
Rosa (1990, p.147-148) traz esse processo à reflexão ao analisar trechos dos
folhetos em comento:
[...] Aspectos como “birra” são atribuídos à “ natureza da deficiência”,
que leva a criança com déficit auditivo, por exemplo, a sentir-se
frustrada com facilidade por não ouvir e entender o que os outros
dizem”, recomendando-se como estratégia de controle se “o seu
filho está irritado”: “ não o segure, não o engane, não o adule, não
perca a calma, não o ameace”. A solução apresentada quando “
seu filho tiver uma atividade inadequada em público” é que “ o
melhor caminho
é o de casa” (Secretaria de Educação de
Pernambuco. Diretoria de Serviços Educacionais. Departamento de
Educação. Divisão
de Educação Especial. Guia de Pais –
Deficientes auditivos, 1986, 15-16) [...] Aqui é possível identificar
semelhanças com a proposta
higienista, já
mencionada, de
educação de pessoas portadoras de deficiência num clima de
264
“liberalidade” e de respeito às diferenças individuais como se essas
questões fossem relativas à singularidade deste grupo e não
princípios gerais de educação de crianças.
A partir da análise do discurso presente nesses folhetos e em outros
documentos construídos e publicados pelo MEC, a autora considera que a política
educacional tornou-se palco de contradições, cuja ambiguidade discursiva reforça a
exclusão. Para a pesquisadora, falar sobre a educação especial é refletir sobre as
fragilidades da escola como um todo.
[...] o estudo desse específico da escola, diz respeito à própria escola
e ao ensino regular. Sabendo que a forma atual de conceber e
praticar a educação especial é oficialmente dirigida por uma política
nacional que supostamente norteia a prática, pode-se concluir que,
no que diz respeito à política, ela é reforçadora das deficiências,
devido ao próprio entendimento de que necessidades especiais
implicam na separação entre os espaços educacionais “normais” e
“especiais” ou patológicos, como se queira. Com isso são criadas
condições artificiais de aprendizagem e de convivência, onde só os
iguais podem estar juntos. Integração é entendida dentro desses
limites, sendo a própria estruturação institucional desvinculada da
educação “comum”. Mesmo quando se fala que há limites na escola
que dificultam a integração do portador de deficiência, essa
“denuncia” não é suficiente para que se proponham mudanças neste
ensino, tratando como questão individual, uma problemática
eminentemente social. (ROSA, 1990, p. 237).
Quando, portanto, a pesquisadora afirma que a política é reforçadora das
deficiências, compreende-se que “as condições superficiais de aprendizagem e de
convivência”, funcionando como elementos potencializadores das limitações
advindas da deficiência e impostas pela sociedade, conduzem a pessoa com
deficiência a uma situação de dependência demasiada, de menos valia, de
estagnação de potencialidades. A autora ratifica: “não se pode tratar como questão
individual uma problemática eminentemente social”. Logo, depreende-se que toda a
sociedade deve ser colaboradora para que se erradiquem os impeditivos à
efetivação de uma escola de qualidade de, para e com todas as pessoas.
Rosa (1990), esteando-se no texto “Os deficientes: perguntas e respostas”,
publicado em 1988 pela Secretaria de Educação de Pernambuco, numa ação
conjunta do Departamento de Ensino e a Divisão de Educação Especial, reconhece
que os recuos identificados em situações como, por exemplo, a de se
responsabilizar
a
pessoa
com
deficiência pelo insucesso, inadequação
sistema são resultantes de incoerências, de barreiras visíveis e invisíveis:
ao
265
[...] o princípio da normalização conforme é definido como princípio
da política nacional, já que se propõe a convivência com a diferença,
com a eliminação de barreiras “visíveis e invisíveis” e não o esforço
apenas do portador de deficiência em adequar-se às condições
“normais” de vida. (Ibid., p. 164-165).
A autora, ainda tomando como referência o documento supramencionado, de
autoria do MEC, afirma que dentre os procedimentos para que se modifique esse
quadro de manutenção de barreiras e o desrespeito ao direito à educação é
emergencial que se conceba e se pratique ações como
[...] ‘participação em iniciativas que levem à divulgação correta dos
problemas das pessoas deficientes e à eliminação dos preconceitos’,
‘incentivo às pessoas deficientes a se organizarem, e lutarem, por
seus direitos’, ‘trabalho junto às iniciativas comunitárias,
governamentais e privadas para que não discriminem as pessoas
deficientes’ e ‘denuncia e
conscientização dos meios de
comunicação que veiculam imagens distorcidas das pessoas
deficientes’, além de se considerar a contribuição dos educadores,
através do ‘fornecimento de informações corretas sobre as mesmas
e sobre
suas necessidades’, devendo ser dado aos alunos
deficientes ‘tratamento
igual aos demais alunos, auxiliando-os
quando necessário, como se auxiliaria qualquer outro, estimulando
a sua independência e integração’. ( ROSA, 1990, p. 164-165).
A não efetivação dessas ações nutre e revela discursos e posturas que
alimentam as barreiras invisíveis contra todos aqueles considerados pertencentes à
massa dos deficientes, dos infecundos, dos inadaptáveis e dos improdutivos. A
manutenção dessa condição sobreposta à pessoa com deficiência e a todos os que
são vistos pela sociedade como destoantes do padrão é um elemento que está na
essência da educação especial.
[...] a educação especial no Brasil tem se caracterizado como
processo de conquista de escola por parte do portador de deficiência,
na medida em que logra superar concepções de invalidez,
anormalidade e excepcionalidade. Mesmo assim, parece persistir a
concepção de educação especial como espaço de aglutinação dos
“diferentes” e desviantes na escola e não exclusivamente do portador
de deficiência, levando, como consequência, à negação de
escolarização universal, justificada como decorrência natural de
diferenças biológico-psicológicas. (Id.,Ibid., p. 96).
Assim, além dos alunos com deficiência e/ou dificuldade de aprendizagem
eram encaminhados para a educação especial todos aqueles que, sofrendo
preconceito de classe, tinham o comportamento avaliado como “agressivo”,
“antissocial”, “inadaptável”. Logo, os alunos que se recusassem a serem moldados,
igualados, pressionados, punidos, rebaixados, amedrontados constituíam público
266
certo para a educação segregada. Tudo em nome da arbitrariedade com que se
estabeleciam “critérios de avaliação da deficiência” (Ibid., p.94) e esses, segundo a
autora, serviam para que se praticasse a educação especial
[...] como um “beneficio” e não como um direito adquirido,
englobando como clientela, além de portadores de deficiência,
alunos desviantes em termos comportamentais ou com dificuldades
de aprendizagem preferencialmente tratados através de programas
de reforço psicopedagógico ou psicoterapêutico. (ROSA, 1990, p.
99).
Os professores poderiam encontrar na psicologia os subsídios para confirmar
suas suspeitas da anormalidade do aluno. O que vem a comprovar que na trajetória
das barreiras atitudinais a ciência também colaborou, e por vezes ainda coopera,
com rituais que as perpetuam.
De acordo com Rosa (Ibid.), todos os alunos encaminhados à escola especial
precisavam ter seus sinais de “evidente excepcionalidade” reconhecidos por
médicos e/ou psicólogos, a partir de queixas eminentemente pedagógicas como
inadaptação ao currículo e aos métodos da classe comum.
Ou seja, questões
pedagógicas poderiam ser resolvidas por profissionais da área da saúde, cujo
campo de ação restringia-se agora ao aluno e não mais ao ambiente escolar como
definiam os higienistas.
O peso conferido ao CEESP [Centro de Educação Especial] na
determinação de quem são os alunos especiais da escola, e o que
fazer deles, respaldado no suposto saber médico ali instituído parece
contribuir para que se focalizem apenas características do aluno
examinado, e não da situação escolar como elementos de
diagnóstico. Questões pedagógicas como por exemplo, o que fazer
para garantir a aprendizagem de alunos que diferem da média ,
não parecem caber
neste viés de análise, talvez porque a
preocupação central continue sendo “garantir a marcha geral”,
como pressuposto décadas antes , e não experimentar inovações
pedagógicas adequadas às diferenças individuais.
As diferenças individuais do portador de deficiência são então
referidas como obstáculos à aprendizagem [...] (Id. Ibid, p. 135-136).
Na verdade, as referências às “diferenças individuais” dos alunos com
deficiência
assumiam
a
forma
de
barreira
atitudinal
de
adjetivação,
de
substantivação, de rejeição, de particularização praticadas todas as vezes em que,
no espaço educativo,
esses alunos eram
rotulados, estigmatizados, recusados
explicitamente em razão da deficiência , ou numa situação não menos nociva, a
267
sociedade, utilizando-se da leitura equivocada dessas “diferenças individuais” ,
culpabilizava os alunos pelo fracasso escolar e praticava danosas formas de
rejeição, expressas em atitudes de descaso e de invisibilidade.
Em
outras
palavras,
sob
essa
atmosfera,
a
preocupação
com
a
acessibilidade, o desenho universal da educação, os processos e os procedimentos
pedagógicos, a superação das barreiras invisíveis referidas em vários documentos
legais e o como lidar com a diversidade das crianças não compunham o foco do
trabalho, era unânime a compreensão, como dito anteriormente, de que apenas as
características do aluno diagnosticado eram os obstáculos à “marcha geral” do
processo educativo.
Para combater essa educação em que a sociedade renunciava (renuncia) o
singular, as características individuais e nutria (nutre) estereótipos, padronizações,
generalizações e excludência, a autora sugere que no atendimento médicopedagógico os profissionais devem:
[...] tirar o sintoma do centro do processo diagnóstico e passar a lidar
com o aluno especial como sujeito com potencialidades e
possibilidades de crescimento. O deslocamento seria, portanto, da
identificação do que o aluno não tem para o que fazer para mudar a
situação em que ele se encontra [...] (Id. , Ibid., p. 222).
Nesse sentido, é relevante perceber que emana das palavras da autora a
crença nas potencialidades das pessoas com deficiência e, ainda, nas contribuições
que podem advir delas para que se projete e se efetive uma nova escola, respeitosa
as idiossincrasias de todos e ao direito de cidadania. Essa compreensão é ratificada
quando, mais adiante, a pesquisadora afirma que para que sejam superadas as
situações de excludência na escola é necessário: “[...] a progressiva participação de
deficientes e de instâncias não governamentais de interesse público, no
estabelecimento de diretrizes e práticas [...]”. (ROSA, 1990, p. 235).
A participação das pessoas com deficiência na construção de diretrizes e de
práticas inclusivistas é indicada por Rosa (Ibid.) como algo emergente e relevante.
Na verdade, a autora construiu uma percepção e texto vanguardista acerca de um
princípio inegociável para todos os que estão engajados no discurso e prática
inclusivista: a efetiva participação das pessoas com deficiência, o “Nada de nós sem
nós”, tema escolhido pela ONU (Organização das Nações Unidas) para as reflexões
268
propostas em 2004, na ocasião do 12º ano de celebração do dia internacional das
pessoas com deficiência.
Esse preceito pode ser compreendido não apenas como instrumento que
possibilita a efetivação de processos democráticos que se reproduzem nas
instituições administrativas, políticas e judiciárias, mas também como
[...] mecanismo ou dispositivo que compõe cada etapa do processo
de socialização e inclusão das pessoas. Assim, não se cria espaços
para garantir a participação; a participação é que resultou na criação
de espaços e assim a participação é um componente e não um
produto. (SANTOS, 2011, p. 2).
A participação é um componente da inclusão social/educacional das pessoas
com deficiência. Ele contribui para que se erradique o processo instituído
socialmente de invisibilização, de negação do exercício da cidadania dessas
pessoas em todas as instâncias.
A pesquisadora Rosa (1990) além de defender esse princípio includente , nas
conclusões do estudo que realizara, traz mais uma indicação de caminho
contributivo à erradicação das barreiras invisíveis. De um lado ela apresenta que
historicamente a deficiência era compreendida como “falha” ou como algo “anormal”.
De outro, a partir da percepção de que essas conceituações são inadequadas,
prenhes de barreiras sociais, a autora propõe que se entenda a deficiência como
característica natural, comum, existente, presente na pessoa humana.
Essa percepção possibilita que se pense na emergência de uma educação
em que se acolha o singular na escuta, na atenção, nas atitudes e
concomitantemente se tenha o universal como princípio norteador, articulado a
individualidade. Possibilita ainda que se reflita sobre como aquela percepção da
deficiência enquanto “falha” contribuiu para a manutenção de práticas segregadoras
as quais, por seu turno, também geraram e foram guiadas por um corpo teóricoconceitual que pressupunha uma série de métodos especiais para pessoas com
“déficits”.
A despeito de já terem sido todos aqueles elementos apresentados,
denunciados, refletidos por Rosa (1990), enquanto fatores mantenedores das
269
barreiras atitudinais, em outra pesquisa efetivada no PPGE/UFPE, em 1996, o
processo de manutenção de tais fatores é constatado.
Tem-se agora as políticas sociais, especificamente as de educação, em
análise orientada pela professora Maria Wanderley Neves e efetivada por Tânia M.
O. Nery, na pesquisa: “Ser diferente numa sociedade massificada: um estudo sobre
a política de integração do portador de deficiência”.
Nesse percurso de investigação, a autora parte da relação entre capitalismo
monopolista e políticas sociais, especificamente políticas de educação, para
compreender o processo de conquista da cidadania vivenciado pela pessoa com
deficiência no período que se estende do final do século XIX a 1998.
O objeto de
estudo é
[...] a política de educação do portador de deficiência – cego, surdo,
deficiente mental e deficiente físico – correspondente a cada fase de
desdobramento do processo de modernização capitalista no Brasil e
no mundo até 1989, momento tomado como corte para finalizar a
análise, uma vez que, no caso da sociedade brasileira, nesse ano,
consolidando lutas anteriores, é sancionada a Lei nº 7.853, que
‘dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social’, e sobretudo, à mesma época, com a promulgação
da Constituição de 1988, novas relações sociais começam a se
estabelecer a partir da implantação do projeto neoliberal, em 1990.
(NERY, 1996, p. 16).
Para ampliar o campo de estudo, a autora analisa a “documentação
governamental e não-governamental dentro de cada bloco histórico no mundo e no
Brasil” (Id.,Ibid.).
E para completar as informações, realiza “entrevistas com
representantes de entidades governamentais e líderes de associações de
portadores de deficiência” (Id., Ibid.).
Na dissertação em comento, corroborando a percepção de Rosa (1990), a
autora afirma que, em nome da “marcha geral” e da produtividade, a interação de
crianças com deficiência era vista como obstáculo a aprendizagem de seus pares
ditos normais.
No fim do século XIX e início do século XX, na etapa inicial do
capitalismo monopolista, o enfoque europeu e americano, na defesa
da educação do deficiente em escolas e salas próprias, se dava em
nome da ‘ordem e progresso’, tendo em vista evitar a germinação de
criminosos e desajustados de toda espécie, bem como justificava-se
270
em função da criança normal, pois acreditava-se que a convivência
com os deficientes atrapalharia o seu desenvolvimento. Este
discurso se insere no movimento pró-infância, contra o perigo da
vagabundagem das ruas, que os predisporia ao crime, ao roubo, etc.
(NERY, 1996, p. 29).
Percebe-se, nesse extrato, que a escola, em oposição à função que ela
deveria assumir: a de promotora da cidadania e do desenvolvimento da ciência, era
o lugar em que as barreiras atitudinais de subestimação, de rejeição, entre outras,
tonificavam-se, prejudicando as crianças e tolhendo das que tinham deficiência o
direito à igualdade de oportunidades nas experiências educativas. Esse processo
engendrava, portanto, mecanismos de excludência ao selecionar e situar os alunos
em lugares demarcados pela escola. Essa prática , segundo Santos (1917, p. 153
apud Nery, Ibid., p. 31), se fazia presente no discurso e nas ações seletivas
vivenciadas no Brasil:
Em 1917, está presente [...] a preocupação com a ordem, com um
trabalho que torne os anormais capazes de produzir de acordo com o
que socialmente é colocado como produtivo, isto é, para produzir
mercadorias, lucro. Daí a alegação de que os anormais não devem
ser parasitas. Todos devem ser aproveitados, em algum sentido,
devendo a escola selecioná-los para o seu devido lugar. (Grifos
nossos).
Nessa assertiva, há duas possibilidades de interpretação. A primeira é a de
que compete à escola “selecionar a pessoa para o seu devido lugar”, um lugar que
prime pela produção, que busque aproveitar as potencialidades de cada pessoa.
Essa percepção da potencialidade fragiliza aquela compreensão de que a pessoa
com deficiência é incapaz de colaborar com a produção de bens sócio-culturais. Em
outras palavras, o reconhecimento das potencialidades da pessoa com deficiência e
a busca pela oferta de serviços acessíveis que tornem possível o desenvolvimento
dessas são pilares da educação inclusiva.
A segunda possibilidade de tradução daquela afirmação consiste na
percepção de que a escola, como instituição reprodutora de interesses de classes,
assume uma postura eugênica, ao “selecionar os alunos para seus devidos lugares”.
Essa seleção optou pelo modelo de excluir a pessoa para um asilamento
institucional e incitou a manutenção da barreira atitudinal de segregação, de
rejeição, principalmente, quando a escola, sob a perspectiva do inatismo, do dom,
271
avalizava e rotulava as crianças como “doentes”, ”incapazes”, “típicas excepcionais”
antes mesmo do ingresso delas na escolarização.
Na leitura do documento, Nery (1996), esteada no discurso de Santos (1917
apud JANUZZI, 1985), ratifica essa compreensão. Logo, a autora não considera que
o P.E.E. de 1977 também apresenta conceitos e entendimentos que estão na
gênese da educação para todos, a exemplo, do reconhecimento de que as pessoas
com deficiência são capazes, têm seus dons e potencialidades, de que são
indivíduos produtivos a quem a escola deve ofertar a oportunidade e as condições
de produção do conhecimento e de outros bens.
As lentes com que nos idos de 1996 a autora leu/analisou o texto sinalizam,
portanto, a compreensão limitante da escola enquanto instituição avalizadora da
normalidade e deixam de reconhecer os avanços do discurso do MEC no que
concerne ao despertar da sociedade acerca das potencialidades da pessoa com
deficiência e da urgência em possibilitar que essas sejam desenvolvidas na escola e
em outros campos de produção.
A percepção de tais avanços é imprescindível para que se compreenda que a
educação inclusiva foi sendo tecida ao longo da história da educação, da percepção
dos fracassos escolares e da compreensão de que o acesso e a qualidade na
formação é direito de todos.
Essa tônica da educação enquanto direito constitucional pode ser percebida
no discurso e nas ações do MEC. O P.E.E. de 1977, por exemplo, surgiu para
atender aos debates em matéria de educação, consoante
nacional e internacional.
diretrizes dos planos
Já naquele período, o tratamento diferenciado para a
pessoa com deficiência para que se promovesse a igualdade de oportunidades
marcou um discurso que ao traçar uma atuação diferente para os profissionais da
educação quer assumir a tônica da cidadania:
[...] essa atuação é agora, encarada não apenas em termos de
ingresso no sistema educacional, mas de acesso a um tratamento
diferenciado adaptado às condições pessoais desses educandos, e
de ascensão até o grau de ensino mais elevado, compatível com
suas aptidões. (MEC, CENESP, 1977, p. 15 apud NERY, 1996, p.
82).
Mais adiante o documento acrescenta que
272
[...] igualdade de oportunidade, vista por este prisma, implica,
portanto, em oferecer a cada criança todas as possibilidades de
desenvolver plenamente seus dons pessoais, tais como se
apresentam no momento em que ela entra no circuito da educação
(Id., Ibid., p.82).
Nessa afirmação, o MEC novamente reconhece a pessoa com deficiência
como sujeito de potencialidades e, por outro lado, deixa a impressão de que o
professor faria o diagnóstico e trabalharia consoante o dom. Em outros termos,
depreende-se que há o respeito às habilidades do sujeito e que o professor seria o
profissional responsável por diagnosticar e dar as condições para que o aluno com
deficiência se desenvolvesse. É relevante, nesse contexto, a percepção de que no
Plano de 1977 há explicitamente a ênfase no potencial humano, no dom e no
reconhecimento de que existem necessidades pessoais que devem ser atendidas
para que se atinja a igualdade de oportunidades.
A propositura da igualdade de oportunidades e do respeito às idiossincrasias
dos alunos
[...] contempla a compreensão do diferente como elemento da
igualdade no Estado. Ao contrário do que significa idêntico (de
origem no idem), que remete ao mesmo, igual não é o antônimo de
diferente.
Logo, a diferença é conteúdo da igualdade, pois
pressupõe um processo que decorre da construção comparativa de
igualdade pela diversidade dos envolvidos, ou seja, só se pode
pleitear igualdade quem não é idêntico, quem traz o diverso para as
arenas políticas de ação democrática. (SANTOS, 2011, p. 8).
De acordo com esse autor (Ibid.), a tomada de consciência das diferenças
individuais pode desencadear reivindicações, uma nova ordem política em que a
diversidade reconhecida como elemento constitutivo do gênero humano representa
a força decisiva para o desenvolvimento de um projeto intercultural, inclusivista de
sociedade, no qual o dom de cada pessoa deve ser valorizado.
Essa perspectiva de valorização do dom e das potencialidades pode
apresentar outra face, mais meritocrática e, em consequência, ser responsável por
nutrir mecanismos de excludência. É sob essa ótica que Nery (1996, p.83) analisa
aquela afirmação do MEC:
Diante das argumentações apresentadas, duas observações
merecem ser feitas: primeiramente, o Plano considera como inatas
as aptidões humanas; e segundo, o Plano deixa transparecer uma
273
indução de perspectivas baixas em relação aos portadores de
deficiência enquanto possuidores de dons.
A análise realizada pela autora sinaliza a existência de contradições dos
planos e políticas educacionais, sugere que no P.E.E. de 1977 ocorre a
manutenção de barreiras atitudinais. Mas, não visualiza o que estava sendo
delineado no que se refere à educação para todos.
Em outros termos, o modo como Nery (Ibid.) analisa esse documento e
socializa, em sua dissertação, a percepção de contradições demonstra contribuições
de estudos realizados na Pós-graduação em Educação (UFPE) para que se
compreenda os obstáculos cristalizados na escola, no que concerne ao processo da
inclusão de todos. Mas, por outro lado, oferece uma leitura que não auxilia os
possíveis leitores do estudo a perceber o momento em que a tônica da educação
para todos vai surgindo nos documentos que regem a educação.
A análise efetivada pela autora explicita, no entanto, os obstáculos que
fizeram com que um significativo contingente de alunos advindos das camadas
populares fosse adjetivado como especial. De acordo com Nery (1996, p.83), como
consequência desse processo, a escola começou a oferecer
[...] uma educação compensatória, relacionando crianças carentes de
ordem social que, segundo esta linha de pensamento, por
conseguinte, apresentariam perturbações ora de ordem intelectual ou
linguística, ora de ordem afetiva, com crianças que precisam de
educação especial (métodos pedagógicos adequados).
A pesquisadora, assim como Bacelar (1988) e Rosa (1990), demonstra que o
diagnóstico era utilizado para segregar os alunos. O ensino especial, como
mantenedor desse processo, passou a ser o espaço em que os alunos,
responsáveis “pelo próprio fracasso” e “pela própria incapacidade”, foram sendo
agrupados. (NERY, 1996, p, 78).
Assim, a ideologia do dom, consoante a pesquisadora (Ibid.), estava
sedimentada no II Plano Setorial de Educação e Cultura (1975/79) e revela
subjetivos mecanismos de avaliação e de manutenção de obstáculos sociais. A
autora analisa que
O Plano enfatiza, nas suas avaliações, que a qualidade da educação
é variada por depender da capacidade de aprendizagem do aluno e
274
das possibilidades de a escola regular adequar seu desempenho a
essa capacidade. (Ibid., p. 78).
Essa competência de a escola se adequar ao aluno estava, segundo a autora,
na esfera do contraditório discurso do Plano e não na esfera da ação. Nas palavras
de Nery (Ibid., p.78-79), a breve referência à educação especial busca justificar a
contradição no P.E.E.
Nesse II Plano Setorial de Educação, a referência à educação
especial é muito superficial. Coloca-se como obstáculos ao seu
desenvolvimento a escassez de pessoal técnico qualificado e a não
existência de currículos adaptados às peculiaridades das diversas
categorias de excepcionais, em classes comuns. [...] O Plano não
leva em conta, enfim, que não adianta adaptar currículos se não se
garantir os meios, através de metodologia e material adequados,
para o processo de ensino-aprendizagem destes alunos. (Grifos
nossos).
A autora afirma que a educação especial, com seu currículo adaptado, não
estava sendo planejada e compreendida como a configuração de uma situação
educacional em que as metodologias diferenciadas assegurariam a igualdade de
oportunidades, garantida constitucionalmente. Consoante Nery (Ibid., p. 75), a
definição de educação especial registrada no Plano tinha presente a ideia de
[...] incapacidade dos ‘excepcionais’ ou, ainda, de sua
‘anormalidade’, em vez de considerar a sua diferença. Diferença
essa que requer, exceto no caso dos deficientes mentais mais
comprometidos, não uma adequação curricular, mas, sim, uma
metodologia e meios de comunicação que garantam o acesso a esse
currículo da escola regular. Evidencia-se portanto uma grande
contradição, dado que ao mesmo tempo em que os portadores
de deficiência são considerados cidadãos e trabalhadores, os
documentos se referem aos mesmos como “excepcionais” e,
além disso, consideram o seu comportamento afastado do ‘normal’
a ponto de requerer um currículo adaptado, ao invés de um
currículo regular. Parece óbvio que, se o currículo elaborado para as
escolas regulares é o necessário para o desenvolvimento pleno do
cidadão dirigente e trabalhador, ele é necessário, também, para
garantir o desenvolvimento pleno dos trabalhadores portadores de
deficiência. (Grifos nossos).
Depreende-se da análise realizada pela pesquisadora (Ibid.) que a
substantivação da pessoa com deficiência como “excepcional” em polarização a
“cidadãos trabalhadores” revela a carga estigmatizante, excludente que o tratamento
da pessoa como um todo deficiente pode ocasionar.
275
As “categorias de excepcionais”, mencionadas pela autora, é outro aspecto
que merece atenção, pois revela que aquele processo de substantivação/adjetivação
surge imbricado a outras barreiras atitudinais que resultam na inacessibilidade à
educação, à cultura, à efetivação equitativa de direitos.
Destarte, é relevante que se compreenda que o processo de categorização
das pessoas com deficiência conduzia a uma construção e efetivação fragilizada de
currículo. Esse processo revela que as barreiras atitudinais de baixa expectativa, de
inferiorização e de menos valia materializando-se em comparações entre alunos
com ou sem deficiência resultavam numa adaptação curricular pensada para o
grupo dos “incapazes”, dos “deficientes”.
É importante salientar que essa criação e recriação de “categorias de
excepcionais” indicam intenções que se situam em fatores de ordem econômica,
política, cultural e histórica e servem, obviamente, de força motriz para que as
barreiras atitudinais se tonifiquem e os mecanismos de excludência sejam mantidos.
Em outras palavras, o padrão de normalidade instituído pela sociedade e a
classificação hierarquizante de pessoas de acordo com essa padronização, fazem
com que a escola assuma um modo estigmatizado de perceber a deficiência como
diferença inferiorizante, deteriorante, maléfica, sinonímica de má sorte, de purgação
de pecados, de anormalidade.
Essa percepção da deficiência como “diferença”, quando se trata da
(re)categorização de pessoas com deficiência
está calcada
numa
perspectiva
qualitativa de valoração da pessoa humana e de suas potencialidades. Em outros
termos, a escola, ao (re)categorizar os alunos, coloca-os numa escala de mais ou
menos inteligentes, mais ou menos capazes, mais ou menos eficientes, mais ou
menos “normais”.
As barreiras atitudinais advindas ou nutridas nesse processo demarcam as
desvantagens e o descrédito experienciados pela pessoa com deficiência, no âmbito
das oportunidades formativas situadas nos “padrões de qualidade” aos quais o
Plano (1975/79) se refere.
276
Deve-se sublinhar, portanto, que aquele processo de percepção dos “níveis
de comprometimento mental” e os encaminhamentos pedagógicos esteiados nele
foram estudados em pesquisa realizada no PPGE/UFPE por Moreira em 1997; um
período em que se analisou o surgimento do discurso “cidadania-deficiência mental”,
sob a percepção de que a pessoa com deficiência estava contemplada mais na
esfera discursiva do que na da experiência de tais padrões de qualidade educacional
e de efetivação da cidadania.
Nery (1996), em sua dissertação, considera que a categorização era
fortalecida pela perspectiva higienista e sustentada pela prática do modelo médicopedagógico mantido pela precariedade de diagnósticos, que resultavam no
prenúncio de que várias crianças das camadas populares tinham “deficiência
mental”:
Pela precariedade dos diagnósticos utilizados para triagem de alunos
para classes especiais, muitas crianças de inteligência normal foram
confundidas com deficientes mentais e, por outro lado, o seu
encaminhamento para um tratamento especial não se traduziu na
utilização de recursos e metodologias que atendessem as suas
especificidades, o trabalho com os mesmos não diferiu daquele
realizado no ensino regular e não possibilitou, assim, que tais
crianças saíssem da situação em que se encontravam [...].
Duas explicações podem ser inferidas para a análise do fato: ou a
deficiência tem relação direta com a população atendida na rede
pública ou a rede pública ‘faz’ estes excepcionais em sua
relação com sua clientela. (NERY, 1996, p.70-71, grifos nossos).
É, pois, importante ressaltar que a análise feita por Nery (Ibid.) propõe que
como a escola pública brasileira tem sido composta predominantemente por
crianças, jovens e adultos das camadas sociais populares, as quais foram marcadas
por uma longa trajetória de excludência e de fracassos, comumente atribui-se a sua
clientela a “fatalidade da deficiência”.
Corroborando esta perspectiva, Cerignoni e Rodrigues (2005, p. 27-28)
enumeram fatores que constituem os motivos para que se tenha expressivo número
de pessoas com deficiência no Brasil, o que justificaria o entendimento inviesado
de uma relação inexorável entre pobreza, deficiência e fracasso escolar:
as guerras e suas consequências , e outras formas de
violência e destruição: a fome, a pobreza, as epidemias e os
grandes movimentos migratórios;
277
a elevada proporção de famílias carentes e com muitos filhos,
as habitações superpovoadas e insalubres, a falta de condições
de higiene;
as populações com elevada percentagem de analfabetismo e
falta de informação em matéria de serviços sociais, bem como
de medidas sanitárias e educacionais;
a falta de conhecimentos exatos sobre deficiências, suas
causas, modos de prevenção e reabilitação; isso inclui a
estigmatização , a discriminação e ideias errôneas sobre
as deficiências;
obstáculos, como
a falta
de recursos , as distâncias
geográficas e as barreiras sociais, que impedem que muitos
interessados se beneficiem dos serviços disponíveis;
a canalização desproporcional de recursos para serviços
altamente especializados, irrelevante para as necessidades da
maioria das pessoas que necessitam desse tipo de ajuda;
falta absoluta ou situação precária, dos serviços ligados à
assistência social, saneamento, saúde , educação, formação e
colocação profissionais;
o baixo
nível de prioridade concedido, no contexto do
desenvolvimento social e econômico, às atividades relacionadas
com a equiparação de oportunidades, a prevenção
de
deficiências e a sua reabilitação;
os acidentes na indústria, na agricultura e no trânsito, a poluição
e destruição do meio ambiente;
o estado de tensão e outros problemas psicossociais
decorrentes da passagem de uma sociedade tradicional para
uma sociedade moderna;
o uso indevido de medicamentos , e o uso ilícito de drogas
nocivas e estimulantes;
o tratamento incorreto dos feridos em momentos de acidentes;
fatores genéticos e doenças. (Grifos nossos).
Ao falar dos múltiplos aspectos que podem originar a deficiência, Nery (1996),
assim como os autores supramencionados, sinaliza que a falta de informação
engendra a discriminação, gera barreiras sociais e “produz deficiências”.
Para
ratificar essa assertiva, a pesquisadora cita um trecho da Resolução nº 37,
concebida pela ONU em 1982, na qual se explicita que os fatores que contribuem
para o aumento do contingente de pessoas com deficiência são:
[...] a falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas
causas, prevenção e tratamento; isso inclui a estigmatização, a
discriminação e ideias errôneas sobre deficiência; [...] obstáculos,
como falta de recursos, as distâncias geográficas e as barreiras
sociais, que impedem que muitos interessados se beneficiem dos
serviços disponíveis; [...]. (A RESOLUÇÃO Nº 37, SUPLEMENTO Nº
53, DA Assembléia Geral das Nações Unidas, em 13 de dezembro
de 1982 apud NERY, 1996, p. 48, grifos nossos).
278
Depreende-se das palavras desses três autores e do discurso da Resolução
nº 37 (ONU, 1982) que a deficiência surge não apenas em razão de impedimentos
congênitos ou adquiridos, nos aspectos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais,
mas na convergência e potencialização desses com a estigmatização, a
discriminação enfim, com as barreiras sociais vivenciadas pela pessoa com
deficiência. (Decreto Legislativo 186- 09/07/2008 – Decreto nº 6.949 – 25/08/2009 –
CDPC).
Assim, é relevante esclarecer que a relação que se faz, como indica Nery
(1996), da deficiência com a população atendida na escola pública, é, na verdade,
um contundente exemplo de efetivação de barreiras atitudinais, sustentadas pela
discriminação múltipla.
Quando, contudo, a pesquisadora sugere que se pense numa segunda
alternativa que justifique os mecanismos de excludência escolar mantidos pelo
modelo médico-pedagógico, ela propõe que se reflita se “a rede pública ‘faz’ estes
excepcionais em sua relação com sua clientela”, ou seja, a reflexão transita
necessariamente pela percepção da articulação entre a discriminação às classes
populares e o fracasso escolar.
Em outros termos, o processo instituído com o sentido de justificar a evasão,
a repetência e os insucessos da e na escola passa a restringir-se à averiguação de
quem são, na ótica da escola, “os deficientes”.
Esse movimento expressa
claramente momentos em que o senso comum e a ciência servem à manutenção de
barreiras atitudinais, à obstrução da efetivação de direitos.
A construção social da deficiência sustenta-se, pois, na ambivalência da
escola, posto que, as pessoas-alvo da justificativa do fracasso escolar são
recebedoras de um discurso e de uma prática aportados no princípio da igualdade, o
qual na práxis escolar é efetivado através do tratamento homogêneo que subordina
a pessoa à exaltação (barreira atitudinal de supervalorização) ou à ocultação de uma
de suas particularidades (barreira atitudinal de negação).
Esse processo de manutenção de barreiras atitudinais encontra eco no
âmbito laboral, em que pessoas com deficiência foram excluídas, por exemplo, nas
279
situações em que era necessário modificar os espaços ou formas de trabalho para
inseri-las. Nesse contexto, Nery (1996, p.33) observa que
[...] adaptar um trabalhador portador de deficiência sensorial, motora
ou mental requer adaptações nas formas de trabalho ou nos locais
de trabalho. Isso contribuiu para que, inicialmente, os portadores de
deficiência permanecem excluídos do processo de trabalho.
A exclusão das pessoas com deficiência nos espaços escolares, de
empregabilidade entre outros campos sociais contribuiu para que fosse criada a
Organização das Nações Unidas (ONU), na Conferência de São Francisco (1995).
Desde então, consoante Nery (Ibid., p.35), a ONU, objetivando combater o processo
de exclusão e ampliar a efetivação de direitos, vem sendo responsável por
pressionar os países
[...] quanto aos direitos humanos, direitos das crianças, direitos dos
Portadores de deficiência. E tem, também, contribuído no trabalho
de mudança na concepção de portador de deficiência, visto que a
maior dificuldade enfrentada por eles é o preconceito
disseminado a respeito das suas condições de desenvolvimento
enquanto ser produtor e criador. (Grifos nossos).
Em outras palavras, as barreiras atitudinais foram percebidas pela ONU e
indicadas pela pesquisadora como fortes entraves que prejudicam, deterioram a
dignidade, a autonomia, a independência, o empoderamento, a socialização, o
desenvolvimento de potencialidades, a produção social, cultural, política e
econômica da pessoa com deficiência.
É, pois, sob o manto da defesa dos direitos humanos, incitada pela ONU, que,
segundo Nery (Ibid.,p.35), a sociedade começa a repensar as atitudes sociais
geradas na tensão igualdade/diferença.
Nesse contexto, conforme a autora,
desponta a busca por atitudes positivas:
As atitudes positivas com relação aos portadores de deficiência, aos
loucos, as crianças carentes, embora não apareçam como reparação
de um erro histórico, aparecem associadas a um maior
questionamento e engrandecimento do conceito de DIREITOS
HUMANOS.
A pesquisadora, retomando o discurso apregoado pela ONU, ratifica que a
cidadania da pessoa com deficiência só será uma verdade quando os obstáculos
sociais forem removidos e as atitudes positivas estiverem, ao mesmo tempo, na
base e no cume das práticas sociais.
280
Dentre as atitudes positivas, a autora, ao referendar documentos construídos
pela Organização das
Nações
Unidas,
defende
a emergência
do tratar
diferentemente as pessoas para igualá-las em condições e em direitos:
No documento da ONU nº A/34/158, de 13 de junho de 1979, a ONU
propõe, como mudanças emergenciais necessárias com relação à
cidadania dos portadores de deficiência, que [...] as pessoas com
deficiência devem ter o mesmo direito que qualquer cidadão ao
beneficio de serviços prestados pelos Estados e Sociedades em
geral
a seus
cidadãos. Pessoas portadoras de deficiências
deveriam ser consideradas cidadãs comuns, com problemas
especiais, em vez de uma categoria especial de pessoas com
necessidades diferentes daquelas de outros cidadãos. “Plena
participação” deveria ser entendida como participação em todos os
aspectos da vida comunitária, em atividades políticas, econômicas,
sociais, culturais e esportivas. Assim, medidas que forem
necessárias para tornar essa participação possível deveriam ser
adotadas e colocadas em prática. Foi reconhecido que os
obstáculos mais detectados para a plena participação são as
barreiras físicas, os preconceitos, as atitudes discriminatórias e
que atividades devem ser desenvolvidas para ter esses
obstáculos removidos. Foi também reconhecido que a sociedade,
ao desenvolver seus ambientes modernos, tende a criar novas e
adicionais barreiras, a menos que requisitos de pessoas portadoras
de deficiência sejam levados em consideração nos estágios de
planejamento. (ONU, 1979 apud NERY, 1996, p. 43, grifos nossos).
A significação desse documento, incorporada ao contexto educacional, indica
e defende que a plena participação dos alunos com deficiência na escola está
vinculada a erradicação das barreiras sociais, as quais nulificam, entre outros
princípios inclusivistas, o tratar diferentemente os desiguais para igualá-los em
oportunidades.
Nery (Ibid.) cita aquele documento da ONU para relatar que as pessoas com
deficiência começaram a fazer conhecer seus pontos de vista aos que detinham o
poder de decisão. Logo, foi também a partir das contribuições da própria ONU que a
sociedade civil organizada começou a mudar o comportamento, a contribuir para a
eliminação daquelas barreiras.
Contudo, a ambivalência da sociedade continua tecendo na escola novas
categorias de “deficientes” e baseada na seletividade dos mais aptos faz surgir a
classificação “deficientes mentais periféricos ou leves”.
A partir desse ponto, o
discurso “cidadania-deficiência mental” se instala no Brasil e em Pernambuco tem-se
a pesquisa realizada por Fabiana Wanderley de Souza Moreira (1997) no
281
PPGE/UFPE, a qual traz o registro das contradições desse discurso germinado e
fortalecido em Pernambuco no final da década de 80 e início da de 90.
A pesquisa orientada pelo professor Flávio Brayner, intitulada “Expressões e
silêncios do discurso cidadania-deficiência mental - Uma abordagem históricodiscursiva do Plano Estadual de Educação – PE/ 1988-1991”, surge, então, aportada
ao eixo teórico do conceito de episteme de Michel Foucault, respaldado pelo
instrumental histórico-discursivo; e com o intento de “apreender os elementos
dinâmicos das políticas e das práticas discursivas sobre educação para portadores
de deficiência no Brasil” e de “retraçar o sentido da intervenção estatal no âmbito da
Educação Especial, com um enfoque na política definida nos anos 80,
especialmente em Pernambuco (1988-1991)”. (MOREIRA,1997, p. 7)
Fabiana Wanderley S. Moreira, sob a percepção do desencontro entre o
discurso da cidadania, respaldado institucionalmente, e a efetivação dos direitos
humanos que o conforma, constata que os indivíduos com deficiência intelectual são
colocados no bloco dos excluídos, junto a outros sujeitos cujas idiossincrasias de
natureza econômica, cultural e psicológica eram igualmente reduzidas, fazendo os
primeiros pertencentes à massa dos desabonados, dos marginalizados.
Essas evidências mobilizaram a autora a construir o instrumental de
abordagem do universo da pesquisa: “instituições e escola especial para portadores
de deficiência mental da cidade do Recife” (Id., Ibid., p.19 e p.108), situando
estritamente o estudo na realidade da Educação especial em Pernambuco, no
período da 2ª gestão de Arraes. Esse caminho sócio-político de construção do
cenário da pesquisa foi escolhido em razão do entendimento de que “[..] o discurso
governamental se filiava ao discurso da cidadania, o qual possuía características
especiais, ao criar a ideia dessa cidadania ser exercida por todos indistintamente”.
(MOREIRA, 1997, p. 109).
Em outros termos, a apreensão da intencionalidade do discurso político na
gestão de Arraes gerou, consoante a autora, “o interesse de saber se era possível e
de que forma integrar o D.M. no elenco dos excluídos, que podiam exercer
virtualmente uma cidadania real nos mesmos moldes de outros tipos de clientela.”
(Id., Ibid.).
282
A dissertação em estudo, construída sob a interrelação entre a Educação e a
Psicologia, coloca a escola autoritária e reprodutora de contradições sociais como
foco de análise, de pesquisa e de reflexão. Na efetivação concomitante desses três
processos, Moreira (Ibid., p.17) menciona o objetivo teórico-discursivo e empírico do
Plano de Educação do Estado de Pernambuco (Doravante, P.E.E./PE) de 19881991:
[...] a Política de Educação do Estado de Pernambuco, através do
Plano Estadual 1988-1991, propunha resgatar a cidadania como uma
de suas metas básicas e visualizava a Educação não só como
“espaço escolar”, mas como universo complexo de relações entre
os indivíduos. Nesse contexto, as ações eram direcionadas para
garantir o acesso da população a uma escola pública de qualidade,
como também investir na democratização dessa escola, por
reconhecê-la autoritária e reprodutora de contradições sociais, e
transformá-la num elemento constituinte dos direitos de cidadania,
extensivo aos portadores de deficiência. A operacionalização do
Plano contemplava a tríade família - comunidade - escola,
através de ações que promoviam a discussão em torno dos
direitos do indivíduo portador de deficiência, na tentativa de
melhor compreender e intervir na realidade. (Grifos nossos).
Depreende-se que esse Plano pretendia promover a construção de um
espaço educativo em que as atitudes, o universo complexo de relações humanas,
germinado e/ou acolhido na escola, estivesse sob o entendimento de que tais
relações geradas e tonificadas na interação família, comunidade e escola deveriam
conexar o princípio da cidadania.
Essa tríade mencionada no P.E.E./PE (1988-1991) coloca em primeiro foco a
família e a comunidade por serem essas instâncias as primeiras a contribuírem com
a formação identitária do aluno. A escola, como espaço promotor de atitudes
reflexivas, emancipatórias, políticas, surge como terceiro e último pilar. Colocados
lado a lado os componentes dessa tríade interatuam e situam-se na base da
inclusão social e educacional. (LIMA, 2009).
Na dissertação em análise, a autora discute como a família e a escola se
aproximaram da prática discursiva política que tentava articular cidadania e
“deficiência mental” e mostra como, em alguns momentos, tais instituições sociais
polarizaram-se a essa tônica, em razão de obstáculos sociais advindos da
manutenção do modelo médico-pedagógico. Acerca desse modelo, a pesquisadora
afirma:
283
No século passado, a partir da criação de institutos especializados
para D.M., as práticas discursivas receberam influência maciça de
um modelo médico/psicologizante, impregnado das concepções
de invalidez, anormalidade e excepcionalidade. Essa perspectiva
começou a cristalizar a concepção da educação especial como
espaço de aglutinação dos ‘diferentes’ e desviantes na escola e
trouxe como consequência a negação da escolarização universal,
justificada como decorrência natural de diferenças biológicopsicológicas. Dessa forma, a educação especial pode ser
considerada, em muitos momentos, como uma modalidade
pedagógica e de assistência a saúde. Junto com esse tipo de
prática, pode-se supor que é introduzido, nas escolas, o discurso
médico. Ele é construído numa complexa dinâmica econômica e
política na qual se expressam interesses e o poder de diversas
classes sociais e posto a serviço da estruturação simbólica,
extensiva a todo o sistema escolar, das representações de saúde e
de doença, delimitando os seus respectivos campos de
manifestação. O aluno especial parece figurar como
representante legítimo da ‘doença’ e que precisa ter seu
comportamento disciplinado através da instauração de um
método, e, para dizer melhor, de um discurso sobre a doença.
(MOREIRA, 1997, p. 106, grifos nossos).
A autora, ratificando compreensões registradas em outras dissertações aqui
analisadas, afirma que um dos prejuízos advindos do modelo médico-pedagógico é
a negação da escolarização universal.
Nesse contexto, a barreira atitudinal de
rejeição e o consequente processo de segregação escolar eram justificados em
nome das “diferenças naturais”, ou seja, do processo metonímico-social (o qual
sustenta barreiras atitudinais de substantivação e/ou de adjetivação) em que a
deficiência é compreendida como diferença inferiorizante/polarizante e assume
fórum de doença.
A aglutinação dos alunos com deficiência sustentava-se, pois, na ênfase à
perspectiva individual do fracasso escolar em que se elege, segundo Mcdermott
et.al. (1996) citados por Wanderley (2010, p. 66), “um grupo de aspectos individuais
(a mente, o cérebro, o estado emocional, as deficiências) para explicar a
performance do sujeito no meio escolar”. Esse processo engendrou barreiras
atitudinais de baixa expectativa, de inferiorização e de menos valia quando, segundo
essa autora, a educação oferecida àqueles alunos, sob uma perspectiva médica,
produziu desabilidades e impossibilidades, construindo, perversamente, o espaço, a
cultura, a educação para e dos “incapacitados”.
284
A fundação desse sistema de manutenção de uma classe de alunos
deficitários estava sob a análise dos dirigentes que atuaram na 2 ª gestão de
Arraes. Eles, a partir do P.E.E./PE (1988-1991), objetivavam que o professorado
“caminhasse no sentido de formar ‘consciências críticas’, rompendo com a prática
pedagógica que tentava normalizar o D.M., ou seja, tratar o desigual como se igual
fosse”. (MOREIRA, 1997, p. 183).
Na ótica da inclusão, o “tratar o desigual como igual” não significa negar a
deficiência, homogeneizar, padronizar pessoas, mas consiste em compreender que
a igualdade, na esfera político-institucional e jurídica, traduz-se em tratar
desigualmente os indivíduos para garantir a legítima e equitativa participação deles
na produção do direito, de modo que os destinatários se percebam como
protagonistas sociais (SANTOS, 2011). Nesse contexto, a Educação, ao priorizar a
formação da consciência crítica e a atuação político-social, precisa se desvencilhar
do legado de impossibilidades advindas do modelo médico-pedagógico e fixadas no
aluno com deficiência.
Esse legado tende a se esmaecer a partir da década de 80. Consoante
Moreira (1997), é nesse momento que o debate sobre a deficiência, situado
concomitantemente no campo médico, pedagógico e no campo político, vai tornar,
cada vez mais, a educação especial uma modalidade pedagógica “definida de
acordo com diretrizes de políticas educacionais e afastando-se, assim, da tradição
médica” (Id., Ibid., p. 107). O discurso político surge, então, como um elemento que
busca consolidar o espaço da cidadania para a pessoa com deficiência.
O discurso de que todos os cidadãos são iguais e, portanto, ninguém
deve ser excluído do convívio social foi uma ideia (sic) bastante
difundida na política educacional do governo Arraes, que pretendia
expandir a educação a todos os contingentes sociais excluídos. Esse
discurso foi abraçado pelos profissionais que atuavam na
educação especial desse período, mas não podemos dizer que
foi suficientemente capaz de extirpar a perpetuação dos
estigmas sociais que muitos desses profissionais continuavam
a reproduzir, à medida que diagnosticavam pela aparência (‘já
dava para ver’) e anunciavam que o D.M, não poderia aprender
(‘é um fenômeno um mongol aprender a ler’). Assim parece-nos
que nos mesmos mecanismos que produzem os estigmas
diferenciadores na sociedade produzem essa idéia de integração,
através do discurso de que ‘todos os cidadãos são iguais,
inclusive o deficiente mental’. (MOREIRA, 1997, p. 211, grifos
nossos).
285
O P.E.E. (1988-1991) sublinha, portanto, a necessidade de, através do
discurso que articula “cidadania e deficiência mental”, reconhecer as pessoas com
deficiência intelectual enquanto cidadãos, partícipes da sociedade, por exemplo, por
intermédio da profissionalização. Contudo, de acordo com a pesquisa efetivada por
Moreira (1997), este Plano não conseguiu mobilizar atitudes consonantes com o que
ele apregoava.
Vale destacar, então, que a tônica do discurso do P.E.E./PE (1988-1991)
“todos os cidadãos são iguais e, portanto, ninguém deve ser excluído do convívio
social” elege a igualdade de pessoas como mecanismo para “expandir a educação a
todos os contingentes sociais excluídos”.
Assim, a transformação social e educacional podem não ter sido alcançadas
porque a igualdade de pessoas e a igualdade entre as pessoas são constructos
distintos. O primeiro, ao supor que pessoas diferentes são idênticas, sugere o
apagamento de identidades, a homogeneização e polariza-se ao entendimento de
que
A consciência do direito de constituir uma identidade própria e do
reconhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à
igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades
diferenciadas (equidade), tantas quantas forem necessárias, com
vistas à busca da igualdade. (MEC/SEESP, 2001).
O segundo, situado na ótica da inclusão, sugere uma transformação social em
que a revolução consiste em entender que o fato das pessoas serem todas
diferentes é o que as torna igualmente humanas e detentoras de direitos. (LIMA,
2006). Como esclarece D’Adesky, (2003, p. 1)
Todos são considerados iguais em referência a qualidades
constitutivas da natureza humana como a razão, a responsabilidade
moral, a liberdade. Nesse sentido, a igualdade supõe que
consideremos as pessoas diferentes como equivalentes, mas não
forçosamente idênticas. De acordo com essa lógica, as
desigualdades de condição social existem, devendo ser eliminadas
ou corrigidas mediante um tratamento igualitário.
Esse tratamento igualitário para que seja real, tem que ser relativo, ou seja,
deve considerar que
[...] as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas e o
cumprimento da lei exige que a elas sejam garantidas as condições
apropriadas de atendimento às peculiaridades individuais, de forma
286
que todos possam usufruir as oportunidades existentes. Há que se
enfatizar aqui, que tratamento diferenciado não se refere à instituição
de privilégios, e sim, a disponibilização das condições exigidas, na
garantia da igualdade. (MEC/SEESP, 2004).
A igualdade é um elemento que esteve na centralidade das discussões sobre
cidadania propostas no P.E.E. (1988-1991). Moreira (1997) afirma que apesar do
discurso em prol desse tema ter sido bem aceito pelos profissionais que atuavam na
equipe dirigente da 2ª gestão Arraes, na equipe de triagem ou na equipe pedagógica
as atitudes continuavam ritualizando processos fortemente vivenciados sob a tônica
da compreensão médico-pedagógica. Esses processos, ancorados num diagnóstico
perverso e sem sentido, nutriram barreiras atitudinais de ignorância, de estereótipos,
de baixa expectativa, de inferiorização e de menos valia ao passo em que o
diagnóstico, ao anunciar a incapacidade dos alunos, avalizava-os como improdutivos
e impunha a condição de não cidadãos.
O desejo de marcar o estatuto da cidadania para a pessoa com deficiência é
revelado numa cuidadosa operação discursiva materializada no P.E.E. /PE(19881991), na qual o ressoar atitudinal de seus operadores evoca o tempo da
excludência, por vezes aludido de forma oblíqua, conferindo sentido e legitimidade à
história pessoal, marcada por estereótipos e por estigmas, os quais vêm constituir
obstáculos sociais. Falando do efeito desses obstáculos, Denari (2006, p. 209)
esclarece que
[...] são de caráter atitudinal, isto é, aqueles que dão corpo e forma à
visão preconceituosa e estereotipada das pessoas deficientes,
especialmente com deficiência mental, que implica na não integração
destas nos diversos contextos da comunidade onde devem ser
exercitados seus direitos e deveres enquanto cidadãos; e, ainda,
onde deve ser experienciada a sua realização pessoal; e, finalmente,
onde se deve exercer a responsabilidade individual num contexto
interindividual [...].
A respeito da cidadania das pessoas com deficiência intelectual, Moreira
(1997) diz que o paradoxo: a formação de um corpus discursivo político de
conhecimento sobre a cidadania é paralelo e não necessariamente oposto ao
passado de excludência, de condição sub-humana a que as pessoas com
deficiência intelectual foram submetidas.
287
Ao refletir sobre esse processo, Moreira (1997) abre um campo rico para que
se perceba as barreiras atitudinais materializadas no discurso do P.E.E./PE (19881991) e nas atitudes dos técnicos em educação especial, dos médicos, da equipe de
triagem, do professorado, dos pais, de integrantes de associações de pessoas com
deficiência e da própria equipe dirigente na 2ª e na 3ª gestão Arraes.
Como se verá mais adiante, nessa circunstância, nem a própria pesquisadora
esteve livre de tonificar os obstáculos sociais, seja quando ela deixou de sinalizar a
existência deles no discurso desse Plano ou na fala de
processo de manutenção da educação especial,
pessoas envolvidas no
seja quando ela (a
autora),
trouxe construção discursiva que inconscientemente demonstra tais barreiras.
Assim, no próprio P.E.E./PE (1988-1991), a despeito das contribuições para
que se assegure a educação da pessoa com deficiência, é possível identificar
barreira atitudinal de particularização, quando esse afirma que é de competência dos
professores “contribuir para que essas crianças pudessem exercer, dentro de seus
limites, a cidadania” (P.E.E. 1988-1991, p. 28 apud MOREIRA, 1997, p. 188, grifos
nossos).
O modo restritivo de referência as capacidades/potencialidades das crianças
com deficiência (“dentro de seus limites”), contraditoriamente ao que o Plano propõe
no âmbito geral, nessa passagem/orientação prega que há limites para o exercício
da cidadania. Logo, a barreira atitudinal de particularização encontra terreno fértil
para se vivificar. Essa barreira é danosa ao processo de escolarização da pessoa
com deficiência porque, entre outros prejuízos, ela traz o apagamento do
reconhecimento de que cada criança, com ou sem deficiência, aprende do seu jeito,
participa da produção de bens culturais a seu modo, sendo esta uma condição de
todos os indivíduos, não apenas da pessoa com deficiência. E, portanto, não
devendo ser particularizada em função da existência de uma deficiência.
A defesa de que as crianças com deficiência podem exercer, “dentro de seus
limites”, a cidadania remete ao fato de que na escola
[...] as práticas de ensino, pelo menos teoricamente, exigem dos
professores, ações voltadas para promover a aprendizagem de todos
os alunos. Com relação aos que têm deficiência mental, geralmente
essas práticas deixam de ser vivenciadas, amparadas no
288
discurso das dificuldades que os mesmos apresentam sem ser
considerada a questão da falta de disponibilidade de recursos
humanos ou materiais, que possam viabilizá-las. (MARTINS;
DANTAS, 2009, p. 173).
Logo, uma educação particularizante, com o enfoque voltado para os “limites”,
traz, obviamente, nas atitudes docentes a materialização da crença na incapacidade,
o que pode resultar em desmotivação no aluno e no próprio professor.
Essa particularização parece não ter sido percebida por Moreira (1997, p.171)
ao analisar o P.E.E./PE (1988-1991). Mesmo quando reproduzida na fala de um
dirigente ao comentar o referido documento:
[...] Resgatar a cidadania do brasileiro e do portador de deficiência
muito mais por existir o preconceito pelo portador de deficiência. O
P.E.E. tentava passar a visão que você tinha que se envolver com o
deficiente mental é o envolvimento da família e do amor, por conta
das limitações dele, você tem que ter mais paciência, maior
cuidado , maior trabalho. Acredito que é possível articular
cidadania e deficiência mental a partir da aceitação do deficiente
mental e do respeito da pessoa humana. (Grifos da autora).
A expressão pessoa humana, utilizada pelo entrevistado, remete-se ao
reconhecimento de que as pessoas com deficiência intelectual foram consideradas
pertencentes a uma classe apartada da espécie humana e precisavam ser
“resgatadas”, daí a pertinência desse termo, aparentemente redundante.
Nesta linha argumentativa, Lima (2006, p. 55) esclarece que:
A pseudo-redundância da expressão “pessoa humana” se faz
necessária, visto que nem todas as pessoas , no modelo social em
que vivemos, são tratadas como humanos. Pelo contrário, há bem
mais pessoas sendo tratadas como algo menos que animal que
como humanos dotados dos direitos humanos.
Conclui-se, então, que o termo “pessoa humana”, no campo dos direitos, se
faz necessário e assume relevante sentido para que a sociedade brasileira
reconheça uma dimensão inerente a todo o indivíduo e fortaleça o princípio e regra
Constitucional presente na ordem jurídica.
Quanto ao discurso do entrevistado, ele demonstra que o “resgatar”, o
“conseguir de volta” a efetivação da cidadania das pessoas com deficiência é uma
tônica que surge aportada ao reconhecimento de que as barreiras sociais são a
causa do impedimento da vivência da cidadania. Contudo, na interpretação do
289
P.E.E./PE (1988-1991), o dirigente fortalece
esses
obstáculos. Moreira (1997,
p.171) analisa a fala desse profissional:
O depoimento transpõe-nos à própria história das instituições ditas
‘especiais’, instituições essas que têm sido marcadas, como nos
mostra Hickel (1992), como espaço de “guarda” e “assistência”. Por
isso, encontramos no discurso do nosso entrevistado expressões
como: ‘paciência’, ‘amor’, ‘cuidado’ , como pré-requisitos
qualitativamente capazes de habilitar o profissional a lidar com o
D.M. Essas expressões , antes de tudo, demarcam o lugar social
das escolas especiais, as quais faziam
a apologia
do
desdobramento da capacidade humana de comiseração , com a
qual também se acobertou , na concepção de Hickel (1992:55): ‘ o
perverso tom da exclusão e da perversão’.
A perspectiva assistencialista, paternalista, ancorada no modelo caritativo da
deficiência, se faz presente no discurso do entrevistado e é identificada pela
pesquisadora. Na análise discursiva, Moreira (Ibid.) indica a existência da barreira
atitudinal de piedade, a qual pode gerar a barreira atitudinal de compensação e
constituir um mecanismo de negação da cidadania ao incitar o protecionismo, a
caridade em detrimento da oferta de condições de acessibilidade e de
empoderamento das pessoas com deficiência intelectual.
No atendimento a essas pessoas, segundo o entrevistado, surge a
necessidade de “mais paciência, maior cuidado, maior trabalho e amor por conta das
limitações”. Esse discurso sustenta-se, portanto, numa dinâmica restritiva à pessoa
com deficiência intelectual. Logo, difunde a barreira atitudinal de particularização.
A ênfase nessa condição particularizante fortalece as barreiras atitudinais e
se faz presente no discurso dos professores entrevistados por Moreira (1997, p.
181):
(...) Eu acho que, para lidar com o D.M., é preciso paciência,
compreensão, saber alguma coisa e compreender e procurar
atender, dentro do possível, a carência das crianças, porque eles
têm carência afetiva muito grande.
Para lidar com o D.M. é preciso muito amor, muita dedicação e
despojamento. Você tem que oferecer o seu corpo. Tem que oferecer
seu espaço, teu amor, tudo. Precisa, antes de tudo, amor. (Grifos
nossos).
290
Os profissionais entrevistados demonstram crer no mito de que as pessoas
com deficiência intelectual são sempre muito dóceis, carinhosas e
precisam de
mais afeto. Essa barreira atitudinal de estereótipo precisa ser posta em xeque, pois
as pessoas com deficiência intelectual não são mais ou menos dispostas ao afeto.
Elas, simplesmente, como quaisquer pessoas podem ser carinhosas e apresentar ou
não carência afetiva.
No discurso desses professores, a barreira atitudinal de particularização surge
como um condicionante do atendimento educacional destinado à pessoa com
deficiência intelectual. Ainda se depreende dessas falas que as barreiras sociais
comprometem até a formação continuada do professor, pois, sob o manto dessas
barreiras, surge o equivocado entendimento de que o fator central no processo de
ensinoaprendizagem é que o profissional seja uma pessoa sensível, afetuosa para
trabalhar com o aluno com deficiência intelectual.
Obviamente o afeto no processo de ensino-aprendizagem é relevante,
contudo, não é o elemento motriz e exclusivo para que se alcance a desejada
qualidade educacional e a equidade de direitos.
Moreira (1997, p.181), ao analisar esses discursos, demonstra resultados da
prática dessas barreiras no processo de escolarização da pessoa com deficiência
intelectual:
Podemos observar que a concepção de educação especial que
subjaz a esses discursos parece revestir-se de uma conotação de
“favor” e “concessão”, o que gera a permanência, em muitos
momentos, de uma prática pedagógica com um viés meramente
assistencial, em detrimento de uma linha mais voltada para o aspecto
educacional. Esse viés assistencialista, como vimos, perpassou toda
a história da educação especial brasileira e começou a se formar a
partir da criação das instituições para deficientes que, através de
uma política de ‘favor’, como nos mostra Coutinho (1980), oferecia
abrigo e proteção a uma parcela da população. Cumpria, assim, com
a função de auxílio aos desvalidos, isto é, àqueles que não possuíam
condições pessoais de exercerem sua cidadania.
Pode-se inferir, a partir da afirmação da pesquisadora, que muitos discursos
(re)produzidos na escola constituem a prática de uma pedagogia assistencialista.
Para erradicar a fonte dessa problemática é preciso que a sociedade compreenda
que efetivação de direito não é favor. Logo, a educação é obrigação do Estado e
291
responsabilidade de todos os sujeitos sociais envolvidos no processo de produção e
de difusão da cultura.
O assistencialismo, baseado numa avaliação antecipada e incoerente acerca
das potencialidades da pessoa com deficiência (barreira atitudinal de baixa
expectativa), servia à cristalização do atendimento profético prestado a essas
pessoas nas unidades de triagem, nas educacionais e nas destinadas à
profissionalização.
Na análise do discurso da categoria professores, Moreira (1997, p. 189)
afirma que “todos os entrevistados acreditavam, veementemente, num modelo de
educação especial voltado para o resgate do deficiente mental como cidadão”. A
autora estratifica a fala de uma professora:
Eu trabalhei essa relação na parte de profissionalização. Deveria
ter um grupo de pessoas que ajudasse esses meninos a lavar um
carro, por exemplo, para ele ter uma profissão. Porque eles nunca
vão aprender a ler ou escrever, então pelo menos ensino essas
coisas para torná-lo capaz de entrar na sociedade. Na gestão
Arraes trabalhava em oficinas pedagógicas, ensinando culinária
(...). Os melhores nós já conseguimos tirar daqui, inclusive
profissionalizar. (Id. Ibid. Grifos da autora).
A pesquisadora pondera: “Os fragmentos do discurso apresentam o elemento
‘profissionalização’ como propulsor de uma educação especial que intencionava
elevar o D.M a um patamar de cidadania”. (Id., Ibid., p. 190).
Moreira (Ibid.) percebe que a profissionalização é considerada como a
propulsora da educação especial. Mas o discurso do entrevistado revela mais que
isso, demonstra que para ser inserido na sociedade a pessoa com deficiência deve
mostrar que é capaz de produzir e precisa fazê-lo.
O entrevistado, em seu discurso, também traz à tona o processo perverso de
reexclusão.
Na fala: “Os melhores nós já conseguimos tirar daqui” fica nítida a
prática da reclassificação de pessoas na educação especial.
Nessa dinâmica
meritocrática, muitos alunos experienciaram a barreira atitudinal de inferiorização e
de rejeição. A primeira, sustentada pela ação comparativa dos que participaram do
processo; a segunda, destino fiel dos sobrantes.
292
Padilha (1997, p. 11) indica que “apesar da mobilidade e fragilidade de
fundamentos teóricos, é grande o poder das instituições existentes para avaliar,
julgar, decidir sobre a vida escolar das crianças” e sobre o futuro desempenho e
atuação profissional.
Nessas instituições, o professor despreparado podia, portanto, julgar a
capacidade da clientela do ensino especial desvalorizá-la, subestimar sua
capacidade de aprendizagem e de adaptação. (MOREIRA, 1997).
Essas considerações permitem indicar algumas pistas reveladoras dos
critérios para o encaminhamento de crianças às classes especiais.
Na classificação da criança como deficiente mental, pelos
documentos oficiais que orientam a organização e funcionamento da
educação especial, delineia-se a concepção de desenvolvimento e
aprendizagem na qual as deliberações se baseiam: a impossibilidade
para aprender está, definitivamente, no indivíduo - algo dentro dele
determina as possibilidades. Se seu desenvolvimento acontece/está
acontecendo de maneira limitada, reduzida, lenta, isto explica sua
dificuldade ou seu insucesso para aprender. Desta forma, os testes,
aqueles que medem o que cada indivíduo conseguiu
desenvolver/aprender, é que falarão mais alto quando da
necessidade de se optar ou não pela retirada das crianças de suas
classes regulares para que comecem a frequentar as classes
especiais. (PADILHA, Ibid., p.11).
Os critérios, situados num cenário de equívocos acerca das potencialidades
da pessoa com deficiência intelectual, ao serem efetivados pela equipe de triagem,
chegam até as famílias e à escola, são reproduzidos e considerados como verdade
incontestável, fortalecendo assim a difusão das barreiras atitudinais.
Na análise do discurso da categoria “pais de alunos portadores de deficiência
mental”, Moreira (1997) reflete sobre o atendimento médico e o processo de triagem
pelo qual as crianças passavam em companhia dos pais. A autora reproduz
depoimentos de mães de alunos:
Ele teve uma febre e levei no posto, aí a doutora disse para outra:
olha, fulana, um mongolzinho. Aí eu disse: isso é uma doença.
Aí ela disse que sim. Só que não imaginava que era tanto trabalho
[...]. (Id.,Ibid., p. 203, grifos nossos).
A pesquisadora avalia:
Nos fragmentos discursivos, podemos perceber que esses rituais de
exclusão se iniciam quando médicos, psicólogos e pedagogos taxam
293
a criança de ‘mongol’ e portadora de ‘distúrbio de comportamento’.
(Id.,Ibid., p. 204).
Considerando o discurso da entrevistada e a análise da pesquisadora, podese identificar que alguns médicos transformaram a deficiência em inferioridade e/ou
em algo contagioso como uma doença.
Em outros termos, o nível de entendimento que os profissionais que atuavam
na triagem demonstravam ter sobre a deficiência e a forma como os equívocos, as
barreiras atitudinais se cristalizaram através do discurso médico, inscreveram as
pessoas com deficiência intelectual num longo e histórico capítulo de exclusão
social.
O elemento surpresa na fala da médica (“Olha, fulana, é um mongolzinho”),
reproduzido no discurso mnemônico da mãe, assinala que nas posturas dos
profissionais da saúde estavam presentes barreiras atitudinais de piedade, de
substantivação entre outras, as quais eram difundidas no atendimento, chegando até
aos pais que poderiam dar continuidade ao processo de reprodução e tonificação
das barreiras sociais.
Nesse caso, percebe-se que, um movimento cíclico, tonificador das bases da
exclusão, aquela confusão entre deficiência e doença se instala no discurso médico,
gera entendimentos equivocados que alcançam as escolas e as famílias, e essas
instituições, num processo de internalização e propagação, através do discurso e
das ações, engendram ou fortalecem barreiras atitudinais de superproteção, de
adoração do herói, de compensação etc., as quais certamente deterioram as
possibilidades de efetivação do empoderamento das pessoas com deficiência
intelectual.
Esse processo pode ser identificado em outras situações registradas e
analisadas por Moreira (1997, p. 206):
A doutora que fez o teste disse logo para mim: ‘olhe, é um fenômeno
um mongol aprender a ler. [...]
Essa escola é boa, o meu filho nem precisou fazer teste que tem aí.
Quando a doutora viu, disse que não precisava fazer o teste, já
dava para ver”. (Grifos da autora).
294
A partir desses discursos, novamente, é perceptível que, no atendimento
médico, as barreiras atitudinais encontravam terreno fértil para se reproduzirem e
surgiam tão imbricadas que, muitas vezes, a barreira atitudinal de baixa expectativa
levava à expressão da barreira atitudinal de adoração do herói, como se percebe
em: “olhe, é um fenômeno um mongol aprender a ler”.
Nesse contexto, vale também refletir que o destaque à deficiência, em
detrimento ao todo da criança, surge carregado da equivocada ideia da
incapacidade; a substantivação da deficiência “mongol”, “mongolzinho” etc. ilustra
esse perverso processo. O uso do diminutivo acentua a piedade e o processo de
infantilização, reforça a imagem pueril a qual, segundo Bastos (2005), é atribuída à
pessoa com deficiência intelectual ao longo da vida quando lhes é negado o direito
de crescer.
A partir da análise daqueles discursos e procedimentos dos profissionais da
triagem, Moreira (1997, p.207) afirma:
As concepções dos profissionais da triagem expostas nesses
discursos permitem-nos perceber que muitos erros de diagnóstico se
devem não apenas à imperfeição técnica dos métodos e
instrumentos, mas à compreensão distorcida da própria natureza da
subnormalidade.
Nos
fragmentos
discursivos
expostos
anteriormente, encontramos a evidência desse desconhecimento
quando um dos entrevistados, a priori, já anuncia a “não
aprendizagem” e o “não desenvolvimento” da criança portadora de
deficiência, em detrimento, inclusive, das virtualidades que subjaziam
a essa normalidade. Esse desconhecimento também é explicitado
quando se colocam crianças com dificuldades de aprendizagem no
ensino especial e quando a equipe de triagem chega até a vaticinar:
“é um fenômeno um mongol aprender a ler”. Além disso,
encontramos nesses depoimentos a recusa da equipe em submeter
a criança a um processo de avaliação diagnóstica , ao classificá-la ,
simplesmente, porque
já “dava para ver”. Nesse contexto, a
análise de Ferreira (1989:72) parece-nos pertinente para revelar-nos
que: “a classificação é, antes de tudo, um ato político, social porque,
para que se aceite determinada classificação, é necessária
determinada medida de poder sobre os outros”, quer seja um poder
coercitivo ou intelectual (científico).
Traduz-se que é deste lugar de poder que a sociedade, sob as lentes da
normalização, rotula indivíduos como “deficientes mentais”, trazendo a ideia de que
a mente/a totalidade da pessoa são deficitárias. Logo, essa leitura da deficiência
imputa a pessoa uma condição subcidadã.
295
Ainda sobre aquela fala de Moreira (1997) é relevante perceber que a autora,
assim como a pesquisadora Rosa (1990), defende a ideia de que é relevante o
processo de avaliação diagnóstica para que a criança seja encaminhada à educação
especial. Dessa defesa, mais uma vez fica evidente que o diagnóstico médico não
levava necessariamente ao atendimento educacional para a eficiência do aluno, mas
a uma terapia ocupacional ou a efetivação de uma profissionalização tipicamente
assistencialista.
Tomando por base essas constatações sobre os serviços de
diagnóstico, percebemos que, mesmo havendo uma equipe
interdisciplinar, não se conseguiu realizar um diagnóstico “dinâmico”,
como pretendia o P.E.E., porque havia uma compreensão
equivocada da própria natureza da deficiência mental. Essa ainda
era associada a dificuldades de aprendizagem, distúrbios de
comportamento, hiperatividade e desatenção. Mesmo quando os
próprios testes davam um resultado favorável [...]. (MOREIRA,1997,
215-217).
Na ótica da inclusão, o “diagnóstico é apenas uma possibilidade, não é a
resposta, é apenas caminho. Não é partida ou chegada. É estar no meio em busca
de, é estar aberto”. (ALMEIDA, s./d., p. 4). Portanto, o diagnóstico não deve servir
para separar, categorizar, qualificar, quantificar, mas para que se reflita, se
considere as necessidades dos alunos e se proveja os recursos necessários à
promoção da educação de qualidade para todos.
A partir do exposto, pode-se afirmar que o diagnóstico fornecido pelos
profissionais que atuavam na triagem da clientela da educação especial, na época
da 2ª gestão Arraes, era uma construção subjetiva, perversa, excludente que
estimulou o surgimento e a manutenção de barreiras atitudinais, as quais foram
identificadas por indivíduos engajados em “associações de portadores de
deficiência” quando da análise desses sujeitos sobre o que é a cidadania:
Eu acho que cidadania ou cidadão é a pessoa ter aquele lugar na
sociedade, o lugar, o espaço. Eu acho que é o que acontece com o
deficiente (a própria família não dá espaço para que o deficiente seja
um cidadão. Até um pai aqui não achava necessário que a filha
viesse para a escola porque não ia aprender nada). Muitas famílias
acham que o filho não tem condições de aprender nada, então
excluem eles da sociedade. Cidadão, cidadania é ter um lugar na
sociedade, mesmo que você tenha problemas. (MOREIRA, 1997,
p. 235, grifos nossos).
296
O entrevistado menciona situações que demonstram que, muitas vezes, é na
família que a pessoa com deficiência se torna alvo de barreiras atitudinais. Quando,
contudo, o entrevistado afirma: “Cidadão, cidadania é ter um lugar na sociedade,
mesmo que você tenha problemas” remete-se a compreensão de que a visão
estereotipada da deficiência coloca-a como sinonímia de problema e, por vezes,
essa representação é internalizada pelas pessoas com deficiência, nutrindo nelas
crenças equivocadas sobre sua própria genericidade. (LIMA;TAVARES, 2007). Por
outro lado, o depoente ao afirmar que cidadania é “ter um lugar na sociedade”
evoca a luta das pessoas, inclusive das que tem deficiência, para que esse lugar
social seja assegurado a todos.
A tônica da efetivação da cidadania continuou sendo defendida na 3ª gestão
de Arraes. Moreira estratifica o discurso da equipe dirigente deste período:
Muitas idéias (sic) que tentamos implantar agora não são novas,
vêm da gestão passada. A gente tem uma preocupação de que
as salas de educação especial sejam só para o portador de
deficiência mental e não para aqueles que têm dificuldades
de aprendizagem, meninos
endiabrados, meninos
com
problemas afetivos. É importante e se está fazendo um esforço, em
termos de diagnóstico, em termos de esclarecimento da
população, dos diretores e do professorado em geral, de definir
quem é a clientela da sala especial. Porque a sala de educação
especial não é o que vai dar jeito em tudo que possa estar andando
errado na escola, não. A sala de educação especial é a sala do
portador de deficiência. (MOREIRA, 1997, p. 240, grifos da autora).
Sobre esse discurso, a pesquisadora pontua:
A perspectiva de continuidade entre a 2ª e a 3ª gestão é ressaltada/
acentuada pelo discursante, à medida que assegura que as
propostas implantadas nesta última gestão eram fruto da gestão
anterior (2ª gestão). Na 3ª gestão, uma mudança começava a se
delinear: a preocupação em conhecer melhor a clientela do ensino
dito “especial”. Como vimos, a diretora do Departamento de
Educação Especial afirmou que, na 2ª gestão, os verdadeiros
deficientes não estavam inseridos na escola. Para a reversão desse
quadro, a 3ª gestão apregoava sua crença em princípios como:
cidadania, integração, universalização de ensino, qualidade da
educação, voltados para o D.M., procurando, concomitantemente,
desenvolver um trabalho de base com: equipe de diagnóstico,
professores, diretores de escola e população em geral. (Id.Ibid., p.
240).
Novamente, a ênfase no diagnóstico mais preciso serviria para segregar
crianças nas salas especiais: “Uma das grandes preocupações da 3ª gestão era
297
delimitar/definir a clientela do ensino especial, pois, na 2ª gestão, muitos
pseudodeficientes foram inseridos nessa modalidade de ensino”. (Id., Ibid., p. 239).
Se a deficiência, naquele contexto, imprimia a condição de “ser deficiente”, o
que impunha a condição de ser “pseudodeficiente”? Ambas as representações
incitavam a materialização da barreira atitudinal de rejeição porque o aluno no
ensino especial, quando identificado como “verdadeiro deficiente”, era limitado a
essa condição, logo, não tinha a oportunidade de retornar ao ensino regular; e
quando re-classificado como “pseudodeficiente”, mesmo que retornasse a escola
regular permaneceria sob a chancela da anormalidade. O rótulo uma vez posto
dificilmente seria revisto e eliminado. (GOFFMAN, 1988).
Moreira (1997) justifica esse processo de “esforço da 3ª gestão” para delimitar
a clientela da educação especial como um caminho inicial para que os recursos
imprescindíveis
a
qualidade
da
educação
fossem
providenciados,
o
que
necessariamente não ocorreu, como sinalizado por discursantes que atuavam nesse
sistema.
Acreditando, pois, que o obstáculo para que a educação da pessoa com
deficiência intelectual não fosse efetivada conforme as diretrizes do P.E.E./PE
(1988-1991) estava na formação dos professores, nesse período, foi ofertada a
todos os educadores a oportunidade de cursar a especialização em educação
especial. (MOREIRA, 1997).
Moreira (op.cit.) afirma que, a despeito dessa formação, os dirigentes
esbarravam na dificuldade dos profissionais trabalharem com essa clientela: “Além
do professorado, a equipe de diagnóstico também reproduzia dificuldades
semelhantes: dificuldades de perceber o Outro e reconhecê-lo como ‘diferente’.”
(Id., Ibid., p. 241).
Traduz-se desse discurso: primeiro que o processo de invisibilidade social
continuava sendo efetivado, mesmo após os profissionais terem recebido
informações a respeito dos direitos da pessoa com deficiência intelectual; segundo,
a crença da pesquisadora de que esses profissionais deveriam reconhecer o outro
como “diferente” em razão da deficiência. Esse processo metonímico de leitura da
deficiência gera barreiras atitudinais de substantivação, de adjetivação, entre outras.
298
Para erradicar essa equivocada compreensão de deficiência enquanto
diferença que polariza pessoas: eu versus o outro deficiente, Lima (2006, p. 58)
propõe a seguinte reflexão:
[...] ela [a diferença] é a própria natureza do homem, aquilo que faz o
homem ser igual ao outro, aquilo que lhe dá a identidade de pessoa
humana. Assim, não falaremos que o léxico diferente flexionado a
partir do termo diferença, é ou significa deficiente.
Como se percebe,
marcar a identidade/a diferença de uma pessoa em
função da deficiência que ela tem é atitude que expressa barreira atitudinal. Essa
marcação, consoante Silva (2004, p. 39), “ocorre tanto por meio de sistemas
simbólicos de representação, como por meio de formas de exclusão social” e
funciona como componente-chave para a manutenção do sistema de classificação.
Assim, como a identidade depende da diferença, uma vez a diferença sendo
centralizada na deficiência, por meio de um processo classificatório, faz com que a
pessoa estando no grupo oposto (“o Outro deficiente”) esteja na fronteira imposta
pelos obstáculos sociais.
Moreira (1997), mais adiante, ratifica que o acesso à informação, indicado por
Rosa (1990) e por Nery (1996) em pesquisas anteriores efetivadas no PPGE/UFPE,
por si só não é suficiente para mobilizar atitudes e erradicar obstáculos sociais. Essa
compreensão emerge, inclusive, do discurso de dirigentes da 3ª gestão Arraes,
quando esses reconhecem os limites do trabalho efetivado naquele período:
(...) a gente ainda luta pelo direito do portador de deficiência ser
aluno, infelizmente , ainda é uma luta que a gente tem que
enfrentar: que as classes especiais sejam para o portador de
deficiência e não para todas as crianças que a escola entenda
como problemáticas. A gente ainda luta para fazer do diagnóstico
um processo mais verdadeiro/ mais próximo do real, ao nível do
funcionamento da criança. Lutamos ainda para que os
professores olhem para o portador de deficiência como alguém
capaz, como alguém que tem uma produção. Há um esforço
muito grande em fazer um trabalho com o professor de educação
especial de aceitação do D.M. Isso porque há uma grande
resistência deste segmento em aceitar o portador de deficiência em
sua sala de aula. E essa era uma situação muito mais grave na 2ª
gestão do que nesta. Hoje todo o professorado está melhor
informado
do que na gestão
anterior , porque
tem
especialização em educação especial. (MOREIRA, 1997, p. 240,
grifos da autora).
299
A pesquisadora, analisando o discurso do depoente, afirma que o trabalho de
informação não foi suficientemente capaz de debelar e extinguir as resistências da
equipe de “triagem” e do professorado.
Ainda denunciando as falhas desse
processo de transposição da teoria à prática da educação para a pessoa com
deficiência intelectual, outro integrante da equipe de Dirigentes afirma:
(...) as resistências desses professores continuam, porque uma
coisa é a informação e a outra é a resistência. Você tende a
trabalhar a resistência através da informação, mas a informação não
assegura que a resistência desapareça. Porque há professores
que sabem, mas não querem, ou seja, sabem que a sala é para o
portador de deficiência, mas não querem trabalhar. Isso porque,
na visão deles, é bem mais fácil trabalhar com dificuldades de
aprendizagem. Podemos dizer também que só a informação não
dá conta de você romper as resistências, apesar delas terem
diminuído. Isso tudo passa pela concepção de escola. A escola é
para quem? Então, o aluno que não vai ler e escrever logo não deve
ter lugar na escola? A classe /escola especial é para quem tem
poucas habilidades? Se chegou a um ponto que o diagnóstico
inclusive colocava objeções do tipo: ‘vamos perder tempo
com crianças que não aprendem ler ou escrever agora? Eu
contra-argumentava: como é que você sabe, se ainda não fez o
diagnóstico? Eles respondiam: ‘mas têm alguns que está na
cara’. Essa história de “está na cara” é muito séria (...). Isso
passa pela sua concepção do que é o ser humano, de que tipo
de sociedade você quer viver. Vai além das normas técnicas de
educação especial de diagnóstico” (Id., Ibid., p. 241, grifos da
autora).
Moreira analisa: “Os fragmentos discursivos refletem e abordam, com
bastante pertinência, a finalidade da escola especial” (Ibid.).
No discurso do
entrevistado, fica claro que existia o entendimento de que as impossibilidades não
estão na pessoa com deficiência, mas são imposições da sociedade.
Aqueles
questionamentos formulados por ele revelam, pois, que a atitude reflexiva acerca do
processo de escolarização da pessoa com deficiência intelectual já demonstrava a
busca por um novo desenho da educação, em que a concepção de ser humano, de
sociedade, de cidadania, a concepção e função da escola e até a função do
diagnóstico começam a ser repensados.
Ao analisar a fala do depoente, Moreira (1997) enfatiza a denúncia da
perpetuação de práticas segregacionistas, desenvolvidas numa gestão que se
“autodenominava defensora dos ‘despossuídos’ e surgia com uma nova proposta
para o aluno portador de deficiência: esse poderia ascender a uma ordem de
cidadania real”. (Ibid., p. 243).
300
Nas conclusões da pesquisa, quando a autora analisa as contribuições desse
discurso que articula “deficiente mental e cidadania”, supõe que a audição dele
ocorre à revelia das pessoas com deficiência intelectual, como se lê nesse extrato:
[...] esses ouvintes (do discurso que articula deficiente mental e
cidadania) não são os próprios deficientes e, em certa medida, tais
articulações lhe são estranhas e realizadas à sua revelia. [...] o
discurso sobre o deficiente mental também não se dirige ao seu
portador: ele é elaborado numa linguagem sistemática, analítica,
demonstrativa, heurística, que pertence ao universo da cultura
letrada, acadêmica, clínica, anexo à “normalidade” da razão
analítica. (MOREIRA, 1997, p. 249, grifos nossos).
Depreende-se dessa fala que no discurso acadêmico, pedagógico, político
sobre a pessoa com deficiência, ela não comparecia porque dela apenas se
descrevia as desvantagens sociais experienciadas, mas não havia ausculta,
participação desses indivíduos no contexto de produção daqueles discursos.
Construções como essa que Moreira (1997) registra nas conclusões da
dissertação chegam aos professores, muitos dos quais leram ou terão acesso ao
discurso acadêmico/científico, por meio de palestras, conferências ou outras formas
de socialização. Certamente, muitos desses profissionais estavam ou estarão
atuando no curso superior, onde, em concordância com aquela assertiva, poderão
lutar para que tais obstáculos sejam eliminados ou, (in)conscientemente, poderão
reproduzir obstáculos sociais difundidos através do discurso científico.
Esse processo de eliminação ou de difusão de barreiras atitudinais no
discurso científico e a forma como elas sutil ou ostensivamente surgem na prática
pedagógica tem levado os graduandos com deficiência a desistirem dessa etapa
formativa, como expõe Castro (2011) em recente estudo sobre o ingresso e a
permanência de alunos com deficiência em Universidades Públicas Brasileiras.
Ainda nas conclusões do trabalho dissertativo, Moreira (1997) relata que
muitos daqueles desejos registrados no P.E.E./PE (1988-1991), ao tentar articular,
pioneiramente,
Cidadania-Trabalho-Escola-Deficiência,
não
foram
alcançados
porque o ensino continuou centrado na deficiência do aluno, ou seja, a ineficiência/
as limitações da escola recaia apenas sobre ele. Nas palavras da autora,
Mais uma vez, fica evidente que um determinado discurso pode ser
criado e receber uma roupagem extremamente artificializada.
301
Artificializada, na medida em que não possui consistência interna
nem condições de se tornar viável na prática e no cotidiano escolar.
(MOREIRA, 1997, p. 130).
Considerando esse hiato entre o discurso e a prática pedagógica, à luz do
que os depoentes das categorias: “Dirigentes do P.E.E. 1988-1991”; “Professores”;
“Pais”; “Equipe de Triagem”; “Equipe de Capacitadores”; “Associação dos portadores
de deficiência”, “Equipe de dirigentes da 3ª gestão Arraes” registram em suas falas,
a autora afirma contundentemente que a relação “cidadania-deficiência mental” tinha
um caráter mais político que real. Moreira (Ibid.) fornece subsídios para que se
avalie esse processo, revelando o despertar para a educação para todos, mas não
fornece pistas para que se reflita sobre como fazer uma escola diferente, no tom da
cidadania.
A pouca articulação entre o discurso e a prática pedagógica também está na
centralidade da discussão proposta por Tânia Maria Goretti Donato Bazante, na
pesquisa intitulada “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um
estudo das representações sociais dos professores sobre educação especial na
rede estadual de ensino”. O trabalho, defendido em 2002, orientado pelo professor
João Francisco de Souza, no PPGE/UFPE destaca-se, entre outros fatores, pela
poeticidade que o permeia.
O fio poético se instala na dissertação quando a autora, desde a
apresentação do trabalho, utiliza a linguagem da pintura (termos, nomes de técnicas
e tipos de materiais) para fazer referência às escolas e utiliza nomes de cores para
codificar os professores que atuavam nas unidades estaduais do município de
Caruaru, lócus da pesquisa, cujo objetivo foi o de “identificar as representações
sociais construídas pelos professores sobre Educação Especial”. (BAZANTE, 2002,
p. 9).
Para atingir esse fim, a autora toma como fundamento o estudo das
Representações Sociais e dos “Paradigmas da Integração e da Inclusão,
norteadoras, na literatura pedagógica, do trabalho com o portador de deficiência” e
especificamente busca
compreender a relação entre o pensar e o fazer como movimento
permanente, explicitando nas atitudes e nos aspectos que
302
sustentam/conduzem
a
prática
pedagógica
imprimindo-lhe
sentido/coerência a partir dos significados. (Id., Ibid., 2002, p. 9).
Metodologicamente, a autora percorreu duas instâncias centrais nas quais
eram definidas as políticas e as diretrizes da educação especial em Pernambuco: a
Diretoria Executiva de Educação Especial, vinculada à Secretaria Estadual de
Educação, a Diretoria Regional de Ensino (DRE) Agreste Centro Norte. A primeira,
localizada no grande Recife, local que organizava as atividades sistemáticas, como
as capacitações, os seminários “Discriminação em Questão” e o Projeto “Pacto à
Diferença”. A segunda teve como lócus inicial a DIPE (Divisão de Programas
Escolares) da DRE Agreste Centro Norte, que informou sobre escolas e números de
salas especiais existentes naquelas instituições.
A pesquisadora entrevistou dez professores e lhes perguntou o que é
deficiência. Cada depoente deveria responder a questão através de um desenho e
posteriormente responder o que é educação especial. Ao analisar as informações
coletadas, Bazante (2002, p.95) afirma:
Na maioria das vezes, a EE é tratada como aquele tipo de ensino
que em um dado momento ajuda o menino e a menina a serem
aceitos pela sociedade por atestar-lhes capacidade de viver com
os normais. Em outro momento, como aquele tipo de ensino no
qual só é possível oferecer o mínimo para que o aluno possa
viver e não causar tantas angústias a seus familiares, por ser
decisão de Deus sua condição de deficiente. (Grifos nossos).
No parágrafo seguinte, ela analisa:
Não diferente do que se apresenta na dimensão legal e na literatura
pedagógica, as colocações dos professores também evidenciam um
movimento pendular, de tal maneira que, em algumas referências,
manifestam a crença na necessidade de espaços inclusivos. Porém,
o que está implícito no conteúdo das falas são expressões que, nas
entrelinhas do texto, representam um dos indicadores de que o
senso comum do professor sobre o que é EE está, ainda, enraizado
apenas nos fundamentos do cotidiano. (Id., Ibid.).
Depreende-se da primeira assertiva que a pesquisadora identificou três
conceitos apresentados pelos professores acerca da educação especial e de sua
clientela. O primeiro de que a educação especial (esteando-se no modelo médico
da deficiência) era o espaço em que se avalizava a normalidade de sujeitos
“deficientes”; o segundo, a educação especial era um ensino diferenciado, em que
se oferecia o mínimo para uma clientela de pessoas “doentes/deficientes/incapazes”
303
que causavam sofrimento aos familiares, em razão da deficiência (modelo médico e
caritativo da deficiência); o terceiro, que a educação especial era o espaço em que
se aceitavam “pessoas em uma condição sub-humana”, determinada por uma razão
divina (modelo médico e modelo místico da deficiência).
O fato é que a autora não ponderou que os docentes expurgavam o aluno
com deficiência da escola ao defender a educação especial como forma de
preparação, de mecanismo para que um tipo de aluno fosse exposto a um tipo de
ensino que pudesse avalizar a capacidade daquele de viver com os “normais”. Os
alunos tidos, então, como “deficientes”, “doentes” precisavam ser normalizados,
preparados para viver com os outros. Sassaki (2006, p. 33) esclarece que tal
procedimento configura o processo de integração, o qual
[...] tinha e tem como mérito de inserir a pessoa com deficiência na
sociedade, sim, mas desde que ela esteja de alguma forma capacitada
a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela
existentes. Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um
esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus
aliados (a família, a instituição especializada e algumas pessoas da
comunidade que abracem a causa da inserção social), sendo que
estes tentam torná-la mais aceitável no seio da sociedade. Isto reflete
o ainda vigente modelo médico da deficiência. (Grifos do autor).
A integração era um percurso que amparava a reclassificação dos alunos em
“deficientes leves”, “deficientes periféricos“ etc. Esse caminho, como sinalizaram
Nery (1996) e Moreira (1997) em pesquisas anteriores efetivadas no PPGE/UFPE,
foi amplamente praticado para que pessoas com deficiência,
percebidas como
“mais próximas a normalidade”, tivessem algumas oportunidades, como acesso a
oficinas de profissionalização e a empregabilidade.
Bazante (2002) afirma que aqueles conceitos da educação especial
anunciados pelos professores advêm do senso comum, estão enraizados em
fundamentos do cotidiano.
Ao analisar, pois, as ponderações da pesquisadora
acerca do discurso dos professores, é possível afirmar que tais conceitos esteiam-se
em barreiras atitudinais, em preconceitos e causam prejuízos que parecem não ter
sido identificados por ela.
Um dos prejuízos trazidos pelo ensino integracionista ao aluno com
deficiência era justamente esse de “oferecer o mínimo para que o aluno pudesse
304
viver”. Essa ação, por vezes, reduzia a educação a atividades de socialização e de
cuidados pessoais, conforme registrado por Bazante (Ibid., p. 113) ao reproduzir e
analisar o discurso dos professores:
Apesar de, em algumas passagens, compreenderem a EE e a
deficiência como algo que não constitui problema para o sujeito
diferente, mas sim para nós, os tidos como normais, o entendimento
dos professores deixa passar, nas entrelinhas dos enunciados, o
portador de deficiência como limitado, necessitando de ajuda, e sem
a qual ele não conseguirá se desenvolver e ser aceito, como
marcam as falas que seguem.
“Um ser precisando de aprender alguma coisa, não especificamente
a parte de linguagem e matemática, mas, aprender a conviver com
o coleguinha, a ter bons modos, a se socializar. Eu não levo
muito prá aprender esse lado do A, o E, o I, o 1, o 2, 0 3 , não. Eu
levo mais pra esse lado de saber se locomover , saber usar um
banheiro ; eu me preocupo mais com essa parte” ( CINZA, sala
especial)
Como afirmamos anteriormente, posições distintas se apresentavam
a cada leitura aprofundada do conteúdo das entrevistas e, ainda nos
dizeres de um mesmo professor, poderiam ser encontrados
elementos de contradição e ambiguidade (sic) àquilo que diz respeito
às diversidades postas à EE e que, de certa forma, reforçam a
segregação/exclusão, como pode ser visto no depoimento acima. A
fala desse professor, em determinados momentos, faz-se no sentido
da não discriminação, fosse em tentar inserir. No entanto, limitavase a provocar a execução de atividades mínimas, que julga
necessárias ao portador de deficiência, pouco olhando para as
possibilidades que o desenvolvimento do aluno poderia sinalizar, ou
ainda uma inserção que entre os mais próximos não será
provocadora de constrangimentos sociais - numa perspectiva
higienista.
O “mínimo” oferecido então ao aluno com deficiência, como mecanismo de
uma exclusão encoberta, na dinâmica da Educação Especial, obviamente não
fornecia às pessoas com deficiência condições de participação na sociedade, como
indicado anteriormente nas pesquisas efetivadas por Rosa (1990), Nery (1996) e
Moreira (1997) no PPGE/UFPE.
O ensino especial, com vistas à integração, permeado pela barreira atitudinal
da baixa expectativa, trazia, portanto, um currículo que exigia que o aluno com
deficiência se encaixasse numa estrutura que não efetuava nenhuma diligência ou
provisão de recursos para que ele (o aluno) pudesse participar e aprender, no curso
de formação comum a todos.
305
Esse processo contrário à perspectiva de um currículo aberto, flexível,
inclusivista parece não estar na centralidade das reflexões de Bazante (2002) ao
analisar “o pensar e o fazer” na escola. Assim, a autora, nesse excerto da análise,
parece não perceber que a oferta do “mínimo” nas salas especiais é um fator que,
na integração, não só prejudica as múltiplas possibilidades de desenvolvimento do
aluno com deficiência, mas distancia professor e alunos sem deficiência daqueles
com deficiência intelectual, física, sensorial ou psicológica.
Bazante (Ibid.) explica, então, que para apresentar melhor o universo
complexo e emaranhado em que os sujeitos pesquisados atuam, e assim,
compreender os achados e as conclusões da pesquisa, ela (a autora) indica que
existem três realidades ou figurações distintas em que a Educação Especial se
insere: a primeira, a escola especial; a segunda, a escola regular com sala especial
e a terceira, a escola regular com alunos integrados/incluídos.
Na análise da “primeira figuração”, a autora demonstra que a integração não
possibilita que o aluno integrado se sinta partícipe do processo de ensinoaprendizagem:
Nas conversas com a direção da escola, percebemos que o cuidado
em acompanhar os alunos integrados em salas regulares é fruto da
experiência do constante retorno desses alunos às escolas
especiais, que, por vezes, não se sentem aceitos nos espaços
integradores, seja pelo distanciamento da prática do professor,
seja pelas atitudes dos colegas de turma. (BAZANTE, 2002, p. 97;
grifos nossos).
Traduz-se dessa fala que as barreiras atitudinais presentes na interação entre
alunos com deficiência e professor ou entre os alunos com e os sem deficiência
fragilizava, quando não deteriorava, o sentimento de pertença dos primeiros ao
grupo, levando-os a evadir-se da escola regular e a retornar à escola especial. Essa
exclusão encoberta, tonificada pelas atitudes materializadas nas interações
escolares, ratifica aquelas percepções de Rosa (1990), Nery (1996) e de Moreira
(1997) quando nas pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE as autoras sinalizaram que
a chancela do rótulo de “deficiente” é um forte mecanismo de excludência.
306
Em outro excerto, Bazante (Ibid.) analisa os motivos pelos quais ocorre
aquele distanciamento entre os alunos com deficiência e outros atores escolares
sem deficiência:
Essa dificuldade, no dizer dos profissionais da escolar regular, é fruto,
também, das imagens criadas por aqueles tidos como normais, de
que o portador de deficiência não aprende, não se desenvolve.
Ou, ainda, pelo fato de, mesmo sendo aceito, essas imagens
cristalizadas gerarem a proteção e não o reconhecimento. (Grifos
nossos).
Traduz-se dessa assertiva que a barreira atitudinal de baixa expectativa (“o
portador de deficiência não aprende, não se desenvolve”), provoca o surgimento da
barreira atitudinal de superproteção. Isso porque aquelas imagens criadas e
cristalizadas, em relação à pessoa com deficiência, podem gerar
(a) sentimentos
de
comiseração
(com
manifestações de piedade, caridade ou tolerância) [...]
diversas
(b)
movimentos de cunho filantrópico e assistencialista,
pouco ou nada emancipatórios das pessoas com deficiência, pois
não lhes confere independência e autonomia. (CARVALHO, 2006,
p. 39).
O sentimento de dó e a barreira atitudinal de superproteção, esteados na
baixa expectativa, fortalecem os mecanismos que deterioram as possibilidades de
empoderamento da pessoa com deficiência, podendo até nutrir nelas a crença de
que são incapazes de gerir suas vidas, pois a
Superproteção é [...] fazermos pelo outro o que julgamos que ele
jamais será capaz. Superproteger uma pessoa é superestimar a sua
capacidade inata de superar suas próprias limitações. É ao mesmo
tempo negar-lhe o direito de crescer e se desenvolver justificado
apenas por um amor superprotetor. (SILVA; TAVARES, 2009, p.83).
No âmbito familiar, essa barreira atitudinal pode provocar perda da
autonomia, da independência e do empoderamento; o temor da pessoa com
deficiência de deparar-se e ter de enfrentar situações distintas das comumente
presentes no cotidiano; dificuldade e receio de contatar pessoas desconhecidas, até
mesmo para solicitar uma informação; falta de iniciativa; retraimento; infantilização;
busca pela sociabilidade em contextos tecnológicos/cibernéticos. Tudo isso tem
impactos
precisos
superproteção.
no
processo
de
escolarização
das
pessoas
alvo
da
307
No contexto educacional, a superproteção faz com que os educadores
ignorem o direito e a habilidade do aluno de fazer escolhas quando do percurso
formativo; ignorem a relevância de cada um, a partir dessas escolhas, desenvolver a
competência de reconhecer como pode ter melhor desempenho; inibam a liberdade
do aluno, porque ao ser tutelado, muitas vezes, ele é impedido de vivenciar
experiências relevantes para sua formação.
Machado (s.d.) alerta para que se perceba os efeitos colaterais dessa barreira
atitudinal desde o início da escolarização:
Como efeito colateral da superproteção, os especialistas em
educação infantil começam a notar um aumento no número de
crianças ansiosas e inseguras. Não é difícil identificar uma delas em
sala de aula: é a que pede atenção e aprovação para cada tarefa que
realiza. Consulta os professores com frequência quase insuportável.
Fora da sala, tem medo de se machucar no parquinho, evita ir
sozinha ao banheiro, pede ajuda a todo momento. Tamanha
dependência está na raiz da baixa autoestima.
A barreira atitudinal de superproteção termina, então, por engendrar o
processo de desproteção pessoal, de baixa estima, de dependência, pois o
superprotegido, na ausência de seus cuidadores, tende a desmontar-se, a
demonstrar fragilidade e insegurança, o que vem a prejudicar as interações sociais e
a fortalecer barreiras atitudinais que surgem imbricadas nesse processo.
Por
exemplo, a barreira atitudinal de medo (o superprotetor pode demonstrar receio de
fazer referência à deficiência, de dizer algo errado, e por vezes, termina por utilizar
eufemismos, substantivações e adjetivações); a barreira atitudinal de baixa
expectativa (o superprotetor, sob o manto dessa barreira atitudinal, pode se
antecipar às situações em que ele ajuíza que a pessoa com deficiência não obterá
êxito), o que pode gerar a barreira atitudinal de adoração do herói (o superprotetor,
tendo uma baixa expectativa da pessoa com deficiência, termina por valorizar
demasiadamente qualquer ação bem sucedida que ela venha a efetivar).
É relevante, pois, que se reconheça que além da insegurança e dos demais
fatores negativos advindos da prática da barreira atitudinal de superproteção, ela
ainda pode gerar na pessoa alvo
[...] a sensação de que para tudo o que acontecer em sua vida
sempre haverá alguém para lhe dar suporte, proteção, auxílio e que,
isto é necessariamente uma obrigatoriedade para as pessoas que
308
vivem ao seu redor, ou seja, saciar seus desejos e obedecer suas
ordens. (Id.,Ibid.)
Em resumo, o maior dano provocado por essa barreira atitudinal é a formação
de pessoas despreparadas para atuar na escola, na sociedade, e, como dito, para
protagonizar suas próprias vidas.
No estudo efetivado por Bazante (2002), especificamente na segunda
figuração, caracterizada por apresentar escola regular com sala especial, a
pesquisadora depara-se com outras situações que exemplificam a cristalização das
barreiras atitudinais. Nesse contexto, em relação à identificação dos professores
que trabalhavam na educação especial, a autora analisa:
Ao perguntar quais os professores que atuavam com a EE, nos
encaminhavam sempre para a sala especial. Ou seja, a
representação de que existe um espaço específico que
simboliza/remete à imagem de algo que não se insere no
contexto geral do cotidiano escolar. (BAZANTE, 2002, p. 98; grifos
nossos).
Afere-se, portanto, que a sala especial era compreendida, pelos profissionais
atuantes na escola, como lócus específico para a educação de pessoas com
deficiência, essa percepção desafiliava-as do curso comum das instituições de
ensino. Tinha-se, então, o aluno com deficiência cuja permanência na escola era
paradoxalmente marcada pela desinserção, pela exclusão encoberta no/do cotidiano
escolar.
Nesta linha, é importante esclarecer que quando o estatuto da normalidade
era devolvido ao aluno e ele retornava à sala regular, dificilmente conseguia se
engajar nas experiências formativas cotidianas, sobretudo, porque era comum que a
criança excluída, muitas vezes de modo implícito, se esforçasse unilateralmente
para conseguir êxitos, como se comprova na análise efetivada por Bazante (2002, p.
98-99):
Interessante registrar que, nessa figuração, o cenário tem uma
variação que nos surpreendeu mais ainda. O fato de que nessas
escolas regulares com salas especiais existem alunos integrados, ou
seja, funciona a sala especial e quando os alunos são avaliados e
apresentam condições de serem integrados/incluídos pode ser
que a própria escola o integre. Mesmo com essa possibilidade,
quando chegamos, era sempre sugerida uma conversa com o
professor da sala especial, para que ele desse as informações. A
309
pertinência desse dado se localiza na organização e
funcionamento da instituição, pois, sendo o portador de
deficiência um aluno dentro do espaço escolar, a
secretaria/direção da escola não deveria ter essas informações?
Se o professor da sala especial, por ser do ensino especial, é quem
deveria saber dados referentes a esse aluno, isso evidencia a
segregação/ exclusão implícita nas questões físicas e documentais.
A própria instituição escolar não insere no seu contexto
organizacional/funcional a presença do aluno portador de deficiência,
ainda que, se anuncie, partícipe do processo de integração/inclusão.
(Grifos nossos).
O questionamento proposto pela pesquisadora anuncia que a instituição
escolar reproduzia em seu micromundo o esquema estrutural da relação dicotômica,
assimétrica: pessoas com deficiência versus pessoas sem deficiência, onde as
primeiras, uma vez marcadas por uma equivocada leitura da sociedade acerca da
deficiência, sempre eram vistas como “portadoras de uma anormalidade”, de uma
“diferença inferiorizante”, e por isso permaneciam sobrantes do todo da escola.
Neste particular, a gestão da escola, longe de ser corretiva, estimulava essa
dinâmica a ponto de ratificar o estigma de “deficiente” e não se sentir responsável
por esses alunos, já que a formação deles continuava sendo da competência
apenas dos profissionais atuantes nas salas especiais. Assim, a mensagem que a
unidade escolar pesquisada transmite reverbera os mecanismos de excludência que
circula na sociedade.
Esse modelo de gestão se polariza à tônica da escola para todos. Sage
(1999, p. 137) explica que a equipe gestora, na constituição dessa perspectiva
educacional, precisa reconhecer que
A maneira pela qual os diretores exercem as forças simbólicas e
culturais através de suas atitudes e comportamento é particularmente
importante quando se exemplificam as ações e as atitudes
necessárias para a prevalência de um ambiente inclusivo nas
escolas. Primeiramente, o comportamento do diretor é que
estabelece o clima pelo qual se resolve que a escola é de todas as
crianças. Segundo, o comportamento cooperativo do diretor e dos
demais administradores proporciona um modelo para os professores
que precisam de ajuda para romper com a prática de ‘trabalhar
sozinhos’.
O fato dos funcionários atuantes na secretaria, na gestão da escola não terem
informações acerca dos alunos com deficiência demonstra, portanto, que a
educação fornecida naquele espaço não estava esteada no respeito à coletividade,
310
à diversidade dos alunos e a cada um deles. Muitos obstáculos sociais são nutridos,
pois, em ações como essas em que a gestão, que deveria implementar práticas que
favorecessem o direito equitativo de todos à educação, termina por contribuir com a
manutenção de dois espaços: um de ensino especial e outro de ensino regular, em
que o público alvo do primeiro estava sempre à margem do todo.
Nesse cenário, a escola torna-se um espaço em que as barreiras atitudinais
atingem a identidade dos alunos. É o que se depreende da descrição efetivada por
Bazante (2002, p.99) ao registrar o modo como continuou tentando localizar os
professores que atuavam com educação especial:
Percebendo a dificuldade no que se refere a localizar o professor,
buscamos na pergunta: “em que sala os alunos portadores de
deficiência estão estudando esse ano?”, como caminho para a
identificação dos professores que atuam com a EE.
Para essa informação, era feito um verdadeiro plebiscito na sala da
secretaria, da direção ou entre aqueles que chegavam na sala dos
professores, para saber quem estava com o “mudinho”, o
“ceguinho” ou o “doidinho”. Nossa intervenção, nesse momento,
sugeria que identificássemos a série, a sala, o turno, para, assim,
sabermos quem eram os professores e fazermos o contato para
agendar a entrevista.
Foi justamente a chegada aos espaços regulares que possibilitou a
compreensão de como era necessário nos reportarmos à deficiência
para sabermos quem eram os professores que atuavam com esse
sujeito no ensino regular, ou seja, a deficiência como identidade,
como forma de reconhecer o sujeito, por que não dizer a marca
da sua diferença no tocante aos demais. (Grifos nossos).
A substantivação da deficiência em “mudinho”, “ceguinho”, “doidinho”
exemplifica como essa barreira atitudinal afeta a identidade da pessoa que é tratada
como um todo deficiente, que é concebida como pessoa incompleta (SASSAKI,
2003c; LIMA; TAVARES, 2007).
Esse processo metonímico serve até para
identificar os professores que atuam com alunos com deficiência. Pois, muitas
vezes, os profissionais também começam a ser alvo das barreiras atitudinais, a
serem vistos como “sofredores”, “coitados”, “caridosos”, “angustiados” que cumprem
a “árdua missão de trabalhar com alunos deficientes”.
Quanto a esse último termo, é utilizado e justificado por Bazante (2002)
durante todo o trabalho dissertativo, em que a autora demonstra que “a incerteza
fere esses professores e, como resultante desse sentimento, expressam a
311
impossibilidade de atuarem com o aluno portador de deficiência”. (p. 110). Nessa
mesma passagem, a autora reproduz e analisa o discurso de três professores os
quais trazem à tona esse tom de angústia identificado por Bazante (Ibid.,p.110):
Sobre o que povoa o universo das ideias e imagens construídas,
circulam em torno do não saber o que fazer diante do novo, no dizer
dos professores com salas integradas/incluídas e, do desafio de lidar
com questões de preconceitos e a volta do aluno que foi inserido
para os professores das salas especiais, como por exemplo, no
depoimento de dois professores, um, ao fazer uma atividade de
ciências sobre as partes da planta e o outro , ao se deparar com o
diferente , pela primeira vez, e chegar a sentir medo:
“Aí eu vim com ela no pátio. Eu não tava conseguindo passar pra ela
o que ela tinha que responder; eu fiz tudo pra passar e ela não
entendeu. E estava preocupada porque ela não queria deixar em
branco. Aí, fui pra o pátio, arranquei uma plantinha e mostrei as
partes, tudinho, e ela não conseguiu responder. Aí, me deu a
maior tristeza. (AMARELO, sala de integração/inclusão)
“De não conseguir o que eu pretendia” (AMARELO, sala de
integração/inclusão)
“ No começo eu fiquei muito angustiada, até porque eu não sabia
como seria” ( AZUL, sala especial)
A sensação de impossibilidade marcou suas práticas e nas partes do
depoimento surgem palavras que sinalizam “pena”, motivo pelo qual
o primeiro professor não deixava de ir fazer seu trabalho, apesar de
se dizer velho e doente para lidar com esse tipo de situação (EE). [...]
Nessas situações, percebe-se como o preconceito contra os alunos com
deficiência se cristalizava no retorno deles às salas especiais. Os professores, por
seu turno, demonstravam nutrir piedade e barreira atitudinal de medo, entre outros
obstáculos sociais.
A análise efetivada por Bazante (Ibid.) acerca desses discursos suscita uma
questão: A incerteza/a angústia do professor de não saber que caminhos trilhar para
cumprir o papel de docente apenas se coloca diante do aluno com deficiência ou
estes sentimentos denunciam posturas excludentes, certo grau de comodismo e de
formação deficitária para trabalhar com todos os alunos? A própria pesquisadora
indica que a angústia do professor está relacionada à construção de saberes
docentes cuja fragilidade os faz deslocar a responsabilidade com o aluno para
outras instâncias, como se lê neste excerto:
312
Contrapondo-se à angústia de não conseguirem as coisas, deslocam
o problema para o “outro” (o Estado), a falta de capacitação, a
ausência de um acompanhamento sistemático, ainda que afirmem a
presença do itinerante. Enfim, diante dessa pintura sinuosa e
confusa, perguntamos se costumam fazer estudos ou leitura a
respeito de educação especial e a resposta foi a falta de tempo para
esse tipo de atividade, com o reforço de que bom mesmo seria ter
capacitações pelos órgãos públicos , pois nunca vão, por não
serem convidados/convidadas. (BAZANTE, 2002, p. 111).
A autora, ainda descrevendo e analisando o trabalho da educação especial
oferecida na escola regular, comenta:
Nesse momento, o trabalho com a EE demarcou duas visões
distintas à sua compreensão. A primeira, algo que poderia
conceder ao portador de deficiência uma instância identitária,
um grupo com suas singularidades. A segunda, que o trato com
as questões da EE evocam particularidades reconhecidas no espaço
especial e negadas nos espaços regulares, a partir do momento em
que não têm sido considerados os ajustes às questões que
respeitam a chegada desse sujeito; questões de organização e
funcionamento no cotidiano escolar, como, por exemplo, série que
está cursando, professores que atuam com ele, como tem sido
desenvolvido o trabalho do professor e do itinerante para o
acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem. A prática
dos professores, por vez, refletia a fragilidade no
desconhecimento de qual dos portadores de deficiência
frequentava sua sala, situação que sinaliza o tipo de
atendimento que esse aluno tem recebido nos espaços de
integração/inclusão. (Id., Ibid., p. 100, grifos nossos).
A pesquisadora discute o processo de construção identitária de grupo a partir
da aglomeração de alunos por motivo de deficiência (processo que nutria barreiras
atitudinais de substantivação, de adjetivação etc.); menciona também o descaso do
professorado que não conhecia a clientela com a qual trabalhava e deixa claro que
aquele sentimento de não pertença do aluno com deficiência à instituição escolar se
deve a prática de barreiras atitudinais não apenas efetivada pelos professores, mas
pela gestão e por outros alunos, como analisado anteriormente.
A percepção do descaso do professorado em relação ao aluno com
deficiência é, pois, robustecida através dos fatos que Bazante (2002, p. 111)
identificou nos depoimentos dos profissionais:
[...] em quase sua totalidade, à exceção dos que atuam em salas
especiais, que os demais não têm sido envolvidos nesse processo de
capacitações e estudos. Porém, um agravante identificado é a
transferência de responsabilidades, haja vista estarem atuando há
313
três ou seis anos com alunos portadores de deficiência e nunca
terem feito sequer uma leitura a respeito dessa área.
Em linhas gerais, o que foi descrito pela autora representa a força motriz que
justifica a reivindicação de uma educação que reverta esse quadro e seja de
qualidade para todos.
Bazante (Ibid.), na terceira figuração da pesquisa, caracterizada por escola
regular com alunos integrados/incluídos, fornece algumas pistas para que se
compreenda como essas solicitações continuaram a ser consideradas mais a nível
do discurso do que na prática pedagógica, como se infere a partir desse extrato:
Esse espaço reforçou questões encontradas na segunda figuração,
no tocante ao caminho para a identificação dos professores que
atuam com a EE e mais distanciamentos ainda com a primeira
figuração, pois, se numa escola que tem salas especiais e que, em
alguns momentos também integra, que agora configuramos essa
situação, foi significativamente agravada. (Id., Ibid., p.100).
Como se vê, o formato da oferta da educação muda, mas velhos problemas
continuam sendo revitalizados. Sobre esse processo, Bazante (2002, p.101)
pondera:
[...] quanto mais nos afastávamos dos espaços especiais mais as
situações evidenciavam traços delineadores de fragilidades ao
processo de integração/inclusão. Isso implica perceber a
necessidade de ajustes que não têm sido atentados e que vão além
da adequação de dimensão física: pedem o repensar das práticas
dos professores diante do que eles mesmos nos denominavam como
“o novo” do seu trabalho, visto que nunca pensaram em trabalhar
com EE e, de repente, se encontram “obrigados” a receber o aluno
que eles preferiam chamar de “especial”. [...]
Essas figurações vão tracejando situações e atitudes que expressam
a compreensão sobre EE, na dimensão da regulamentação e
determinação, apenas, em caráter normatizador. A dimensão legal
delimita o tipo de tratamento, mas não define propostas capazes de
efetivar o que reza a lei. Ao trazer essas reflexões para a realidade, o
confronto com incertezas e angústias contorna as inquietações e
resistências dos professores dos espaços.
A autora, ao afirmar “quanto mais nos afastávamos dos espaços especiais
mais as situações evidenciavam traços delineadores de fragilidades ao processo de
integração/inclusão”, parece crer que o caminho adequado para a escolarização dos
alunos com deficiência é o ensino especial. Mais adiante, Bazante (2002) parece
justificar essa crença ao analisar que a escola não estava se estruturando para
314
receber os alunos com deficiência. De fato, a pseudoinclusão é ainda mais maléfica
ao aluno do que o ensino em espaço segregado, pois, nessa tônica se maquila
situações e a partir de um discurso includente, a escola continua a tonificar barreiras
atitudinais e a dificultar o acesso dos alunos com deficiência à escola e a
permanência nela.
Com base no excerto supramencionado, pode-se afirmar que a autora
também demonstra perceber que “as leis que exigem a inclusão das pessoas com
deficiência não são suficientes para que a transformação ocorra ou para que todos
alcancem, de fato, a igualdade nas oportunidades e no próprio direito”. (LIMA;
TAVARES, 2007, p. 24).
Nas palavras de Bazante (2002, p. 102), a dimensão legal da educação não
define propostas reais de efetivação, encontra resistências e traz a aceitação como
termo chave para se modificar esse contexto. Sobre esse tema, a pesquisadora
afirma:
A aceitação, ou melhor, a sensibilização à aceitação do portador de
deficiência tem se anunciado no cenário da EE como um convite ao
olhar mais demorado sobre as nuanças que essa possibilidade
provoca.
Um dos entraves para que dimensão legal continue delimitando o tipo de
tratamento educacional ofertado à pessoa com deficiência, mas não seja efetivada
na tônica do respeito ao que ela apregoa reside nessa compreensão de que as
pessoas com deficiência precisam ser aceitas, como se essa “aceitação” fosse um
favor.
Quando essa aceitação é, pois, colocada como uma possibilidade, o hiato
entre o que está posto na letra da lei e a atitude respeitosa a essa diretriz se
intensifica, trazendo, obviamente, prejuízos à pessoa com deficiência.
Isso fica
perceptível quando Bazante (Ibid., p.108), estabelecendo um confronto entre as
afirmações expressas dos professores e o conteúdo delas, afirma:
[...] em alguns momentos, o trabalho com a EE revela-se como uma
atividade apenas de redução do sofrimento do portador de
deficiência ou de sua inserção em espaços distintos, pois a maneira
de se referir indicava, para um dos professores, qual o entendimento
que o aluno precisava e que só para os diferentes é que a inserção
era mais viável, acrescentando, ainda, que a inserção é algo que não
315
tem muito sentido, pelo fato de muitas crianças serem, também,
“apáticas”.
Nessa análise,
a pesquisadora
demonstra o entendimento que
os
profissionais nutriam acerca do aluno com deficiência: uma pessoa sofredora; de
capacidade cognitiva reduzida; apática. Essa compreensão do aluno como “portador
de sofrimento” remete-se ao contexto do modelo místico e do modelo caritativo de
entendimento da deficiência, nutrindo assim barreiras atitudinais de estereótipos, de
medo, de baixa expectativa, entre outras.
Quanto à compreensão de que as crianças tinham uma capacidade cognitiva
reduzida, percebe-se nela o reflexo do modelo médico da deficiência e a tonificação
da barreira atitudinal de baixa expectativa. Como ratificado por Bazante (2002,
p.108) ao registrar a seguinte análise:
As afirmações [dos professores] sinalizam que a compreensão tida
sobre a deficiência recorre da relação imediata entre deficiência e
ausência da capacidade cognitiva, evidenciando, assim, o quanto as
discussões que versam sobre o conceito de diferença como forma
de respeitar a singularidade e, a partir dela, buscar
procedimentos e práticas que possibilitem o desenvolvimento
do sujeito diferente, ainda precisam ser aproximadas seja dos
professores que atuam em espaços especiais, seja dos professores
que atuam com alunos integrados/incluídos. (Grifos nossos).
Aqui a autora traz um procedimento que é constitutivo da educação inclusiva:
o respeito à diferença, à singularidade dos alunos, e a busca por procedimentos
(acessibilidade) e práticas que assegurem o desenvolvimento de cada um deles.
Esse procedimento, no entanto, consoante a pesquisadora, ainda estava apenas no
âmbito teórico-educacional.
As barreiras atitudinais, presentes na compreensão e no tratamento do aluno
com deficiência como uma pessoa sofredora, de capacidade cognitiva reduzida,
apática, impunham a classificação e a integração de alunos com deficiência a partir
da percepção do professor acerca da capacidade cognitiva deles, pois “só para os
diferentes a inserção era mais viável”; impunham também um tipo de currículo
baseado no “entendimento do que o aluno precisava”, na ótica do professor, e não
no direito à equidade de oportunidades e condições formativas.
316
Assim, a descrença na integração/inserção demonstrada pelos profissionais
surge ancorada a avaliações subjetivas, perversas, incoerentes como se pode
perceber na afirmação de que a inserção não tem sentido porque as “crianças eram
diferentes e apáticas”, entendendo aí “diferentes”, no sentido pejorativo do termo,
sinonímico de incapazes.
Essas
expressões,
substantivações,
adjetivações
utilizadas para fazer referência ao aluno com deficiência também esteve sob o foco
de análise da Bazante (2002, p. 109):
Falar sobre a terminologia e não denominar como deficiente,
por exemplo, é mais uma expressão que passa pelo cuidado com a
ofensa. A idéia de especial ou diferente se distancia das
intenções postas na dimensão teórica, uma vez que essa tem o
propósito de colocar em debate uma mudança de concepção, de
atitude, a partir da forma como tem sido denominado o portador
de deficiência.
As inquietações em lidar com as maneiras de tratar o aluno se
misturam na cabeça dos professores ao afirmarem, também, que
tantas terminologias fazem com que se sintam confusos e que,
portanto, não sabem como se referir ao aluno. Essas afirmações nos
alertam para o fato de que as denominações inseridas nas
discussões da EE não têm provocado uma compreensão
diferente, pois, mesmo aqueles que têm sido aproximados ou
expostos ao debate pedagógico alegam não se sentirem abastecidos
para essa (re) formulação. (Grifos nossos).
O uso de termos inadequados para fazer referência às pessoas com
deficiência gera intensos retrocessos na luta pela efetivação do direito delas. Mais
que simplesmente “cuidado com a ofensa” (o qual, dependendo da circunstância,
revertido em receio de dizer algo errado, pode gerar barreiras atitudinais de medo,
de substantivação, de adjetivação ou de negação da deficiência), utilizar a
nomenclatura adequada é demonstrar ciência de que as palavras têm o poder de
abrir, fechar e consolidar não apenas a compreensão acerca do pertencimento da
pessoa com deficiência à sociedade, mas o entendimento de que elas são cidadãs,
detentoras de deveres e de direitos.
Nesse sentido, a partir do discurso de Bazante (2002), pode-se afirmar que a
dimensão teórico-discursiva da nomenclatura e dos demais constructos da inclusão
têm o propósito de colocar em debate uma mudança de concepção, de atitude,
desde a forma como tem sido denominada a pessoa com deficiência à forma como
as interações sociais, os serviços, os mecanismos de difusão da cultura e de
produção socioeconômica chegam até elas.
317
A pesquisadora, mais adiante, analisa a mudança de paradigma da
integração para inclusão, e parece não perceber que no discurso dela ressoa a
primeira perspectiva de atendimento aos alunos com deficiência:
O que se apresenta nas propostas inclusivistas pode, então,
demandar uma mudança que o paradigma da integração nem sequer
teve tempo de consolidar – a inserção dos portadores de deficiência,
que desenvolveram suas capacidades de aprendizagens em
espaços especiais, poderiam frequentar espaços regulares e,
assim, provocar, com a aceitação desse, a desconstrução da
territorialização da deficiência e da normalidade. (BAZANTE, 2002,
p. 110, grifos nossos).
A escola inclusiva não é o espaço para os que “desenvolveram suas
capacidades de aprendizagens em espaços especiais serem aceitos”, não há
condição para a “aceitação”, não há exigência de preparação prévia para que o
aluno seja partícipe da escola, não há restrição, nem espaço para a barreira
atitudinal de particularização. Nessa perspectiva, os alunos não precisam ser
aceitos, pois o espaço já é pertencente a eles, a todos eles, sem exceção.
Assim, a inclusão reivindica uma mudança sim, uma mudança ética de todos
os profissionais para que esses assumam a responsabilidade de cumprir os papéis
que lhe são devidos na promoção da escola para todos; uma mudança na relação
da família com a escola; uma mudança na estrutura da escola rumo à efetivação de
uma educação em desenho universal, enfim uma mudança epistemológica,
pedagógica e de humanização.
Na tônica da educação para todos, a palavra aceitação surge como sinônimo
da urgência de que se acolha a compreensão de que todos os alunos são diferentes
e merecem ter equitativas oportunidades formativas. Essa compreensão deve surgir
imbricada ao entendimento de que a inclusão “só se faz, fazendo” (LIMA, 2006).
Apenas assim será possível atingir a transformação que esse paradigma propõe e
deteriorar barreiras atitudinais, como a mencionada por Bazante (2002, p. 103) ao
analisar o distanciamento ou o desconhecimento do professorado no que diz
respeito à efetivação da integração/inclusão:
[...] se na dimensão teórica os paradigmas da integração e da
inclusão definem conceitos, atividades, espaços e momentos para a
inserção do portador de deficiência, na realidade apresentada pelo
cenário da pesquisa o distanciamento, ou o desconhecimento,
aparece como uma tônica da angústia que tem sido para os
318
professores atuarem com o aluno portador de deficiência.
Professores, como os da segunda e terceira figurações, que dizem
das suas limitações pessoais, ora por não saberem como se
comportar diante do aluno que porta deficiência, ora por falta de
capacitação profissional para desenvolverem seu trabalho. (Grifos
nossos).
Da análise registrada pela pesquisadora, depreende-se que as barreiras
atitudinais de medo e de rejeição poderiam encontrar espaço para se tonificar na
medida em que professores, argumentando não saber se comportar diante dos
alunos com deficiência, poderiam evitar o contato com eles.
Outra postura que merece atenção e devida reflexão é o fato de alguns
profissionais participantes da pesquisa, esteados na barreira atitudinal de baixa
expectativa, na percepção de incapacidade do aluno com deficiência, ajuizar que os
avanços do aluno são méritos dos docentes, como se lê nesse trecho em que
Bazante (2002, p.112) traz o discurso dos professores e avalia em quem recai o
reconhecimento dos êxitos:
[...] Eles se dizem felizes pelo que conseguem, mas existem duas
evidências que pesam na hora de delinear essa felicidade, ou seja,
uma, que o mérito é do professor e a outra, a surpreendente
dedicação/interesse do portador de deficiência. Vejamos algumas
falas:
“Eu apenas me sinto feliz quando eu consigo alguma coisa; que
eles façam alguma coisa” (AMARELO, sala de integração/inclusão)
“Eu fico atenta demais, pra ele não perder o fio da meada”
(LARANJA, sala de integração/inclusão)
“Você tem que clarear os seus caminhos... É você ver uma
maneira mais fácil de atender o aluno....” “porque ela já tem um
método dela trabalhar também. Veja, ela deu uma super aula, quer
dizer, chamou ainda a atenção da turma” ( VERMELHO, sala de
integração/inclusão).
“Porque eles são muito interessados. Eles dão uma lição de vida,
todo dia, pra gente...” (MARROM, sala de integração /inclusão).
A maneira como relatam suas experiências estabelece uma relação
que vê apenas a realização do que é proposto pelas atividades de
ensino como fruto do seu trabalho, por conseguirem ir driblando as
dificuldades e fazerem com que o aluno aprenda.
Se o mérito é deslocado do professor para o aluno e a comunicação
consegue ser estabelecida, a insistência é sobre o esforço
redobrado, ou seja, o professor não enxerga que o portador de
deficiência consegue formular e construir conhecimento a partir de
sua capacidade intelectual. É a surpresa da lição de vida e a alegria
319
por conseguir as coisas que dão o tom da realização, e não a
aprendizagem como construção. (Grifos da autora).
Depreende-se, pois, que a baixa expectativa gera a equivocada interpretação
de que os alunos com deficiência são intelectualmente incapazes de aprender. Essa
compreensão nutre no professor a percepção de que é preciso um empenho
incomum na educação desses alunos. Tal entendimento engendra a barreira
atitudinal de rejeição, pois sob a leitura de que é necessário um “esforço redobrado”
para trabalhar com os alunos com deficiência, os professores podem recusá-los,
excluí-los.
A barreira atitudinal de baixa expectativa, nesse caso, também se cristaliza
quando o professor julga surpreendente a dedicação/interesse do aluno com
deficiência.
Bazante (2002, p.114) indica caminho para que esse processo seja
erradicado e menciona o discurso de uma professora, cujo despertar para a tônica
da educação inclusiva pode ser percebido:
[...] Assim, o conteúdo analisado apresenta a necessidade de ir além
da visão da limitação; sinaliza para a necessidade de reconhecer o
portador de deficiência “com potenciais”. É urgentemente necessário
se desprender de estereótipos marcados pelas práticas sociais,
como discutimos em capítulos anteriores e que esse sujeito
apresenta ao reconhecer o humano como premissa:
“ Se você vê ali não o deficiente , mas uma pessoa humana que
tem potencialidades a ser desenvolvido [sic], mesmo dentro das
limitações, então, eu acho que você consegue um bom trabalho,
sabe?” (AZUL, sala especial).
Essa ideia (sic) sinaliza para o reconhecer do sujeito
como
diferente , uma vez que não será a deficiência que dará o tom
da relação entre professor e o aluno. Em algumas falas
identificamos, como foi dito anteriormente, conflitos e contradições.
Nesse extrato, a autora revela que acredita na urgência da escola se
desprender da “visão de limitação”, de incapacidade imposta ao aluno com
deficiência, o que só será possível quando se reconhecer as potencialidades desses
alunos e se tiver a condição de pertencimento à sociedade, ao gênero humano como
premissa para a efetivação da oferta educacional.
A professora depoente
demonstra comungar desse entendimento, o que também sinaliza um caminhar
rumo à perspectiva educacional inclusiva.
320
No mesmo trecho da análise efetivada por Bazante (2002, p.114), a autora
difunde barreiras atitudinais em seu discurso, como se lê em:
[...] Nesta que segue abaixo, está evidente a compreensão de que a
deficiência não faz do aluno alguém incapaz de realizar algo, mas,
apenas, alguém com um fazer que difere de outros:
“A deficiência tá sempre relacionada ao tipo de coisa que você quer
do indivíduo, ao meu modo de ver, na minha compreensão... o tipo
de ação, atividade que você quer do indivíduo. Se você quer que ele
expresse, converse com você, como eu estou falando... Oralmente
expresse, verbalize isso e ele não tem essa condição, então ele seria
deficiente nesse sentido de verbalizar oralmente aquilo que ele tá
querendo dizer, mas, por exemplo, ele poderá dizer de outra forma...
a deficiência estaria relacionada ao tipo X de ação que você quer
que ele exerça e não à capacidade de manifestação” (BRANCO,
sala de integração/inclusão). (Grifos nossos).
É relevante destacar que a barreira atitudinal de particularização, expressa na
ideia de que o aluno com deficiência é “alguém com um fazer que difere de outros”,
coloca os alunos em dois extremos: os que apresentam um fazer igual (as pessoas
sem deficiência) e
os que apresentam
pessoas com deficiência).
de que o aluno,
um “fazer que difere dos
outros” (as
A barreira atitudinal consiste, pois, na particularização
por ter uma deficiência, demonstrará um modo particular de
estudar, de aprender, quando, na verdade, todos os alunos, independente de suas
idiossincrasias, traçam singulares percursos formativos.
Por outro lado, novamente se percebe um constructo da filosofia inclusivista
no discurso da pesquisadora: “a deficiência não faz do aluno alguém incapaz de
realizar algo”. Essa crença nas potencialidades do aluno com deficiência é um dos
fios condutores para a efetivação da inclusão educacional.
Os professores entrevistados indicam, consoante a pesquisadora, a
perseverança, a paciência, a repetição, a doação, o amor, o gostar como dimensões
para que os alunos permanecessem na escola e conseguissem se desenvolver,
como se lê nos extratos:
“ É repetir... sempre tá repetindo . Sempre repetir, repetir, repetir,
repetir, nem se preocupar , porque você repetindo , você
consegue chegar lá... Aí , o que eu ensinaria pra um menino
normal que aprenderia num mês , eles não aprendem . Eu fico um
ano , dois, repetindo, batendo na mesma tecla” ( CINZA, sala
especial).
321
“E ela é um trabalho que ela difere do outro, da educação dos ditos
normais (fazia aspas com as mãos), porque ela requer uma gama
bem maior de paciência, de compreensão, entendeu?! A gente tem
que ter uma paciência muito grande e também uma capacidade de
dosar os conhecimentos que são passados pra eles. Tem que
saber dosar todo o conhecimento que passa pra ele e também a
questão do tempo, que é muito importante” (AZUL, sala especial).
“Então, eu comecei observando que eles são carentes de amor,
carinho e dedicação. Eu vejo ele diferente por isso... ( LARANJA,
sala de integração/inclusão)
“Olhe, essa convivência, eu acho que ela leva muito a carga da
afetividade” (AZUL, sala especial). (BAZANTE, 2002, p. 115-116).
Bazante (Ibid.) ao analisar esses discursos reconhece que
Tais afirmações acabam fazendo lembrar de práticas caritativas e
piedosas que mais cristalizaram segregação, ao desacreditar do
potencial do portador de deficiência .
Traduz-se, então, da fala da pesquisadora, que o modelo caritativo de
compreensão acerca da pessoa com deficiência, estando na gênese das barreiras
atitudinais,
incita
a
produção
e
tonificação
de
obstáculos
à
inclusão
social/educacional.
Os professores, por seu turno, têm contribuído com esse processo não
apenas quando esvaziam a prática pedagógica da sua natureza científica e
trabalham apenas na perspectiva da afetividade, mas quando demonstram
descrença nas potencialidades dos alunos, comparando-os e inferiorizando-os (“o
que eu ensinaria pra um menino normal que aprenderia num mês, eles não
aprendem”) e/ou quando particularizam o comportamento, as necessidades, e o
processo educacional desses alunos (“E ela é um trabalho que ela difere do outro”/
“ela requer uma gama bem maior de paciência, de compreensão”).
Os danos provocados pela barreira atitudinal de particularização também são
expostos nesta passagem:
[...] O pensado sobre EE traz a importância de que o portador de
deficiência deve ser reconhecido como ser humano, mas ver o
portador de deficiência como aquele que não tem condições de se
desenvolver como os outros imprime a imagem de um ser humano
que tem a particularidade construída, não como algo que
estabelece a diferença, mas diz o que não pode ser feito . Não
amplia o universo de possibilidades e crescimentos cognitivo e
social, quando em muito o reduz, o nega, por vezes, completamente.
(BAZANTE, 2002, p. 129, grifos nossos).
322
A barreira atitudinal de particularização materializa a negação dos possíveis
avanços, conquistas, desenvolvimento psicossocial e cognitivo que a pessoa com
deficiência pode alcançar.
Por constituir-se numa ameaça a esse campo de
possibilidades, esse obstáculo social tem funcionado como mecanismo de
segregação uma vez que a deficiência é ressaltada como falta, carência que imputa
restrição, que determina o que não pode ser alcançado, efetivado pela pessoa com
deficiência.
No ambiente educacional em que esse obstáculo se faz presente, a
deficiência parece inscrever na pessoa com deficiência a resposta que a sociedade
espera, qual seja, a da aceitação e até da defesa de encaminhamentos que negam,
negligenciam o campo de possibilidades de desenvolvimento individual e social, o
campo de escolhas, de atuação, de empoderamento; o que termina por robustecer
atitudes e projetos assistencialistas, beneficentes que tem a incapacidade, a
particularização, a adaptação como princípios.
Bazante (2002) analisa que além desses obstáculos sociais há também uma
busca pela naturalização da deficiência quando os professores, na tentativa de
justificar que agem normalmente ao atuar na educação especial, afirmam, nas
seguintes passagens, que “deficientes todos somos”:
“Faço como se fosse uma classe normal. A única diferença é que
eles demoram mais a aprender. O que um menino normal aprende
num mês, o que num é normal, entre aspas, ele passa, ele aprende
num ano.” (CINZA, sala especial).
“ Eu dou aula de maneira geral. Só que eu paro mais um
pouco, não vou muito depressa, como se eu tivesse numa
sala que não tivesse deficiente. Tenho
a preocupação de
perguntar: eu estou rápida, demais? Eu pergunto
justa...eu
pergunto à turma. Mas, pergunto mais por
causa deles”.
(MARROM, sala de integração/ inclusão). (BAZANTE, 2002, p. 119,
grifos da autora).
A naturalização, ligada ao processo de normalização, é tão danosa à pessoa
com deficiência quanto as demais barreiras discutidas anteriormente, pois negar a
existência da deficiência, enquanto característica da pessoa humana, é negar à
pessoa o direito a ter acesso a bens e a serviços que lhe assegure a equidade
social/educacional; é negar-lhe o próprio pertencimento ao gênero humano, pois o
humano é indivisível, inigualável, ímpar em sua constituição.
323
Na escola, as características dos alunos precisam ser reconhecidas e
consideradas, portanto, para se favorecer medidas em prol da efetivação da
educação inclusiva todos necessitam considerar a deficiência como característica
constitutiva dos alunos, a qual pode solicitar do professor o redesenhar de planos
educativos para que se atenda a esses alunos em equidade aos demais.
A compreensão acerca dessa perspectiva da educação para todos parece
não ter sido atingida em sua totalidade pelos professores sujeitos da pesquisa
efetivada por Bazante (2002, p.126) o que demonstra a razão do hiato entre a
ciência e a prática pedagógica como evidenciado no seguinte excerto:
Uma vez apresentada pelos professores a dificuldade de explicar
uma compreensão sobre os paradigmas da Integração e Inclusão,
temos a evidência do distanciamento entre ciência e realidade. O
caminhar para consolidar essa aproximação é um processo
necessário.
A pesquisadora analisa que a distância entre teoria e prática precisa ser
eliminada; pondera também que há “uma evidência do conflito entre o que os
profissionais pensam e o significado desse pensamento no trabalho com a educação
especial” (Ibid., p.123). Contudo, Bazante (Ibid., p.126) caminha discursivamente por
uma linha sinuosa de compreensão semelhante a dos professores, ao afirmar que
As mudanças referentes às questões que envolvem a problemática
da EE, presentes nos dizeres dos professores e consideradas em
conflito no dia a dia do seu trabalho, ganham pertinência pelo fato de
que a compreensão sobre a atuação com o aluno portador de
deficiência,
embora
reconhecendo
suas
diferenças
e
particularidades, não vai se constituir de maneira diferente pela
ruptura proposta nos moldes do Paradigma da Inclusão, uma vez que
o cotidiano escolar indica que existem especificidades no trato com
os diferentes tipos de deficiência. Existem aspectos estruturais da
área, cristalizados por anos de um reforço simbólico e perverso, que
podem deixar o portador de deficiência mais fora do processo, ao
incluí-lo, do que garantir condições de seu desenvolvimento cognitivo
e social.
Na ruptura, na transformação proposta pela educação inclusiva não se terá
um “trato dos diferentes tipos de deficiência”, mas uma educação que, considerando
a singularidade, as potencialidades individuais e grupais dos alunos, engendrará a
fragmentação e, quiçá, a eliminação, daqueles obstáculos sociais, perversos,
simbólicos, ruidosos presentes na prática da integração, da exclusão encoberta, da
pseudoinclusão.
324
Quando, portanto, Bazante (Ibid.) afirma que há pertinência nos dizeres dos
professores que advogam contra a inclusão, ela está, na verdade, ratificando falas
como as apresentadas pelos depoentes no momento em que a pesquisadora
perguntou o que seria necessário para atender aos alunos com deficiência:
Lógico! Importantíssino! Eu acho que não tem condições de um
aluno sair de casa e ir direto pro ensino regular. De maneira
[soletrando] nenhuma. Ele tem que passar pelo especial (MARROM,
sala de integração/inclusão).
Veja! Especial aqui não é tratado de forma paternalista; é
especial no sentido de ele... de que quem vai trabalhar com eles
precisa
de
saberes
especiais”
(BRANCO,
sala
de
integração/inclusão). (BAZANTE, 2002, p.127).
Então, se por um lado Bazante (Ibid.) parece reconhecer que os aspectos
estruturais da escola nutrem um reforço simbólico, perverso da exclusão praticada
na escola; por outro, ela, quando atribui sentido e coerência ao discurso dos
professores, parece crer que o aluno precisa ser preparado no ensino especial para
ter acesso à educação regular, parece não acreditar nas rupturas estimuladas pela
teoria da inclusão e efetivadas na prática desse constructo. Vale
lembrar,
nesse
caso, que muitas dessas rupturas tanto ela (a pesquisadora) quanto os profissionais
parecem começar a delinear.
Nesse movimento, prenhe de avanços e recuos em prol da inclusão, a autora
conclui que a comparação dos alunos está na gênese da manutenção da educação
especial e, ainda, pontua que essa dinâmica nega ao aluno a condição de sujeito de
potencialidades, a condição de aprendiz:
A comparação tem se configurado pela constatação de que, não
sendo como o “normal”, é deficiente. E essa afirmativa evoca a
relação imediata entre deficiente e ensino especial; aquele que vai
tratar de um indivíduo sem muitas possibilidades. Ainda que seja
aceito nos espaços regulares, não dá conta de desmistificar a
relação com uma prática pautada no “oferecimento do mínimo” para
que ele consiga se manter nesses espaços. E os encaminhamentos
levam consigo uma marca do ser deficiente, ou só ser eficiente por
ter sido trabalhado para sê-lo, negando a constituição do sujeito
aprendiz. (Id.Ibid., p. 127).
Na análise desse processo, a pesquisadora alerta para que se pense que a
educação especial, além de estar pautada na tônica da incapacidade, imprime ao
aluno com deficiência, a partir de um currículo “adaptado”, as possibilidades de
325
fracasso escolar, de desinserção. Mais adiante, Bazante (Ibid.) indica que uma das
causas para a manutenção desse processo de desinserção do aluno é que, por
vezes, a discussão sobre a educação do aluno com deficiência é situada apenas
entre os profissionais que atuam nas salas especiais; o que, consequentemente,
estabelece uma
[...] linha divisória que gera a insatisfação dos professores de salas
integradas/incluídas, pois estar atuando com os portadores de
deficiência significa para eles precisar do suporte dado nos
momentos de estudo e de aproximação de propostas teóricometodológicas à EE. (Id., Ibid.).
A autora reflete também sobre o que, aparentemente, é ponto comum entre o
paradigma da integração e o da inclusão:
Outra questão fundamental é a de que, se temos a perspectiva da
inserção como premissa, seja num paradigma ou em outro, uma
coisa é fato: está sendo perseguida uma proposta que busca levar
em consideração um sujeito em sua singularidade e que tem o direito
a ser inserido socialmente. A ênfase que tem permanecido dos
embates entre a produção científica e o cotidiano escolar, no entanto,
tem circulado basicamente na normatização do atendimento e muito
pouco no conhecimento das possibilidades de se trabalhar em busca
da condição de sujeito para quem essa educação se destina. (Id.,
Ibid.).
É importante, pois, retomar a distinção entre esses paradigmas. De modo
sucinto, pode-se afirmar que a inserção é constructo do paradigma da integração, o
qual defende que apenas os alunos com deficiência que estiverem preparados para
o ensino regular poderão ser integrados. Já a inclusão é o paradigma que defende a
transformação da escola como pré-requisito para que o aluno com deficiência seja
inserido num contexto de pleno exercício da cidadania, de pleno desenvolvimento e
de empoderamento. Esse pré-requisito impõe que a escola esteja no processo
constante de transformação e que o aluno seja ouvido, considerado, nesse
processo; impõe também que a escola tenha a família como parceira e que essas
instâncias, juntas à comunidade, reflitam os passos rumo à efetivação plena do
acesso e da permanência de todos na escola.
Ao finalizar a dissertação, Bazante (2002, p.129) ratifica a denúncia de vários
obstáculos sociais identificados por ela no decorrer da pesquisa:
Ao portador de deficiência fica, ainda, a imagem de “coitadinho” e
que, portanto precisa ser “protegido”, mesmo que numa versão
326
modificada, que incorpora elementos novos a práticas antigas. Daí o
fato de aceitar que ele pode conviver como os outros, mas ao mesmo
tempo não ser possível exigir muito no seu processo de
aprendizagem, na sua capacidade de produção para o trabalho, de
sua cognição ou afirmação na sociedade. Fica, também, a ideia de
que ele pode se desenvolver, e isso aponta para a possibilidade do
desmonte das formulações pautadas na carência, falta e limitação
(impossibilidade), ainda cristalizadas na representação dos
professores, convidando ciência e senso comum para uma troca
mais articulada dos conhecimentos produzidos.
Nas palavras conclusivas do trabalho, a autora continua a denunciar a
existência de obstáculos sociais e reafirma a percepção de um processo social que
começa a engendrar compreensões que podem favorecer a erradicação desses
obstáculos. Por um lado, a autora denuncia a piedade (“a imagem de ‘coitadinho’ e
que, portanto precisa ser ‘protegido’”) e a baixa expectativa (“ele pode conviver
como os outros, mas ao mesmo tempo não é possível exigir muito no seu processo
de aprendizagem, na sua capacidade de produção para o trabalho, na sua cognição
ou afirmação na sociedade”). Por outro, ela demonstra que a ênfase na limitação,
no déficit começa a ser posta em xeque quando os profissionais começam a
reconhecer as potencialidades do aluno com deficiência.
Bazante (2002) não fornece, contudo, subsídios para que se pense como
eliminar tais obstáculos, mas sinaliza que o senso comum nutre-os e convoca a
ciência para a desmistificação.
Vale então alertar, a exemplo das barreiras atitudinais encontradas no
discurso científico produzido pelo PPGE/UFPE e aqui analisado em sua trajetória,
que a ciência também tem gerado, tonificado muitas dessas barreiras. Logo, o
discurso científico também precisa ser analisado e articulado à prática de atitudes
positivas diante da pessoa com deficiência e da diversidade humana, como um todo.
Nos
vinte
e
quatro
anos
iniciais
de
pesquisa
no
PPGE/UFPE,
especificamente, nos cinco trabalhos que discutem a educação para todos/educação
especial
são
perceptíveis as contribuições da Universidade para que se reflita
sobre as contradições nas práticas discursivas, nas políticas e nas práticas
pedagógicas.
Nesse processo, sem dúvida, a escola descrita como uma instituição
autoritária, reprodutora de contradições sociais, esteve sob intenso foco de análise.
327
A produção desses trabalhos revela, pois, mais que a trajetória dos obstáculos
sociais nutridos contra a pessoa com deficiência; eles colocam em tela a atenção
que a Universidade dispensou ao tema, colocando-se em prol da educação para
todas as pessoas, colocando-se como promotora de um discurso que ecoa na
prática pedagógica e que dela se nutre.
Esse contexto faz surgir algumas questões mobilizadoras da busca por outros
dados que contribuam para que se compreenda a produção da pesquisa sobre
Educação Especial no PPGE/UFPE e, ainda, faz emergir categorias analíticas das
dissertações sobre esse tema, cujo fio discursivo, em sua maioria, contemplava a
vertente da política educacional.
A percepção desse dado gerou questionamentos: Em que linhas de pesquisa
estavam situados tais trabalhos? Quais os textos teóricos e legais que foram
utilizados de modo mais substantivo e convergente ao longo dessa produção? Essas
questões guiaram a busca por documentos que clarificassem a essência da
pesquisa sobre Educação Especial no PPGE/UFPE, dentre esses recursos, os
editais de mestrado e os curricula vitarum, registrados na plataforma lattes do CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), dos professores
orientadores e dos orientandos, o referencial teórico e as referências dos trabalhos
analisados, entre outros.
6.1- Educação Especial/Educação Inclusiva: objetivos, área de concentração e
linhas de pesquisa no PPGE/UFPE
Os primeiros editais de mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Pernambuco não foram encontrados,
conforme se lê em documento fornecido pela instituição (Anexo H), o qual informa
que “os editais de seleção
dos anos de 1988, 1991,1992, 2004 e 2007 e dos
períodos de 1978 a 1985 e 1994 a 2002 não foram localizados” nos arquivos do
PPGE.
Assim, no período de 1978 a 2011 (durante os trinta e três anos iniciais de
pesquisa no PPGE/UFPE) muitos editais, documentos estruturadores do processo
seletivo e do programa, não puderam ser encontrados, o que dificultou a coleta de
328
dados para uma leitura mais completa a respeito dos objetivos, da área de
concentração e das linhas de pesquisa. No entanto, apresenta-se aqui o que foi
possível apreender dos documentos obtidos.
6.1.1-
Os objetivos do PPGE/UFPE: qual o lugar da pesquisa
voltada à
educação para todos?
A pós-graduação no Brasil data da década de 1960 e inicialmente buscava
formar professores para atuar no ensino superior. Em outras palavras, a expansão
desse nível de escolarização tornou urgente a formação qualitativa de profissionais
que nele pudessem atuar. (KUENZER; MORAES, 2005). Esse objetivo nacional da
pós-graduação esteve fortemente contemplado no PPGE/UFPE, como se pode
verificar nos editais publicados pelo programa.
Quanto às finalidades do PPGE/UFPE, os editais de 1986, 1987, 1989, 1990
informam que a função do programa era:
[...] formar professores do ensino superior, especialistas e
pesquisadores em Educação, especificamente em Planejamento e
Política Educacionais. [...] Fornecer um instrumental teórico-prático
que, partindo de uma compreensão contextualizada das políticas
educacionais na realidade brasileira, particularmente nordestina,
prepare o planejador educacional para atuar nessa realidade.
Pressupõe que o planejador educacional deva ser um educador,
capaz de perceber as relações existentes entre as atividades
educacionais e a totalidade das relações sociais e domine
determinado conteúdo pedagógico, científico e técnico, o qual
traduza um compromisso político com a maioria da população
brasileira. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano
acadêmico de 1986. PPGE/UFPE, 1986, p. 01. Grifos nossos)
Nesse caso, o discurso da universidade permite que se compreenda que ela
estava buscando preparar o planejador educacional para atuar conforme um
compromisso político “com a maioria da população”. No objetivo central do
Programa, pode-se entender, então, que a formação por ele ofertada refletia numa
prática científica e pedagógica que não seria destinada a todos, mas a uma maioria.
Colocada sob esses trilhos, a formação ofertada no PPGE/UFPE se distanciava dos
constructos teórico-práticos da educação para todos.
329
Posteriormente, os editais de 1991 e 1992 ainda registram esse tom, como se
lê:
O curso se destina a formar professores e pesquisadores em
Planejamento e Política Educacionais. Objetiva fornecer referenciais
teórico-metodológicos que prepare o educador/planejador para atuar
na realidade brasileira, assumindo compromisso político com a
maioria da população, em consonância às diretrizes do Centro de
Educação da UFPE, traduzindo-se na capacidade de:
- perceber as articulações entre os projetos educativos e a totalidade
das relações sociais;
- visualizar a inserção das políticas educacionais no conjunto das
políticas públicas;
- conceber propostas de intervenção macro e micro educativas,
fundamentadas no domínio e na criticidade dos conteúdos da área
sócio-educacional. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para
o ano acadêmico de 1991. PPGE/UFPE, 1991, p. 01 / 1992, p. 1.
Grifos nossos).
Nos dois anos seguintes (1993 e 1994), os editais informam:
O Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação
da Universidade Federal de Pernambuco [...] se dedica à formação de
professores do ensino superior, especialistas e pesquisadores em
educação, especificamente em política e Planejamento Educacionais,
com a possibilidade de aprofundamento de estudos nas seguintes
linhas de pesquisa: a) Estado e Política Educacional no Nordeste/ b)
Política Educacional e Prática Pedagógica. (Mestrado em Educação –
Edital de Seleção para o ano acadêmico de 1993. PPGE/UFPE, 1993,
p. 01/ 1994, p.1).
No edital de 2003, lê-se:
O programa destina-se à formação de docentes/pesquisadores
através da produção de estudos e pesquisas que ampliem e
aprofundem o conhecimento sobre a realidade educacional, nas
linhas de pesquisa que abriga. [Política Educacional, Planejamento
e Gestão da Educação; Formação de Professores e Prática
Pedagógica; Teoria e história da Educação; Didática dos Conteúdos
Específicos]. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano
acadêmico de 2003. PPGE/UFPE, 2003, p. 01. Grifos nossos).
Pode-se traduzir que nesse período a formação de pesquisadores em
educação, no PPGE/UFPE, estava voltada para o conhecimento, a descrição, a
compreensão da realidade educacional, não sinalizando, portanto, a intervenção, a
interface entre os saberes produzidos na pós-graduação e a transformação da
330
educação, deixando de lado o movimento em que a teoria e a prática se
retroalimentariam, contrariando o diálogo apregoado pela inclusão educacional.
Em 2005, 2006 e 2008, lê-se esta mesma informação:
1.4- São os seguintes os objetivos específicos do programa de Pósgraduação em Educação: a) formar professores que atendam,
quantitativa e qualitativamente, à expansão do ensino superior na
área de Educação; b) Preparar pesquisadores que desenvolvam
pesquisa educacional; c) formar especialistas de alto nível em
Educação, que possam colaborar para o desenvolvimento dos
sistemas de educação no Brasil. (Mestrado em Educação – Editais
de Seleção para o ano acadêmico de 2005, 2006, 2008)
O edital de 2009, traz:
1.3- Objetivos do Programa de Pós-graduação em Educação: a)
formar professores que atendam, quantitativa e qualitativamente, às
atividades do ensino superior na área de Educação; b) preparar
pesquisadores que desenvolvam pesquisa educacional. (Mestrado
em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2009.
PPGE/UFPE, 2009, p. 01)
Os editais para os anos letivos de 2010, 2011 e 2012 não trazem
explicitamente as informações acerca dos objetivos do curso, os quais eram
comumente expressos nos itens: “Objetivos do Curso”, “Informações Gerais” ou “Do
público–alvo”. Hoje, a estrutura do edital contempla:
1. Da inscrição; 2. Da documentação exigida para inscrição no
Exame de Seleção e Admissão; 3 - Do Exame de Seleção e
Admissão; 4 – Resultados; 5 – Recursos; 6 – Vagas e
Classificação; 7 – Das disposições gerais (Mestrado em
Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2012.
PPGE/UFPE, 2012, p. 1-6)
A lacuna informacional acerca dos objetivos do Curso leva à percepção de
uma perda de identidade do Programa e incita a reflexão: será que a ausência do
registro dos objetivos do curso de Mestrado em Educação, nos mais recentes editais
do PPGE/UFPE, ocorre por que os atores do Programa entendem que os candidatos
já conhecem a identidade do Curso ou será que essa identidade já não é tão
definida como o foi anteriormente?
Essa questão mobiliza outras ponderações que ultrapassam o escopo da
presente pesquisa. Mas, urge ser respondida por quem participa desse importante
Centro de difusão do conhecimento.
331
Quanto aos editais cujos objetivos do Programa foram registrados
explicitamente, percebe-se que nesses não há menção à educação inclusiva ou a
elementos que estão na centralidade teórico-prática dessa área.
6.1.2- Área de concentração e linhas de pesquisa no PPGE/UFPE: qual o lugar
da pesquisa voltada a educação para todos?
Da análise dos editais fornecidos, verificou-se que o mestrado em educação
na UFPE, em princípio, estava situado na área de concentração: Planejamento e
Política Educacionais e adotava como linhas de pesquisa: “O Estado e a política
educacional no Nordeste”; “Política educacional e prática pedagógica” e objetivava,
com a primeira, aprofundar
[...] o conhecimento dos mecanismos de intervenção estatal no país
e suas implicações na política educacional e no planejamento do
setor, no contexto das políticas públicas, conforme se expressam no
espaço nordestino. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para
o ano acadêmico de 1986. PPGE/UFPE, 1986, p.1)
E com a segunda,
[...] compreender as implicações sócio-pedagógicas da política e do
planejamento educacionais no processo educativo, seja no sistema
formal de ensino, seja nas iniciativas paralelas decorrentes do nível
de organização da sociedade civil. (Id.; Ibid.)
Essa área de concentração (Planejamento e Política Educacionais) sofreu
alterações no ano de 1996 quando foram definidos outros percursos de
investigação, a saber, as linhas de pesquisa: Política Educacional, Planejamento e
Gestão da Educação; História e Teoria da Educação. Só depois desse período
surgiram duas outras linhas: Formação de Professores e Prática Pedagógica;
Didática de Conteúdos Específicos. (RELATÓRIO CAPES, 1998 apud SILVA;
PINTO, SILVA; SILVA, 2008, p. 78).
Em 2005, o edital de seleção traz explicitamente, na linha de Didática dos
Conteúdos Específicos, a informação de que no Programa um docente atua
especificamente com pesquisas sobre Inclusão:
Francisco José de Lima, Doutor em Psicologia pela Universidade de
São Paulo, Brasil, 2001.
332
Orienta pesquisas sobre acessibilidade, a usabilidade e demais
questões éticas e legais que envolvem a inclusão de crianças, jovens
e adultos em todos os espaços sociais, preservadas suas
características pessoais e de grupo, como sua origem geográfica e
racial; sua opção sexual, religiosa, linguística, etc., assim como o
estudo do direito à acessibilidade; o desenho universal; a eliminação
de barreiras atitudinais. Metodologias de ensino, acompanhamento
pedagógico de pessoas com deficiência, adequações curriculares e
formação de docentes, sob a égide da teoria da inclusão, bem como
o estudo e o desenvolvimento de tecnologia assistiva
(desenvolvimento de protótipos, softwares, entre outros, nas demais
áreas do conhecimento). (Mestrado em Educação – Edital de
Seleção para o ano acadêmico de 2005. PPGE/UFPE, 2005, p. 04)
Em 2008, nenhum professor do programa trazia, em seu perfil disponível no
edital, informações sobre o interesse por pesquisas acerca da inclusão educacional.
Nesse ano, a Linha de Pesquisa em Didática dos Conteúdos Específicos
contemplou a área de Língua Portuguesa, a de Matemática e a área de Ciências.
Nos editais de 2009 e 2010, apenas o professor Francisco José de Lima,
situado na linha de pesquisa de Didática dos Conteúdos Específicos, explicitava a
atuação científica na área da inclusão, demonstrando interesse por aqueles mesmos
conteúdos já especificados por ele no edital de 2005.
É importante destacar que no ano de 2009, a linha de pesquisa Didática dos
Conteúdos Específicos apresentou subáreas: a) Língua Portuguesa; b) Educação
Infantil; c) Educação Inclusiva. E em 2010, a subárea de Educação Infantil já não
era visualizada. Nesse mesmo ano, a linha de Pesquisa Teoria e História da
Educação apresentava: a) Subárea de Teoria e História, b) Subárea de Educação e
Espiritualidade.
Em 2011, a única linha de pesquisa que apresentava subáreas era a de
Didática dos Conteúdos Específicos: a) Subárea Educação Inclusiva; b) Subárea de
Ensino de Ciências. Surgem também as linhas de Pesquisa: Educação e
Espiritualidade e Educação e Linguagem. Na ementa da linha de Pesquisa, lê-se:
1-
Didática dos Conteúdos Específicos
Ementa: Partindo da compreensão de que o ensino e a
aprendizagem são processos em permanente transformação,
sujeitos a rupturas e reconstruções epistemológicas, e que
constituem, concomitantemente, produtos realimentadores desses
mesmos processos, esta linha de pesquisa compreende estudos
333
que objetivam investigar a ação de ensinar e aprender nas diversas
áreas do saber (Ciências e Educação Inclusiva). Desta perspectiva,
são examinadas ferramentas cognitivas, transposições e contratos
didáticos estabelecidos, interações professor/aluno e aluno/aluno e
representações sociais envolvidas na ação educativa. (Mestrado em
Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2011.
PPGE/UFPE, 2011, p. 13).
Educação inclusiva como subárea é informação ratificada, nesse edital, no
“Anexo IV – Linha de pesquisa e Bibliografia”. Já no edital para o ano de 2012, não
aparece a subárea de educação inclusiva. Não obstante, aparece aquela mesma
menção do conteúdo na ementa da linha de Didática dos Conteúdos Específicos:
1 – Didática de Conteúdos Específicos
a) Ementa: Partindo da compreensão de que o ensino e a
aprendizagem são processos em permanente transformação,
sujeitos a rupturas e reconstruções epistemológicas, e que
constituem, concomitantemente, produtos realimentadores desses
mesmos processos, esta linha de pesquisa compreende estudos que
objetivam investigar a ação de ensinar e aprender nas diversas áreas
do saber (Ciências e Educação Inclusiva). Desta perspectiva são
examinadas ferramentas cognitivas, transposições e contratos
didáticos estabelecidos, interações professor/aluno e aluno/aluno e
representações sociais envolvidas na ação educativa. (Edital de
seleção para Mestrado em Educação. UFPE: 2012, p. 12)
Quando, contudo, nesse edital Educação Inclusiva é colocada como uma área
do saber, o leitor é movido a investigar quais os profissionais que orientam
pesquisas nessa área e logo verifica que nenhum dos docentes situados na linha de
Didática dos Conteúdos Específicos ou em outras linhas explicita que pesquisa
sobre Educação Inclusiva.
Vale destacar, então, que os editais colocam a educação inclusiva como área
quando a educação inclusiva deve estar no cerne das pesquisas educacionais como
transversalidade do conhecimento, pois a inclusão, enquanto teoria norteadora para
a pesquisa em educação e para a prática pedagógica, perpassa todas as áreas,
conforme se apreende do currículo do professor Francisco Lima, quando esse
professor afirma , nos editais de 2005, de 2009 e de 2010, que tem interesse em
orientar pesquisas sobre a discussão e a promoção da acessibilidade, em todos os
espaços formativos, para crianças , jovens e adultos; sobre a usabilidade; a ética
frente a diferença; os aspectos legais que envolvem a inclusão; as metodologias
de ensino, as adequações curriculares, o acompanhamento pedagógico de alunos
com deficiência; a formação dos professores e sobre a tecnologia assistiva.
334
Ainda em relação ao percurso de análise da(s) área(s) e das linhas de
pesquisa que configuram o mestrado em educação da UFPE, depreende-se que a
área de concentração do PPGE/UFPE (Planejamento e Política Educacionais),
vivenciada a partir daquela díade (Estado e Política educacional / Política
Educacional e Prática Pedagógica) e da posterior busca pela ampliação do
programa, começa a abrir espaço para outros campos discursivos, mas que nesses
campos aparentemente a inclusão ainda não tem lugar assegurado na prática
investigativa incitada pelo programa.
A análise desse processo conduz aos questionamentos: Qual a distinção
entre área de concentração e linha de pesquisa?
Que impactos as linhas de
pesquisa imprimiram às pesquisas sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva no
PPGE/UFPE?
Área de concentração é a orientação do programa que direciona seus
partícipes a “agrupar ações e fazê-las convergir para um centro, de modo a adensar,
fortalecer ou tornar mais ativo determinado domínio de conhecimento” (BORGESANDRADE, 2003, p. 09).
Esse autor versa, em seu trabalho, sobre a indicação da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para que exista
certa hierarquia nos Programas de Pós-graduação em relação à estrutura
organizacional. Assim, partindo do geral para o específico, os PPGs (Programas de
Pós-Graduação) devem compreender: área de concentração, linha e projeto de
pesquisa.
A aplicação desse conceito/orientação da CAPES no PPGE/UFPE e a
inexistência até 2012 de uma linha de pesquisa sobre Educação Inclusiva, que
contribuísse para “adensar, fortalecer ou tornar mais ativo” o domínio do
conhecimento acerca da política educacional para todos, bem como de outros
aspectos da inclusão educacional, apontam os rumos da pesquisa e, de certo modo,
explicam a escassez de trabalhos na área em vários e, por vezes longos, períodos
da história do programa: 1978 a 1986; 1988 e 1989; 1991 a 1995; 1998 a 2002.
Retornando, contudo, a discussão sobre o que delimita o conceito de linha de
pesquisa, pode-se verificar, com base em Borges-Andrade (2003), Menandro (2003)
335
e Fensterseifer (2003), que esse termo sofre ausência ou confusão conceitual. O
primeiro autor afirma que para definir uma linha de pesquisa pode-se adotar o
conceito de um traço imaginário que
[...]. determina o rumo, ou o que será investigado num dado contexto
ou realidade;
. limita as fronteiras do campo específico do conhecimento em que
deverá ser inserido o estudo;
. oferece orientação teórica aos que farão a busca; e
. estabelece os procedimentos que serão considerados adequados
nesse processo. (BORGES-ANDRADE, 2003, p. 08, grifos do autor).
O autor Jairo Borges-Andrade indica, então, os elementos essenciais do
conceito de linha de pesquisa: “objetivo, delimitação de escopo e referência a
atividades de trabalho”. (Id., Ibid.). Menandro (2003, s./p.), por seu turno, propõe o
seguinte esquema para explicitar a caracterização do conceito de linha de pesquisa:
Área
Concentração
Delimita
do
de Linha
Pesquisa
de Projeto
Pesquisa
fronteiras
campo
de
conhecimento
da
SEMPRE
SEMPRE
Não se aplica
ÀS VEZES
SEMPRE
SEMPRE
ÀS VEZES
ÀS VEZES
SEMPRE
ÀS VEZES
ÀS VEZES
SEMPRE
investigação
Determina o rumo
ou
o
que
investigado
será
num
dado contexto
Demarca
orientação teórica,
que
de
serve
de
referencial
Estabelece
procedimentos
adequados
investigação
à
336
A reflexão proposta pelo autor sugere que se pense em linha de pesquisa
como algo que sempre delimita fronteiras do campo de conhecimento da
investigação e determina o rumo ou o que será investigado num dado contexto. E
que, às vezes, demarca orientação teórica, que serve de referencial e estabelece
procedimentos adequados à investigação.
As dissertações aqui estudadas, ao se inserirem nas duas linhas “O Estado e
a política educacional no Nordeste e Política educacional e prática pedagógica”,
sustentam a diferença sugerida por Menandro (2003), uma vez que os trabalhos
estão dentro de uma área de concentração, dentro de uma linha de pesquisa e,
enquanto projeto: Determinam o rumo ou o que será investigado num dado contexto;
Demarcam orientação teórica, que serve de referencial; Estabelecem procedimentos
adequados à investigação.
Ocorre, contudo, que o rumo determinado não vem da área de concentração
de educação inclusiva em si, mas das áreas supramencionadas (O Estado e a
política educacional no Nordeste, Política educacional e prática pedagógica); a
demarcação da base teórica está mais para a sociologia, a política, a psicologia etc.
que baseada na literatura da pedagogia social e inclusiva; e ao estabelecer os
procedimentos metodológicos para a pesquisa , de modo geral, os trabalhos não
contemplam
a participação do sujeito (aluno, profissional com deficiência etc.)
dentro do preceito “nada de nós sem nós”.
A fim de entender essa relação, vale refletir ainda sobre a aparição do
conteúdo educação inclusiva como saber na linha de didática, cuja prática das
pesquisas orientadas pelo professor Francisco Lima ultrapassa essa díade de áreas,
extrapola a demarcação discursivo-teórica em comento e assume as nuanças da
discussão e da defesa da inclusão.
Nesse caso, é valoroso que se perceba que aqueles grandes temas sobre a
inclusão registrados quando o professor declarou, nos editais, os interesses por
pesquisas, têm sido materializados nos trabalhos concluídos ou em andamento. Sob
a orientação de Lima, tem-se a pesquisa realizada por Fernanda Sant’ana (2005)
sobre: avaliação, currículo, formação docente; a dissertação de Neulia Cavalcante
(2007) sobre: o papel do professor itinerante; a dissertação de Lívia Couto Guedes
337
(2007) sobre barreiras atitudinais e questões legais da inclusão; as dissertações de
Ernani Ribeiro (2010) e Paulo Vieira (2010) que discorrem sobre tecnologia
assistiva; o primeiro, sobre a acessibilidade no livro didático para pessoa surda; o
segundo, pesquisou sobre acessibilidade no livro didático para pessoa cega. Em
andamento, o trabalho de Andreza Nóbrega sobre: educação inclusiva como fonte
de acesso à arte para pessoas com deficiência visual, intelectual, com dislexia e
outras; e o de Fernanda Loiola sobre a educação inclusiva nos ambientes
hospitalares; e este próprio trabalho que faz
uma apresentação, um
estudo
histórico da Educação Especial no PPGE/UFPE.
As dissertações seguem, com exceção desse contexto, projetos de interesse
dos orientandos que são acolhidos por orientadores cujas linhas de pesquisa
alcançam a educação inclusiva, mas que não estão, nem elas, nem a área de
concentração a que pertencem, dentro da área educação especial/educação
inclusiva. É compreensível, para a época até então estudada, que isso ocorresse;
visto que não havia área de concentração, linha de pesquisa ou orientador que
pesquisasse a educação especial/educação inclusiva especificamente.
Com efeito, em sua maioria, as dissertações estavam situadas no âmbito
político da educação, consoante, inclusive, a uma tendência nacional de
investigação dos Programas de Pós-Graduação (Doravante, PPGs), como indica
Santos (2008).
Em razão do valor das linhas de pesquisa para a sistematização dos
programas de pós-graduação, para que projetos sejam desenvolvidos e o “ciclo de
vida
dessas
linhas”
(FENSTERSEIFER,
2003)
seja
retroalimentado,
elas
paulatinamente se transformaram
[...] numa unidade de análise para a avaliação de cursos e de
propostas de cursos [por isso] são comuns os cálculos de projetos
por linhas, pesquisadores por linhas, alunos por linhas, publicações e
dissertações por linhas, linhas por grupos, linhas por área de
concentração, linhas por curso etc. [...]. (BORGES-ANDRADE, 2003,
p. 04)
Quando, porém, as linhas de pesquisa são colocadas pela UFPE como
campo de investigação documental, quase não se visualizam informações sobre a
subárea Educação Inclusiva, inserida na área de Didática dos Conteúdos
338
Específicos, conforme se pode analisar em livro intitulado “Programa de Pósgraduação em Educação da UFPE: 30 anos de uma história (1978-2008)”, de autoria
de Silva et. al. (2008), publicado pela editora Universitária da UFPE.
O livro que historia o percurso do PPGE/UFPE é um relevante documento
para todos os que participam do programa ou que dele queiram se informar.
Contudo, ao trazer pouca visibilidade ao trabalho que essa conceituada
Universidade tem efetivado sobre o tema Educação Especial/ Educação Inclusiva,
coloca o programa num lugar aquém ao que ele de fato se encontra, no que
concerne às pesquisas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva.
Esse material traz três quadros sínteses das categorias teóricas utilizadas
pelos autores para classificar os temas das pesquisas realizadas no programa e do
quantitativo de dissertações elaboradas no intervalo de 1982 a 2008, consoante tais
categorias. No quadro 01, lê-se:
Síntese por categorias – Dissertações – 1982- 1989
Categorias
Políticas
e
Dissertações
Planejamento
8
Educacionais
Clientela estudantil
2
Agentes Educativos
4
Currículo Escolar
0
Estratégias, Recursos e Avaliações
1
de Aprendizagem
Sistemas,
Instituições,
Programas,
2
Cursos e Movimentos Educacionais
História e Filosofia
Outros
4
3
(SILVA et. al. 2008, p.80)
Nesse período, verifica-se que o maior quantitativo de trabalhos contemplou a
categoria Políticas e Planejamento Educacionais, situando-se naquela perspectiva
da área de concentração do curso de mestrado do Centro de Educação/UFPE. E,
339
conclui-se que na categoria “Outros”, provavelmente, não estaria situado aquele
primeiro trabalho sobre educação para todos (a dissertação de Inalda Bacelar), pois
o texto discute a prática e o discurso da política educacional. Logo, nesse recorte
temporal da pesquisa efetivada no PPGE/UFPE, não há referência à Educação
Especial/Educação inclusiva, mas havia um trabalho vanguardista sobre as bases da
educação inclusiva.
No quadro 02, lê-se:
Síntese por categorias – Dissertações – 1990- 1999
Categorias
Políticas
e
Dissertações
Planejamento
06
Educacionais
Clientela estudantil
07
Agentes Educativos
09
Currículo Escolar
01
Estratégias, Recursos e Avaliações
13
de Aprendizagem
Sistemas,
Instituições,
Programas,
19
Cursos e Movimentos Educacionais
História e Filosofia
Outros
13
05
(SILVA et. al. 2008, p.81)
Os dados contemplados nesse quadro demonstram que o PPGE/UFPE
começa a pesquisar com mais vigor temas relacionados a Sistemas, Instituições,
Programas, Cursos e Movimentos Educacionais; História e Filosofia da Educação e
Agentes Educativos. O tema das Políticas e Planejamento Educacionais permanece
numa frequência de análise considerável, mas, nesse período, não prevalece nas
produções. Na categoria “Outros”, estariam, então, situados os trabalhos de Rosa
(1990), Nery (1996), Moreira (2002). Esses trabalhos representam a maturidade do
Programa em lidar com o tema da Educação Especial e trazem impactos diretos à
política e à prática educacional do estado de Pernambuco, seja quando a
340
dissertação de Rosa dá origem a um relevante documento: “Proposta Pedagógica
para a Área da Deficiência Mental”, publicado no Caderno de Educação Especial,
Série Ensino, Recife (1991, p. 40-43); seja quando essas dissertações são utilizadas
como referencial teórico para outras pesquisas realizadas no programa e por
outros pesquisadores em espaços exteriores a ele.
E, no quadro 03, tem-se:
Síntese por categorias – Dissertações – 2000-2008
Categorias
Políticas
e
Dissertações
Planejamento
41
Educacionais
Clientela estudantil
18
Agentes Educativos
51
Currículo Escolar
31
Estratégias, Recursos e Avaliações
50
de Aprendizagem
Sistemas,
Instituições,
Programas,
26
Cursos e Movimentos Educacionais
História e Filosofia
Outros
30
13
(SILVA et. al. 2008, p.82).
Ao analisar o quadro, percebe-se uma crescente na produção da pesquisa no
PPGE/UFPE, onde se discute hierarquicamente, do ponto de vista quantitativo, os
temas relacionados a Agentes Educativos; Estratégias, Recursos e Avaliações de
Aprendizagem; Políticas e Planejamento Educacionais; Currículo Escolar; História e
Filosofia.
Na categoria “Outros”, constituída por 13 trabalhos, estariam então situados
11 estudos sobre Educação Especial/Educação Inclusiva: Tânia Bazante (2002);
Sandra Santiago (2003); Ediana Almeida (2003); Maria do Rosário Sales (2005);
Zélia Fonte (2005); Fernanda Sant’ana (2005); Ana Flávia Oliveira (2006); Neulia
Cavalcanti (2007); Ednea Albuquerque (2007); Lívia Guedes (2007); Vanira Lins
341
(2008). Esse dado, incita a reflexão: será que a(s) pessoa(s) que realizaram esse
levantamento entendeu (entenderam/ compreendem) a relevância desses trabalhos
para o PPGE/UFPE?
Ainda sobre os recortes temporais registrados por Silva et. al.(op. cit.), podese verificar que o período de 2000 a 2008 foi o intervalo em que mais o PPGE/UFPE
produziu/efetivou pesquisas, considerando o período deste trabalho, inclusive essa
crescente é identificada nos temas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva (15
dos 21 trabalhos situados na categoria Outros).
Deixar de enfatizar essa parte constitutiva do montante de trabalhos é
também deixar de reconhecer o quanto a Universidade tem se disponibilizado a
discutir, a analisar e a contribuir com a educação para todos.
Ao reunir as informações desses quadros, têm-se, então, as seguintes
categorias e quantitativo de trabalhos: Políticas e Planejamento Educacionais (55
trabalhos); Clientela estudantil (27 trabalhos); Agentes Educativos (64 pesquisas);
Currículo Escolar (32 pesquisas); Estratégias, Recursos e Avaliações de
Aprendizagem (64 dissertações); Sistemas, Instituições, Programas, Cursos e
Movimentos Educacionais (47 pesquisas); História e Filosofia (47 pesquisas); não
apontados nas categorias 15 pesquisas sobre Educação Especial/Educação
Inclusiva e em Outros (6 pesquisas).
Esses dados demonstram que o fio discursivo presente na base do
PPGE/UFPE (Planejamento e Política Educacionais) ainda permanece com vigor.
Demonstra também que no Programa não há mais uma área de concentração, mas
áreas que fazem dele um relevante Centro de produção e de difusão do
conhecimento, o qual deve estar a serviço da comunidade.
A Educação Especial/Educação Inclusiva, contudo, não se constitui, no
PPGE/UFPE, em uma área de concentração ou linha de pesquisa. Muito embora,
conforme a literatura apresentada, constitui em si uma linha de pesquisa.
Sustentando esta assertiva, vale observar o seguinte gráfico construído a
partir dos dados coletados na presente pesquisa:
342
GRÁFICO I: Dissertações sobre temas diversos versus Dissertações sobre
Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE (1978 a 2011)
99,48%
98,04%
73,9%
26,10%
1,96%
0,52%
1978 – 1990
1991-2000
2001-2011
26 DISSERTAÇÕES
98 DISSERTAÇÕES
435 DISSERTAÇÕES
PRODUZIDAS
PRODUZIDAS
PRODUZIDAS
No período de 1978 a 1990, 26 dissertações foram defendidas, sendo 2
desenvolvidas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva, representando 0,52%
do total dos trabalhos produzidos nesse período. No intervalo de 1991 a 2000, foram
efetivadas 98 pesquisas, sendo 2 delas sobre Educação Especial/Educação
Inclusiva, o que corresponde a 1,96% das dissertações construídas. No último
recorte histórico das produções do PPGE/UFPE (2001 a 2011), visualiza-se o
aumento impactante da efetivação de pesquisas, chegando a 435 trabalhos, com
uma representação de 16 trabalhos, ou seja, de 26,10% das dissertações sobre
Educação Especial/Educação Inclusiva.
A análise quantitativa da efetivação desses trabalhos traz para a análise
qualitativa novas dimensões de efetivação, no presente estudo. É nesse processo
de conjugação dos dados que surgem as questões: Em que linhas de pesquisa
estavam situados os trabalhos dissertativos efetivados nos primeiros 24 anos de
pesquisa sobre educação especial/educação inclusiva no PPGE/UFPE? Quais os
343
temas específicos dessas pesquisas? Que constructos as fundamentaram? Essas
questões trazem novas possibilidades de ampliação da análise da trajetória das
pesquisas no PPGE/UFPE.
A informação precisa acerca das linhas de pesquisa em que os trabalhos de
Educação Especial/ Educação Inclusiva estavam inseridos não foi encontrada, pois,
os editais para seleção de mestrado do período de 1994 a 2002, como mencionado,
não foram localizados nos arquivos do PPGE/UFPE.
Além disso, as dissertações também não trazem a informação sobre as linhas
de pesquisa em que elas estavam inseridas. E estas eram várias, conforme
mencionam Silva et.al. (2008, p. 79): Política Educacional; Teoria e História da
Educação; Didática dos Conteúdos Específicos; Formação de Professores e Prática
Pedagógica. Nem mesmo assim temos como identificar com exatidão as linhas em
que aquelas dissertações estavam inseridas, pois, os autores não mencionam que
professores atuavam em quais linhas.
Então, na tentativa de identificar de onde os orientadores falavam ao orientar
aqueles trabalhos de educação especial,
investigou-se, no currículo
lattes, o
percurso formativo desses professores e o que eles sinalizavam/sinalizam como
interesse
no
campo
da
pesquisa,
(http://buscatextual.
cnpq.br/buscatextual/busca.do?metodo=apresentar, em 29 de fevereiro de 2012).
Na Plataforma Lattes, apenas foram encontrados os currículos de quatro
daqueles professores-orientadores. Os currículos informam que dois deles cursaram
graduação na Universidade Federal de Pernambuco, sendo um deles do curso de
licenciatura em Pedagogia e o outro de História. Três dos orientadores foram alunos
do curso de mestrado do PPGE/UFPE, tendo um deles participado da primeira turma
do mestrado em Educação.
Vale também destacar que apenas 50% dos professores, cujos currículos
foram analisados, são pedagogos. Outra informação relevante é que a formação
stricto sensu dos quatro professores mostram que os caminhos formativos
contemplaram não apenas a área da Educação, mas as de Sociologia e de
Psicossociologia. Tais dados podem indicar certo grau de
344
[...] endogenia (no sentido de que os pesquisadores são formados
dentro do próprio programa) que marca, de forma mais ou menos
contundente, o desenho atual dos PPGEs. A formação
multidisciplinar, por outro lado, é fator de interferência sobre os
processos de escolha dos objetos de estudo. (SANTOS, 2008, p. 82).
No que concerne aos objetos de estudo, nenhum dos professores afirma
trabalhar com inclusão educacional, inclusive no currículo lattes da professora Silke
Weber, até o momento pesquisado, não foi encontrada informação sobre a
orientação do trabalho de Ester Rosa (1990).
No entanto, no currículo lattes da professora é informado que ela pesquisa
sobre qualidade da educação pública ou sobre projetos de sociedade, conteúdos
comunicantes com a teoria da inclusão.
Por outro lado, o estudo de política
realizado por Neves pode tê-la aproximado da área da educação especial, uma vez
que esta interage com aquela.
De igual forma, no momento em que Brayner pesquisa sobre cidadania,
espaço público e escola pública poderá se deparar com a perspectiva da inclusão , a
qual diz que a sociedade deve ser projetada para todos e com todos, mas que as
instituições, as normas, a alienação têm feito com que não seja assim.
Ainda, quando Souza estudava os fundamentos da educação, os movimentos
sociais, a pluri e a interculturalidade, a democracia, a formação do professor, a
educação de jovens e adultos etc., ele pode ter se deparado com os princípios da
inclusão social e educacional que permeiam aqueles temas.
Como se vê, as pesquisas no campo da educação especial orientadas por
esses professores podem, portanto, ter ocorrido em função de os temas serem
transversais aos pesquisados pelos orientadores e não porque estes tivessem como
linha de pesquisa a educação especial ou inclusiva efetivamente. Isso talvez
explicasse a ausência de uma terminologia mais afinada com a educação inclusiva,
alguns olhares que já não mais eram próprios para o momento da produção das
dissertações e a existência de barreiras atitudinais, conforme tratado anteriormente
neste trabalho.
No sentido de examinar como as pesquisas contemplaram temas e um acervo
teórico que, de algum modo, estabeleceram diálogos com os preceitos da inclusão
345
analisam-se, a seguir, dois outros aspectos da produção científica em estudo: os
temas e os títulos.
6.2- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise dos temas e dos
títulos das pesquisas
Após aqueles primeiros passos da análise geral das dissertações produzidas
no PPGE/UFPE, no período de 1978 a 2002, e da análise dos objetivos do
Programa, das áreas e linhas que o constitui, agora se analisa a temática de cada
pesquisa e se observa, através do discurso situado num contexto histórico, a
mensagem global que as perpassa. As considerações sobre os títulos são, pois,
relevantes no estudo da trajetória das barreiras atitudinais porque tais títulos são
temáticos e representam o conteúdo das dissertações, que
foram estudadas
minuciosamente.
Na análise temática aqui efetivada, procura-se ouvir cada “autor, apreender,
sem intervir nele, o conteúdo de sua mensagem” (SEVERINO, 2007, p. 57).
Partindo-se desse procedimento, considerou-se, então, que
[...] o tema tem determinada estrutura: o autor está falando não de
um objeto, de um fato determinado, mas de relações variadas entre
vários elementos; além dessa possível estruturação, é preciso captar
a perspectiva de abordagem do autor: tal perspectiva define o âmbito
dentro do qual o tema é tratado, restringindo-o a limites
determinados. (Id., Ibid.)
Os temas das pesquisas devem, portanto, ser percebidos como construções
que enunciam o projeto de sociedade, o projeto de pós-graduação que se tem a
cada período, como se depreende da leitura do seguinte quadro organizado a partir
dos dados coletados na presente pesquisa:
346
QUADRO I- Temáticas abordadas nas dissertações produzidas no período de
1978 a 2002 no PPGE/UFPE
TRABALHOS DISSERTATIVOS
BACELAR,
Inalda
Vieira.
Educação
TEMAS
para O
(des)cumprimento
da
Todos: a prática e o discurso. Recife: UFPE, Política educacional relativa
1987.86f.
Dissertação
(Mestrado
em ao primeiro grau.
Educação). Programa de Pós-graduação em
Educação.
Universidade
Federal
de
Pernambuco. Recife, 1987.
ROSA,
Ester
Calland
de
Sousa.
Aluno
A
política
portador de deficiência: problema médico- educação
nacional
especial
de
como
pedagógico ou conquista da cidadania? - A mecanismo de garantia ao
Educação especial em Pernambuco - Recife: direito
da
UFPE, 1990. 252f. Dissertação (Mestrado em deficiência
pessoa
com
intelectual
à
Educação). Programa de Pós-graduação em educação e à cidadania.
Educação.
Universidade
Federal
de
Pernambuco. Recife, 1990.
NERY, Tânia Maria de Oliveira. Ser diferente Contribuições das políticas
numa sociedade massificada – um estudo de
educação/integração
sobre a política de integração do portador de para que a pessoa com
deficiência.
Dissertação
Recife:
UFPE,
(Mestrado
em
1996.
144f. deficiência
Educação). cidadania.
Programa de Pós-graduação em Educação.
Universidade Federal de Pernambuco. Recife,
1996.
conquiste
a
347
MOREIRA, Fabiana Wanderley de Souza. A intervenção política e a
Expressões
e
silêncios
cidadania-deficiência
abordagem
dos
discursos prática
mental.
histórico-discursiva
Uma como
do
discursiva
promotoras
“Plano discurso
UFPE,
1997.
277f.
Dissertação resgate
do
cidadania-
Estadual de Educação – PE – 1988/1991”. deficiência
Recife:
estatal
da
mental,
do
cidadania/do
(Mestrado em Educação). Programa de Pós- direito à educação especial.
graduação em Educação. Universidade Federal
de Pernambuco. Recife, 1997.
BAZANTE,
Tânia
Maria
Goretti
Donato. Articulações
entre
os
Quando as (in)certezas e as esperanças se paradigmas da Integração e
(des)encontram:
um
estudo
das da Inclusão e a prática
representações sociais dos professores sobre pedagógica.
educação especial na rede estadual de ensino.
Recife:
UFPE,
2002.
151f.
Dissertação
(Mestrado). Programa de Pós-graduação em
Educação.
Universidade
Federal
de
Pernambuco. Recife, 2002.
Ao analisar os temas dessas dissertações, verifica-se que de 1978 a 2001 os
(des)encontros entre o discurso político e o alcance à escolarização/à cidadania
esteve na centralidade das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE. Assim, foi
apenas a partir de 2002, no âmbito das produções sobre Educação Especial, que
esse Programa começou a articular paradigmas educacionais e prática pedagógica,
o que demonstra, por um lado, o largo período em que se discutiu intensamente
sobre o discurso político e seu poder persuasivo, abrangente e com vários graus de
legitimidade; e, por outro, a relevância do trabalho de Bazante (2002) como passo
que historia a mudança no foco do discurso, mais próximo não apenas da descrição,
da denúncia do não efetivado, mas da transição/da transformação da escola.
348
Avançando um pouco mais na tentativa de apreensão da mensagem dos
autores, buscou-se captar a problematização do tema, considerando-a como, por
assim dizer, algo que “inquietou” o pesquisador. Esse fato, contudo, precisa ser
analisado à luz da história.
Nesse caso, as contribuições de Santos (2008) tornam-se bastante
valorosas. A autora, ao investigar sobre o contexto das produções dos PPGEs no
Nordeste, comenta as ideologias que sustentam o discurso acadêmico e as
inquietações que mobilizam a efetivação de pesquisas sobre política:
[...] o campo da pesquisa em política educacional passou e passa por
um processo de constituição de sentidos que se refletem nas
pesquisas desenvolvidas na pós-graduação e que, ao mesmo tempo,
geram e são frutos de mudanças sociais. O trajeto histórico ao qual
nos referimos quando falamos da pesquisa e da Pós-Graduação em
Educação mostra um pouco essa mudança: no período da ditadura
militar o tema praticamente não aparecia nas pesquisas; no início da
abertura política, a partir da década de 1980, os estudos sobre a
política educacional estavam relacionados à capacidade
administrativa e aos mecanismos desenvolvidos para garantir maior
eficiência e racionalização ao Estado; no final dessa década e início
da década de 1990, os estudos avançam e passam a ter, em grande
parte, sentido de denúncia e voltam-se também para as expectativas
de que demandas da Educação sejam contempladas na nova
legislação; do meio para o final dessa década e nesse início de
século o perfil estatal neoliberal e aspectos a ele relacionados são o
foco principal dos autores, sob diferentes aspectos, de forma que
críticas são recorrentes e propostas de mudanças também.
(SANTOS, 2008, p. 69-70).
Então, consoante essa autora, em meados da década de 1970 e durante a
década de 80, as discussões nos PPGEs começam a ser situadas numa conjuntura
de “abertura política” e de redemocratização da sociedade brasileira, quando muitos
movimentos sociais, entre esses os que contavam com a participação de pessoas
com deficiência, emergem e trazem à tona a força de cada sujeito político e da luta
contra o regime ditatorial implantado no país em 1964.
Essa preocupação com o tema da política educacional, prevalecente nas
dissertações analisadas, faz parte de um processo de leitura/interpretação da
realidade social em que os pesquisadores estavam situados. Esse movimento se
expressa na condução nacional de pesquisas realizadas nos PPGEs e incita o início
de estudos críticos, mais próximos da mudança do que apenas das proposições
discursivas.
349
Nesse contexto, do elemento base prevalecente como tema nos trabalhos
dissertativos analisados (o discurso político) chega-se a um percurso singular de
abordagem proposta por cada pesquisador, a qual anuncia, através dos títulos das
dissertações, a trajetória do entendimento, do tratamento dispensado à pessoa com
deficiência no discurso científico e na prática social/educacional; alimentados,
inclusive, pela atuação do PPGE/UFPE.
O trabalho de Bacelar (1987), intitulado “Educação para Todos: a prática e o
discurso”, alinha-se ao debate sobre o descumprimento da lei referente à educação
para todos.
É importante considerar que a década em que esse trabalho foi
construído estava fortemente marcada por um processo de transição, de
redemocratização da política, aliado à luta de vários setores da sociedade brasileira.
Nesse quadro, surgem vários segmentos sociais que procuram conscientizar
os indivíduos acerca da condição de todos enquanto sujeitos de direitos e de deveres.
Logo, o debate sobre a educação para todos brota como um instrumental de que
todos os indivíduos precisavam se apropriar para fazer valer o encontro da prática
com o discurso. Portanto, a análise dos hiatos, presentes nesse processo, foi uma
grande contribuição de Bacelar para que a sociedade compreendesse os mecanismos
de sustentação de “barreiras que levavam as crianças a acreditar antecipadamente no
seu fracasso escolar” (p. 01); entendesse que a educação é um dos principais
instrumentos de formação da cidadania e que ninguém deve/pode ser privado dele.
Essa discussão muito contribuiu para o processo de mudança que ainda estava
por vir, mais fortalecido e atento, inclusive, à questão da qualidade na educação e do
direito das pessoas com deficiência terem acesso equitativo a ela. A década de 90
desponta, portanto, marcada pela
[...] busca da estabilidade econômica no Brasil e pelos processos de
reforma do Estado, que tem seus reflexos na Educação. A
elaboração do Plano Decenal de Educação (1993-2003), a
promulgação da Nova LDB (Lei nº 9394, promulgada em dezembro
de 1996), dentre outras medidas de políticas vão influenciar
sobremaneira a produção do conhecimento em política educacional.
Além disso, o panorama político marcado pela assunção do modelo
neoliberal, pela reforma do Estado e seus impactos no campo
educacional vão marcar a produção acadêmica na área. (SANTOS,
AZEVEDO, 2007, p. 11).
350
A produção do conhecimento no PPGE/UFPE, nas pesquisas sobre
Educação Especial, produzidas nessa década, discute o tema da política
educacional e, mais, demonstra, pelo quantitativo de trabalhos desenvolvidos, que a
pesquisa em Pernambuco está inserida no contexto da urgência das novas
demandas educacionais que fizeram emergir, inclusive, o tema da educação
especial, entre outras quatro áreas.
Santos (2008), retomando o conteúdo do InfoCapes 32 (2001), comenta que
essas novas demandas sinalizavam as problemáticas da educação brasileira e a
busca por uma redefinição no âmbito das pesquisas. A autora afirma:
Essa redefinição passa, por exemplo, por uma análise das demandas
por pesquisas realizadas em eventos como o Seminário Pósgraduação: Enfrentando Novos Desafios, que recomendou uma
ampliação das fronteiras temáticas de formação, identificando cinco
temas que se vinculam a essa demanda: avaliação institucional e de
sistemas, educação ambiental, educação especial, educação à
distância, informática e educação e, ainda, a área de métodos
quantitativos em educação. (SANTOS, 2008, p. 108).
O documento da CAPES justifica a indicação das cinco áreas e enfatiza que,
em relação à Educação Especial, a indicação se sustenta porque
[...] a preocupação da sociedade com a educação dos portadores de
necessidades especiais aumentou substancialmente nos anos
noventa e, embora haja seis instituições com programas de pósgraduação stricto sensu, no Sul e Sudeste, que trabalham com
Educação Especial, pode-se dizer que são "escassos os programas
que desenvolveram uma linha de pesquisa consistente sobre
Educação Especial" e que há "carência de pesquisadores e quadros
profissionais para as ações que a nova legislação do País impõe" [...]
. (INFOCAPES, 2001, p. 38).
Acorde com esse entendimento, verifica-se que apenas em 2005, é que o
PPGE/UFPE passa a ter um pesquisador, o professor Francisco Lima, que se
define na “linha de pesquisa de educação inclusiva” e, confirmando a tendência
indicada no Infocapes (2001), esse pesquisador é oriundo do sudeste.
32
O INFOCAPES foi, por 10 anos (1993-2002), um importante veículo de divulgação das atividades
da Capes e um espaço de difusão e discussão de temas e idéias sobre a pós-graduação. Sob a
responsabilidade editorial da Coordenação de Estudos e Divulgação Científica, tinha periodicidade
trimestral e as seguintes seções: Estudos e Dados, Opinião, Documentos e Informes.
(http://www.capes.gov.br/servicos/publicacoes).
Em 2004, o INFOCAPES foi substituído pela Revista Brasileira de Pós-Graduação (RBPG)
(http://www2.capes.gov.br/rbpg/)
351
Até então, o PPGE/UFPE estava no grupo de programas que não
apresentava uma linha de pesquisa sobre Educação Especial, campo discursivo
indicado pela CAPES como relevante para que se cumprisse a
legislação
educacional brasileira, e.g. a lei federal 9394/96, cujo capítulo V prevê a formação
do professor capacitado , para o nível de graduação, e professor especialista, para
a pós-graduação. (C.f.
a dissertação de
Fenanda
Santana defendida
no
PPGE/UFPE em 2005).
Assim, na década de 90, mesmo não atendendo explicitamente àquela
orientação da CAPES para com a fronteira temática da educação especial, o
PPGE/UFPE insere-se, através dos trabalhos de Rosa (1990), Nery (1996) e Moreira
(1997), no debate sobre a garantia da educação para as pessoas com deficiência.
Vale recordar que a reflexão sobre a educação para esta clientela teve início, no
PPGE/UFPE, com a pesquisa de Bacelar (1987), pois mesmo esta não
falando
explicitamente sobre a educação especial, ao discorrer sobre educação para todos
colocava em tela a educação das pessoas com deficiência, parte constitutiva desse
todos.
Rosa (Ibid.) elege para seu estudo o título “Aluno portador de deficiência:
problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? - A Educação Especial em
Pernambuco”. A autora, ao discutir o tema da política nacional de educação especial
como mecanismo de garantia ao direito da pessoa com deficiência intelectual à
educação e à cidadania, demonstra, desde o título do trabalho, aspectos históricodiscursivos presentes no objeto de estudo.
Primeiro, pode-se perceber que a nomenclatura utilizada para fazer referência
à pessoa com deficiência já colocava em primeiro plano a pessoa, o aluno, refletindo,
portanto, uma discussão histórica mundial sobre a adequada expressão para fazer
referência à pessoa humana, à deficiência como característica dela e, em
consequência, fornecer, através do discurso, representações sociais positivas que
contribuíssem para a eliminação de preconceitos/ das barreiras atitudinais.
Hoje se discute, contudo, a negatividade do termo “portador”, mas aqui cabe
recordar a mudança histórica acerca da compreensão e do atendimento educacional
que caminhava para uma perspectiva de reconhecimento da pessoa com deficiência
352
como partícipe da comunidade humana, pois essa nomenclatura põe em xeque
expressões e representações sociais como: “inválidos, incapacitados, defeituosos,
excepcionais, pessoas deficientes” (SASSAKI, 2003c, p. 1-4).
“Portador de
deficiência” era então uma expressão agregada à qualidade de pessoa, que deveria
ser vista como sujeito de direitos e capaz, entre outras coisas, de aprender e de
trabalhar.
Assim, em razão daquela atmosfera de busca pela democratização e pela
cidadania, essa expressão alcançou generosa adesão por parte dos atores escolares
e despontou como um elemento contributivo para se alargar os horizontes da
educação especial e da defesa dos direitos. Essa defesa também pode ser percebida
no título da dissertação de Rosa (1990) quando a autora fala em “conquista da
cidadania”.
Essa conquista representa a luta dos movimentos sociais, principalmente dos
movimentos de pessoas com deficiência, para que essas pessoas alcancem a vitória
de terem seus direitos constantes em lei e ratificados na prática. Pode-se, nesse
contexto, falar em vitória porque esses indivíduos, desde o período mais primitivo da
sociedade, tiveram de lidar com a urgência de derrubar barreiras, entre as quais estão
as muralhas das atitudes de alguns responsáveis por nutrir, como diria a autora, o
processo de medicalização do ensino.
O estado de Pernambuco esteve, portanto, sob o foco analítico dos
pesquisadores sociais e Rosa (1990) focaliza essa análise nas propostas que
estavam começando a se delinear e se diziam situadas no contexto da cidadania,
mas que, na verdade, acabavam por nutrir a disputa entre o ajuste dos sistemas
educacionais às demandas da nova legislação nacional, a qual surgia em resposta às
pressões dos organismos internacionais, de seus eventos e da farta produção
documental/legal (e.g. “Conferência Mundial sobre Educação para Todos”, 1990;
“Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais”,1994).
Nesse percurso, a cidadania, como direito a ser efetivado na vida social e
pública, esteve também sendo analisada sob o viés da investigação acerca das
contribuições das políticas de educação/integração para que a pessoa com
deficiência conquistasse seus direitos. Esse, na verdade, foi o tema trabalhado por
353
Nery (1996), em pesquisa intitulada “Ser diferente numa sociedade massificada – um
estudo sobre a política de integração do portador de deficiência”.
O trabalho de Nery demonstra, através do tema, que a tônica da conquista da
cidadania continuava na agenda das discussões e das análises científico-acadêmicas,
mas agora a reflexão mais estrita sobre a escolarização/ a integração da pessoa com
deficiência parece considerar o questionamento sobre os paradigmas educacionais.
No título da dissertação, a autora explicita que havia um processo de
homogeneização, de massificação social (que engendrava barreiras atitudinais de
rejeição, segregação, entre outras) e que nele os “diferentes” eram contemplados
numa política de integração. Nessa política, ainda fortemente vivenciada na década
de 90, a ideia era a de testar e preparar o “diferente” para igualá-lo aos demais. O
que autoriza duas leituras. Por um lado, a de que “ser diferente” quer dizer ser o
oposto, o inferior; logo, para fazer parte da massa precisa ser modificado,
normalizado, atingir o igual.
Por outro lado, a expressão “ser diferente” pode
funcionar como um indicativo de que, naquela década, a compreensão da deficiência
como sinônimo de diferença demonstra avanços no entendimento acerca da
existência e potencialidades da pessoa com deficiência, uma vez que a ideia de
deficiência como sinônimo de incapacidade parece se esmaecer.
A conquista da cidadania, sob essa atmosfera, demonstra ser uma tarefa sem
fim, a qual exige que cada pessoa, que cada partícipe da sociedade/da dinâmica
escolar busque, descubra, crie, lute, contribua para que se tenha consciência de que
as relações estabelecidas com os outros devem ser perpassadas por esse direito.
Talvez tenha sido essa a percepção de Moreira (1997) ao tratar do tema da
intervenção política e da prática discursiva estatal como promotoras do discurso
“cidadania-deficiência mental”, do resgate da cidadania/do direito à educação
especial.
A pesquisa de Moreira (Ibid.), intitulada “Expressões e silêncios dos discursos
cidadania-deficiência mental.
Uma abordagem histórico-discursiva do “Plano
Estadual de Educação – PE – 1988/1991”, instiga a reflexão sobre a natureza
constitutiva do discurso, em que os ditos (as expressões) e os não ditos (os silêncios)
são igualmente constitutivos e podem gerar socioculturalmente
354
[...] a segregação, enfim, a exclusão de membros da sociedade
humana [...] manifestas, não só nas ações de pessoas que assumem
sua intencionalidade, mas também nas falas não ditas de
profissionais que se pretendem defensores da diversidade, da
‘diferença’, da multiplicidade e de outros conceitos correlatos que, se
de fato fossem assumidos e postos em prática nas ações diárias
desses profissionais, viriam somar-se à tentativa de se minimizar a
exclusão de certas minorias, reconhecidamente excluídas das
relações sociais humanas mais básicas, por conta de sua religião,
sua cultura, seu gênero, sua origem racial ou econômica etc. (LIMA;
LIMA; MOURA, 2007, s./p.).
A construção “Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência
mental”, colocada no título em primeiro plano, remete-se à pluralidade discursiva
acerca dessa díade: “cidadania-deficiência mental”, e ainda propõe que a reflexão
sobre como os ditos e os não ditos foram igualmente eficientes para estimular
atitudes (ou gerar barreiras atitudinais) que terminaram por determinar a cidadania
da pessoa com deficiência intelectual.
Ainda analisando esse trecho do título, é relevante considerar também o fato
de o estudo ter sido dirigido a esse público, cujo imaginário social faz “vislumbrar um
grupo de pessoas infantis, sem condições de participação e de efetivação de suas
próprias escolhas” (NEVES, s.d.). O imaginário sobre a pessoa com deficiência
intelectual era, então, campo fértil para várias barreiras atitudinais, entre elas, a de
baixa expectativa.
Assim, se a cidadania é para todos, como já apregoava Bacelar, em 1987,
quem estava nesse todos continuava sendo questão contemplada nas pesquisas
sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE, dez anos depois. Fabiana
Moreira (1997) ao propor esse debate, o faz sob uma abordagem históricodiscursiva, o que demonstra a percepção de que o discurso, com seus ditos e suas
frestas, é construção histórica cristalizada em documentos oficiais que regem a
educação, como o Plano Estadual de Educação (PEE – 1988/1991), analisado pela
pesquisadora.
Na verdade, Moreira (Ibid.) caminhou pari passu com as pesquisas
produzidas no âmbito nacional, pois tais pesquisas primaram, na década de 90, por
indagar a construção e a prática do que era anunciado/defendido em documentos
acerca do direito à educação. (SANTOS, 2007; SANTOS, 2008).
355
Como se vê, a luta pela cidadania, pelo direito da pessoa com deficiência ter
acesso à educação surge a partir de motivações e de fatores que vão além da
conquista legal de direitos, atinge o campo da ação, urge o engajamento, a
participação das pessoas com deficiência, solicita que elas sejam ativas, que façam
valer seus direitos, essa é a atmosfera gerada no final da década de 90, quando a
escola, ainda sob as malhas da integração, começa a alimentar, mesmo num
movimento de recuos e de avanços, o delinear de um novo paradigma: a inclusão.
A existência de hiatos e de articulações construídos no desenho de um novo
paradigma constitui o tema da pesquisa efetivada por Bazante em 2002.
A dissertação da pesquisadora, intitulada “Quando as (in)certezas e as
esperanças se (des)encontram: um estudo das representações
sociais dos
professores sobre educação especial na rede estadual de ensino”, traz à reflexão a
miscelânea de conceitos (ora usa integração, ora usa educação inclusiva como
sinônimos quando deveria usar educação especial, p. 110); de
representações
sociais, muitas das quais eram demasiadamente danosas ao aluno com deficiência,
porque terminam por tonificar uma pseudoinclusão ou demonstram ostensivamente
a exclusão.
A autora propõe que se pense no campo da educação para a pessoa com
deficiência como um campo de certezas, incertezas e esperanças, talvez porque as
representações sociais dos professores participantes da pesquisa mobilizaram
esses fatores. Os dois primeiros quando, por exemplo, os profissionais entrevistados
demonstraram acreditar que a educação especial era o lugar adequado para o aluno
com deficiência, postura percebida no discurso e nas atitudes dos professores, uma
vez que, segundo Bazante (Ibid.), na escola, apenas os profissionais da educação
especial sabiam informações sobre os alunos com deficiência.
Bazante (Ibid.) afirma, então, que essas (in)certezas presentes na educação
dos alunos com deficiência motivaram o sentimento de angústia nos profissionais
que não sabiam mais como agir. Esse e outros sentimentos gerados a partir da
compreensão equivocada sobre a pessoa com deficiência e seu processo educativo
fortaleceram diversas barreiras atitudinais praticadas tanto nas salas de educação
especial, como nas salas regulares.
356
Acerca dessa reação dos professores Stainback e Stainback (1999, p. 48)
esclarecem que
[...] os sentimentos dos professores de educação especial e dos
professores de educação regular poderiam ser resumidos da
seguinte maneira: ‘Estes alunos sempre foram educados junto com
outros semelhantes a eles. Tanto eles quanto seus professores
trabalham de maneiras fundamentalmente diferentes daquelas que
trabalhamos e, o que é muito importante, seus professores têm
afiliações
diferentes,
fontes
de
recursos
diferentes
e
responsabilidades diferentes das nossas’.
Os autores afirmam que para minimizar as incertezas, para facilitar a adesão
dos professores à inclusão, é necessário a elevação da consciência, pois
o
desconhecimento, as representações sociais negativas são elementos que , muitas
vezes, têm levado os alunos com deficiência a continuarem à deriva com uma
educação especial/individualizada.
As incertezas também podem ser depreendidas do fato de que o aluno com
deficiência na sala de aula, de certo modo, traz ao professor a urgência de planejar
diferentemente suas aulas, de modo a contemplar as necessidades desse aluno e a
dos demais, num mesmo espaço, com o mesmo conteúdo.
Quanto ao vocábulo “esperanças”, também empregado pela autora, ele
retoma a assertiva freireana (FREIRE, 1996;1999) de que a educação traz consigo
esse elemento como fator motriz para transformar a realidade. É um sentimento que
pode mover pessoas a buscar tenazmente a inclusão social/educacional para que se
chegue à constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática, respeitosa à
pessoa humana.
Ainda na análise do título, vale destacar que o estudo é estrito à apreciação
das representações sociais dos professores, agentes que estão no eixo de
efetivação dos paradigmas educacionais, profissionais que, através de discursos e
de atitudes, podem nutrir representações sociais em prol ou contra a inclusão,
fazendo-o inconsciente ou conscientemente. (LIMA; TAVARES, 2007; GUEDES,
2007).
Os títulos das dissertações analisadas clarificam o que emana do discurso
extraído do conteúdo dos trabalhos e parece revelar, num movimento continuum, ao
357
longo desses vinte e quatro primeiros anos de pesquisa no PPGE/UFPE, que
aqueles dois elementos (a prática e o discurso, referidos por Bazante, 2002) foram
tratados descritivamente.
Após ter analisado os títulos das dissertações, considerando o conteúdo dos
trabalhos e os temas a que associavam, agora se analisa o referencial.
6.3- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise do referencial
teórico utilizado de 1978 a 2002
Numa dissertação, o referencial teórico, encontrado, por exemplo, na
fundamentação teórica ou no estado da arte, é o espaço em que não apenas as
referências são apresentadas e comentadas, mas também é o espaço em que a
base conceitual e operacional da pesquisa se mostra; é onde o autor revela qual a
teoria que ele, enquanto pesquisador, elegeu como necessária para “interpretar os
dados, criticar a realidade, analisar objetivamente o assunto, possibilitando a
obtenção de conclusões lógicas, racionais, fundamentadas”. (MICHEL, 2009, p.
124).
Assim, a escolha dos itens do referencial teórico, consoante a autora citada,
é, em geral, “definida no projeto de pesquisa, deve levar em conta o conteúdo
necessário para subsidiar a pesquisa, a discussão do problema, a busca das
hipóteses e a análise dos dados obtidos”. (Id., Ibid.).
O quadro teórico é, portanto, responsável por clarificar a lógica da construção
do objeto de pesquisa, por orientar a definição de categorias, por tornar coerentes as
relações antecipadas nas hipóteses e ainda por sustentar a interpretação dos dados.
(ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998).
Em razão da importância do referencial teórico para que se compreenda o
discurso tecido nas dissertações, especificamente na análise dos dados e nas
conclusões (textos em que o referencial funciona como lentes para a realização das
tarefas de analisar e de concluir), faz-se relevante o levantamento dos teóricos mais
contemplados nos trabalhos analisados.
358
No quadro seguinte, registra-se a análise das referências das cinco
dissertações, totalizando 40 (quarenta) páginas de referências bibliográficas. O
quadro contempla, então, a síntese organizada dos sete autores mais lidos pelos
pesquisadores, conforme análise efetivada nesta pesquisa.
QUADRO II- Os autores mais lidos nas dissertações sobre educação especial,
produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE
CLASSIFICAÇÃO
1º
2º
3º
4º
5º
6º
AUTOR/AUTORES
FOUCAULT, M.
GRAMSCI, A.
MAZOTTA, Marcos J.S.
COUTINHO, Carlos Nelson
CUNHA, Luiz Antonio
JANUZZI, Gilberta S. Marinho.
MANNONI, Maud.
LUZ, M.T.
VELHO, Gilberto.
WEBER, Silke.
MANTOAN, Maria Tereza Egler.
ROSA, Ester Calland Souza.
FONSECA, Vitor da.
KUENZER, Acácia Z.
FREQUÊNCIA
11
8
6
5
4
3
GOFFMAN, E.
SAVIANI, D.
LUCENA, J.
LUZ, M.T.
7º
BUENO, José Geraldo
CURY, Carlos Roberto Jamil
DUARTE, Luiz Fernando D. et. al.
FERREIRA, J.R.
FREIRE, Paulo.
JACOBI,P.
LONGMAN, Liliana Vieira
MACHADO, M.A.M.
MARX, Karl.
NOVAES, M. H.
PESSOTTI, I.
ROMANELLI, Otaíza
2
359
O filósofo Michel Foucault, nesse recorte temporal, foi o autor mais citado, o
que pode robustecer a percepção de que a descrição e a análise dos processos
escolares de excludência foram procedimentos efetivados sob as lentes de um
marco teórico em que o discurso e as relações de poder, que nele se nutrem e se
expandem, eram elementos motrizes para que a escola funcionasse como uma
“instituição disciplinar” (FOUCAULT,1979; 1999), que tratava grupos sociais (e.g. as
crianças das camadas populares e as crianças com deficiência) com desconfiança
sobre seu comportamento, e por isso tornava-os alvos da regra de confinamento em
instituições especializadas, em espaços particularizantes que infligia àqueles grupos
a condição de sobrantes sociais, como indicam, aportadas ao referencial
foulcaultiano, a pesquisa de Rosa (1990) e a de Moreira (1997).
Talvez tenha sido a lente foucaultiana o elemento contributivo para que se
percebesse que a educação para todos estava mais na tônica da palavra que na da
ação, como sinalizaram as pesquisas em estudo.
Mais que um marco teórico, esse quadro aponta, então, para um marco
histórico em que as contribuições das pesquisas no próprio PPGE/UFPE surgem
como âncora para a produção de outras pesquisas realizadas no programa, haja
vista que a dissertação de Rosa (1990), esteada em estudos foucaultianos, tornouse parte do marco teórico das outras três pesquisas subsequentes: Nery (1996),
Moreira (1997) e Bazante (2002).
Esses estudos revelam como o poder de retirar da pessoa com deficiência
sua genericidade humana é mantido através da norma e se instaura nas instituições.
Essa discussão, desenvolvida nos quatro primeiros trabalhos, foi importante para
que se engendrasse a percepção registrada por Bazante (2002) sobre os
paradigmas educacionais.
A autora não apenas sinaliza como as relações de poder se instauravam no
discurso, mas sinaliza como as barreiras atitudinais eram manifestadas nas falas e
nas atitudes dos profissionais. Um exemplo disso é quando, nas conversas com a
direção da escola lócus da pesquisa, a autora percebeu que o cuidado dos
profissionais em acompanhar os alunos “integrados” em salas regulares era fruto da
experiência do constante retorno desses alunos às escolas especiais.
Bazante
360
(2002) observou também que, por vezes, os alunos “integrados” não se sentiam
aceitos nos espaços integradores, seja pelo distanciamento da prática do professor,
seja pelas atitudes dos colegas de turma. (p. 97).
Como se percebe, até os estudos produzidos no PPGE/UFPE chegarem ao
debate sobre os paradigmas educacionais a pesquisa educacional no Programa
seguia uma linha ainda fortemente percebida no âmbito nacional, ou seja, foi levada
a
[...] recorrer a conhecimentos gerados em outras áreas – como a
Psicologia, a sociologia, a Filosofia, a História e, mais recentemente,
a Antropologia. Isto não constitui necessariamente um problema:
[porque] essa “tradução” de teorias para o campo da educação pode
resultar em abordagens originais e de grande potencial heurístico,
desde que não assuma uma posição reducionista (psicologizante,
socializante, ou outra), perdendo de vista a natureza mais ampla do
fenômeno educacional (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER,
1998, p. 183).
O que, nesse caso, faz valiosa outra pesquisa em que se observe como os
estudos posteriores ao de Bazante (2002) trouxeram esse olhar interdisciplinar para
analisar e, quiçá, propor caminhos para que a educação para todos seja uma prática
natural.
No escopo do presente trabalho, para que se possa ponderar como essa
análise multifocal ocorreu nas pesquisas em estudo, vale, ainda, observar quais as
obras mais lidas, consoante o critério de maior número de aparições. Para melhor
percepção dessa informação, é relevante observar os dados registrados no quadro
III, a seguir:
QUADRO III - As obras mais referenciadas nas dissertações sobre educação
especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE
CLASSIFICAÇÃO
OBRAS/AUTORES
FREQUÊNCIA
4
1º
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 4
ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
2º
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a
organização da cultura. 3 ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
3
361
GRAMSCI, A. Concepção Dialética da
história. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1986.
CUNHA, Luiz Antonio.
Educação e
desenvolvimento social no Brasil. Rio
de Janeiro. Francisco Alves, 1978.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado
e democracia. São Paulo: Cortez, 1991.
3
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada. 4
ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
SAVIANI, D. Escola e Democracia. 2 ed.
São Paulo: Cortez, 1984.
JACOBI, P. Movimentos sociais e
políticas
públicas:
demandas
por
saneamento básico e saúde. São Paulo,
1974-1984. São Paulo: Cortez, 1989.
LUCENA, J. Histórico de Pernambuco
como Pioneiro na América Latina no
campo da higiene Mental. Recife
(mimeografado)
LUZ, M.T. Medicina e Ordem Política
Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
LUZ, M.T. As Instituições Médicas no
Brasil: instituição e estratégia de
hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
ROSA, Ester Calland Souza. Aluno
portador de deficiência: problema
médico-pedagógico ou conquista da
cidadania? – a Educação Especial em
Pernambuco. Recife, 1990. Dissertação
(mestrado em Educação). Centro de
Educação. Universidade Federal de
Pernambuco.
Para maior visibilidade acerca dos interdiscursos científicos que sustentam os
trabalhos em análise vale observar também, por dissertação, qual o quantitativo
de autores citados que são estudiosos da pedagogia social, da inclusão.
362
No gráfico a seguir, excetuando-se os documentos legais utilizados pelos
pesquisadores, apresenta-se o levantamento do quantitativo de teóricos estudiosos
da inclusão que foram utilizados na fundamentação teórica
dos trabalhos em
análise:
GRÁFICO II- Percentual de estudiosos da inclusão presentes no referencial
teórico das dissertações
93,33 %
79,1%
76.9%
64,6%
52,5%
47,5%
QUANTITATIVO DE TEÓRICOS
QUE NÃO ESTUDAM A
INCLUSÃO
35,4%
20,9%
23,1%
QUANTITATIVO DE TEÓRICOS
ESTUDIOSOS DA PEDAGOGIA
SOCIAL/DA INCLUSÃO
6,7 %
Nas cinco dissertações defendidas, os autores/estudiosos da Pedagogia
Social/da Inclusão aparecem com menos frequência que autores de outras áreas.
Na dissertação de Bacelar (1987), foram utilizados 15 autores na
fundamentação teórica, sendo 14 de outras áreas, o que corresponde a 93,3%.
Nesse trabalho, foi identificado apenas Luiz Antonio Cunha (1978) como autor que
discorre sobre a Pedagogia social, o que representa 6,7%.
No estudo realizado por Rosa (1990), têm-se 91 teóricos no referencial.
Desses, 72 são de áreas diversas, correspondem ao total de 79,1%, e 19 são
estudiosos da área da Pedagogia Social/ da Inclusão, o que corresponde ao
percentual de 20,9% do montante de autores
presentes no discurso dessa
dissertação. São eles: Barreto (1961); Canglihem (1982); Carraher; Schieman
363
(1983); Collares ; Moyses ( 1985); Costa (1987); Cunha (1978); Ferreira ( 1989);
Fonseca (1987);
Comide ( 1988); Goffman (1982); Jannuzzi ( 1985 e 1989);
Mazzota ( 1986 e 1989); Novaes ( 1983 e 1985); Pires ( 1974) ; Poppovic (1972);
Rodrigues (1985); Schneider ( 1974); Telford; Sawrey(1984); Vayer; Roncon (1989)
e Velho (1981).
Na pesquisa realizada por Nery (1996), 52 autores aparecem nas referências,
desses 40 (76,9%) são de áreas diversas e
12 (23,1%) são considerados
estudiosos da inclusão : Amaral (1994); Araújo (1994); Bueno ( 1991); - Canzioni (
1989); Carmo (1991); Fonseca (1987); Goffman (1963) ; Jannuzzi ( 1992) ; Jordão (
1990) ; Maltese Neta (1994) ; Mazzota ( 1989 e 1990) ; Rosa (1990).
Moreira (1997) utiliza a literatura de 96 autores para fundamentar o trabalho
de pesquisa, desses 62 (64,6%) são teóricos das mais variadas áreas e 34 (35,4%)
são estudiosos da área da Pedagogia Social/ da Inclusão: Anache (1997) ; Antipoff (
1931) ; Barreto (1961); Boneti (1993); Canguilhem ( 1982);
Coutinho; Aragão (
1991); Cruckshank ( 1974); Faelante (1991); Ferreira (1989 e 1993); Fonseca (
1987); Forest & Lusthans ( 1987; Freire (1981); Glat (1994); Goffman (1982); Goyo
( 1989); Hickel (1992); Jannuzzi (1985); Lemos (1990); Longman (1991); Lucena (
s./d.); Mannoni ( 1983 e 1995); Mantoan (1989); Maricevich (1991); Mazzotta ( 1987
e 1996); Mello ( 1918); Misés ( 1977) ; Novaes ( 1985); Pessotti (1984); Policarpo Jr (
1991); Quaglio (1913); Rosa (1990 e 1991); Sckliar (1997); Silveira Bueno(1993);
Velho (1974 e 1981) e Vial ( 1975).
Bazante (2002) referenda seu trabalho de pesquisa por meio da literatura de
61 autores, desses 32 ( 2,5%) são de áreas diversas e 29 ( 47,5%) são teóricos
que refletem a Pedagogia Social/ a Inclusão: Bueno ( 1997);
2000); Ceccin ( 1997); Crochík (1997); Da Ros (1989);
Carvalho (1999 e
Freire ( 1997); Gil ( s./d.);
Golffredo (1999); Jannuzzi (1992); Kassar ( 1995) ; Longman (2000); Mantoan (
1998; 1989); Mazzotta (1989;1997; 1998; 2001); Moreira (1997);
Padilha (1997;
2001); Rosa ( 1990) Santos ( 1999; 2000); Sassaki (1999); Skiliar (1997 e 2000);
Alencar ( 1994); Bianchetti (2000); De Carlo ( 1999); Fazenda (2000); Gallagher (
1996); Rodrigues (1994); Torezan ( 1995); Sawaia ( 1999); Sobrinho; Najuorks (
2001) e Vayer; Roncin (1989).
364
As dissertações estão esteadas na literatura de 315 autores, sendo 220 de
áreas diversas, o que corresponde ao total de 69,84 %, e 95 estudiosos da área da
Pedagogia
Social/da Inclusão. Vale refletir que no trabalho de Bazante (2002)
quase que 50% dos estudos utilizados na fundamentação estavam inseridos no
contexto da inclusão. Nessa dissertação, grandes nomes da literatura da inclusão
social/educacional aparecem, mesmo assim, por vezes, há na dissertação uma
confusão conceitual do que seja a inclusão plena.
Ao observar as obras mais lidas e utilizadas como fundamentação teórica nas
dissertações parece que a análise dos contextos contemplados nas dissertações em
estudo estava mais situada nas dimensões sociológica, política, histórica da
educação do que na pedagógica, fato ratificado quando se observa, por exemplo,
que é com o trabalho de Bazante (2002), o qual reflete sobre os paradigmas
educacionais e sobre “as atitudes e os aspectos que sustentam/conduzem a prática
pedagógica imprimindo-lhe sentido/coerência a partir dos significados” (p.20), que
pela primeira vez, no Programa, se analisava como cada ator educacional estava
situado na prática pedagógica da integração e mostrava avanços e recuos rumo à
inclusão educacional.
Em outras palavras, essa pesquisadora, ao concluir que
[...] a realidade da Educação Especial evidencia [evidenciava] um
movimento de inquietações e de incertezas, uma dimensão
diacrônica, em que a inclusão e integração ainda se constituem
[constituíam] numa busca pouco articulada entre o fazer científico e a
prática pedagógica no cotidiano escolar (p. 15)
abre espaço para que a observação e a análise da realidade educacional esteja
mais próxima de uma prática de pesquisa que fundamente a busca de atitudes, a
busca da transformação que a inclusão educacional exige de todos os atores da
escola.
Enquanto Bazante (2002) mostra o hiato entre o discurso científico sobre os
paradigmas educacionais e a sua efetivação, em trabalho anterior Nery (1996)
indicava que a conquista da cidadania não era alcançada, aqui leia-se também,
obviamente, o acesso à educação, em razão da não universalização de uma
política social voltada a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência.
365
Muito embora a década de 90, em particular, produziu importantes
documentos internacionais em prol de uma educação inclusiva para todos
(Declaração mundial sobre educação para todos ,1990; A Declaração de
Salamanca, 1994;
Declaração de Washington; Convenção Interamericana para
eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de deficiência,
1999. Esta tornada Decreto Brasileiro de nº 3956/2001), Nery (Ibid.) foi a única
pesquisadora, no intervalo do presente estudo, que utilizou como constitutivo do
referencial teórico alguns documentos internacionais que defendem os direitos das
pessoas com deficiência: Declaração
Universal
dos Direitos
Humanos (ONU,
1948); Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1959) ; Declaração dos Direitos
das Pessoas Mentalmente Retardadas (ONU, 1971); Declaração dos Direitos das
Pessoas Portadoras de Deficiências ( ONU, 1975); Declaração de Manila (1978).
Na dissertação, a autora destaca o valor da Declaração dos Direitos dos
Portadores de Deficiência (1975) para que a cidadania das pessoas com deficiência
fosse assegurada. Nery (Ibid.) afirma que essa declaração “encerra muitas das
questões de luta dos portadores de deficiência” (p. 45). A autora defende, então, que
seria preciso que toda a sociedade trabalhasse na divulgação dos direitos das
pessoas com deficiência e na conscientização da responsabilidade de viabilizá-los e
pondera que quando isso não ocorre é devido à não universalização de uma política
social, como se lê em:
[...] nos países subdesenvolvidos, a maioria das crianças não
receberem
nem
educação especializada
nem
educação
convencional, resultando em baixo nível de instrução ou, até mesmo,
na inexistência de qualquer formação escolar.
Nos países
desenvolvidos, ao contrário, onde a política social foi universalizada,
tais pessoas conseguem atingir um nível elevado de instrução.
(NERY, 1996, p. 49).
A pesquisadora defende que a falta de conscientização e de viabilização para
que a cidadania da pessoa com deficiência seja respeitada é uma questão política. E
conclui que
A não universalização dos direitos sociais, particularmente no que se
refere aos cegos, surdos, deficientes físicos ou mentais, numa
sociedade de classes, como a brasileira, expressa a própria dinâmica
contraditória e conflitiva entre classes antagônicas, e como tal
resultaria da seletividade, característica própria das políticas
sociais, no País, cujas origens estariam na sua dependência
366
tecnológica e na manutenção da supervalorização do trabalhador.
(Id., Ibid. , p. 111).
A discussão apresentada pela autora sobre os direitos da pessoa com
deficiência, à luz daqueles documentos internacionais, poderia ter desaguado no uso
da letra da lei para ratificar que a educação, a acessibilidade a ela, a equiparação de
oportunidades formativas é direito da pessoa com deficiência. Um direito que,
assegurado por lei, pressionou a academia, a escola, a sociedade a gestar o
paradigma educacional que já estava em foco quando da construção da dissertação
em análise.
A legislação internacional, no trabalho, surge mais como elemento que
configura a descrição contextual das políticas em prol da “integração do portador de
deficiência” e de como a própria pessoa com deficiência vai começando a exercer o
protagonismo, a participação plena, a autoadvocacia, do que como elemento que
pressiona a escola a se transformar para acolher a todos indistintamente, porque é
direito da pessoa com deficiência receber educação de qualidade em equiparação a
outras pessoas sem deficiência.
Nesse estudo, o foco no caráter histórico é anunciado desde os elementos
pré-textuais da dissertação. Haja vista que no resumo do trabalho a autora já
apresenta que o
[...] referencial parte do estudo da estrutura e superestrutura em cada
momento histórico, ou seja, delineando o bloco histórico no período
determinado como objeto de análise (final do século XIX a 1989), no
mundo e em particular no Brasil, chegou-se à caracterização do
processo pelo qual vem passando o portador de deficiência na
conquista de sua cidadania.
Mais uma vez, têm-se subsídios para pensar que é em 2002 com a pesquisa
efetivada por Bazante, que o PPGE/UFPE parte de outros estudos mais descritivos
do ponto de vista da história, da política, da sociologia da educação para uma
perspectiva mais próxima da prática pedagógica em si.
Na próxima seção, são analisadas as designações utilizadas no discurso das
dissertações para fazer referência à pessoa com deficiência. As ponderações
incidem na compreensão de que as substantivações/adjetivações, presentes no
âmbito das dissertações, surgem imbricadas a outras barreiras atitudinais.
367
6.4- Designações utilizadas para fazer referência às pessoas com deficiência: o
que revelam as substantivações e adjetivações registradas nas dissertações?
Como partícipes do processo sociocultural de compreensão da existência da
pessoa com deficiência e do tratamento a ela dispensado, pesquisadores, autores
(ou documentos legais) citados nas pesquisas e depoentes das pesquisas
demonstram, no uso da linguagem, como a sociedade caminhou para uma
perspectiva
de
reconhecimento
de
que
a
pessoa
com
deficiência
tem
potencialidades, deve exercer o empoderamento e ser considerada como pessoa
produtiva, detentora de direitos humanos e da obrigação do cumprimento de deveres
sociais. Mas, nesse caminho, a sociedade percorreu trilhas estigmatizantes que
denotavam (e denotam) atitudes de baixa expectativa, de inferiorização, de menos
valia, de generalização e outras para com a pessoa com deficiência.
No quadro abaixo, após a leitura atenta das dissertações (totalizando 910
páginas analisadas), são listadas as nomenclaturas que foram registradas em cada
trabalho em estudo.
QUADRO IV – Nomenclaturas utilizadas nas dissertações para fazer referência
à pessoa com deficiência
DISSERTAÇÕES
NOMENCLATURAS
NOMENCLATURAS
NOMENCLATURAS
UTILIZADAS
UTILIZADAS
UTILIZADAS PELOS
PESQUISADORES
PELOS
POR TEÓRICOS OU
EM DOCUMENTOS
PARTÍCIPES DAS
PESQUISAS
INTERNACIONAIS E
NACIONAIS
CITADOS PELOS
PESQUISADORES
Educação
para
No estudo, não há
Todos: a prática e o
referência a pessoa
discurso. (BACELAR,
com deficiência.
1987).
____________
______________
368
Aluno
portador
de
Deficientes
deficiência:
problema
médico-
Portador de
deficiência;
pedagógico
ou
conquista
da Portador de
A deficiência mental;
cidadania?
-
Educação especial em
Pernambuco. (ROSA, Deficiente(s);
1990)
(Secretaria
de
Educação
de
Pernambuco.
Diretoria de Serviços
Educacionais.
Departamento
de
Deficientes
Ensino . Divisão
de
mentais;
Educação
Os
Deficientes físicos;
Especial.
deficientes:
perguntas
e
Deficientes
respostas,
1988
;
auditivos;
ROSA, 1990, p.17).
Pessoas deficientes;
Louco,
anormal,
doente
Pessoas portadoras
(BARRENBLITT,G.F.
de deficiência;
1985,
Alunos deficientes;
Aluno especial;
p.
22
apud
ROSA, 1990, p. 11).
Imbecis
ou
defeito
com
orgânico
Deficiente social,
(Código Civil de 1916.
portador de
Art.5º, 12º, 177. apud
problemas de
MARSÍGLIA,
conduta ou
1987
desviante
ROSA, 1990, p. 20)
R.G,
citado
por
comportamental.
Surdos-mudos;
Fronteiriços e
loucos; (Código Civil
deficientes mentais
de 1916. Art.5º, 12º,
ligeiros.
177.
apud
MARSÍGLIA,
R.G,
Aluno excepcional.
Indigentes;
1987
citado
por
ROSA, 1990, p. 1920)
Inválidos;
Aleijados,
Crianças
retardadas.
loucos
(Iundis, S.A. 1987, p.
12 apud ROSA, 1990,
369
Anormais ,
p. 22).
intelectuais, morais,
pedagógicos;
Alunos
com
deficiências
Deficientes ligeiros .
físicas
ou mentais. (Lei nº
5692/1971
Atrasados
apud
ROSA, 1990, p. 40).
pedagógicos.
Deficientes da visão,
Incapacitado físico
ou moral.
da audição, mentais,
físicos,
portadores
Atrasado;
de
desajustado
múltiplas,
emocional
educandos
com
problemas
de
Aluno limitado
Anormais
deficiências
conduta,
superdotados
(Regimento
Interno
Excepcionais
do CENESP, Portaria
sociais
Ministerial nº 550, de
29/10/75, Art. 2º apud
ROSA, 1990, p. 44)
Excepcionais (MEC
– CENESP. Boletim
Bibliográfico, 1985, p.
1 apud ROSA, 1990,
p. 45 e Parecer nº
1682/74 – Conselho
federal de Educação,
ROSA, 1990, p. 48)
Pessoas deficientes
(Declaração
Direitos
dos
da
Pessoa
Deficiente, 1975 apud
ROSA, 1990, p. 49)
Doentes mentais e
excepcional
(BARRETO,
1978,
p.
A.P. ,
79
apud
370
ROSA, 1990, p. 118)
Ser diferente numa
Anormais
sociedade
massificada
(SANTOS, 1917, p.
–
um
estudo sobre a política
de
integração
portador
deficiência.
1996).
do
de
(NERY,
Portador
de
deficiência
surdo,
(cego,
deficiente
153 apud JANUZZI,
1985, p. 43 citado por
Nery, 1996, p. 31)
mental e deficiente
físico);
Deficientes mentais
periféricos ou leves;
Excepcionais;
Deficientes;
Pessoas Portadoras
de Deficiência
Pessoas
portam
que
diferenças
Criança
incapacitada física,
mentalmente ou
socialmente
(Declaração dos
Direitos da Criança.
Capítulo 5º; citado por
Nery, 1996, p. 36)
Portador de
deficiência
(Recomendação de nº
71- OIT, apud
Maltese Neta, 1995,
p. 6; citado por
NERY, 1996,p.34)
nas condições de
aprendizagem
Pessoas
com
limitações
Crianças
(MALTESE, 1995, p.
retardadas;
6 apud NERY, 1996,
Cegos,
surdos
p. 37).
deficientes físicos e
Pessoas Deficientes
hansenianos.
(Declaração
dos
Direitos
dos
portadores
Deficiência,
1975
apud
de
ONU,
NERY,
1996, p. 40 e 41)
Deficientes
(Declaração
Manila,
1978
de
apud
NERY, 1996, p. 42).
Excepcionais
(LDB
371
nº 4.024/61, Art.88,
título X apud NERY,
1996, p.66 e Parecer
nº
1682/1974-
CENESP/Conselho
Federal de Educação
apud NERY, 1996, p.
74)
Expressões
e
silêncios
dos
discursos cidadaniadeficiência
Uma
Desigual;
mental.
Deficiente mental;
Excepcional
social
(Secretaria
Aluno especial;
de
Educação de
abordagem
Mongol;
PE.
histórico-discursiva do
Diferentes;
Plano
“Plano
Desviantes;
Educação de PE –
Desvalidos;
1984-1987,
Mongolzinho;
Estadual
de
–
–
Educação
PE
1988/1991”.
Portadores
de
deficiência;
Estadual
apud
de
Pessoa humana;
p.
38
MOREIRA,
1997, p. 68)
(MOREIRA, 1997)
Pessoas portadoras
População
de deficiência
portadora
Sujeito portador;
deficiência
Excepcionais
Criança deficiente
Anormais mentais
Crianças anormais
mental,
visuais
ou auditivos
Aluno cego
Alunos
portadores
de D.M.
física ( Secretaria de
de
de
Criança portadora
Pessoa
portadora
de deficiência
PE.
Diretoria de Serviços
Crianças
Educacionais. Divisão
desfuncionais
de
Especial.
Educação
Plano
1989
apud
MOREIRA,1997,
p.
Crianças
deficientes
85.)
Aluno Portador de
Deficiência
Excluídos
Deficiente mental
Mental
(ARAGÃO;
Deficientes
distúrbio
de deficiência;
Operacionalizador,
Deficientes
de
comportamento
audiocomunicação e
Educação
Portador
de
visual,
Crianças retardas
Deficientes;
COUTINHO. Proposta
Alunos portadores
de
mental
deficiência
372
D.M.
Pedagógica
para
a
Área de Deficiência
Portador
Mental,
1990,
apud
Sujeito portador
p.29
MOREIRA,
1997 p. 98)
Deficiente mental
Deficiente
mental
(MARICEVICH, 1991,
p.
40
apud
MOREIRA, 1997, p.
166)
Portador
de
deficiência
(Secretaria
Educação
de
de
PE.
Diretoria de Serviços
Educacionais. Divisão
de
Educação
Especial.
Plano
Operacionalizador,
1989
apud
MOREIRA,1997,
p.
175.)
Quando
as
(in)certezas
e
as
Deficiente;
esperanças
se
(des)encontram:
um
Portador
estudo
das
deficiência;
de
dos
professores
sobre
educação especial na
rede
ensino.
2002)
estadual
Portador de
deficiência
ou
deficiência;
“Mudinho”
imperfeições
p.
“Ceguinho”
Sujeito portador de
49 apud BAZANTE,
“Doidinho”.
deficiência
2002, p. 49)
Sujeito diferente
Pessoas
com
deficiência
(GIL,
de
(BAZANTE,
de
(MAZZOTA,1996,
representações
sociais
Portadores
Os diferentes
Educandos
necessidades
educativas
2002,
com
p.
5
Pessoa Humana
apud
BAZANTE, 2002, p.
49)
Especial
Deficiente
Diferente
373
especiais
Alunos
(MAZOTTA, 1996, p.
integrados
Deficiente
17 apud BAZANTE,
mental,
deficiente
2002, p. 51)
auditivo, surdo
Alunos incluídos
Crianças portadoras
Alunos
de
integrados/incluídos
Cegos,
surdos,
deficientes mentais
e deficientes físicos
deficiência
(CARVALHO,
1999,
p. 36 apud BAZANTE,
2002, p. 70)
Alunos
especiais
“doidinhos”,
(diferentes,
“mudinhos”,
deficientes,
“ceguinhos”,
anormais
“aleijadinhos”
MAZOTTA, 1998, P. 1
apud
Sujeito portador de
,
etc)
(
BAZANTE,
2002, p. 88)
deficiência
Deficiente,
Alunos especiais
Pessoas portadoras
de deficiência
Diferente
(LONGMAN, 2000, p.
13 apud BAZANTE,
2002, p. 114)
Surdo,
(SCLIAR,
Especial
cego
cego
2000,
P.
32)
Deficiente
As mudanças nas práticas discursivas engendram, consoante Pêcheux (1983,
1990) e Orlandi (1987; 1990; 1992;1995; 1996; 1998; 2000; 2001;2006) entre outros,
modificações nas práticas sociais. Ambas as transformações, retroalimentando-se,
estão inseridas num contexto histórico e possibilitam, no caso dos discursos
produzidos nos trabalhos em análise, que o poder da linguagem seja visualizado
como caminho promissor ou eliminador das barreiras atitudinais.
Esse poder, expresso através das nomenclaturas registradas/utilizadas pelos
pesquisadores, demonstra como a sociedade, refletida nas dissertações em análise,
374
apresenta atitudes pró ou contra a inclusão social e educacional das pessoas com
deficiência.
Quanto às nomenclaturas em tela, demonstram retrocessos rumo à inclusão
social e educacional da pessoa com deficiência, pois revelam, como se verá adiante,
as compreensões equivocadas, que se tinham (e ainda se têm) sobre a pessoa com
deficiência:
* “Doente”, “Doentes mentais”: A confusão conceitual da deficiência como
doença fez com que surgissem substantivações e adjetivações como “doente”,
“doentinho”, “doentes mentais”, mencionadas por Barreto (1978) e Barrenblitt (1985)
citados na dissertação de Rosa (1990).
Barrenblitt (Ibid.), por exemplo, na fala citada por Rosa (Id.), mostra como
essas nomenclaturas estavam permeadas da errônea e maléfica compreensão de
que a deficiência era algo que corrompia não só quem a apresentava, mas quem
estava ao entorno da pessoa com deficiência.
O autor ao falar em prol da
erradicação dessa percepção e em favor da inclusão da pessoa com deficiência
mostra como a substantivação de uma deficiência, como doença (tratando a pessoa
com deficiência como doente) leva a um estado de rejeição, a rejeição ao “doente”:
[...] só tem louco, só tem anormal, só tem doente como entes
negativos para certo tipo de sociedade, aquelas que não conseguem
integrar esse modo de ser diferente nas suas práticas produtivas, nas
suas práticas culturais. (BARRENBLITT, 1985, p. 22 apud ROSA,
1990, p. 11).
Vale ainda destacar que as nomenclaturas “doente”/ “doente mental”,
enquanto substantivações, levam às barreiras atitudinais
de superproteção (em
função de um sentimento de cuidado pelo “doente”, inspirado pelo dó à dor que o
“doente” sente ou pode sentir); de baixa expectativa (se a pessoa é doente, ela é
incapaz de constituir e ser responsável por uma família, de estudar, de trabalhar
ou de exercer a independência. Assim, ela sempre precisará ser tutelada por
outras pessoas)
e /ou a barreira atitudinal de compensação (a pessoa doente
precisa ser compensada, ter privilégios porque ela sofre com a doença).
375
Agora, quando a pessoa com deficiência demonstra que pode ser feliz,
estudar, constituir família, vivenciar o empoderamento etc., a sociedade vê nessa
pessoa a imagem do herói, que consegue “superar todas as limitações” (barreira
atitudinal de adoração do herói). Outra barreira atitudinal que pode surgir, nesse
contexto, é a de exaltação de modelo (na família, na escola ou em outros espaços
sociais pessoas podem se utilizar da comparação entre a pessoa com e a sem
deficiência mostrando que a “pessoa doente” conseguiu fazer tal atividade com
habilidade é, pois, um modelo de superação, de força a ser seguido).
Quanto ao termo doente mental, tem-se nele a materialização de uma
compreensão limitante acerca da potencialidade da pessoa com deficiência, uma
vez que caracterizar a mente como um todo deficiente imprime a ideia de que a
pessoa é improdutiva; incapaz de aprender, de viver com autonomia, independência
e empoderamento.
Além de todos esses danos causados à identidade da pessoa
deficiência, as designações
com
substantivantes e/ou rotulantes “Doente”/ “Doente
mental” também leva a uma perspectiva de possível contágio, alcançando então a
prática da barreira atitudinal de rejeição.
Em outras palavras, a representação social da pessoa com deficiência como
“Doente”/“Doente mental” gera situações de desvantagem, de inferiorização, as
quais, ao ocupar o imaginário social, incitam a caridade demasiada, o paternalismo,
o protecionismo que são igualmente maléficos à identidade das pessoas com
deficiência como indivíduos detentores de direitos e de deveres sociais.
* “Anormal”, “Anormais intelectuais”, “Anormais morais”, “Anormais
pedagógicos”, “Anormais mentais”
O anormal é definido por Rios (2009, p. 71) como: “1. Aquele que foge à
norma ou padrão. 2. Contrário às normas; 3. Anômalo, defeituoso, tarado. Adj e s. 2
g. 4. Que, ou quem tem defeito físico ou mental; Antôn.: normal.” Os significados da
palavra anormal mostra, por si, o quanto esse termo é permeado por avaliações
sociais abstratas, contundentes e excludentes (anormal= o que foge ao padrão)
376
relacionadas à percepção da sociedade acerca da compleição física e do
comportamento das pessoas com deficiência como resultado de “defeitos” no
intelecto (“Anormais Intelectuais”/ “Anormais Pedagógicos”/ “Anormais Mentais”) e
de desvios dos princípios de moralidade social (“Anormal Moral”).
Nesse contexto, vale também discutir sobre a definição do “anormal” como
“tarado” (RIOS, 2009). Esse autor define tara e tarado como:
Tara s. f. [...] 2. Fig. Defeito físico ou moral, que geralmente implica
numa perversão; vício, estigma.
[...]
Tarado adj. 1.
Que tem falha ou defeito; defeituoso; 2.
Desequilibrado (no sentido moral); 3. Fig. Atraído, fascinado por. Adj
e s.m. 4. Que, ou aquele que pratica crimes sexuais. (Id., Ibid., p.
644)
É, portanto, a expressão “Anormal Moral”, como sinônima de tarado, que
historia a imagem social, preconceituosa e ilógica acerca das pessoas com
deficiência,
principalmente
com
deficiência
descontroladas sexualmente, hipersexuadas etc.
atitudinal de estereótipos (toda pessoa
intelectual,
como
pessoas
Imagem nutrida pela barreira
com deficiência, principalmente com
deficiência intelectual, é desajustada sexualmente, em outros termos, “Anormais
Morais”
não sabem se portar em
espaços públicos por terem sexualidade
exacerbada, precoce, irrefreada, sub-humana ).
Essas rotulações provocam, ainda, a barreira atitudinal de rejeição dos
professores ou da escola e da família de estudantes contra os alunos com
deficiência, sustentada pela visão de que esses alunos “Anormais Morais” possam
fazer algum mal a seus colegas sem deficiência.
Nesse percurso, o medo é tonificado porque, na visão da sociedade, acha-se
que os “Anormais Morais” podem abusar sexualmente de pessoas fisicamente mais
frágeis do que eles; e.g. crianças e idosos.
Essas barreiras fazem surgir e fortalecer a barreira atitudinal de rejeição
(Rejeita-se a pessoa com deficiência porque o “Anormal Moral” poderá manifestar
em público comportamentos vinculados à sexualidade , e.g. masturbação; ou em
total descontrole, atacar/tarar pessoas). (MELO, 2005; MAIA; RIBEIRO, 2010).
377
Essa compreensão revela o poder do modelo místico da deficiência, no qual
se compreende, por exemplo, que a deficiência é resultado da purgação de um
desvio de caráter (ideia que transita na dimensão cognitiva da barreira atitudinal).
Esse entendimento gera preconceitos (dimensão afetiva da barreira atitudinal),
discriminação (dimensão social da atitude) e incita além de barreiras atitudinais de
substantivação/adjetivação, a de rejeição, conforme discutido.
Os termos “Anormal intelectual, anormal moral, anormal pedagógico”, também
utilizados por Rosa (1990), são nomenclaturas que podem vivificar as barreiras
atitudinais de estereótipos (baseada na ideia/crença generalizante, infundada de que
toda a pessoa com deficiência apresenta anormalidade intelectual, modos de se
comportar também anormal e maneira de aprender anormal, o que distingue as
pessoas com deficiência, enquanto grupo, do restante da sociedade); imbricada a
esse processo pode surgir a barreira atitudinal de particularização (a pessoa com
deficiência , principalmente a
com deficiência
intelectual, ao ser vista
“anormal mental” pela sociedade, é segregada em
como
salas e escolas especiais,
quando se fala de educação, e em residências especiais, asilos e/ou sanatórios,
quando mais velhas); a barreira atitudinal de baixa expectativa (o “Anormal
Pedagógico” é incapaz de aprender como os outros, então a ele deve ser oferecida
uma educação compatível a sua anormal/inferior capacidade de aprendizagem).
Também resultante desse processo podem surgir
a barreira atitudinal de
adoração do herói ou a de exaltação do modelo (manifestas quando a sociedade
percebe
que o
“Anormal Intelectual” ou o “Anormal Pedagógico” conseguem
aprender e se comportar adequadamente, consoante as regras sociais para
ambientes específicos, e.g. escola, igreja,
clube
etc. Aos “Anormais”, cuja
expectativa era da anormalidade/da incapacidade/da limitação, são desferidos
elogios
desmedidos, a supervalorização de
tudo o que fazem e é visto como
produtivo e adequado, tornando-os verdadeiros exemplos de superação e, por
consequência, alvos de exaltação de suas ações).
Não menos nocivas à pessoa com deficiência, nesse contexto, pode ainda
ser vivenciada a barreira atitudinal de
exaltação do modelo (Os “Anormais
intelectuais” são engrandecidos pelo mais corriqueiro “êxito” alcançado); barreira
atitudinal de
superproteção e de adoração
do herói (O “Anormal Moral” e
o
378
“Anormal Pedagógico” não sabem o que fazem, são “débeis” e
precisam
ser
tutelados para não se exporem ou ainda para não serem frustrados, porque
como “anormais”, aos olhos da sociedade, o mínimo que
aprenderem
será
excepcional: serão heróis. Por outro lado, a sociedade pode não esperar deles
que aprendam nada, manifestando assim barreira atitudinal de baixa expectativa
para com as pessoas com deficiência intelectual ).
Na dissertação de Nery (1996), quando a expressão “anormais” é utilizada,
direciona o leitor a refletir que a questão não é apenas de taxonomia, mas de
postura, como afirma Lima (2000a).
Assim, quando Santos (1917, p. 153), citado por Januzzi (1985) na
dissertação de Nery (Ibid.), utiliza o termo anormal para fazer referência à pessoa
com deficiência, ele o faz para defender concepções inclusivistas como: a de que as
pessoas com deficiência têm potencialidade, são produtivas e que a elas devem ser
oportunizados os caminhos para que essa produção ocorra em equidade ao que é
colocado socialmente como
relevante.
Essa compreensão foi registrada
explicitamente na seguinte fala:
Está presente no discurso e na prática de seleção a preocupação
com a ordem, com um trabalho que torne os anormais capazes de
produzir de acordo com o que socialmente é colocado como
produtivo, isto é, para produzir mercadorias, lucro. Daí a alegação
de que os anormais não devem ser parasitas. Todos devem ser
aproveitados, em algum sentido, devendo a escola selecioná-los
para o seu devido lugar (SANTOS, 1917, p. 153 apud JANUZZI,
1985, p. 43 citado por NERY, 1996, p. 31)
Aqui a pessoa com deficiência é substantivada como anormal, expressão que
lhe pode marcar negativamente a identidade de pessoa, contudo, o que o autor
advoga é a prática da inclusão social e educacional. Vale, então, enfatizar que
quando se analisa o discurso à luz da teoria da inclusão deve-se ter atenção àqueles
parâmetros apontados por Pêcheux (1983, 1990) e por Orlandi (1987, 1990, 1992,
1993, 1995,1996,2007): os sujeitos, a situação e a memória, pois, termos postos
em xeque, encontrados em textos remotos, por vezes, mostram uma face mais
includente e vanguardista à defesa dos direitos humanos de todas as pessoas do
que o discurso cuidadoso, atual, que se maquila utilizando expressões inclusivistas
e são nocivos à inclusão. (LIMA; LIMA; MOURA, 2003).
379
* “Os Imbecis ou com defeito orgânico”: O filósofo Santo Tomás de Aquino
(1227-1274), citado pelo psicanalista francês Roger Misès (1977, p. 15) em estudo
realizado por Amaro (2007, p. 8), definiu imbecilidade como “uma perda de fineza do
espírito e uma fraqueza da inteligência”. Essa ideia de fraqueza, de falha também é
percebida na expressão “defeito orgânico”. Nessa, não apenas as “fraquezas de
inteligência” estão em foco, mas toda e qualquer “imperfeição” do organismo.
Traduz-se desses significados que as representações sociais geradas pela
expressão “os imbecis ou com defeito orgânico” serviram como força motriz para, a
partir de um modelo de compreensão limitante da humanização e da potencialidade
das pessoas com deficiência, a sociedade nutrir preconceitos que terminaram por
impedi-las de ter os direitos sociais, como o direito à educação, negados.
Esse processo é fonte para a tonificação de várias barreiras atitudinais como
as de rejeição (manifestas, por exemplo, quando da compreensão de que os “
imbecis são fracos de inteligência”, então, se incapazes de aprender e de produzir
não necessitam de
inteligência
educação e trabalho; ou “imbecis”, por serem fracos de
e não saberem o que
fazem, podem se
sociedade. A rejeição encontra terreno fértil também na
tornar perigosos para a
expressão “defeituoso
orgânico”, pois, as imperfeições no organismo são devidas a doenças e essas são
contagiosas, logo, os com “defeito orgânico” precisam estar afastados da sociedade
hígida.).
Nesse processo, a sociedade distante da pessoa com deficiência e sem
informações positivas a seu respeito pôde subjugá-la e nutrir a barreira atitudinal de
ignorância. Essa construção social, que contou até mesmo com o discurso legal
como caminho de reforço, esteve contribuindo significativamente com a manutenção
de barreiras atitudinais e com o desrespeito aos direitos sociais das pessoas com
deficiência.
Exemplo disso é o documento que Rosa (1990) menciona ao explicar que, em
1904, em São Paulo, eram “considerados inaptos para o sorteio de vagas para a
escolas públicas os ‘imbecis e os que por defeito orgânico forem incapazes de
receber educação’.” (Código Civil de 1916 Art5º, 12º, 177 apud MARSÍGLIA, R.G,
1987 citado por ROSA, 1990, p. 20). A autora utiliza o documento para ilustrar
380
momentos sociopolíticos em que as pessoas com deficiência foram “isentas de
escolarização obrigatória”. (Id., Ibid.).
Como visto no terceiro capítulo do presente trabalho, o discurso legal, como
resultado de ações e de construções sociais, pode ser impulsionador de atitudes
includentes, como também exprimir, difundir barreiras atitudinais e contribuir
contundentemente para que o acesso à educação, entre outros direitos, seja
negado.
* “Incapacitado físico”, “Incapacitado moral”: A expressão “Incapacitado
Físico ou Moral” foi utilizada por Rosa (1990) para fazer referência a pessoas com
deficiência. Isso exemplifica, de certo modo, como se mostra a face inconsciente e
histórica da barreira atitudinal. (LIMA, TAVARES, 2007).
O uso dessa expressão demonstra não apenas que o pesquisador não está
isento do processo de produção e de propagação das barreiras atitudinais, mas
demonstra que a leitura que a sociedade efetivou (ou efetiva) acerca da deficiência
terminou (ou termina) por atribuir às pessoas com deficiência a identidade de
pessoas inaptas, incompetentes para viver em sociedade.
Em outros termos, a
suposta e errônea compreensão de que essas pessoas mantêm ausentes os
preceitos de moralidade, de normas para a convivência em sociedade promoveu
atitudes de rejeição, além de outras barreiras atitudinais.
A leitura equivocada da deficiência como sinônimo de incapacidade e de
conduta desregrada é, respectivamente, fruto dos modelos de compreensão médico
e místico da deficiência, os quais incitam disposições afetivas que terminam por
engendrar ações discriminatórias e resultar em barreiras atitudinais de estereótipos
(as pessoas com deficiência formam um grupo de “inábeis físicos” e “de conduta”);
de baixa expectativa, de superproteção ou de rejeição (sustentadas por ideias
como: a) “Incapacitados Físicos” não têm condições de exercer uma função
laboral, de cuidar de um ambiente, de cuidar de si, de trabalhar etc. Logo, precisam
ficar confinados e serem tutelados porque é o melhor para eles, ou até mesmo
para não se machucarem nesses contextos; b) Os “Incapacitados Morais” não
conseguem apreender e executar normas de conduta social. Logo, não têm
381
condições de conviver socialmente. Devem
ser relegados a espaços de
confinamento, segregado). Essas barreiras atitudinais, como explicitado, conduzem
ao processo de exclusão, de rejeição ostensiva.
Se por outro lado o “Incapacitado Físico e o Incapacitado Moral” mostrarem
ser pessoas que superam aquelas inaptidões sustentadas no e pelo imaginário
social, eles poderão passar da imagem de inaptos “físicos e sociais” (barreira
atitudinal de baixa expectativa) ou da imagem de coitados ( barreira atitudinal de
inferiorização) e se tornarem alvos da imagem do herói (barreira atitudinal de
exaltação do modelo ou barreira atitudinal de adoração do herói ).
Traduz-se, então, desse processo que a representação social da sociedade
para com indivíduos com deficiência como inaptos “físicos ou sociais”, de
desafortunados, de coitados, de desregrados sociais pode gerar o dó e esse é
nutrido em razão da compreensão de que as pessoas com deficiência apresentam
déficit
de capacidade para o desenvolvimento de atividades sociais, laborais,
produtivas etc. Processo que termina por gerar também ações de compensação
e de superproteção dispensadas pela sociedade à pessoas com deficiência, porque
elas são entendidas como deficitárias intelectuais que não conseguem apreender
as normas sociais. Logo, sob esse entendimento turvo, as pessoas com deficiência
precisam ser compensadas com bens e serviços por motivo de tais déficits ou de
serem superprotegidas pela mesma motivação.
* “Inválidos”: A expressão “inválidos”, utilizada por Rosa (1990), está na raiz
da percepção da sociedade acerca das pessoas com deficiência como indivíduos
improdutivos e, por consequência, sem valor. Como se pode ver na definição que
Rios (2009, p. 389) registra sobre essa palavra: “Inválido: adj. 1. Fraco, doente; 2.
Inutilizado [...]; 3. Nulo [...] ”.
No dicionário Hoauiss (2008, p. 488), o vocábulo aparece como sinônimo de
“1. fraco: débil, frágil, franzino [...] 3- vão: bald(ad)o, (d)espedaçado, improdutivo,
insubsistente, inútil, nulo [...]”.
Quando, portanto, se utiliza o termo inválido para fazer referência às pessoas
com deficiência marcam-se tais pessoas com a chancela
social de que
são
382
improdutivas, insubsistentes, inúteis, inutilizadas, vazias de potencialidades,
incapazes.
Esse processo explica uma das fontes de manutenção de diversas barreiras
sociais praticadas contra a pessoa com deficiência como a barreira atitudinal de
estereótipos (gerada
em razão da
sociedade
considerar as
pessoas com
deficiência como pessoas inválidas); a barreira atitudinal de medo (sustentada pela
crença descabida de que as pessoas com deficiência são frágeis, débeis, franzinas,
despedaçadas. Logo, para essa mesma sociedade, conviver com pessoas com
tais características é causa de temor, medo. E , a barreira atitudinal de medo pode,
neste caso, eliciar a barreira atitudinal de rejeição ).
*Fronteiriços,
“Atrasado”;
“Atrasados
Pedagógicos”:
Os
termos
atrasados e fronteiriços significam respectivamente:
Atrasado adj.: 1. Que ficou para traz. [..] 4. Pouco desenvolvido
(mental ou fisicamente); retardado [...] (RIOS, 2009, p. 90) [...]
Fronteiriço adj,: 1. Que vive ou fica na fronteira. (Id., Ibid., p. 324)
O adjetivo “atrasado” é grafado entre aspas quando Rosa (1990) menciona o
Regimento Interno do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP/ Portaria
Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º) para comentar a expansão dos serviços de
educação especial em Pernambuco:
[...] o único componente desta clientela que não havia ainda sido
referido legalmente ou no Plano que supostamente daria suporte às
ações governamentais, era o educando com problemas de conduta,
o que leva a questionar se ele seria uma nova categoria de
excepcionalidade, ou apenas uma nova forma de designação para
‘atrasado’ ou ‘desajustado emocional”, que provavelmente vinha
sendo classificado como deficiente mental. (ROSA, 1990, p. 44-45).
Nesse contexto discursivo, o “atrasado” era alguém que destoava do padrão
e, por essa razão, era classificado como “deficiente mental”. O que demonstra o
processo de reclassificação de pessoas em razão da avaliação subjetiva, infundada,
deteriorante acerca do comportamento destoante da norma como sinônimo de
deficiência e da deficiência como sinônimo de excepcionalidade.
383
As
expressões
“Fronteiriços”,
Atrasados”,
“Atrasados
pedagógicos”
evidenciam, portanto, que a pessoa com deficiência comparada socialmente a
pessoas sem esta característica têm, ao longo da história, sido vista pelas lentes
incapacitantes das barreiras atitudinais de estereótipos e de particularização, pois
substantivações/adjetivações como essas impõem uma condição estereotipada de
habilidades e de competências limitadas/fronteiriças em razão da deficiência;
impõem condição particularizante de que tais habilidades/competências estão
muito aquém do que os pares sem deficiência apresentam.
O vocábulo “Fronteiriço”
ilustra o processo que a sociedade impunha à
pessoa com deficiência: o do limite. Se a pessoa é fronteiriça ela só chegará a
desenvolver-se até o que é previsivelmente demarcado. Sob essa confusa e nociva
compreensão, na escola, por exemplo,
ofereceu-se um currículo, uma prática
pedagógica guiados pela tônica da limitação, o que fez com que a formação
recebida pelas pessoas com deficiência não lhe tivesse permitido equiparar-se aos
que não têm essa característica, como já sinalizava Nery(1996) em sua dissertação.
Em outros termos, a situação discursiva registrada por Rosa (1990) é,
portanto, um exemplo de circunstância textual em que ocorre a materialização da
baixa expectativa, pois, na mensagem por traz do uso daqueles termos, é possível
verificar como a sociedade manteve (e mantém) a descrença na potencialidade das
pessoas com deficiência, aceitando para essas o estágio máximo de “fronteira”,
nunca o da normalidade.
Nesse contexto, a percepção social de que a pessoa com deficiência
atrasada ou fronteiriça nutre as barreiras atitudinais de
é
baixa expectativa e de
menos valia. Quando, por sua vez, aquelas adjetivações são usadas
para
a
comparação, entre pessoas com e sem deficiência , coloca estas em situação de
desvantagem, inclusive por rotulá-las , adjetivá-las pejorativamente. Logo, essas
barreiras atitudinais estão imbricadas na
estereotipificação da pessoa com
deficiência.
Quando a pessoa com deficiência ultrapassa a suposta fronteira trazida pela
deficiência , ou melhor, imposta (in)conscientemente pela sociedade, instalam-se
outras barreiras atitudinais como as de adoração do herói (concretizada quando a
384
sociedade
supervaloriza os êxitos que
os “Fronteiriços”, os “Atrasados
Pedagógicos” “eventualmente conseguem alcançar”. Esse
processo se dá,
obviamente, em razão da baixa e nociva expectativa dispensada a pessoas com
deficiência, através da crença de que elas
estão na fronteira,
na lentidão do
desenvolvimento cognitivo e social) ; barreira atitudinal de exaltação do modelo (
ocorre quando, por exemplo, a sociedade utiliza a percepção dos êxitos da pessoa
considerada “Fronteiriça”, “Atrasada” para demonstrar o quanto elas
são
“excepcionais em suas vitórias”. Esse percurso engendra a comparação social entre
a pessoa com e a sem deficiência, sendo através dele que a sociedade e a escola
têm utilizado a imagem de pessoas com deficiência como modelo de superação a
ser seguido).
Não menos maléficas
às pessoas com deficiência, podem surgir ainda
nesse itinerário, a barreira atitudinal de compensação (sustentada pela sociedade
através da crença incoerente de que a
pessoa com deficiência é “fronteiriça”,
“atrasada”, digna de dó e, por essa razão, merece ter privilégios) e/ou a barreira
atitudinal
de
superproteção
(materializada
quando
a
sociedade
protege
demasiadamente as pessoas com deficiência. Atitude praticada como resultado da
tonificação do sentimento de piedade exacerbada, existente em razão de se
compreender
as
pessoas
com
deficiência
como
“fronteiriças,
atrasadas
pedagógicas”).
*Desajustado emocional: O termo “desajustado emocional” foi registrado na
dissertação de Rosa (1990), conforme mencionado anteriormente, quando a autora
comentou o Regimento Interno do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP/
Portaria Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º),
A expressão “desajustado emocional” surge, então, aos olhos da sociedade,
como definição da pessoa com deficiência. Contudo, expressa barreira atitudinal,
pois, em sua semântica exprime o sentido de:
Desajustado adj. [...] 1. Descombinado: alterado [...]; 2.
Desordenado:
atribulado,
desarmonioso,
desequilibrado,
desregrado, desvairido, transtornado [...] 3. Desregulado: danificado,
defeituoso, estragado [...] ( HOUAISS, 2008, p. 251
385
Essa designação termina por definir a deficiência não apenas numa dimensão
biológica
(defeituoso,
transtornado,
danificado,
desequilibrado)
e
estragado),
comportamental
mas
psíquica
(desvairado,
(desregrado,
desregulado)
igualmente desarmônicas.
Assim, a sociedade, sob a compreensão da deficiência como desvario,
transtorno, desajuste emocional etc., nutriu (nutre) preconceitos e atitudes de
rejeição, de desprezo, as quais estão na gênese e no fortalecimento das mais
diversas barreiras sociais como: a barreira atitudinal de estereótipo (materializada
quando a sociedade crê que as pessoas com deficiência são desequilibradas
emocionalmente); barreira atitudinal de
ignorância (nutrida quando, por falta de
informação, sujeitos sociais continuam a alimentar a equivocada ideia de que a
pessoa com deficiência
é “desvairida”, “transtornada”); barreira atitudinal de
particularização (ocorre quando a sociedade constrói a compreensão de que a
pessoa com deficiência, sendo
um “desajustado emocional”,
tem
um
modo
particular de se portar. O que faz, aos olhos dessa mesma sociedade, a deficiência
ser algo visível, mensurável, como relatado nos diagnósticos da equipe de Triagem
para encaminhamento de crianças à Educação Especial. Conforme explicitado na
dissertações construídas por Nery (1996), vide página 275 desse trabalho, e por
Moreira (1997), vide página 431 e 432, desta dissertação.
Essas barreiras atitudinais podem estar vinculadas, dá origem ou alimentar a
barreira atitudinal de medo (materializada quando a sociedade, sob a compreensão
de que as pessoas com deficiência são descombinadas,
desarmoniosas
transtornadas etc., evita fazer, dizer algo, interagir com tais pessoas, em função do
medo de
provocar
reações agressivas, de desajuste emocional. Esse medo,
obviamente, leva à rejeição).
Outras barreiras sociais podem surgir sob o manto do juízo antecipado acerca
da pessoa considerada um “Desajustado emocional”: barreira atitudinal de baixa
expectativa (a qual ocorre quando a sociedade considera que a pessoa com
deficiência é “desajustada emocionalmente” e não tem condições de conviver em
sociedade, de aprender, de trabalhar, de praticar a autonomia e o empoderamento
etc.).
386
A sociedade ao compreender, então, que a pessoa com deficiência é alguém
desregrado, danificado, transtornado etc., pode conjugar várias dessas barreiras
sociais e, por consequência, praticar a mais danosa delas: a barreira atitudinal de
rejeição.
* “Indigentes”: O vocábulo “indigente” é registrado na dissertação construída
por Rosa (1990). A autora investiga como se dirige, como se dá o encaminhamento
dos candidatos à educação especial e ainda denuncia o funcionamento
medicalizado da educação especial, a qual objetivava: “evitar marginalidade,
amparar indigentes, prevenir doenças mentais, formar cidadãos”.
Rosa (Ibid.)
demonstra que as pessoas com deficiência estavam à margem da sociedade e que
esse fato podia ser ratificado nas concepções de “deficiência (invalidez,
anormalidade, excepcionalidade, diferença) e de educação especial (amparo
humanitário, ação médica higienista, intervenção psicológica compensatória)”. (Id.,
Ibid., p. 101).
Traduz-se, então, que a identidade das pessoas com deficiência, enquanto
pessoas humanas detentoras de direitos e de deveres sociais, estava esmaecida
pela sociedade que chancelava essas pessoas como “indigentes”, indivíduos “cuja
condição é de extrema miséria (RIOS, 2009, p. 378)”; condição essa que as
colocava na situação de mendicância, alimentando a percepção social de que as
pessoas com deficiência eram (são) improdutivas. (Cf. BIANCHETTI, 1998).
A figura do “indigente” leva a sociedade a ter um olhar de pena ou dó para
com as pessoas com deficiência. Daí nutrindo a prática
da mendicância, pela
pessoa com deficiência, e da esmola, pela sociedade.
A sociedade ao ver as pessoas com deficiência como indigente, portanto,
rejeita-as, colocando-as em uma categoria humana inferior, para a qual faltam as
coisas necessárias a vida e, por essa razão, são olhadas pelos atores sociais com
comoção, de soslaio, com hostilidade, expressão de constrangimento ou até de
medo, o que leva ao negligenciamento (in)voluntário do contato com elas. Essas
ações sociais, certamente, interferem na formação socioidentitária das pessoas com
deficiência e, uma vez tais ações compartilhadas, acabam servindo nocivamente
387
como suporte para a constituição das identidades pessoais dessas pessoas. (LIMA;
TAVARES, 2007).
*Desvalidos: Essa substantivação é utilizada por um participante da pesquisa
realizada por Moreira (1997). A pesquisadora não reflete sobre o uso desse termo, o
que torna plausível que se pense numa situação de concordância, mesmo que
inconsciente, da representação social que ele impõe à pessoa com deficiência.
Nesse caso, faz-se necessário recordar o significado de desvalia e de desvalido:
Desvalia s.f.: Falta de valia ou de serventia; desvalimento.
[...]
Desvalido adj.: 1. Sem valimento ou valia; 2. Desprotegido,
desamparado. s.m. 3. Aquele que não tem valimento ou valia. 4.
Miserável. (RIOS, 2009, p. 232)
Quando, portanto, as pessoas com deficiência foram nomeadas, rotuladas
como “desvalidas” reconheceu-se que a sociedade impunha a essas pessoas a
condição
de
indivíduos
sem
valor,
desprotegidos,
desamparados,
sub-
humanos/miseráveis.
Utilizar, portanto, essa expressão no discurso acadêmico, sem as devidas
reflexões,
é
difundir,
mesmo
que
implicitamente,
essas
compreensões,
representações sociais, as quais certamente transitam no fortalecimento de barreiras
atitudinais como a de estereótipo (sustentada pela sociedade
ao crer
que as
pessoas com deficiência são desprotegidas, desamparadas, desvalidas, miseráveis)
; barreira atitudinal de compensação (ocorre quando a sociedade, em razão da
piedade para com às pessoas com deficiência, nutre a danosa compreensão de
que essas pessoas são desamparadas e precisam ser compensadas através de
privilégios que venham a minimizar o suposto sofrimento da condição de ser
“desvalido”, leia-se: de ser “deficiente”, de não ter valor).
Nesse processo, a barreira atitudinal de rejeição também pode encontrar
terreno fértil, pois os “Desvalidos”, conceituados como aqueles que não têm
serventia, devem ser dispensados do convívio social.
388
* “Desigual”, “Desviante”, “Desviante comportamental”, “Diferente”:
Palavras como diferente, desigual, desviante foram (e em muitos casos ainda são)
utilizadas pela sociedade para distinguir as pessoas com deficiência das pessoas
que não apresentam essa característica.
Nessas substantivações/adjetivações, verifica-se que a compreensão da
sociedade sobre o que é ser normal deságua no discurso da igualdade, da
homogenia (inclusive comportamental), e esse discurso, travestido de uma intenção
social a favor da inclusão, tem situado pessoas em grupos distintos, onde a
identidade de desigual, de desviante, de diferente existe em razão da deficiência;
marca a pessoa com deficiência através da particularização; atribuindo-lhe o rótulo
do fugidio e do menor ao fluxo comum; chancelando-lhe com o estigma da diferença
inferiorizante. Lima (2006, p. 58), como exposto no primeiro capítulo do presente
trabalho, robustece essa percepção ao afirmar que
[...] o léxico diferente, flexionado a partir do termo diferença, é ou
significa deficiente. Tratado dessa maneira, o termo “diferente” é um
eufemismo para termos que incluem dizer honestamente que uma
pessoa é cega, surda, ou tem deficiência física, intelectual, cerebral
etc.
O emprego das palavras diferente e desviante para fazer referência à
pessoa com deficiência surge, portanto, com significados que correm como um rio
subterrâneo, promotor da excludência quando, por exemplo, na dissertação de
mestrado, Moreira (1997) as utiliza, ou ainda quando a autora traz o termo desigual
mencionado por um depoente e não reflete sobre a condição que essa
substantivação/adjetivação impõe à pessoa com deficiência.
Em outras palavras, as noções de diferente e de desviante fazem surgir ou
fortalecem barreiras atitudinais, as quais quando produzidas pela sociedade,
difundidas pelo discurso acadêmico, disseminadas pela escola e retroalimentadas
pela sociedade em geral, prejudicam a efetivação dos direitos sociais da pessoa
com deficiência.
Assim, mesmo quando os atores sociais promotores daquelas barreiras não
têm intenção de fazê-lo através do discurso acadêmico ou de atitudes, podem
chegar a contribuir, de modo irrefletido, para uma redução contundente das
expectativas de produção e das potencialidades da pessoa com deficiência. Essa
389
desvantagem é imposta pela sociedade através das substantivações/adjetivações,
rótulos que acabam por incitar atitudes de preconceito e de rejeição. (GOFFMAN,
1988; MAGALHÃES, DIAS, 2005).
Traduz-se, então, desse processo, que os termos “Desigual”, “Desviante”,
“Desviante
comportamental”,
“Diferente”,
estão
prenhes
de
compreensões
equivocadas acerca da pessoa com deficiência, geram afetos negativos e ainda,
como consequência, alimentam a terceira dimensão da barreira social: a
discriminação.
Vale, pois, destacar que tais termos motivam e fortalecem a barreira
atitudinal de estereótipos (nutrida pela sociedade através da crença equivocada de
que as pessoas com deficiência são desviantes do curso comum de constituição
humana física, cultural e moral); a barreira atitudinal de negação (pode ocorrer
quando a sociedade, ancorada em expressões como “todos são diferentes”, leia-se
“todos em algum sentido são deficientes”, nega a existência da deficiência e, em
consequência, nega à pessoa com deficiência as condições necessárias para que
a equiparação de oportunidades ocorra);
barreira atitudinal de ignorância (esse
obstáculo social é reforçado quando, por falta de informação, a sociedade subjuga
a pessoa com deficiência como “desviante”, o que
mecanismos
subjetivos de avaliação
qualquer indivíduo
termina
por alimentar
sobre quem é a pessoa com deficiência:
que, sob a ótica de
determinados grupos sociais,
pareça
diferente da norma estabelecida por eles seria, então, “desviante/deficiente”);
barreira atitudinal de particularização (fortalecida pela sociedade
equivocada compreensão de
em razão da
que as pessoas com deficiência são “Desviantes
Comportamentais”, “Diferentes”, “Desviantes” apresentam um modo particular de
ser e de se comportar).
A barreira atitudinal de medo também pode ser percebida, nesse percurso,
quando há ações sociais guiadas pelo entendimento de que pessoas com
deficiência são pessoas destoantes do padrão e que apresentam particularidades
comportamentais
negativas,
eg.
fragilidade,
agressividade,
hipersexualidade,
malícia, dependência demasiada, fuga total dos padrões de conduta social etc.,
atitudes que levam a sociedade a recear o contato com pessoas com deficiência,
390
por razão de ela ver tais pessoas fora da norma/normalidade com a qual está
acostumada a lidar.
Essa barreira ainda pode ser tonificada quando se ajuíza nocivamente que
, por exemplo, uma criança com deficiência é uma “Desviante Comportamental”
porque
é doente.
A deficiência, sob essa ótica patológica, acaba por tornar a
criança desviante comportamental/social e isso gera a nociva crença no perigo do
contágio a outras crianças sem deficiência, representando para as segundas
também o risco do mal exemplo e da influência negativa.
*
“Mongol”,
“Mongolzinho”,
“O
D.M.”;
“Mudinho”,
“Ceguinho”,
“Doidinho”; “Louco”, “Cego”, “Hanseniano”, “Surdos-mudos”; “Aleijados”:
Os termos “mongol” e “mongolzinho”, utilizados por participantes da pesquisa
realizada por Moreira (1997), e a expressão D.M., utilizada pela própria
pesquisadora, fortalecem as barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência,
por lhe restringir, pejorativamente, a identidade de pessoa humana a apenas uma só
característica , a deficiência, a qual é vista depreciativamente.
Sassaki (2003c, p. 6) explica que os termos mongol e mongolzinho “refletem
o preconceito racial da comunidade científica do século 19”. O autor também explica
que, apesar da síndrome de Down ser uma das anomalias cromossômicas mais
frequentes, continua envolvida em ideias errôneas.
Moreira (Ibid.), ao transcrever a fala de mães, depoentes da pesquisa, traz
uma situação interacional, discursiva, atitudinal que ilustra o que Sassaki (Ibid.)
explicita:
Ele teve uma febre e levei no posto, aí a doutora disse para outra:
olha, fulana, um mongolzinho. Aí eu disse: isso é uma doença.
Aí
ela disse que sim. Só que não imaginava que era tanto trabalho [...]
(Id., Ibid., p. 203)
[...] A doutora que fez o teste disse logo para mim: ‘olhe, é um
fenômeno um mongol aprender a ler’” (Id., Ibid., p. 206).
391
A pesquisadora comenta sobre o uso desse rótulo e afirma que os rituais de
exclusão se iniciam quando médicos, psicólogos e pedagogos taxam a criança de
“mongol” e de “portadora de distúrbio de comportamento”. (Id., Ibid., p. 204).
Moreira (Ibid.) reflete sobre como os estigmas, as substantivações e as
adjetivações, utilizados para fazer referência à pessoa com deficiência, contribuem
para a elevação e o fortalecimento de barreiras sociais:
[...] a constituição de alguns rótulos e estigmas sociais, formados a
partir do olhar medicalizante/psicologizante, olhar esse que tenta
perscrutar o universo do “diferente”, “insano”, “portador de
deficiência”, “homem de desrazão”. Na acepção de Foucault (1975),
é a partir da multiplicidade desses olhares que começa a se
sedimentar a valorização negativa dos fenômenos culturais tidos
como “diferentes”. Uma vez estabelecida essa negatividade, “(...) as
significações morais se engajam, as defesas atuam, barreiras
elevam-se, e todos os rituais de exclusão se organizam. (MOREIRA,
1997, p. 203).
O efeito da constituição e uso de rótulos e de estigmas sociais é, pois, o
“descrédito social do indivíduo com tal gravidade que, a partir do que é ajuizado
como ‘imperfeição’, outras imperfeições são adicionadas”. (MAGALHÃES; DIAS,
2005, p.6).
Em outras palavras, como se lê no discurso daquela mãe participante da
pesquisa realizada por Moreira (Ibid.) (“A doutora que fez o teste disse logo para
mim: ‘olhe, é um fenômeno um mongol aprender a ler”), a substantivação surge
imbricada a baixa expectativa e a adoração do herói entre outras barreiras
atitudinais.
Quanto aos vocábulos “Mudinho”, “Ceguinho”, “Doidinho” (BAZANTE, 2002),
Sassaki (2003c, p.6) esclarece que tanto eles quanto a expressão “Surdo-Mudo”,
citada na dissertação de Rosa (1990), são inadequados para fazer referência à
pessoa com deficiência:
[...] a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa. O
diminutivo mudinho denota que o surdo não é tido como uma pessoa
completa. TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com
deficiência auditiva. Há casos de pessoas que ouvem (portanto, não
são surdas) mas têm um distúrbio da fala (ou deficiência da fala) e,
em decorrência disso, não falam.
392
O diminutivo ceguinho denota que o cego não é tido como uma
pessoa completa. TERMOS CORRETOS: cego; pessoa cega;
pessoa com deficiência visual.
Na dissertação elaborada por Bazante (2002), a construção sócio-discursiva,
deteriorante da identidade da pessoa com deficiência é apresentada:
Percebendo a dificuldade no que se refere a localizar o professor,
buscamos na pergunta: “em que sala os alunos portadores de
deficiência estão estudando esse ano?”, como caminho para a
identificação dos professores que atuam com a EE.
Para essa informação, era feito um verdadeiro plebiscito na sala da
secretaria, da direção ou entre aqueles que chegavam na sala dos
professores, para saber
quem estava
com o “mudinho”, o
“ceguinho” ou o “ doidinho”. Nossa intervenção, nesse momento,
sugeria que identificássemos a série, a sala, o turno, para, assim,
sabermos quem eram os professores e fazermos o contato para
agendar a entrevista. (BAZANTE, 2002, p. 99).
Foi justamente a chegada aos espaços regulares que possibilitou a
compreensão de como era necessário nos reportarmos à deficiência
para sabermos quem eram os professores que atuavam com esse
sujeito no ensino regular, ou seja, a deficiência como identidade,
como forma de reconhecer o sujeito, por que não dizer a marca
da sua diferença no tocante aos demais. (Id.Ibid. , grifos nossos).
Em outra passagem, essa autora sumariza:
[...] o trabalho com a EE demarcou duas visões distintas à sua
compreensão. A primeira, algo que poderia conceder ao portador
de deficiência uma instância identitária, um grupo com suas
singularidades. A segunda, que o trato com as questões da EE
evocam particularidades reconhecidas no espaço especial e
negadas nos espaços regulares , a partir do momento em que
não têm sido considerados os ajustes às questões que respeitam
a chegada desse sujeito; questões de organização e funcionamento
no cotidiano escolar , como, por exemplo, série que está
cursando, professores que atuam com ele, como tem sido
desenvolvido o trabalho do professor e do itinerante
para o
acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem. [...].(Id.,
Ibid. , grifos nossos).
A redução da identidade dos alunos a uma de suas características foi,
portanto, o caminho utilizado e mostra, num trabalho que discute o paradigma da
inclusão educacional, como os recuos rumo a sua materialização podem ser
fortalecidos. Outra leitura advinda desse contexto é a de quando a autora focaliza a
deficiência em detrimento do todo, ela sinaliza que essa ação é adequada para que
se tenha as “particularidades do aluno reconhecidas”.
393
Se de um lado é possível verificar as barreiras atitudinais de substantivação,
de adjetivação e de particularização, de outro é possível ponderar que a
pesquisadora visualizava que a educação inclusiva não se efetivava nos espaços
regulares de ensino.
No contexto do uso das palavras “mudinho”, “ceguinho”, “doidinho” - assim
como ocorre também quando do uso do termo “Louco” citado na dissertação de
Rosa (1990), vale ainda refletir que essas duas últimas expressões (“Doidinho”,
“Louco”) são estigmas, fortalecidos pela barreira atitudinal que se alimenta na
expectativa normativa, no julgamento subjetivo de comportamentos e gera, como
diria Magalhães e Dias (2005), um círculo (in)terminável e vicioso em que o indivíduo
é desacreditado/desacreditável.
Outro aspecto que não pode passar despercebido é o fato de essas palavras
terem sido utilizadas no diminutivo, o que sinaliza que além do processo de
deterioração da identidade advindo da substantivação e da adjetivação, tem-se, pari
passu, o da infantilização das pessoas com deficiência, processo que nutre a
barreira atitudinal da baixa expectativa.
Como se vê, uma barreira atitudinal nunca surge sozinha, ela gera, fortalece e
propaga outras (GUEDES, 2007; LIMA ; TAVARES, 2007; LIMA, 2008; LIMA,
GUEDES; GUEDES, 2009; LIMA, 2011). É, pois, o foco na doença, visualizado, por
exemplo, no uso da expressão “Hanseniano” (NERY, 1996) ou na deficiência,
percebido, entre outras situações, no uso do termo “Aleijados” (citado por
ROSA,1990) ou “Cego” (NERY, 1996; BAZANTE, 2002) que torna
possível a
difusão das barreiras atitudinais, a consequente deterioração da identidade social e
pessoal da pessoa com deficiência e a deterioração dos direitos humanos de todas
as pessoas rotuladas.
*Excluídos: Os “Excluídos”, na acepção da palavra, são todos os que, são
“afastados, eliminados, retirados, desviados, impedidos de participar, omitidos, não
admitidos, postos de fora, expulsos, postos à margem em uma situação social”.
(RIOS, 2009, p. 296).
394
Na dissertação de Moreira (1997), a percepção de que a pessoa com
deficiência era receptária dessas ações esteve no discurso de um profissional que
exercia a função de assessor da equipe de capacitação de professores, no período
de 1988-1991, em Pernambuco. É o que se depreende, principalmente, quando o
entrevistado afirma que a educação especial era o lugar dos excluídos:
[...] Na época a intenção era mexer com uma estrutura já cristalizada
que vinha desde os anos 70 e a gente se voltou para uma
preocupação mais pedagógica, que a escola pudesse ter alguma
interferência nisso, a idéia de implementar uma mentalidade
voltada para o pedagógico. A escola estava organizada para a
educação médica, para os limites orgânicos da criança desfuncionais
e a educação especial era o lugar dos excluídos (sic). (MOREIRA,
1997, p. 143, grifos da Autora).
O uso do vocábulo “excluídos” mostra momentos em que a sociedade
começa a reconhecer a prática da segregação, cristalizada no contexto da educação
especial.
* “Portador de deficiência”, “Portador de deficiência mental”, “Pessoas
portadoras de deficiência”, “Portadores de deficiência ou imperfeições”;
“População Portadora de deficiência mental, visual, audiocomunicação e
física”; “Portador de problemas de conduta”; “Portador de distúrbio de
comportamento”; “Sujeito portador de deficiência”; “Sujeito portador”:
Na acepção da palavra, “Portador” é “1. Aquele que porta ou conduz; 2. O
encarregado de apresentar alguma coisa a alguém. s.m.; 3. Mensageiro , próprio;
4. Carregador” (RIOS, 2009, p. 542). A partir dessa definição, pode-se compreender
como a sociedade, através das designações em que essa palavra aparece, incita
não apenas a prática de barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação,
mas ostensivamente acaba
por estimular as barreiras atitudinais de medo e a
rejeição social contra as pessoas com deficiência.
Nesse contexto, vale refletir que a sociedade relaciona o sentido de “Portador”
à ideia patologizante da deficiência. Assim, os sujeitos sociais, compreendendo que
“Portador” é “aquele que porta ou conduz”, nutrem o equivocado entendimento de
que as pessoas com deficiência, não apenas carregam consigo/portam a deficiência,
mas de que elas exercem, com propriedade, a função de “encarregados de
395
apresentar” a deficiência à sociedade hígida, de serem “condutores/ transmissores
da deficiência”. É a rejeição gerada pela ideia do contágio.
Em outras palavras, o termo “Portador” é hoje criticado por inclusivistas como
Fábio Adiron (2009, p. 01) que explica que
Uma das características fundamentais da portabilidade é o fato de o
objeto transportado poder ser deixado em algum lugar, ele não está
incrustado no seu portador.
Eu porto minha carteira de identidade, mas posso esquecê-la em
casa.
Muitas pessoas podem se utilizar de portadores para enviar
encomendas.
Os cegos portam suas bengalas, mas não conheço nenhum que
durma com elas.
Agora, ninguém porta algo que seja parte da sua própria pessoa, ou
você conhece alguém que deixe a sua cabeça na sala e vá fazer
outra coisa? (nem aqueles que dizemos que só não perdem a
cabeça porque está presa no pescoço). Uma pessoa com deficiência
pode portar vários objetos. Mas não a sua deficiência. Essa é
inerente à sua pessoa. É indissociável dela.
O que não significa que não exista um monte de gente que ainda use
essa expressão. Devem ser pessoas que carregam suas cabeças
debaixo do braço e a largam perdida por aí.
Como será discutido adiante, “Portador”, no contexto da busca pela inclusão
social, já foi expressão utilizada para que a atenção da sociedade incidisse na
integralidade da pessoa com deficiência e não apenas na parte/na deficiência que é
uma de suas características. A memória histórico-social do termo portador mostrou
sua face e aquela intenção includente foi esmaecida pela sociedade.
O termo “Pessoa Portadora de Deficiência”, reduzido à expressão “Portador
de Deficiência” foi utilizado por Rosa (1990), Nery (1996), Moreira (1997) e Bazante
(2002). Consoante Sassaki (2007), esse termo foi bastante empregado no período
de 1988 a 1993. O autor esclarece que essa expressão surgiu em razão de alguns
líderes de organizações de pessoas com deficiência terem contestado o termo
utilizado anteriormente “pessoa deficiente”, pois esse termo imprimia a ideia de que
a pessoa inteira era deficiente, e essa compreensão era inaceitável para eles. Nesse
período, é relevante destacar que
396
O ‘portar uma deficiência’ passou a ser um valor agregado à pessoa.
A deficiência passou a ser um detalhe da pessoa. O termo foi
adotado nas Constituições federal e estaduais e em todas as leis e
políticas pertinentes ao campo das deficiências. Conselhos,
coordenadorias e associações passaram a incluir o termo em seus
nomes oficiais. (SASSAKI, 2007, p.2)
A designação “Portador de Deficiência”, ao ser utilizada por Rosa (1990),
demonstra que a pesquisadora estava atenta ao uso reflexivo dessa expressão na
tessitura de um discurso em prol da cidadania da pessoa com deficiência, como se
depreende da passagem:
A educação especial em Pernambuco tem se caracterizado na última
década, e mais precisamente na gestão estadual iniciada em 1987,
por mudanças que não apenas no discurso, que passa a centrarse na afirmação dos direitos de cidadania do portador de
deficiência, mas em práticas de educação especial visando reverter,
de fato, a questão de sua exclusão do sistema escolar. (ROSA, 1990,
p. 173, grifos nossos).
Quando na dissertação que sucede a de Rosa (Ibid.), a expressão “Portador
de Deficiência” é utilizada com o aposto: “cego, surdo, deficiente mental e deficiente
físico”, a autora Nery (1996) (in)conscientemente focaliza a atenção na deficiência
da pessoa.
Esses termos mostram-se contrários ao que se objetivava no uso da
expressão “Portador de Deficiência”: o foco na pessoa e não na deficiência. Além
disso, o vocábulo deficiente, utilizado com mais frequência no intervalo de 1960 a
1980, segundo Sassaki (2007), trazia a compreensão de que a deficiência levava as
pessoas a “executar as funções básicas de vida (andar, sentar-se, correr, escrever,
tomar banho etc.) de uma forma diferente daquela como as pessoas sem deficiência
faziam”. (Id., Ibid., p. 02). (barreira atitudinal de particularização).
Nesse caso, é relevante recordar que até antes do Ano Internacional das
Pessoas Deficientes (ONU,1981) essa expressão era aceita porque ainda se
engendrava o debate sobre como a particularização, entre outras barreiras
atitudinais surgidas junto ao uso dessa nomenclatura,
a qual fortalecia os
mecanismos de excludência.
Assim, utilizar termos como deficiente mental e deficiente físico para, em
1996, explicar quem era o “Portador de Deficiência”, mostra um retrocesso histórico,
397
sociopolítico, legal e atitudinal no que diz respeito ao tratamento dispensado à
pessoa com deficiência.
Em outras palavras, o aposto focaliza a deficiência e
esmaece a compreensão de que ela é constitutiva da pessoa e não o seu todo (a
barreira atitudinal de substantivação). (LIMA; TAVARES, 2007).
No trabalho produzido por Nery (1996), há uma menção à Recomendação de
nº 71/1995 – OIT (Organização Internacional do Trabalho). Nesse documento,
utiliza-se o termo “portadores de deficiência” para se ressaltar:
[...] condições de trabalho para os portadores de deficiência,
independente da origem da sua deficiência, dispondo de amplas
facilidades de orientação profissional especializada, de formação
profissional, de reeducação funcional e profissional, e de colocação
num emprego útil. (Recomendação de nº 71 – OIT apud MALTESE
NETA, 1995, p. 6 citado por NERY, 1996, p. 34).
Nesse documento, o foco é destacar/fornecer caminhos, condições para que
as pessoas com deficiência tenham o direito à produtividade, a empregabilidade
assegurados.
É, pois, uma perspectiva diferente da apresentada pela autora,
quando a expressão “portador de deficiência” surgiu no discurso dela de modo
reducionista. Traduz-se, desse processo, que o significado das expressões também
depende muito do discurso a que pertencem. (LIMA, 2003a).
Quanto às variações “Portador de deficiência mental” (MOREIRA, 1997) e
“Portadores de deficiência ou imperfeições (MAZOTTA 1996 , p. 49 apud BAZANTE,
2002, p. 54)”, elas também geram compreensões que gravitam na manutenção de
barreiras atitudinais; renovam a ideia de que as pessoas com deficiência têm
mentes deficientes ou ainda
fazem crer que a deficiência é uma imperfeição.
Essas crenças, por seu turno, geram outras compreensões e nomenclaturas como
“População Portadora de deficiência mental, visual, audiocomunicação e física”
(MOREIRA, 1997) e “Pessoas que portam diferenças nas condições de
aprendizagem” (NERY, 1996).
Ambas designações fazem nociva referência às
pessoas com deficiência, agrupando-as em uma massa estereotipada cuja
característica é a presença da deficiência (“População Portadora de deficiência
mental, visual, audiocomunicação e física” ) ou estabelecendo que apenas as
pessoas com deficiência possuem
e necessitam de
aprendizagem (barreira atitudinal de particularização) .
condições singulares de
398
O termo portador vem, portanto, junto a adjetivações que sustentam o
entendimento de que a deficiência é um distúrbio social, moral, de conduta, como se
depreende do uso das expressões “Portador de problemas de conduta” (ROSA,
1990) e “Portador de distúrbio de comportamento”. (MOREIRA, 1997).
Quanto a essa última expressão (“Portador de distúrbio de comportamento”),
utilizada por um participante da pesquisa realizada por Moreira (1997), revela que o
diagnóstico da deficiência era uma prática situada em uma análise aplicada ao
comportamento que, quando visto pela sociedade como destoante dos demais,
impunha à pessoa avaliada a condição de doente, de “deficiente”, de “portador de
distúrbio” e aqui vale refletir sobre o significado da palavra distúrbio: “1. perturbação
de um órgão, aparelho ou tecido. 2. Sublevação popular. 3. Motim, tumulto”. (RIOS,
2009, p. 241).
Essa conceituação traduz que, no contexto do termo “Portador de distúrbio de
comportamento”, a sociedade considerava como pessoa com deficiência toda
aquela cujo comportamento ou conduta não se enquadrasse nas expectativas
homogêneas traçadas pelos atores sociais (barreira atitudinal de estereótipo e de
baixa expectativa), e, ainda, que essa mesma sociedade percebia a pessoa com
deficiência como alguém que “portava” comportamento “perturbado”, “tumultuador”
(barreira atitudinal de particularização).
Moreira (Ibid.) ao reproduzir o discurso de depoentes propõe reflexões:
Nos fragmentos discursivos, podemos perceber que esses rituais de
exclusão se iniciam quando médicos, psicólogos e pedagogos taxam
a criança de “mongol” e portadora de “distúrbio de comportamento”.
(Id., Ibid., p. 204).
[...] Apesar de a categoria “Triagem” fazer uso de diversos tipos de
testes, permanecia selecionando crianças hiperativas, com distúrbio
de comportamento e desatenção, como nos mostra a alegação deste
discursante:
“As minhas colegas de triagem dizem que muitas crianças que
aparecem no setor têm distúrbio de comportamento, são desatentas
e hiperativas. Elas aparentam que não aprendem por problema
de cognição , não é verdade, porque
nos testes
dão
um
rendimento ótimo. [...] ( Id., Ibid., p. 21 3-214).
Por sua vez, a equipe dos pais argumentava: a) dizem que o meu
filho tem distúrbio de comportamento”; b) “ eu ainda não sei o
problema do meu filho , tem distúrbio de comportamento”; c) “ eu
399
ainda não sei o problema de meu filho, nunca fui esclarecida ,
e muitas mães não sabem os problemas do seus filhos, não
só sou eu”; d) “ o problema dele até agora eu não ser, o que
sei é que
é um problema
mental , que tem
distúrbio de
comportamento, mais isso nunca me foi dito” [...] (Id., Ibid., 215217).
Ao tecer essa análise, a autora fecha frestas em que as barreiras atitudinais
poderiam ser vivificadas, faz isso quando mostra como o rótulo de “portador de
distúrbio de comportamento” estava na gênese e na manutenção dos mecanismos
de excludência e tornava a escola especial o espaço para os “desviantes do ensino
regular”. (MOREIRA, 1997, p. 215-217). Essa representação social, denunciada pela
pesquisadora, faz com que a barreira atitudinal de rejeição, justificada a partir do
rótulo, mantenha suas bases e fonte de fortalecimento, o que acaba por cristalizar os
obstáculos sociais e por fazê-los de difícil remoção. (GUEDES, 2007; LIMA;
TAVARES, 2007).
* “Alunos portadores de deficiência mental/ Alunos portadores de D.M.”;
“Alunos especiais (diferentes, deficientes, anormais, etc.)”; “Aluno limitado”;
“Alunos
deficientes”;
“Alunos
com
deficiências
físicas
e
mentais”;
“Educandos com problemas de conduta”; “Aluno especial”; “Educandos com
necessidades educativas especiais”:
Diversas substantivações/adjetivações foram utilizadas nas dissertações em
análise para fazer referência aos alunos com deficiência. A maioria dessas
nomenclaturas, contundentemente, trazia (traz) a compreensão de que os alunos
com deficiência eram (ou são) “limitados”, “diferentes”, “anormais”, “deficientes” e por
isso “especiais” (Barreira atitudinal de estereótipos e de particularização).
A expressão “aluno especial” surgiu por volta de 1990, com o objetivo de
“amenizar a contundência da palavra ‘deficientes’”. (SASSAKI, 2007, p.4). “O termo
apareceu como uma forma reduzida da expressão ‘pessoas com necessidades
especiais’, constituindo um eufemismo dificilmente aceitável para designar um
segmento populacional”. (Id., Ibid.).
No entanto, foi utilizado no discurso científico produzido no PPGE/UFPE no
decorrer das pesquisas sobre educação especial: “Aluno especial” (ROSA, 1990,
400
MOREIRA, 1997; BAZANTE, 2002), “Alunos portadores de deficiência mental/
Alunos portadores de D.M.”(MOREIRA, 1997); “Alunos especiais (diferentes,
deficientes, anormais, etc)” (MAZOTTA, 1998, p. 1 apud BAZANTE, 2002, p. 88) ;
“Aluno limitado” ( ROSA, 1990); “Alunos deficientes” (ROSA, 1990); “Aluno
Excepcional ( ROSA, 1990); “Alunos com deficiências físicas e mentais” (Lei nº
5692/1971 apud ROSA, 1990, p. 40; “Educandos com problemas de conduta”
Regimento Interno do CENESP, Portaria Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º
apud ROSA, 1990, p. 44); “Educandos com necessidades educativas especiais”
(BAZANTE , 2002).
Nesse caso, é relevante recordar que o
[...] uso dessas designações para se referir às pessoas com
deficiência não é somente uma questão de vocabulário ou uma
escolha aleatória de quem enuncia. Esse uso demonstra conceitos e
percepções a respeito do que se quer enunciar e, portanto, produz
sentido. (COSTA, 2009, p.9).
Depreende-se, portanto, que essas expressões carregam a memória
histórico-discursiva da sociedade, mas “as palavras não significam em si. É o texto
que significa”. (ORLANDI, 2001, p. 52). Ou seja, é o discurso que, esteado num
significado construído por seu autor, sustenta a produção de sentidos, os quais, na
maioria das vezes, no que se refere às designações aqui analisadas, enunciam e
conferem à pessoa/ao aluno com deficiência um ethos de “especial” porque
“inferior/incapaz”;
de
“diferente”
porque
“anormal”;
de
“deficiente”
porque
“limitada(o)”. (Nesse modelo de compreensão da deficiência, a sociedade tonifica a
barreira atitudinal de baixa expectativa, a qual, conforme discutido no presente
trabalho, pode gerar e fortalecer várias outras).
Muitos daqueles termos, obviamente, explicitam a prática da classificação de
alunos, a qual os fazia (ou ainda os faz) figurar como representantes legítimos de
uma população apartada dos eventos sociais porque considerada pela sociedade
como inferior, de necessidades ímpares, com problemas condutuais, enfim, parte de
uma “população especial”.
Essa prática da sociedade, além de imputar ao aluno com deficiência uma
condição particularizante, a de ser visto como especial em razão da deficiência,
401
trouxe ao discurso acadêmico, em prol da educação para todos, fissuras em relação
à área filosófica a que ele, de algum modo e profundidade, se vincula: a inclusão.
* “Alunos integrados”; “Alunos integrados/incluídos”: Bazante (2002), na
dissertação,
utilizou
integrados/incluídos”.
as
expressões
“Alunos
integrados”
e
“Alunos
Quando a autora usou o primeiro desses termos para
descrever o processo de exclusão vivenciado pelos alunos na integração escolar:
[...] Nas conversas com a direção da escola, percebemos que o
cuidado em acompanhar os alunos integrados em salas regulares é
fruto da experiência do constante retorno desses alunos às escolas
especiais, que, por vezes, não se sentem aceitos nos espaços
integradores, seja pelo distanciamento da prática do professor, seja
pelas atitudes dos colegas de turma. (Id., Ibid., p. 97).
Nesse excerto, assim como em várias ponderações efetivadas pela
pesquisadora ao longo da dissertação, claro está o processo de manutenção de
mecanismos de excludência advindos da prática da integração escolar, paradigma
que não se baseava nas potencialidades e com vistas ao progresso dos alunos com
deficiência, ou melhor, de todos os alunos; mas como forma de executar a lei que
apregoava que as crianças com deficiência deveriam estar nos espaços regulares
de ensino (LDB 9394/96).
Vale, nesse contexto, rememorar que o processo integracionista sustentava a
compreensão determinista da deficiência, entendimento que, esteve na base da
educação especial e gerou diversas barreiras atitudinais como a de ignorância e a
de baixa expectativa (fortalecidas quando a escola, a sociedade como um todo,
muitas vezes por falta de informação, alimentam a compreensão de que os “alunos
integrados” não aprendem tanto quanto seus pares sem deficiência). Além disso, a
expressão “aluno integrado” é eufemismo, é barreira atitudinal de adjetivação, a
qual pode ser sustentada pela sociedade em função do receio de não saber lidar
com a pessoa com deficiência (barreira atitudinal de medo).
Bazante (Ibid.) ao utilizar a expressão “alunos integrados/incluídos” faz
referência à transição de um paradigma ao outro.
402
Interessante registrar que, nessa figuração, o cenário tem uma
variação que nos surpreende mais ainda. O fato de que nessas
escolas regulares com salas especiais existem alunos integrados, ou
seja, funciona a sala especial e quando os alunos são avaliados e
apresentam condições de serem integrados/incluídos pode ser que a
própria escola o integre. Mesmo com essa possibilidade, quando
chegamos , era sempre sugerida uma conversa com o professor da
sala especial, para que ele desse as informações. A pertinência
desse dado se localiza na organização e funcionamento da
instituição, pois, sendo o portador de deficiência um aluno dentro do
espaço escolar, a secretaria/direção da escola não deveria ter essas
informações?
Se o professor da sala especial, por ser do ensino
especial, é quem deveria saber dados referentes a esse aluno, isso
evidencia a segregação /exclusão implícita nas questões físicas e
documentais. A própria instituição escolar não se insere no seu
contexto organizacional/funcional a presença do aluno portador de
deficiência, ainda que, se anuncie, partícipe do processo de
integração/inclusão. (BAZANTE, 2002, p.99).
Como se vê, seja a expressão “Alunos Integrados”, seja a expressão “Alunos
integrados/incluídos” o uso da nomenclatura mostra como se marcou (ou marca) a
identidade do aluno com deficiência, por vezes colocando-o numa situação
particularizante, de exclusão velada ou ostensiva, de rejeição, como mencionado
pela pesquisadora nos trechos em comento. E isso se dá porque mesmo utilizando o
termo inclusão o discurso não deixa de veicular barreira atitudinal porque ao falar
“aluno incluído”, no discurso por trás do discurso, se está falando do aluno com
deficiência, se está fazendo referência a deficiência em lugar do todo da pessoa
humana.
*
“Crianças
desfuncionais”;
“Crianças
retardadas”;
crianças
incapacitadas física, mentalmente ou socialmente; crianças deficientes:
Os termos “Crianças desfuncionais” (MOREIRA, 1997); “Crianças retardadas”
(ROSA, 1990); “Crianças incapacitadas física, mentalmente ou socialmente” (NERY,
1996); “Crianças deficientes” (NERY, 1996) utilizados pelas autoras ou por
documentos por elas utilizados na fundamentação dos trabalhos dissertativos,
surgem para classificar as crianças com deficiência como “improdutivas, atrasadas,
incapacitadas”, enfim, como “deficientes” (barreira atitudinal de estereótipo e barreira
atitudinal de baixa expectativa).
403
A sociedade, ao realizar a leitura da deficiência como uma disfunção, um
desajuste no organismo, termina por fortalecer o modelo médico-organicista da
deficiência (ALAN,1999); acaba por tornar as crianças com deficiência receptárias
daqueles estigmas e, como consequência, promove/fortalece a prática de outras
barreiras atitudinais (e.g. de rejeição; de baixa expectativa etc.) que, de tão danosas,
poderão fazer-lhes crer que aqueles atributos lhes são constitutivos da identidade de
pessoa humana. (GOFFMAN, 1988; VELHO, 2003; LIMA; TAVARES, 2007).
Os atores sociais, através do uso daquelas designações, demonstram a
nociva crença na incapacidade das crianças com deficiência (dimensão cognitiva
das barreiras atitudinais), incitam a dimensão afetiva das barreiras atitudinais
(preconceito) e chegam a provocar a prática da discriminação social contra essas
crianças (dimensão social das barreiras atitudinais).
Esse é, pois, o processo constitutivo da barreira atitudinal de ignorância
(praticada quando a sociedade, desconhecedora do potencial da criança com
deficiência, subjuga-a, desde a tenra idade, atribuindo-lhe limitações e lhe impondo
a incapacidade) e da barreira atitudinal de medo (nutrida quando, por exemplo, a
sociedade demonstra receio da convivência com crianças com deficiência, pois
acredita que essas são “desfuncionais, retardadas”, e, em razão de “doenças/da
deficiência”, são demasiadamente
frágeis.
Essa barreira atitudinal
também é
praticada quando os atores sociais receiam em promover a convivência entre as
crianças com e as sem deficiência porque aquelas, consideradas por essa mesma
sociedade como lentas, supostamente prejudicariam o desempenho intelectual de
seus pares sem deficiência).
A sociedade, promotora da compreensão de que as crianças com deficiência
são incapazes, faz ainda surgir outras barreiras atitudinais: barreira atitudinal de
adoração do herói e de baixa expectativa (essas barreiras sociais ocorrem quando a
sociedade exalta o que a criança com deficiência faz com êxito, porque de um
“desfuncional, incapacitado, deficiente” se espera pouco desenvolvimento. Assim,
os sujeitos sociais, ao quebrar
essa baixa expectativa acerca da
criança com
deficiência, geram a supervalorização da menor ação praticada por ela.
obviamente, é prejudicial para a formação identitária da criança).
Isso,
404
Nesse itinerário, os atores sociais também fortalecem a barreira atitudinal de
exaltação do modelo, a qual é tonificada quando as crianças julgadas, pelos atores
sociais, como “desfuncionais, incapazes”, superam a baixa expectativa que se tem
de suas capacidades, o que faz com que essa mesma sociedade sustente a ação de
comparação entre a produtividade de crianças com e as sem deficiência; sendo as
primeiras, obviamente, marcadas sob o tom da excepcionalidade pelo menor êxito
que alcançarem.
Não menos maléfica à inclusão social da pessoa com deficiência é a prática
da barreira atitudinal de compensação e de superproteção, as quais são fortalecidas
pela sociedade quando essa compreende a criança com deficiência como
“incapacitada física, mental e social”, como “retardada”, fazendo-lhe alvo da piedade
e da minimização de estímulos para que ela possa viver com autonomia, pois, sob
essa ótica, sempre será necessário e haverá um tutor compensando-a de algum
modo ou protegendo-a exacerbadamente.
O resultado desse processo imposto pela sociedade às crianças com
deficiência é elas tornarem-se inseguras, dependentes, de fato “incapacitadas”
porque, estimuladas
pela
sociedade, terminam aprendendo a sê-lo. (LIMA;
TAVARES, 2007).
* “Deficiente”; “Deficiente social”; “Deficientes mentais”; “Deficientes
mentais ligeiros”; “Deficientes mentais periféricos”; “Deficientes mentais
leves”; “Deficientes físicos”, “Deficientes auditivos”; “Deficientes ligeiros”: A
palavra “Deficiente”, utilizada para substantivar e/ou adjetivar a pessoa com
deficiência, de acordo com Sassaki (2007), teve seu uso mais frequente por volta de
1960 a 1980, junto a outros termos como defeituoso e excepcional; todos com a
finalidade de focalizar a deficiência reforçando “o que as pessoas não conseguiam
fazer como a maioria”. (Ibid., p. 2, grifos nossos). (Vale destacar que a sociedade
ao comparar as potencialidades das pessoas com deficiência com as da suposta
maioria hígida termina por impor aos indivíduos com deficiência os prejuízos das
barreiras atitudinais de baixa expectativa, de inferiorização ou de menos valia).
405
Quanto às adjetivações que surgem de mãos dadas ao termo “deficiente” “Deficiente social” (ROSA, 1990); “Deficientes mentais” (ROSA, 1990; NERY, 1996;
BAZANTE, 2002) “Deficientes mentais ligeiros” (ROSA, 1990); “Deficientes mentais
periféricos” ( NERY, 1996); “Deficientes mentais leves” (NERY, 1996); “Deficientes
físicos” (ROSA, 1990; NERY, 1996; BAZANTE, 2002), “Deficientes auditivos”
(MOREIRA, 1997) ; “Deficientes ligeiros” ( ROSA, 1990; Moreira, 1997) -
elas
tonificam socialmente a compreensão limitante acerca do todo da pessoa com
deficiência, constituem forma pejorativa de tratá-la. (ADIRON, 2009a).
As pesquisadoras Rosa (1990), Nery (1996), Moreira (1997) e Bazante (2002)
utilizam, nas dissertações, essa expressão para fazer referência à pessoa com
deficiência. Assim, apesar de o termo ter sido posto em xeque na década anterior
ao início da produção dos trabalhos, as pesquisas sobre educação especial
efetivadas no PPGE/UFPE chegaram a 2002 ainda o utilizando.
Esse uso longínquo do termo permite pensar que a terminologia é uma fissura
no discurso que anuncia e pretende ser plenamente inclusivo, pois a expressão
“deficiente”, utilizada para sumarizar o todo da pessoa com deficiência, traz danos à
identidade de pessoa humana, produtiva, detentora de direitos humanos, cumpridora
de deveres sociais. (LIMA; TAVARES, 2007).
Tais danos foram ainda mais
maléficos à pessoa com deficiência intelectual porque através das adjetivações:
“deficientes mentais, deficientes mentais periféricos ou deficientes mentais leves”,
utilizadas pela sociedade e pelos pesquisadores do PPGE/UFPE, nutriu-se a
compreensão de que pessoas com deficiência intelectual apresentavam a totalidade
de suas mentes, de sua cognição, de suas potencialidades prejudicada (Barreira
atitudinal de estereótipo e de particularização).
Essa compreensão é, então, a força motriz para a prática da barreira
atitudinal de ignorância e de baixa expectativa, praticadas pela sociedade quando
essa, por falta de informação, ajuíza que a pessoa com deficiência é um “deficiente”,
o qual é definido/caracterizado como “imperfeito, falho, pessoa portadora de
qualquer tipo de deficiência”. (RIOS, 2009, p. 210).
A barreira atitudinal de medo também pode se
fazer presente, nesse
processo, quando a sociedade, também por falta de informação, alimenta o receio
406
de, na interação com pessoas supostamente “falhas, imperfeitas”, fazer ou dizer
algo impróprio e lhes provocar reações de entristecimento, agressividade etc.
Quando, porém, os atores sociais, vivificam a ideia da “imperfeição, da falha,
do deficiente” (como oposto ao eficiente, ao bom e ao salutar) podem,
concomitantemente, na quebra dessa expectativa, terminar por exaltar as pessoas
com deficiência pelo menor êxito alcançado por elas (barreira atitudinal de baixa
expectativa e de adoração do herói). Ou ainda, sob aquela compreensão, essa
mesma sociedade pode, por piedade do “imperfeito e do suposto sofrimento que lhe
toma,
buscar compensá-lo, favorecê-lo, dispensar a ele atitudes protecionistas,
paternalistas. (Barreira atitudinal de compensação). Tais atitudes podem surgir
imbricadas à proteção desproporcional, esteada no entendimento da sociedade de
que o “deficiente” , “em função da deficiência que porta”, não tem competência
para tomar decisões, para gerir sua vida (Barreira atitudinal de superproteção e de
baixa expectativa).
A sociedade, por meio dessas barreiras, apoia a estigmatização e a
discriminação, perpetua os mecanismos de excludência, a rejeição velada/ irrefletida
ou manifesta/propositada contra as pessoas com deficiência. (LIMA; TAVARES,
2007). Estar excluído é, pois, ser afastado do gênero humano. Logo, quando a
sociedade, em função da designação “deficientes”, promove a exclusão dessas
pessoas, ela as coloca na periferia, no lugar exterior à organização social e aos seus
múltiplos âmbitos.
* “Excepcional”; “Excepcionais sociais”: Segundo Sassaki (2007), o termo
excepcional era utilizado, no intervalo de 1960 a 1980, para fazer referência às
pessoas com deficiência intelectual33. O que, numa escala social, as colocava no
33
É importante recordar que o termo deficiência intelectual surgiu em 1995, no Simpósio intitulado:
Intelectual Disability: programs, policies and planning for the future, na ocasião em que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu o uso desse termo para substituir a expressão
deficiência mental.
No Brasil, o conceito de deficiência intelectual foi previsto no Decreto nº 3.298, de 20 de
dezembro de 1999, Art.4°, inciso IV, que regulamenta a Lei brasileira nº 7.853, de 24 de outubro de
1989, que dispõe sobre a Política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência,
consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Apenas em 2004, o termo deficiência
intelectual foi, então, difundido através da Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual,
documento surgido durante um evento organizado e efetivado pela própria OMS (Organização
407
extremo inferior da percepção/da classificação acerca de suas potencialidades
(barreira atitudinal de baixa expectativa).
Nery (1996, p.74) comenta as
ambiguidades em documentos que se referem a crianças com deficiência como
crianças excepcionais:
Um ano após a criação do CENESP, o Conselho Federal de
Educação, pelo Parecer nº 1682/74, designou crianças excepcionais
como sendo [...] aquelas cujo comportamento se afasta de tal
maneira do considerado normal, que os currículos para classes
regulares tornam-se inadequados às suas necessidades
demandando, assim, serviços especializados.
Esta concepção de crianças excepcionais apresenta um grande
equívoco, pois ter comportamento que se afaste do normal, a ponto
de exigir adaptações curriculares, não é uma característica inerente a
portadores de deficiência. Esta característica poderá vir a ser de
qualquer criança, inclusive aquela portadora de deficiência. Portar
uma deficiência física, mental ou sensorial, por si só, não implica em
comportamento anormal. Assim sendo, a educação especial não
estava sendo concebida como a criação de situações diferentes para
assegurar a condição de igualdade dos portadores de deficiência,
garantida constitucionalmente.
A autora, ao comentar os processos de diagnóstico utilizados para a triagem
de “alunos especiais”, afirma que “ou a deficiência tem relação direta com a
população atendida na rede pública ou a rede pública ‘faz’ estes excepcionais em
sua relação com sua clientela”. (Id., Ibid., p. 71).
Nery (Ibid.) mostra que o termo excepcional era (e, em muitos casos, ainda o
é) utilizado para impor uma condição inferiorizante a quem por ele é socialmente
marcado.
A sociedade, através do uso dessa designação para fazer referência à pessoa
com deficiência, nutre barreiras atitudinais de adoração do herói (pois a própria
nomenclatura, utilizada pelos atores sociais, já traz a ideia da hipervalorização de
habilidades e ações desenvolvidas pela pessoa com deficiência, e.g. habilidades
interacionais: “excepcional social”); de exaltação do modelo (a
sociedade
ao
considerar os indivíduos com deficiência como “excepcionais”, numa situação
Mundial de Saúde) e pela Organização Pan-Americana de Saúde, em Montreal, no Canadá. A ênfase
no termo intelectual se dá tendo em vista, entre outros aspectos, fazer referência específica ao
intelecto e não ao funcionamento da mente em sua totalidade.
408
comparativa entre eles e outras pessoas sem deficiência, acaba utilizando-os como
modelo, exemplo de superação).
* “Superdotados”: O termo superdotado aparece apenas uma vez nas
dissertações em estudo, mais especificamente no trabalho elaborado por Rosa
(1990). Essa designação é utilizada no Regimento Interno do Centro Nacional de
Educação Especial; documento mencionado pela autora ao comentar sobre a
ampliação da educação especial e de sua clientela:
À expansão dos serviços de educação especial, com sua respectiva
clientela preferencial, somou-se a criação do Centro Nacional de
Educação Especial (CENESP), em 1973, com a finalidade de definir
a ossatura institucional e os ‘princípios doutrinários, políticos e
científicos’ de uma orientação nacional para regular a prestação de
serviços educacionais de pré-escolar, 1º e 2º graus, superior e
supletivo, para ‘deficientes da visão, da audição, mentais, físicos,
para portadores de deficiências múltiplas, educandos com problemas
de conduta e os superdotados’. (CENESP/ Portaria Ministerial nº
550, de 29/10/75, Art. 2º apud ROSA, 1990, p. 44, grifos nossos).
O vocábulo “superdotados”, utilizado no documento, é um recurso linguístico
empregado pela sociedade para, numa escala socioeducacional, colocar os alunos
com altas habilidades no extremo superior da percepção/da classificação acerca de
suas potencialidades, por essa razão, pessoas com tal característica eram,
consoante Sassaki (2007), também denominadas de excepcionais.
Obviamente, a escola e a sociedade como um todo, sob essa compreensão,
contribuíram para a manutenção de crenças equivocadas, entre outras, a de que
pessoas
com
altas
habilidades
têm
biótipo
específico,
são
gênios
cuja
intelectualidade é suficiente para alcançar alta produtividade na vida, independente
de condições ambientais ou de assistência etc. (ALMEIDA, 2005 apud TAVARES,
LIMA, AMORIM, 2010; AZEVEDO, METTRAU, 2010). Os atores sociais, através
dessas crenças, nutriram, portanto, a barreira atitudinal de estereótipo e a de
particularização.
Esses mitos, presentes na dimensão cognitiva das barreiras atitudinais,
geram disposições afetivas (preconceito) e discriminação (dimensão social da
barreira atitudinal), fazendo com que a pessoa com superdotação seja vista com
409
desconfiança, em soslaio pelos professores, seja recusada ao precisar de mais do
que é pedagogicamente ofertado a toda a turma, em determinadas áreas do saber.
Nesse trajeto, a sociedade também fortalece a barreira atitudinal de medo,
quando, por exemplo, no contexto educativo, o professor, sentindo-se inseguro em
função do pouco saber que acredita ter e crédulo de que os alunos com altas
habilidades são gênios, receia em não conseguir responder às necessidades desses
alunos ou receia em dizer/ fazer algo “errado” diante deles. (AZEVEDO, METTRAU,
2010).
Desse processo resultam, portanto, as fragilidades na escolarização da
pessoa com altas habilidades, pois, quando ela é vista como excepcional deixa de
receber as condições de que precisa para
desenvolver-se pedagogicamente.
(SILVA; SANTOS, 2012).
* “Pessoas com limitações”, “Pessoas Deficientes”, “Pessoa Humana”,
“Pessoas com deficiência”:
Durante muito tempo as pessoas com deficiência foram compreendidas e
tratadas como pertencentes a uma classe sub-humana, em função de fatores
cognitivos e sociais que estão presentes na gênese das barreiras atitudinais e
esteam-se em conceitos patológicos e místicos da deficiência, entre outros.
Para, então, se chegar ao entendimento social de que as pessoas com
deficiência são pessoas, com direitos e deveres sociais, com potencialidades a
serem desenvolvidas, com existências a serem partilhadas etc., foi necessário que
esse entendimento estivesse registrado/explicitado/advogado na letra da lei. Assim,
no caso da sociedade brasileira, aquela compreensão includente acerca da pessoa
com deficiência atingiu maior vigor, do ponto de vista legal e social, a partir
Constituição Brasileira de 1988.
A década de 80 marca, no Brasil, o início do período em que a identidade de
pessoa para esse grupo em situação de vulnerabilidade é uma resposta às pressões
internacionais; resposta essa refletida na Carta Maior do país, conforme mencionado
no segundo capítulo do presente trabalho.
410
As designações “Pessoas com limitações” (NERY, 1996), “Pessoas
Deficientes” (NERY, 1996), “Pessoa Humana” (MOREIRA, 1997) surgem, pois, para
conferir o atributo de pessoa a indivíduos que antes tinham socialmente negado o
pertencimento ao gênero humano.
O termo “Pessoas com limitações”, apesar de estar permeado por
construções históricas equivocadas em relação às potencialidades da pessoa com
deficiência, quando utilizado no sentido de incapacidade, ao ser utilizado como
expressão do limite humano não constitui em si barreira atitudinal, uma vez que
limites são inerentes à pessoa humana, inclusive quando oriundos /causados por
deficiência. Como diz Lima (2000a) os limites podem ser suplantados pessoal ou
tecnologicamente.
Assim, quando Maltese (1995. p.6 apud NERY, 1996, p. 37) , ao sintetizar a
Recomendação nº 99/1995, diz:
[...] todas as pessoas com limitações, qualquer que seja a origem ou
natureza da deficiência, têm direito aos meios de reabilitação
profissional para assim poderem exercer um emprego adequado,
detalhando uma série de medidas para assegurar o desenvolvimento
desses princípios e estabelece que as autoridades governamentais
devem ser responsáveis pela sua aplicação.
É possível, então que duas leituras sejam efetivadas: uma que constitui
barreira atitudinal por chamar as pessoas
com deficiência de
“pessoas com
limitações”; outra, de enunciar o direito das pessoas com deficiência às adequações
que lhe permitam expressar/desenvolver seu potencial laboral; o que implica no
reconhecimento do direito ao trabalho pelas pessoas com deficiência, consoante
suas capacidades, “independentemente da origem ou natureza da deficiência”.
Nery (Ibid.), mencionando a “Declaração dos Direitos dos portadores de
Deficiência” (ONU, 1975; Art. 6º), ratifica esses e outros direitos das pessoas com
deficiência
[...] as pessoas deficientes têm direito a tratamento médico,
psicológico e funcional, incluindo-se aí aparelhos protéticos e
ortóticos, à reabilitação médica e social, educação, treinamento
vocacional e reabilitação, assistência, aconselhamento, serviços de
colocação e outros serviços que lhes possibilitem o máximo
desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o
processo de sua integração ou reintegração social. (Declaração dos
411
Direitos dos portadores de Deficiência, ONU, 1975 apud NERY,
1996, p. 40 e 41)
A expressão “Pessoas deficientes”, apesar de imputar à pessoa recebedora
do rótulo uma condição inferiorizante: a de ser, para a sociedade, um “deficiente”; na
situação discursiva em análise não carrega para a sua centralidade a leitura
estereotipada da deficiência, pois, na Declaração, o discurso traz apenas uma
questão de taxonomia e não de postura, como discutido por Lima (2000a).
Já o termo “Pessoa Humana”, utilizado por professores participantes das
pesquisas realizadas por Moreira (1997) e por Bazante (2002), rompe com o círculo
de barreiras atitudinais e anuncia um contexto inclusivo, de respeito ao aluno com
deficiência:
[...] quem trabalha com educação especial precisa estar capacitado
para compreender a evolução da pessoa humana. Evolução num
ritmo mais acelerado, num ritmo mais retardado, infelizmente, o
professor, neste país, é preparado para ensinar o bê-a-bá e
acaba por aí [...] Se ele passasse a entender isso como um passo
da evolução, aí não precisaria segregar os meninos” (MOREIRA,
1997, p. 217, grifos da autora).
Se você vê ali não o deficiente, mas uma pessoa humana que tem
potencialidades a ser desenvolvido [sic], mesmo dentro das
limitações, então, eu acho que você consegue um bom trabalho,
sabe? (AZUL, sala especial). (BAZANTE, 2002, p. 114).
De acordo com Lima (2006, p.55), a redundância existente no termo “Pessoa
Humana é necessária, visto que nem todas as pessoas, no modelo social em que
vivemos, são tratadas como humanos”.
Nesse sentido, o atributo humano passa a ser compreendido como
constitutivo da pessoa, o qual coloca todas as pessoas no mesmo patamar de
membros da sociedade humana.
Quando, contudo, Bazante (2002), em sua dissertação de mestrado, registra
o termo “Pessoa Humana” no discurso do depoente e não reflete sobre esse novo
olhar social para a pessoa com deficiência, ela perde a oportunidade de contribuir
para a eliminação de barreiras atitudinais de substantivação/ adjetivação presentes
no entendimento
anterior
“deficientes” e não humanas.
que era
ver as pessoas com deficiência
como
412
Em sua dissertação, a autora também registra o termo “Pessoas com
deficiência”, dentro de uma citação de Gil (2002)
34
e, novamente, não reflete sobre
o uso dessa nomenclatura a qual anuncia a quebra do paradigma excludente para
um paradigma inclusivo.
Vale refletir que, nesse excerto, tem-se pela primeira vez, no discurso
produzido nas dissertações construídas no PPGE/UFPE, a nomenclatura “Pessoa
com deficiência”. Essa designação está envolvida num contexto histórico-discursivo
que demonstra significativos avanços sociais rumo à inclusão educacional.
Sassaki (2007, p.5) informa que essa designação se faz presente “na década
de 90, na primeira década do século 21 e do Terceiro Milênio”, período fortemente
marcado por eventos mundiais liderados por organização de pessoas com
deficiência. O autor registra que
[...] pessoas com deficiência passa a ser o termo preferido por um
número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é
constituída por pessoas com deficiência que, no maior evento
(‘Encontrão’) das organizações de pessoas com deficiência,
realizado no Recife em 2000, conclamaram o público a adotar este
termo. Elas esclareceram que não são ‘portadoras de deficiência’ e
que não querem ser chamadas com tal nome.
Esse inclusivista esclarece os valores que estão agregados à nomenclatura
“Pessoa com deficiência”:
1) o do empoderamento [uso do poder pessoal para fazer escolhas,
tomar decisões e assumir o controle da situação de cada um] e
2) o da responsabilidade de contribuir com seus talentos para mudar a
sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas, com ou sem
deficiência. (Id., Ibid.)
Sassaki (Ibid.) também elucida os princípios básicos para os movimentos em
prol da inclusão terem chegado a essa nomenclatura:
- Não esconder ou camuflar a deficiência;
- Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem
deficiência;
34
Durante a idade média, ‘eram freqüentes os apedrejamentos ou a morte nas fogueiras de
Inquisição das pessoas com deficiência, pois eram consideradas como possuídas pelo demônio. (sic).
(GIL, 2002, p. 5 apud BAZANTE, 2002, p. 49)
413
- Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;
- Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;
- Combater eufemismos (que tentam diluir as diferenças), tais como
“pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências
diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas
deficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão
das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se
preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da
areia” (i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”);
- Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais
pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a
equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência
atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que
não devem ser ignoradas;
- Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes
e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a
sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação”
(dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e
físico contra as pessoas com deficiência).
Como se vê, o termo “Pessoa com deficiência” surge e é sustentado pela
filosofia da inclusão social plena. Ele reflete as acerbas lutas de todas as pessoas
com e sem deficiência que têm buscado combater os ardilosos mecanismos de
excludência da sociedade. Essa designação reflete ainda como, pouco a pouco, a
sociedade vem se abeirando da mais ampla compreensão de que as pessoas com
deficiência são capazes de contribuir com/para o progresso dessa mesma sociedade
que lhe fecha caminhos.
Nesse sentido, é importante recordar que essa nomenclatura já estava sendo
discutida e registrada em documentos legais desde a década de 90 - período em
que Rosa (1990) produziu o seu trabalho dissertativo; e que em 1994, anos antes da
produção dos trabalhos de Nery (1996), Moreira (1997), Bazante (2002), essa
mesma nomenclatura foi registrada na Declaração de Salamanca (1994), a qual
preconiza
fornece as
a educação inclusiva para todos, tenham ou não uma deficiência, e
bases
para a produção das políticas nacionais de educação nos
Estados-Partes, o que faz o Brasil produzir o tom da LDB 9394/1996.
No período de produção dos trabalhos dissertativos em estudo, e além dele,
vários documentos que advogam a inclusão social/educacional da pessoa com
deficiência utilizam essa designação. Até o ano de 2002, têm-se então:
414
Documentos do Sistema ONU:
1990 - Declaração Mundial sobre Educação para Todos / Unesco.
1993 - Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas
com Deficiência / ONU.
1993 - Inclusão Plena e Positiva de Pessoas com Deficiência em
Todos os Aspectos da Sociedade / ONU.
1994 - Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Educação
para Necessidades Especiais / Unesco.
1999 - Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência (Convenção da Guatemala) / OEA.
2001 - Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e
Saúde (CIF) / OMS, que substituiu a Classificação Internacional de
Impedimentos, Deficiências e Incapacidades / OMS, de 1980.
Documentos de outros organismos mundiais
1992 - Declaração de Vancouver.
1993 - Declaração de Santiago.
1993 - Declaração de Maastricht.
1993 - Declaração de Manágua.
1999 - Carta para o Terceiro Milênio.
1999 - Declaração de Washington.
2000 - Declaração de Pequim.
2000 - Declaração de Manchester sobre Educação Inclusiva.
2002 - Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão.
2002 - Declaração de Madri.
2002 - Declaração de Sapporo.
2002 - Declaração de Caracas.
(SASSAKI, 2007, p. 6).
É relevante enfatizar que a designação “Pessoa com deficiência” surge
nesses documentos não apenas como expressão linguística, mas prenhe de
representações sociais que contribuem para a constituição da identidade social e
pessoal da pessoa com deficiência como pessoa
humana,
indivisível,
com
potencialidades, detentora de direitos e cumpridora de deveres sociais.
Quando, nos trabalhos dissertativos, não se utiliza essa designação num
período em que ela já demonstrava a filosofia a qual se vincula, parece que todos
esses documentos legais não atingiram, no PPGE/UFPE, a reflexão que pretendiam.
Uma vez que a pós-graduação é o espaço para que a reflexão seja constitutiva das
práticas formativas e, considerando que, as dissertações e teses nela produzidas
devem refletir/estear na literatura pertinente de área, não tendo aparecido, nos
trabalhos examinados, um conceito inclusivo tão importante como o expresso por
“pessoa humana”/ “pessoa com deficiência”
e no que apareceu não ter sido
415
tecidas as devidas reflexões, aquela ausência reafirma o distanciamento entre as
áreas
de
pesquisa
dos
orientadores
e
o
tema
das
dissertações
produzidas/analisadas.
Essa ausência também denuncia um viés de distanciamento do PPGE/UFPE
para com a educação especial e, mais ainda, para com a educação inclusiva. Isso
porque a perspectiva do PPGE/UFPE em relação à
política educacional, conforme
anunciado nos editais publicados de 1978 a 2002 nesse Programa, não considera
as políticas educacionais em prol da pessoa com deficiência, por exemplo as
expressas
na
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990), na
Declaração de Salamanca (1994) e no capítulo 5º da LDB 9395/96.
Logo, apesar de em alguns esparsos momentos os trabalhos em análise
discutirem
nomenclatura,
descrevendo,
historiando
os
danos
que
as
substantivações/adjetivações causam à pessoa com deficiência, os pesquisadoresautores e seus orientadores parecem não ter percebido quando na década de 90
despontavam as bases da inclusão social e essas estavam (estão) refletidas
também na expressão “Pessoa com deficiência”.
Como já afirmado, obviamente, não é apenas o léxico pelo léxico que importa,
mas os sentidos, as representações sociais às quais ele está vinculado e termina
por difundir. (LIMA, 2000a).
As nomenclaturas registradas/citadas/utilizadas nas dissertações de mestrado
revelam, então, compreensões que se tinham (ou se têm) sobre a pessoa com
deficiência:
“diferente,
desviante,
anormal,
desvalido,
excluído,
deficiente,
excepcional, portador etc.”.
Como visto, esses entendimentos geram, tonificam barreiras atitudinais, pois
é impossível divorciar as concepções acerca da pessoa com deficiência das atitudes
a ela dispensada, uma vez que essas concepções facilitam os estágios de evolução
daquelas barreiras.
Então, o discurso científico sobre Educação Inclusiva, produzido no
PPGE/UFPE, marca a possibilidade de trajetos das filiações sócio-históricas de seus
autores, das representações sociais que esses construíram sobre a pessoa com
416
deficiência e a educação a ela
devida; do
deslocamento desses fatores, via
linguagem, à manutenção de uma rede de difusão de tais filiações, representações
e de barreiras atitudinais.
Em outros termos, aqueles fatores que parecem sustentar a ocorrência de
barreiras atitudinais nas dissertações mostram as frestas que são contributivas para
que essas barreiras estejam presentes nos trabalhos e cheguem a diversos
contextos sociais.
Contudo, tais fatores não esmaecem o valor das pesquisas
efetivadas no PPGE/UFPE no campo da Educação Especial. Com efeito, as
dissertações analisadas, mesmo não refletindo os preceitos mais plenos da
educação inclusiva ainda assim constituem empenho de seus autores e orientadores
para a construção de uma educação
que contemple a pessoa com deficiência e
resgate a esta seus direitos, cidadania e dignidade no campo educacional e social.
417
Considerações finais
A trajetória somos nós mesmos
“[...] é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já
sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser
despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é
apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em
matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crúcis
não é um descaminho, é a passagem única, não se chega
senão através dela e com ela.” (LISPECTOR, Clarice. A
paixão segundo G.H.,1996, p. 113)
Numa das portas a pergunta: Você trabalha sob a égide da educação
Especial ou da Educação Inclusiva? A voz, despessoal, respondeu pouco; ressoou
uma teoria; ficou presa aos ditames da circunstância, da consciência, da
clarividência. Embaraço. Primeiro, o mergulho no interior, entre uma porta e outra a
academia; a bússola: o orientador. Depois o estudo nasce de uma contingência
pedagógica, acadêmica, filosófica, existencial; a chancela do itinerário: o Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesse,
não se abreviou caminhos. Na trajetória, a história individual se entrelaçou à
coletiva.
propositais,
A via-crúcis: o entendimento de que as barreiras atitudinais são
inadvertidas,
inconfessas,
veladas,
ostensivas,
apresentadas,
alimentadas, sentidas, praticadas, denunciadas , difundidas (in)conscientemente. A
trajetória somos nós: sociedade.
É a sociedade que sistematiza, propaga, fortalece códigos de compreensão
que terminam por gerar a dinâmica do Nós versus Outro, imputando a esse Outro,
pessoa com deficiência, a marca do sub-humano, do inferior. Tais rótulos, que
estão na gênese da dimensão cognitiva das barreiras sociais, levam essa mesma
sociedade a tonificar preconceitos e a agir com discriminação. Três processos que
imbricados fazem valer mecanismos de excludência, os quais tiram da pessoa
chancelada a condição de pertencimento ao gênero humano. Três processos que
alimentados a um só tempo sustentam na escola a crença em uma pedagogia que
aparta, indignifica, fere ao gerar justificativas para a manutenção de duas classes de
418
pessoas/de alunos: o Nós da competência versus o Outros da anormalidade. Três
processos históricos igualmente fortalecidos pelas Ciências e pelo senso comum
que fazem da Universidade e do discurso científico que nela é produzido espaços
propícios para a sustentação daqueles códigos de compreensão, daquelas atitudes
escolares, enfim, das barreiras atitudinais.
O discurso é a via. A atitude nociva é a barreira veiculada/materializada. No
meio do caminho a interação que consolida a desqualificação, a desinserção, a
desafiliação, o desvalimento, o dó, a inferiorização, a omissão, a rejeição.
Rejeição. Essa é a mais contundente de todas as barreiras sociais. Ela
aparece como resultado do medo de interagir, da crença na incapacidade, da recusa
que se alimenta dos modelos de compreensão equivocados acerca das
potencialidades da pessoa com deficiência e do preconceito camuflado ou ostensivo.
O medo, a crença, a recusa são aprendidos.
comparando, inferiorizando, rejeitando.
Ninguém nasce excluindo,
Mas se nasce sendo receptário desse
processo que, de tão incisivo, faz com que a pessoa alvo construa uma identidade
pessoal aquém do que ela é: pessoa, cujas idiossincrasias não podem ser limitadas
à deficiência.
Pessoa que tem um nome, uma identidade, uma história que por ela deve ser
escrita em primeira pessoa. E nesse itinerário, o EU SOU é o terreno do vir-a-ser
contínuo, do construir-se na experiência com os pares. Pares humanos, pares com
potencialidades, não pares escolhidos porque a sociedade julga-os igualmente
incapazes. Nesse EU SOU conjuga-se um nome, uma personalidade, uma
identidade que não pode ser apagada em razão da deficiência.
A deficiência não é marca “para não se perder de vista” (modelo místico da
deficiência), não é marca para que se nutra o dó (modelo caritativo), não é marca
que indique defeito/doença (modelo médico), não é marca para que se sustente a
indústria das deficiências (modelo mercantil), não é marca que assegure a leitura do
déficit (modelo leigo), é sim parte da pessoa humana, indivisível, ímpar,
potencialmente capaz, produtiva, detentora de direitos, cumpridora de deveres
sociais (modelo social).
419
Mas, nem sempre a deficiência foi e é reconhecida como uma parte
constitutiva da pessoa. A sociedade gosta de figuras de linguagem: metonímias,
que fazem valer a leitura da deficiência em lugar do todo do indivíduo, e
eufemismos, que na busca pela suavização de designações terminam por solidificar
barreiras sociais.
No centro desse processo, estão as barreiras atitudinais de substantivação e
de adjetivação. Elas são a munição social para que o apagamento de identidades
seja uma constante. Elas são munição para aquelas figuras discursivo-sociais. Por
meio dessas barreiras, os códigos de compreensão se fortalecem; a ignorância
encontra passaporte; o medo encontra uma razão, embora descabida; a
particularização se mostra; as comparações assumem faces de rituais de
compensação, de exaltação ou de inferiorização praticados contra a pessoa com
deficiência; a rejeição impera.
Em outras palavras, por meio da nociva prática das barreiras atitudinais, a
sociedade impõe às pessoas com deficiência identidades sociais e pessoais
limitantes, limitadas, inferiorizantes; sustentadas por generalizações negativas que
são construídas na interação social.
Essas identidades adquirem sentido e validez social porque são produtos de
teorias equivocadas acerca da pessoa com deficiência, dos discursos que veiculam
tais teorias e das atitudes sociais engendradas nessas duas vias, as quais fornecem
as pré-construções para a prática propositada ou velada e até para a
edificação/atualização das mais diversas barreiras atitudinais.
Tais barreiras firmam as identidades estabelecidas por marcações simbólicas
relativas a outras identidades consideradas “normais”; isso porque as identidades de
“incapaz”, de “fronteiriço”, de “anormal moral, intelectual, pedagógico, social”, de
“atrasado”, de “desviante”, de “deficiente” etc. só se sustentam porque são postas
em relação ao que a sociedade julga, define, defende, patenteia como “capaz”,
“potencialmente sem limitações”, “normal moral, intelectual, pedagógico, social”,
“dentro do fluxo comum”, “eficiente” etc.
Todas aquelas nocivas substantivações/adjetivações, entre outras, utilizadas
para definir quem é a pessoa com deficiência, são sustentadas na sociedade em
420
razão de: a) abstratos mecanismos de manipulação das identidades: o consenso, a
homogeneidade, a distintividade, os fatores descritivos e avaliativos, todos esses
estereotipificantes; b) um conjunto de ideias genéricas e inferiorizantes que incitam
disposições afetivas negativas e o preconceito não pede passagem, simplesmente
torna-se o elemento que atravanca as interações e obstrui a efetivação de direitos;
c) comportamentos
que manifestam a
negação, a recusa, a
rejeição e o
desrespeito à identidade de pessoa humana dos indivíduos com deficiência, o que
termina por tonificar o descumprimento dos direitos sociais apregoados na lei.
As adjetivações/substantivações estão no cume do processo social em que
simetricamente atores sociais se colocam contra a pessoa com deficiência, ao
edificar verdadeiras barricadas, cujos sucessivos e vigorosos filetes, que se
imbricam e se alimentam mutuamente, são aquelas
conceituadas
no
primeiro
capítulo
desta
barreiras atitudinais
dissertação
e
apresentadas,
resumidamente, no quadro a seguir:
QUADRO V– Taxonomia das barreiras atitudinais
TAXONOMIA DAS BARREIRAS
CONCEITUAÇÃO
ATITUDINAIS
Barreira Atitudinal de Substantivação
É o tratamento da pessoa como um
todo deficiente.
Barreira Atitudinal de Adjetivação ou É o uso de rótulos ou atributos
Rotulação
depreciativos
em
função
de
deficiência.
Barreira Atitudinal de Propagação
É a suposição de que uma pessoa,
por ter uma deficiência, tem outras.
421
A barreira atitudinal de estereótipos é
Barreira Atitudinal de Estereótipos
a representação social “positiva” ou
“negativa”, sobre pessoas com a
mesma deficiência.
É
Barreira Atitudinal de Generalização
a homogeneização de pessoas
baseada
numa
experiência
interacional com um dado indivíduo
ou grupo.
É a efetivação de serviços, baseada
Barreira atitudinal de Padronização
na
experiência
generalizada
com
indivíduo ou grupos de pessoas com
deficiência.
É a segregação das pessoas em
Barreira Atitudinal de Particularização
função de uma dada deficiência e do
entendimento de que elas atuam de
modo específico ou particular.
É a recusa irracional de interagir com
Barreira Atitudinal de Rejeição
uma pessoa em razão da deficiência.
Barreira Atitudinal de Negação
É quando se nega a existência ou
limite decorrente de uma deficiência.
Barreira Atitudinal de Ignorância
É o desconhecimento que se tem de
uma dada deficiência, das habilidades
e potenciais daquele que a tem.
422
Barreira Atitudinal de Medo
É quando se tem receio em fazer ou
dizer “algo errado” diante da pessoa
com deficiência.
Barreira
Atitudinal
de
Baixa É
Expectativa ou de Subestimação
o
juízo
antecipado
e
sem
fundamento de que a pessoa com
deficiência é incapaz de fazer algo.
Barreira Atitudinal de Inferiorização da É acreditar na incapacidade das
Deficiência
pessoas com deficiência e comparar
pejorativamente os resultados das
ações de
pessoas sem e com
deficiência.
Barreira Atitudinal de Menos Valia
É
acreditar na incapacidade das
pessoas
com
deficiência
consequência,
e,
em
avaliar
depreciativamente potencialidades e
ações por elas desenvolvidas.
Barreira Atitudinal de Adoração do É a exaltação da pessoas com
Herói
deficiência e a supervalorização ou
superestimação de tudo o que elas
fazem, porque delas se espera algo
de inferior intensidade.
É quando se compara a pessoa com
Barreira Atitudinal de Exaltação do
Modelo
e
a
sem
deficiência,
usando
a
primeira como um modelo a ser
seguido, em razão da percepção de
423
sua “excepcionalidade” e “superação.
Barreira Atitudinal de Compensação
É quando se favorece, privilegia e
paternaliza a pessoa com deficiência
com algum bem ou serviço, por
piedade e percepção de déficit
É a expressão e/ou atitude piedosa
Barreira Atitudinal de Dó ou Pena
manifesta para com as pessoas com
deficiência, restringe-as e mesmo as
constrange pelas atitudes que se tem
para com elas.
Barreira Atitudinal de Superproteção
É a proteção desproporcional esteada
na piedade e
na percepção da
incapacidade do sujeito de fazer algo
ou de tomar decisões em função da
deficiência.
Essas barreiras atitudinais, conforme discutido, têm como ponto de origem o
olhar negativo e generalizante que a sociedade construiu historicamente acerca da
deficiência e da pessoa com deficiência. Vale, pois, reiterar que as barreiras
atitudinais de substantivação/de adjetivação causam danos à identidade social e
pessoal das pessoas com deficiência; o que ocorre não apenas
pelo uso dos
termos em si, mas pela historicidade social e discursiva que as palavras encerram.
Assim, as designações utilizadas
para fazer referência à pessoa com
deficiência, as compreensões que essas nomenclaturas veiculam, fortalecem e
difundem, tal qual a visualização de um iceberg, constituem a representação de um
décimo do volume total da gélida massa social de manutenção das barreiras sociais.
Todos os obstáculos acima listados remetem-se, então, à existência de
424
compreensões negativas fossificadas, de mitos que alcançam, com sutileza, grandes
dimensões, podem adotar formatos de difusão que indicam sua origem e são
capazes de afundar intenções que se revestem, com fragilidade, do discurso da
inclusão.
Muitas daquelas barreiras sociais, como a barreira atitudinal de ignorância e a
barreira atitudinal de medo, podem/poderiam ser erradicadas por meio de
informações positivas e legítimas sobre a pessoa com deficiência. Outras, como as
de baixa expectativa, menos valia, adoração do herói e exaltação do modelo;
poderiam ser erradicadas pela eliminação da medida da normalidade utilizada pela
sociedade para avaliar, comparar, tolher as potencialidades das pessoas.
Essas barreiras atitudinais, assim como as demais, promovem a exclusão do
indivíduo, “maculam a sua identidade e inibem a liberdade individual. Para vencêlas,
é
necessário
conhecê-las,
para
depois
desconstruí-las”.
(DUARTE;
VASCONCELOS, 2011, p. 01). Para conhecê-las, é imprescindível que se tenha
acesso a discursos que sejam esclarecedores tanto da existência de tais obstáculos
e de como eles se manifestam quanto da existência das potencialidades das
pessoas com deficiência.
O esclarecimento informacional é valoroso para a formação da consciência
inclusiva e deve, pois, estimular a reflexão sobre os discursos, as ações, as
omissões praticadas pela sociedade diante da pessoa com deficiência. O que torna
a presente pesquisa de substantiva relevância porque ela
busca, por meio de
estudo e análise aprofundados, desenvolver o conceito de barreiras atitudinais, o
qual compõe a própria natureza da conceituação de pessoa com deficiência (Cf.
ONU, CDPD,2006; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº
6.949/09), e busca mostrar como essas barreiras se manifestam, através das
atitudes, dos ditos e dos não ditos, e quais os seus efeitos.
Vale, então, destacar/reiterar que a formação da consciência inclusiva é o
grande contributo/benefício desta pesquisa, uma vez que ela reflete os preceitos da
inclusão, reflete sobre a formação, a conceituação, a manifestação e os efeitos das
barreiras atitudinais que são os principais obstáculos para que a inclusão ocorra e
tais reflexões poderão
chegar até os graduandos, pós-graduandos, aos
425
profissionais da educação, fomentar compreensões adequadas sobre a pessoa/o
aluno com deficiência e contribuir para que se tenha atitudes coerentes àqueles
preceitos, respeitosas às pessoas com deficiência e aos seus direitos de pessoa
humana, cidadã.
É, pois,
no que concerne a formação da consciência inclusiva que a
Universidade, especialmente os PPGs, podem trazer significativa contribuição, pois,
a consciência é, como afirma Freire ( 2005, p. 13), uma “misteriosa e contraditória
capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes,
imediatamente presentes”.
Esse “distanciamento” consiste em olhar para si, para
as próprias atitudes e, esteando-se na Ciência, no bom senso e na ética, avaliá-las.
A Universidade é o espaço para se construir Ciência e para que se promovam as
reflexões que vão levar à prática da auto e da hetero avaliação atitudinal. Mas para
que isso ocorra, cada pessoa que produz o discurso científico e é, ao mesmo tempo,
por ele constituída, deve desenvolver a competência de se distanciar dele e avaliar
se promove a consciência inclusiva, a qual pode ser definida como a
[...] aquisição e a prática do conjunto de conceitos, valores e atitudes
(ausentes de toda e qualquer forma de preconceito ou discriminação),
cultivados/exercidos com base no reconhecimento, respeito e
acolhimento da diversidade humana, em defesa das condições de
igualdade para todos e em favor da dignidade da pessoa humana
(LIMA, 2005, comunicação pessoal apud GUEDES, 2007, p. 49).
Enfim, para vencer as barreiras atitudinais, cada pessoa precisa conhecer,
então, o que são, como se manifestam e quais as suas consequências; precisa
construir e continuamente cultivar a consciência inclusiva; precisa agir em
conformidade com aqueles conhecimentos. Desses três processos emergem as
condições para se eliminar os elementos que estão na gênese de tais barreiras
(modelos de entendimento, preconceitos, discriminação), erradicando-os, findam-se
as barreiras.
Em outros termos, é coerente pensar que as barreiras sociais só podem ser
removidas a partir: a) da compreensão de que todas as pessoas são iguais por
pertencerem ao gênero humano e que as diferenças que as constituem são
inerentes a esse gênero; b) da disposição afetiva para conviver com todas as
pessoas e suas distintas crenças, ideologias, falares, sonhos, compleições físicas,
habilidades, competências, fragilidades, dificuldades, fortalezas etc.; c) da ação,
426
esteada
nos princípios
filosóficos, éticos, legais de um desenho universal de
sociedade, em que o movimento atitudinal dispensado ao outro é o bumerangue
que retorna, com força, vitalidade e velocidade, para o eu-social, para o eu-pessoal,
é ser um e outro, indivíduo e sociedade, sem ou, sem barricada, sem polarização.
Mas, qual é o caminho? Os documentos legais assumem a resposta de que a
lei é a força que vai tonificar essa tríade. O discurso científico assume que é a
Ciência, mormente, a Educação, em razão de esta ser o espaço para se edificar a
ética, o conhecimento e a humanização/emancipação do homem.
A Psicologia
sinaliza que a resposta pode ser a quebra molecular de uma daquelas dimensões
das atitudes. (PEREIRA, 2002; ATKINSON; ATKINSON; SMITH; BEM; NOELENHOEKSEMA, 2002).
O discurso legal em prol da erradicação das barreiras atitudinais e do
fortalecimento da efetivação dos direitos das pessoas com deficiência tornou-se, por
assim dizer, uma contundente via para a eliminação das barreiras sociais e do
desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência.
Assim, embora esse discurso também seja marcado por avanços e recuos
rumo ao atendimento de tais urgências, sem dúvida, as diretrizes internacionais e
nacionais, as prescrições oficiais começaram a ser percebidas, interpretadas,
corporificadas, fortalecidas na sociedade, nas instâncias de nível básico e superior
da educação. O que mostra não apenas a coerção legal para que a sociedade (a
escola, a Universidade, dentre outros espaços) transforme os ambientes físicos e
sociais, mas clarifica o percurso histórico de exclusão a que pessoas com deficiência
foram submetidas ao longo da existência da humanidade e, por obscuro que pareça
ser, no decurso da própria civilização.
Vale, então, lembrar que a civilização (avançado estágio organizacional da
sociedade humana) a partir de documentos legais também validou a exclusão de
pessoas com deficiência e, muitas vezes, permitiu a interdição social dessas
pessoas (nomeadas nesses documentos de “louco”; “surdos-mudos”) definidas
como “absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil”
(Código Civil de 1916. Lei nº 30.71/ 1916. Art. 5º). O que perdura, de certo modo, no
mais atual Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002. Arts 3º e 4º, pois, mesmo
427
esse tendo promovido certos avanços 35, distingue e determina que: a) os
absolutamente incapazes de exercer tais atos são, entre outros, os que “por
enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a
prática desses atos”; e, b) os relativamente incapazes, entre outros , os que “por
deficiência
mental,
tenham
discernimento
reduzido;
os
excepcionais
sem
desenvolvimento mental completo”.
A interdição total aparece no discurso legal como reflexo da sociedade que
quando restritiva faz da lei seu recurso contundente e quando constituída sob a
égide da inclusão incita atitudes que erradicam esse processo (e.g. Declaração de
Salamanca e o Decreto Legislativo Brasileiro nº 186/2008; Decreto nº 6940/2009; os
quais apregoam que a interdição só se dá como ato específico e temporário. Nesses
documentos a deficiência não serve para nulificar socialmente a pessoa, também
não se nega a deficiência, a interdição para algum ato específico é algo transitório,
passível de reavaliações).
Quando, portanto, os recuos rumo à inclusão não estão explícitos na lei, às
interpretações, na sombra das barreiras atitudinais, podem gerar retrocessos, um
exemplo disso, no contexto das práticas educativas, é a afirmação de que o
“preferencialmente” na LDB 9394/96 é o leito para que a sociedade/a escola decida
se “aceita” ou não o aluno com deficiência, já que essa seria, no entendimento
errôneo de quem interpreta a lei, uma prática possível. Esse equívoco ilustra a
manutenção de barreiras atitudinais, encobertas pela máxima de que a educação
especial, como tradicionalmente vem sendo vivenciada, “é o melhor para a pessoa
com deficiência”.
35
Para saber mais, leia:
Código Civil de 2002 - Lei 10406/02 | Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em <
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1027027/codigo-civil-lei-10406-02 > Acesso em 19 de abril de
2012.
GUGEL, Maria Aparecida. Interdição da pessoa com deficiência - efeitos no Contrato de trabalho.
Disponível em < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/ anexos/8827-8826-1-PB.pdf > Acesso em
19 de abril de 2012.
JÖNCK,Iracema Aparecida Fuck; MAFRA, Monyk. Interdição da pessoa com deficiência –
Interdição Parcial ou Total. Disponível em < http://www.fcee.sc.gov.br/index.php?option
=com_docman&task=doc_view&gid=449 > Acesso em 19 de abril de 2012.
428
A interpretação da lei quase sempre é contraditória, pois quase sempre a
sociedade também o é. O discurso legal pode, então, apresentar retrocessos rumo à
inclusão; servir como justificativa para ações excludentes; trazer contribuições
valorosas à eliminação de barreiras sociais e também, por coerção, pode fazer com
que a sociedade, a escola, a Universidade comecem a mostrar como têm promovido
as acessibilidades. A lei estimula os PPGEs a inserir como área de Pesquisa a
Educação Inclusiva (Infocapes, 2001), porque o que nesse espaço for construído
retornará até a escola e dessa se difundirá na sociedade como um todo.
É a Universidade, especificamente os PPGEs que têm, por excelência, o
compromisso de promover não a prática da lei pela prática, mas a prática da lei
como reflexão sobre os direitos sociais, mormente o da educação.
Assim, o processo de efetivação de direitos, o processo de mudança atitudinal
na escola e na sociedade como um todo se inicia com o reconhecimento de que a
pessoa com deficiência é detentora de direitos e entre esses está o de ser
reconhecida como pessoa humana e o de ter acesso à educação de qualidade. E
para que esse percurso seja fortalecido, a Universidade, valoroso espaço para a
formação e a reflexão sobre os elementos constitutivos do fazer pedagógico, deve
estar atenta para não sedimentar possíveis costumes cristalizados, valores em jogo
na sociedade, que se estendem da Universidade para outros espaços sociais e ao
mesmo tempo tem neles as fontes de tonificação.
Enfim, a Universidade e mais especificamente os PPGEs são lócus das
práticas discursivas e das produções de sentidos que devem se afiliar à perspectiva
do direito à Educação, esse compromisso deve dimanar dos projetos de pesquisa e
de seus relatórios finais, principalmente, quando a discussão é gerada em torno da
efetivação da educação para todos.
O desenvolvimento de práticas planejadas, contributivas à promoção da
cidadania perpassa, então, pelo compromisso da Universidade em gerar
ponderações acerca das práticas cristalizadas e, através da pesquisa, identificar os
elementos que sustentam tais práticas, combatê-los, sob a lente das ciências, e
apontar alternativas, encaminhamentos, questões empreendedoras que emanem o
429
que está posto na lei: uma educação comprometida com o processo de formação, e
porque não de mudança, de cada pessoa e de todas ao mesmo tempo.
Assim, vale reiterar que a pesquisa, em educação, retroalimenta tanto a
prática docente quanto as teorias pedagógicas. Logo, quando se tem a pesquisa
sobre as pesquisas é possível verificar não apenas o projeto de sociedade, o projeto
de educação, o projeto de pós-graduação que se tem, mas o alcance do discurso
científico como fundamento para as interações sociais. Então, se cada estudo, ao
refletir interdiscursos e o olhar do pesquisador sobre o fenômeno estudado, traz
marcas desses três projetos nele também podem se alimentar as barreiras
atitudinais mantidas por aquelas instâncias formativas e/ou nele se pode gestar o
processo de mudança contínuo e tenaz rumo à inclusão. O que faz valoroso
recordar que na pesquisa sobre educação inclusiva o foco de análise não pode ser o
de uma linha mais ou menos includente, porque a inclusão é exata em sua prática,
não cria exceções.
Nesse sentido, é relevante recordar que as pesquisas sobre as pesquisas
desenvolvidas no Brasil servem para que se mapeiem os assuntos, os problemas,
as indagações que têm tornado possível o papel da Universidade, qual seja, o de, no
caso dos cursos de graduação e de pós-graduação em Educação, pensar a escola e
propor caminhos para sua contínua transformação.
A Universidade, voltada para o contexto da busca pela qualidade do/no
ensino, deve, pois, não apenas estar incorporada ao contexto da produção da
ciência, mas precisa (re)examiná-lo, recriá-lo,
questioná-lo, complementá-lo e o
fazer chegar a cumprir a difusão da cultura. Tais compromissos da Universidade
fazem urgente a prática de pesquisas sobre as pesquisas, pois essa, conforme
discutido, traz à reflexão a estrutura, a organização, as ideologias, as teorias, as
práticas do fazer ciência nos PPGEs e, geralmente, servem (ou deveriam servir),
através de seus achados, como input para a mudança.
Contudo, quando analisadas as pesquisas sobre Educação Especial no
PPGE/UFPE (1978 a 2002), é percebido que nem sempre o produto final dos
estudos a nível de mestrado é propositivo a tais mudanças, pois muitas dissertações
são mais descritivas que reflexivas; estão mais voltadas para o estudo das políticas
430
educacionais estaduais do que para a análise dos elementos constitutivos das
práticas pedagógicas inclusivas. Prova disto é o fato de que os quatro primeiros
trabalhos produzidos no PPGE/UFPE denotam as contribuições do Programa para
que sejam analisadas as contradições nas políticas, nas práticas discursivas, mais
do que nas práticas pedagógicas.
As dissertações analisadas demonstraram, nos entremeios das palavras,
nas contradições, na opacidade do dito e do não dito, posturas de ratificação do
processo que os próprios trabalhos descrevem. E o mais preocupante é que esses
discursos dizem mais que seus autores imaginam, atingem o fórum de validade, de
relevância, de verdade científica, ao mesmo tempo em que podem perpetuar tabus,
preconceitos, discriminações contra os grupos em situação de vulnerabilidade.
Nesse caso, vale, pois, refletir que no caso das dissertações construídas no
PPGE/UFPE (1978 a 2002), sob a égide da pesquisa qualitativa, os discursos ora se
mostram vanguardistas em relação à educação inclusiva, ora servem como suporte
para a manutenção de diversas barreiras atitudinais. Tais trabalhos, ancorados em
um referencial teórico que não privilegia autores/estudiosos da área de educação
inclusiva, nem as leis internacionais e nacionais que regem/defendem a educação
para todos, evidenciam que o discurso científico apresenta recuos-avanços-recuos
rumo à inclusão social/educacional das pessoas com deficiência.
Vale, então, destacar que, por um lado, as dissertações analisadas
demonstram um discurso em prol da inclusão da pessoa com deficiência quando,
por exemplo, discutem/denunciam os mecanismos de excludência. Por outro, as
dissertações evidenciam os recuos quando, excetuando-se a dissertação de Bacelar
(1988) porque esta não contemplava especificamente a educação da pessoa com
deficiência,
trazem
com
significativa
frequência
barreiras
atitudinais
de
substantivação e de adjetivação com suas diferentes manifestações.
Em tais trabalhos não são apenas as formações discursivas do pesquisador
que aparecem, a sociedade se mostra através do discurso dele, do discurso de
autores ou de documentos citados e do discurso de depoentes das pesquisas.
Logo, as barreiras atitudinais disseminadas no discurso científico, que faz convergir
431
tantas vozes, atingem à pessoa
com deficiência e influenciam a sociedade em
relação àquelas pessoas.
A percepção de que o tecido das dissertações é polifônico conduz, então, à
compreensão de que um texto dissertativo é um tecido discursivo em que se
entrelaçam várias vozes as quais, no caso dos trabalhos em estudo, representam,
resgatam, historiam, sinalizam construções das ciências e do senso comum acerca
da existência, potencialidades, direitos da pessoa com deficiência.
A voz do autor/pesquisador social é, pois, aquela que, ao desenhar, junto ao
orientador da pesquisa, o leito do discurso dissertativo, arranja todas as vozes para
que, sob a ótica do caminho escolhido, convirjam num percurso delineado para se
ler o real.
Vale lembrar, então, que a percepção, a interpretação, as ponderações e
reconstruções que o pesquisador tece, a partir de todas essas vozes, mostra a face,
de modo mais contundente, na análise e nas conclusões do trabalho dissertativo.
Esses itens/dimensões textuais, no caso das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE
(1978 a 2002), mostraram as fragilidades e contradições no delinear de pesquisas
cujas lentes deveriam ser a da teoria da inclusão.
Analisar, pois, o discurso registrado nesses itens/dimensões textuais das
dissertações de mestrado, é agir como um escafandrista, é mergulhar e procurar
trazer à mostra o que o autor disse nas frestas, nas letras, na respiração do texto.
Foi esta a razão de, na análise dos dados desta pesquisa, tais itens terem sido
considerados em primeiro plano.
Nessa etapa, seguindo as orientações de Orlandi (2007) no que concerne à
necessidade de a análise do discurso contemplar os sujeitos, a situação e a
memória, retomam-se as contextualizações contempladas no sexto capítulo deste
trabalho e se discute como as barreiras atitudinais surgem, são denunciadas e
podem ser combatidas por meio do discurso científico. Condensa-se, então, para
melhor visualização e ponderações posteriores, a análise do itinerário dessas
barreiras no discurso produzido nas dissertações em estudo.
432
Assim, da análise dos trabalhos, à luz da teoria da inclusão, e
especificamente das barreiras atitudinais como um dos conteúdos centrais
contemplados nessa teoria, verifica-se que as dissertações: a) denunciam barreiras
atitudinais no discurso político/legal direcionado a oferta da educação para todos; b)
sinalizam o descompasso entre as políticas educacionais e a prática pedagógica,
justificando que as barreiras sociais impedem a relação teoria e prática; c)
denunciam a prática de barreiras atitudinais na escola; d) reproduzem e difundem
barreiras atitudinais; e) identificam bases para uma educação para todos.
QUADRO VI- Sumarização da trajetória das barreiras atitudinais nas
dissertações de mestrado do PPGE/UFPE
DISSERTAÇÕES ANALISADAS
a)
dissertações
denunciam
BACELAR
ROSA
NERY
MOREIRA
BAZANTE
(1987)
(1990)
(1996)
(1997)
(2002)
X
X
X
_______
______
X
_______
que
barreiras
atitudinais no discurso
político/legal
direcionado a oferta da
educação para todos
b)
dissertações
sinalizam
que
o
descompasso entre as
políticas educacionais
e
a
prática
pedagógica,
justificando
que
barreiras
impedem
as
sociais
a
relação
X
_____
______
433
teoria e prática;
c)
dissertações
que
denunciam a prática
de barreiras atitudinais
X
X
X
X
X
_______
X
X
X
X
X
X
________
________
na escola;
d)
dissertações
reproduzem
difundem
que
e
barreiras
atitudinais;
e) identificam
para uma
bases
educação
_______
para todos.
De acordo com a leitura efetivada nas análises de dados e nas conclusões
dos trabalhos em estudo, é possível indicar que alguns pesquisadores denunciaram
barreiras sociais presentes no discurso político/legal , “defensor da Educação para
todos”.
Especificamente, foram Bacelar (1987), Rosa (1990) e Nery (1996) que,
naqueles itens textuais de suas dissertações, mostraram que a universalização do
ensino, por vezes, não se concretiza em razão do discurso explícito ser diferente do
real, ou seja, proclamar uma coisa, enquanto deseja e visa outra.
Bacelar (Ibid.) mostra que nos períodos de 1964/71 e 1978/85 a expansão
escolar foi um fato, mas que tanto num período quanto no outro, ao lado dela,
também se expandiram os mecanismos de excludência.
Rosa (Ibid.) comenta/analisa os folhetos elaborados pelo Departamento de
Educação Especial de Pernambuco (1986), especificamente produzidos no ano de
1986, e aponta que neste documento se podia encontrar semelhanças com a
proposta higienista em função do aparente “clima de liberalidade” e de respeito às
434
diferenças individuais “como se essas questões fossem relativas à singularidade
deste grupo e não princípios gerais de educação de crianças.” (Id.Ibid., p.148).
Nery (1996, p. 75), por seu turno, traz à reflexão as contradições encontradas
no II Plano Setorial de Educação e Cultura (1975/79). A autora pondera que, nesse
Plano, as pessoas com deficiência são consideradas cidadãs, mas que essa
perspectiva contraditoriamente é esmaecida ao passo em que as pessoas com
deficiência são designadas, nesse documento, como “excepcionais”. Logo,
no
mesmo espaço em que se defende a cidadania, atesta-se, consoante a autora, a
anormalidade, o que na escola, vai refletir num currículo adaptado que continua
apartando e promovendo a exclusão dos alunos com deficiência.
A partir da análise do discurso presente nesses documentos Rosa (Ibid.) e
Nery (Ibid.) ponderam que a política educacional tornou-se palco de contradições,
cuja ambiguidade discursiva reforça a exclusão dos alunos com deficiência. Em
outros termos, as pesquisadoras denunciaram que em discursos políticos/legais que
se dizem a favor da inclusão podem-se ter pontos de força para a manutenção das
barreiras atitudinais.
Moreira (1997), assim como Bacelar (1987), reforça a compreensão do
descompasso entre as políticas educacionais e a prática pedagógica. A autora
pondera, nas conclusões de sua dissertação, que o Plano Estadual de Educação
(1988-1991),
ao
tentar
articular,
pioneiramente,
Cidadania-Trabalho-Escola-
Deficiência, não obteve êxito porque o ensino continuou centrado na deficiência do
aluno. Logo, continuou por nutrir barreiras atitudinais como as de baixa expectativa,
entre outras.
Todas as dissertações analisadas denunciam a prática de barreiras
atitudinais na escola. Bacelar (1987) faz isto quando, por exemplo, elenca os
elementos que impossibilitam a educação de qualidade para todos. Nas palavras da
autora, “a oferta insuficiente, o rendimento interno do sistema escolar e a
discriminação social formam a barreira para que a educação não se efetive como um
direito de todos” (Ibid. p. 34).
Bacelar (Ibid.) defende que uma vez detectados tais obstáculos “não se deve
admitir a perpetuação dos mesmos, visto que o próprio povo sofre os efeitos de tais
435
medidas, revela condições para superá-los, enquanto força a expansão do ensino”.
(Ibid.).
Depreende-se desta assertiva que a discriminação social, ao mesmo tempo
elemento motriz e resultante de barreiras atitudinais, pode ser compreendida como
base para os outros dois fatores (a oferta insuficiente, o rendimento interno do
sistema escolar) que são, na visão da autora, responsáveis pelo hiato entre a prática
e o discurso da educação para todos.
Rosa (1990), esteando-se no texto “Os deficientes: perguntas e respostas”,
publicado em 1988 pela Secretaria de Educação de Pernambuco, numa ação
conjunta do Departamento de Ensino e a Divisão de Educação Especial, reconhece
que os recuos identificados em situações como, por exemplo, a de se
responsabilizar
a
pessoa
com
deficiência pelo insucesso, inadequação
ao
sistema são resultantes de incoerências, de barreiras visíveis e invisíveis:
[...] o princípio da normalização conforme é definido como princípio
da política nacional, já que se propõe a convivência com a diferença,
com a eliminação de barreiras “visíveis e invisíveis” e não o esforço
apenas do portador de deficiência em adequar-se às condições
“normais” de vida. (Ibid., p. 164-165).
A autora (Ibid.) denuncia o efeito da prática dessas barreiras invisíveis (as
barreiras atitudinais). Primeiro Rosa (Ibid.) explica que as diferenças individuais
dos alunos com deficiência
eram referidas
como
obstáculos à aprendizagem.
Segundo, ela explicita que tais alunos, sob esta dinâmica, pareciam figurar como
“representantes
legítimos da
doença”
e
que precisavam ter comportamento
disciplinado “através da instauração de um método, e, para dizer melhor, de um
discurso
que permite constituir
como fatos
elementos
que,
sem ele,
permaneceriam puramente contingentes, inessenciais.” (Id., Ibid., p.98).
Esse discurso, consoante a autora assumia a função de normativo
porque
implicava que ao aluno com deficiência fosse aplicada uma “sansão terapêutica ,
que autoriza seu agente (individual ou institucional) a uma ação reguladora do
comportamento ‘desviante’ da norma de saúde.” (Id., Ibid.).
Na verdade, as referências às “diferenças individuais” dos alunos com
deficiência
assumiam
a
forma
de
barreira
atitudinal
de
adjetivação,
de
436
substantivação, de rejeição, de particularização praticadas todas as vezes em que
no espaço educativo
esses alunos eram
rotulados, estigmatizados, recusados
explicitamente em razão da deficiência, ou numa situação não menos nociva,
utilizava-se da leitura dessas diferenças individuais.
Nery (1996) corrobora essa percepção, ao afirmar que, “em nome da ‘marcha
geral’ e da produtividade, a interação de crianças com deficiência era vista como
obstáculo à aprendizagem de seus pares ditos normais” (p. 29). Consoante a autora,
essa percepção engendrava mecanismos de excludência ao selecionar e situar os
alunos em lugares demarcados pela escola.
Moreira (1997,p.171) denuncia a prática de barreiras na escola, ao comentar
o depoimento de um dirigente que atuava durante o P.E.E. (1988-1991):
[...] encontramos no discurso do nosso entrevistado expressões
como: “paciência”, “amor”, “cuidado” , como pré-requisitos
qualitativamente capazes de habilitar o profissional a lidar com o
D.M. Essas expressões , antes de tudo, demarcam o lugar social
das escolas especiais, as quais faziam
a apologia
do
desdobramento da capacidade humana de comiseração , com a
qual também se acobertou , na concepção de Hickel (1992:55): ‘o
perverso tom da exclusão e da perversão’.
A perspectiva assistencialista, paternalista, ancorada no modelo caritativo da
deficiência, se faz presente no discurso do entrevistado e é identificada pela
pesquisadora. Na análise discursiva, ela indica a existência da barreira atitudinal de
dó, a qual pode gerar a barreira atitudinal de compensação e constituir um
mecanismo de negação da cidadania ao incitar o protecionismo, a caridade em
detrimento da oferta de condições de acessibilidade e de empoderamento das
pessoas com deficiência intelectual.
Bazante (2002), por sua vez, mostra como a integração escolar foi fonte de
manutenção de barreiras atitudinais, a autora faz isto quando afirma que “o
entendimento dos professores deixa passar, nas entrelinhas dos enunciados, o
portador de deficiência como limitado, necessitando de ajuda, e sem a qual ele não
conseguirá se desenvolver e ser aceito”(p. 113, grifo da autora).
Em outros termos, a autora mostra como a integração, permeada pela
barreira atitudinal da baixa expectativa, exigia que o aluno com deficiência se
437
encaixasse numa estrutura que não efetuava nenhuma diligência ou provisão de
recursos para que ele (o aluno) pudesse participar e aprender, no curso de formação
comum a todos.
Quanto à difusão de barreiras atitudinais, com exceção do texto de Bacelar
(1987) que não se refere especificamente à educação da pessoa com deficiência,
todas as dissertações o fizeram através das substantivações/adjetivações que foram
utilizadas para nomear a pessoa com deficiência e através de todas as demais
barreiras
que surgem imbricadas a essas designações. (Cf. discutido no sexto
capítulo deste trabalho).
Isso ocorre quando, por exemplo, Moreira (1997) não percebe a barreira
atitudinal de particularização expressa no discurso de um dirigente quando este
comenta que o Plano Estadual de Educação possibilitava a compreensão de que
os profissionais tinham de se “[...] envolver com o deficiente mental é o envolvimento
da família e do amor, por conta das limitações dele, você tem que ter mais
paciência, maior cuidado, maior trabalho. (MOREIRA, 1997, p. 171, grifos da
autora).
Na análise da fala do depoente:
O depoimento transpõe-nos à própria história das instituições ditas
“especiais”, instituições essas que têm sido marcadas, como nos
mostra Hickel (1992), como espaço de “guarda” e “assistência”. Por
isso, encontramos no discurso do nosso entrevistado expressões
como: “paciência”, “amor”, “cuidado”, como pré-requisitos
qualitativamente capazes de habilitar o profissional a lidar com o
D.M. Essas expressões, antes de tudo, demarcam o lugar social
das escolas especiais, as quais faziam
a apologia
do
desdobramento da capacidade humana de comiseração , com a
qual também se acobertou, na concepção de Hickel (1992:55): ‘o
perverso tom da exclusão e da perversão’. (Id., Ibid.).
A autora denuncia barreiras atitudinais, mas também nutre a particularização,
quando não reflete sobre a expressão “por conta das limitações dele”, pois quando o
depoente utiliza essa restrição para justificar a “necessidade” de se “ter mais
paciência, maior cuidado, maior trabalho”, ele materializa a particularização.
Outro exemplo de difusão das barreiras atitudinais através do discurso
científico é visto quando num trecho da análise de dados, Bazante (2002) afirma:
438
“[...] está evidente a compreensão de que a deficiência não faz do aluno alguém
incapaz de realizar algo, mas, apenas, alguém com um fazer que difere
de
outros” [...]. ( p. 114, grifos nossos).
É relevante destacar que a barreira atitudinal de particularização, expressa na
ideia de que o aluno com deficiência é “alguém com um fazer que difere de outros”,
coloca os alunos em dois extremos: os que apresentam um fazer igual (as pessoas
sem deficiência) e
os que apresentam
pessoas com deficiência).
de que o aluno,
um “fazer que difere dos
outros” (as
A barreira atitudinal consiste pois na particularização
por ter uma deficiência, demonstrará um
modo particular de
estudar, de aprender, quando, na verdade, todos os alunos, independente de suas
idiossincrasias, traçam singulares percursos formativos.
A barreira atitudinal de particularização materializa a negação dos possíveis
avanços, conquistas, desenvolvimento psicossocial e cognitivo que a pessoa com
deficiência pode alcançar.
Por constituir-se numa ameaça a esse campo de
possibilidades, esse obstáculo social tem funcionado como mecanismo de negação
social, de segregação, uma vez que a deficiência é ressaltada como falta, carência
que imputa o que não pode ser alcançado, efetivado pela pessoa com deficiência.
A percepção das barreiras atitudinais veiculadas, propagadas, fortalecidas
através do discurso científico sinaliza que há uma rede de produção de tonificação
dessas barreiras, a qual envolve sujeitos da comunidade intra e extraescolar,
envolve a medicalização da pedagogia e a pedagogização da medicina no processo
de educação da pessoa com deficiência.
O discurso das dissertações revela, também, construções que permitem
identificar bases promotoras da educação inclusiva, a exemplo de algumas
ponderações efetivadas por Bacelar (1987) e Nery(1996), nas conclusões de seus
trabalhos dissertativos.
Bacelar (1987, p. 32) afirma que para tornar viável a educação para todos é
necessário que a forma de operar da escola seja tecnicamente adequada às
características das crianças e que as lacunas na formação do professor sejam
urgentemente preenchidas. Em outras palavras, se a escola torna-se adequada às
características das crianças, se o professor vivencia a formação continuada com
439
vistas à prática pedagógica num desenho universal, as barreiras atitudinais que
surgem, por exemplo, de comparações e de inferiorizações,
deixam de ser
tonificadas na escola.
Em outra passagem, a autora complementa é preciso “insistir na efetivação
do direito de todos à educação, traduzindo esse direito no acesso e permanência na
escola, de todos, sem discriminação de qualquer natureza”. (Id.Ibid., p. 34). Logo, o
que a autora indica para que se alcance a educação para todos é que cada
profissional envolvido no contexto educativo contribua para a efetivação desse
direito e, ainda, combata a discriminação de qualquer natureza.
Por fim, Bacelar (Ibid.) reitera e pondera que para que a educação para todos
seja uma realidade é necessário mais que a legislação, é preciso que a mudança
ocorra “[...] a partir das próprias condições internas da escola e da vontade política
de todos os agentes escolares, através de um compromisso em torná-la de fato, um
direito de todos.” (Id., Ibid.p. 82).
Nesse excerto, a pesquisadora fala do engajamento de todos os agentes
escolares para que a educação para todos passe do discurso para a prática. A
autora defende que a educação para todos deve refletir o empenho da sociedade
em promovê-la.
Para erradicar barreiras sociais, Rosa (1990, p. 156) indica como caminho
promissor o fornecimento de informações positivas acerca da pessoa com
deficiência:
Além do âmbito governamental, a possibilidade de veiculação dos
conteúdos deste debate nos meios de comunicação de massa
parece refletir um novo estágio de participação e conscientização,
extrapolando a ação intraescolar [...] para que o assunto [ a
cidadania
da pessoa com deficiência] seja debatido e
consequentemente chegue ao conhecimento da sociedade”.
A autora, além de reconhecer que é papel da mídia, como elemento
fomentador de atitudes, participar amplamente da difusão de informações coerentes
e positivas em relação à pessoa com deficiência, reconhece que falar e vivenciar a
inclusão é algo que deve extrapolar o espaço educativo e alcançar a sociedade
como um todo, pois ambas, sociedade e escola, se retroalimentam, uma é reflexo
e resultado da outra. Obviamente, neste trajeto, a comunidade intra e extraescolar
440
devem reconhecer e advogar que o empenho para que a conscientização da
sociedade e a participação das pessoas com deficiência ocorram não deve ser
unilateral.
A autora ratifica: “não se pode tratar como questão individual uma
problemática eminentemente social”. Logo, depreende-se que toda a sociedade
deve ser colaboradora para que se erradiquem os impeditivos a efetivação de uma
escola de qualidade de, para e com todas as pessoas.
Rosa (1990), afirma que dentre os procedimentos para que se modifique esse
quadro de manutenção de barreiras e o desrespeito ao direito à educação é
emergencial que se conceba e se pratique ações como
[...] ‘participação em iniciativas que levem à divulgação correta dos
problemas das pessoas deficientes e à eliminação dos preconceitos’,
‘incentivo às pessoas deficientes a se organizarem, e lutarem, por
seus direitos’, ‘trabalho junto às iniciativas comunitárias,
governamentais e privadas para que não discriminem as pessoas
deficientes’ e ‘denuncia e
conscientização dos meios de
comunicação que veiculam imagens distorcidas das pessoas
deficientes’, além de se considerar a contribuição dos educadores,
através do ‘fornecimento de informações corretas sobre as mesmas
e sobre suas necessidades’, devendo ser dado aos alunos
deficientes ‘tratamento
igual aos demais alunos, auxiliando-os
quando necessário, como se auxiliaria qualquer outro, estimulando
a sua independência e integração’ (Id. Ibid., p. 164-165).
Para combater essa educação em que se renunciava o singular, as
características individuais e se nutria estereótipos, padronizações, generalizações e
excludência, a autora sugere que no atendimento médico-pedagógico os
profissionais devem:
[...] tirar o sintoma do centro do processo diagnóstico e passar a lidar
com o aluno especial como sujeito com potencialidades e
possibilidades de crescimento. O deslocamento seria, portanto, da
identificação do que o aluno não tem para o que fazer para mudar a
situação em que ele se encontra [...] (Id., Ibid., p. 222).
Nesse sentido, é relevante perceber que emana das palavras da autora a
crença nas potencialidades das pessoas com deficiência e, ainda, nas contribuições
que podem advir delas para que se projete e se efetive uma nova escola, respeitosa
às idiossincrasias de todos e ao direito de cidadania. Essa compreensão é ratificada
quando, mais adiante, a pesquisadora afirma que para que sejam superadas as
441
situações de excludência na escola é necessário: “[...] a progressiva participação de
deficientes e de instâncias não governamentais de interesse público, no
estabelecimento de diretrizes e práticas [...]” (ROSA, 1990, p. 235). Em outros
termos, é preciso que se pratique o “nada sobre nós, sem nós”.
Essa pesquisadora além de defender esse princípio includente, nas
conclusões do estudo que realizara, traz mais uma indicação de caminho
contributivo à erradicação das barreiras invisíveis. De um lado, apresenta que
historicamente a deficiência era compreendida como “falha” ou como algo “normal”.
De outro, a partir da percepção de que essas conceituações são inadequadas,
prenhes de barreiras sociais, a autora propõe que se entenda a deficiência como
característica natural, comum, existente, presente na pessoa humana.
Rosa (1990) defende que a cidadania da pessoa com deficiência só será
uma verdade quando os obstáculos sociais forem removidos e as atitudes positivas
estiverem, ao mesmo tempo, na base e no cume das práticas sociais.
Nesse agrupamento das dissertações por conteúdo que delas dimana fica
claro que o discurso científico produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002), em alguns
momentos, se coloca em prol da inclusão educacional da pessoa com deficiência,
mas que contundentemente apresenta significativos retrocessos e fissuras rumo à
inclusão; seja porque as barreiras atitudinais são dissimuladas, surgem por trás do
discurso, (in)conscientemente, seja porque
dissertações
demonstraram que
as condições de produção dessas
não eram suficientemente delineadas para
comportar os temas e a área teórica em que elas estão situadas. O fato é que
esses discursos científicos
se tornaram
contributivos a tonificação de diversas
barreiras atitudinais que, ao serem apregoadas por meio deles, resultam,
certamente, em situações de desrespeito ou impedimento aos direitos das pessoas
com deficiência, limitando-as ou incapacitando-as nos mais
diversos contextos
sociais.
No caso dos trabalhos em análise, as barreiras atitudinais de substantivação
e de adjetivação mostraram ser pontos nodais para que o discurso produzido no
PPGE/UFPE (1978 a 2002) sobre educação especial apresente/fortaleça outras
442
tantas barreiras sociais e, em função delas, patenteie fissuras, recuos em relação ao
conteúdo/a filosofia a qual aquele discurso deveria estar vinculado.
Talvez a ocorrência daquelas barreiras se sustente, entre outros aspectos, em
razão de: a) os trabalhos não estarem situados em uma área ou linha de pesquisa
em que a inclusão seja a tônica; b) a educação inclusiva não estar nas prioridades
da prática de pesquisa dos orientadores dos trabalhos em análise; c) os trabalhos
não estarem esteados substantivamente em autores/estudiosos da inclusão; d) os
trabalhos quase não refletirem sobre os documentos legais que apregoam a inclusão
social/educacional. (Cf. discutido no sexto capítulo do presente estudo).
Em outros termos, esses quatro fatores contextuais oferecem o instrumental
para que se tonifiquem compreensões equivocadas acerca da pessoa com
deficiência (face cognitiva das barreiras atitudinais), as quais ao ser expressas no
discurso e nos atos sociais, geram os preconceitos (face afetiva da barreira
atitudinal) e esses incitam a discriminação (face social da barreira atitudinal). Esses
três estágios surgem quase que concomitantes e fazem emergir, através de
comparações, de baixa expectativa, de nomeações, de rótulos, de medos, de
rejeição, entre outros, as piores, e por vezes sutis, formas de manutenção das
barreiras sociais. Tais barreiras, no discurso das dissertações sobre Educação
Especial produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002), passam despercebidas em razão
daqueles quatro aspectos.
Como explicitado, as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação
aparecem como produto do entrelaçamento de três faces/ componentes da atitude.
Essas barreiras surgem imbricadas a outras tantas ou a elas fortalecem,
disseminando formas de violência, de desrespeito, de entraves atitudinais que
terminam por prejudicar a integridade psíquica, moral e até física das pessoas que
constituem seus alvos, por prejudicar a identidade social e pessoal da pessoa com
deficiência.
As barreiras atitudinais, registradas nos trabalhos em análise, retiram das
pessoas com deficiência o poder de ser; de autofirmar-se; de empoderar-se; de
autorreconhecer-se; de tonificar a autoestima; de autoformar-se; de produzir; de
estar; de constituir uma identidade de pessoa humana e cidadã junto à família, à
443
escola, aos grupos sociais com quem convivem; de exercer plenamente direitos
humanos e de efetivar deveres sociais.
Essas barreiras são produzidas, fortalecidas e propagadas socialmente
através de palavras, de ações, de omissões (LIMA; TAVARES, 2007). Elas operam
no espaço do dito e do não-dito, do implícito, do preconceito velado, da negligência,
da humilhação, do insulto, da opressão, do descuido, do protecionismo, do
paternalismo; fazem a pessoa alvo tornar-se impotente diante da força delas e ficam
evidenciadas não apenas na linguagem e nos atos, mas ocupam, invisível ou
ostensivamente, os espaços do inter e intrapsíquico, do social, do interpessoal, do
discursivo.
Traduz-se, portanto, que o enraizamento das barreiras atitudinais é denso, de
difícil resolução e cerca as pessoas alvo fragilizando-lhes até o autoconceito, a
autoestima, a capacidade de gerir suas vidas e de participar da vida familiar e social.
Nesse contexto, surge uma questão: como os discursos científicos, prenhes de
barreiras sociais, chegam até as escolas e incitam a prática de barreiras atitudinais?
Para responder essa questão e confirmar a hipótese de que a produção
acadêmica vai além dos muros institucionais, foi efetivado um trajeto de pesquisa
que permitiu visualizar como o discurso acadêmico chega até as escolas e a outras
instâncias sociais.
A pesquisa em rede no Google acadêmico, no Scielo, na
Plataforma lattes, entre outros espaços virtuais, foi crucial. Esse procedimento
consistiu em, a partir dos títulos das dissertações e/ou dos nomes dos autores,
verificar quem, onde, quando utilizou, com fins de também produzir ciência, os
textos sobre educação Especial construídos no PPGE/UFPE (1978 a 2002). As
informações obtidas por meio desse procedimento estão dispostas em mapas
construídos no presente estudo para mostrar: onde, quando e por quem os
discursos das dissertações foram estudados/referendados e permite concluir o que
se segue nos mapas abaixo.
444
Mapa 1- A difusão do trabalho: “Educação para Todos: a prática e o discurso”
RN: SANTOS (2005); BARBALHO (2006); MORAIS (2006)
PE: OLIVEIRA
(1999);
SILVA,
GABRIEL,
URSULINO, BLOTER (2005); ALMEIDA (2008)
BA: CABRAL NETO; SILVA (1998)
DF: NETO; ALMEIDA (2000)
MG: UFJF (2000); CASTRO (2002)
RJ: SANTOS (2010)
PR
BACELAR (1987)
(UFPE)
PR: OLIVEIRA (2010)
SC: Gonzaga (2009)
RS:
MENDES(2000);
VIZZOTTO;
BECKER; FURTADO; PEREIRA (2003);
Na plataforma lattes não há registro da pesquisadora Inalda Bacelar. A pesquisa
em outros ambientes virtuais possibilitou identificar espaços sócio-discursivos em que
um texto da autora, proveniente da dissertação, tem se vivificado através de
interlocuções que outros pesquisadores trazem em seus trabalhos. O artigo “Escola,
Descentralização e Autonomia”, publicado no volume 01, número 01, da Revista de
Administração Educacional, em 1997, pela editora Universitária da UFPE, serviu como
referencial teórico para os trabalhos produzidos em cursos de pós-graduação lato e
stricto sensu, foi literatura basilar em disciplina ofertada no curso de Mestrado em
Educação promovido pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), esteve na
base teórica de diversos artigos publicados em periódicos.
Cronologicamente, a menção ao texto de Bacelar, consoante a pesquisa
realizada, é o texto “Projeto Político Pedagógico como mecanismo de autonomia
escolar”, publicado por Antonio Cabral Neto e Tatiane Campêlo da Silva, na Revista
Gestão em Ação, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da
UFBA, em 1998.
445
Edney Oliveira também faz referência à literatura da autora, ao escrever o
texto “O coordenador pedagógico e a gestão democrática do espaço educativo”,
publicado na Revista de Administração Educacional pela editora Universitária da
UFPE, no volume 01, número 4, em 1999.
No ano de 2000, o texto tornou-se literatura presente na bibliografia utilizada
na disciplina “Organização e Gestão da Escola”, ofertada no curso de Mestrado em
Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ainda nesse ano, o texto é mencionado pelos autores: Mendes, Neto e
Almeida. Tânia Maria Scuro Mendes escreve, na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), a tese de doutorado “Os espaços pedagógicos de
construção de possibilidades na sala de aula: um olhar sobre as microinterações”.
Antônio Cabral Neto (UFRN) em parceria com Maria Doninha de Almeida (USP)
utilizam o texto de Bacelar como referencial no artigo “Educação e
Gestão
Descentralizada: Conselho Diretor, Caixa Escolar, Projeto Político Pedagógico”,
publicado na Revista Pontos de
Vista: O que pensam os especialistas? Em
Aberto, volume 17, número 72, no ano de 2000, em Brasília.
O texto da autora também foi utilizado em artigo apresentado nos anais da
25ª reunião da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED), ocorrida em Minas Gerais, Caxambú, em 2002. O texto “Descentralização
e autonomia: limites e possibilidades de um programa de formação de professores”
produzido pela professora Alda Maria Duarte Araújo Castro (UFRN).
Em 2003, Adriana Aparecida Vizzoto, Analígia Becker, Ariadne Schidt Furtado
e Sueli Menezes Pereira utilizam o texto de Bacelar ao escreverem o trabalho
“Escola, comunidade, projeto político-pedagógico e autonomia: reflexões sobre a
realidade escolar”, o qual pode ser encontrado nos anais do II Seminário
Internacional: Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais. Identidade,
Diferenças, Mediações, realizado pela Universidade Federal Santa Maria (UFSM),
no Rio Grande do Sul, em 2003.
Em 2005, Alice Miriam Happ Bloter, professora da Universidade Federal de
Pernambuco, menciona o texto de Inalda Bacelar ao produzir, em parceria com
Márcia Girlene Silva, Marciliane Ferreira Gabriel e Valdira José Ursulino, o artigo “A
446
ética nas relações interpessoais na gestão democrática numa escola pública”.
Nesse mesmo ano, o texto da pesquisadora está na composição do
referencial da dissertação de mestrado em Educação, intitulada “Conselho de
escola: cenários e desafios de uma escola pública de Natal”, produzida por Kelli
Cristina Batista dos Santos, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).
Em 2006, o discurso de Bacelar se faz presente na dissertação “Mudanças
nos modelos de gestão: a política educacional e os (des) acertos da experiência no
Rio Grande do Norte (1995-1999), produzida por Maria Goretti Cabral Barbalho, na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no Programa de pós-graduação em
Educação/Mestrado.
Ainda em 2006, nessa mesma universidade, Bacelar tem seu texto citado na
dissertação de mestrado em educação construída por Pauleany Simões de Morais.
O trabalho intitulado “Os conselhos como mecanismos de democratização da
política educacional: Participação e poder de decisão nas ações do conselho de
controle social do FUNDEF no município de Parnamirim/RN (1998-2005)”.
Mais adiante, em 2008, a então especializanda Tarciana Pereira da Silva
Almeida, do curso de gestão Escolar e Coordenação Pedagógica, da Faculdade de
Ciências Humanas de Olinda (FACHO – PE), utiliza o texto da autora como
componente da base teórica do trabalho monográfico intitulado “O papel do
coordenador Pedagógico enquanto articulador do Projeto Político- Pedagógico”.
No ano seguinte, agora em dissertação produzida na Universidade do Vale do
Itajaí (UNIVALI), no curso de Mestrado Profissionalizante de saúde e gestão do
trabalho, o texto de Bacelar é mencionado por Vanessa Furlaneto Gonzaga, ao
elaborar o trabalho “A humanização como tema transversal do curso técnico de
enfermagem da ETSUS/TO”.
O último trabalho em que se encontrou referência ao texto da autora, de
acordo com a pesquisa realizada, é a dissertação “Gestão de recursos financeiros
no setor educacional: uma análise das escolas da rede estadual de Pernambuco”,
produzida por Maria Auxiliadora Gomes Santos, em 2010, no curso de Mestrado em
447
Administração
Pública
da
Fundação
Getúlio
Vargas/Escola
Brasileira
de
Administração Pública e de Empresas/Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.
Nessa trajetória é possível perceber o alcance do discurso científico, o qual se
mostra de validade longitudinal, pois o relatório de pesquisa produzido em 1988 por
Bacelar continua sendo vivificado e chega a 2010 como constitutivo do referencial
teórico de outra pesquisa.
Mapa 2 – A difusão do trabalho: “Aluno portador de deficiência: problema
médico-pedagógico ou conquista da cidadania? A Educação especial em
Pernambuco”
PE: CADERNO DE EDUCAÇÃO
ESPECIAL (1991)
NERY (1996)
MOREIRA (1997)
MOREIRA (1998)
ROSA (1990)
BAZANTE (2002)
(UFPE)
No
currículo
SANTIAGO (2003)
lattes
de
Ester
Rosa
(http://buscatextual
.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4775051D1) não é encontrada informação
referente à propagação da pesquisa efetivada pela autora no PPGE/UFPE, contudo,
parece que o primeiro texto dela sobre o tema foi a “Proposta Pedagógica para a
Área da Deficiência Mental”, publicado no Caderno de Educação Especial, Série
448
Ensino, Recife (1990, p. 40-43), citado por Fabiana Moreira em dissertação
produzida no PPGE/UFPE em 1990. Fabiana também cita a dissertação de Rosa em
outro trabalho que produz em 1998 “A simbologia de Procusto e a normalização do
Plano Estadual de Educação - PE - 1988-1991", publicado na Revista Psicologia:
ciência e profissão, volume 18, número 3, em Brasília.
A dissertação escrita por Ester Rosa está presente no referencial teórico de
quatro trabalhos dissertativos produzidos no PPGE/UFPE, sendo três deles
contemplados nesta pesquisa: Nery(1996), Moreira (1997), Bazante (2002)
e o
quarto trabalho, intitulado “Educação para Todos: um estudo sobre a política de
inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais no Brasil”, de
Sandra Alves da Silva Santiago (2003), no qual a autora estabelece interrelação
com o discurso de Rosa e com a tônica de outros trabalhos já produzidos no
programa: a do contexto político da educação da pessoa com deficiência.
A dissertação de Rosa é então a mais citada pelos pesquisadores da área de
Educação Especial no PPGE/UFPE até o período contemplado na presente
pesquisa.
Mapa 3 - A difusão do trabalho: “Ser diferente numa sociedade massificada –
um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência”
PE: SANTIAGO (2003)
NERY (1996)
(UFPE)
449
No
currículo
lattes
da
autora
Tânia
Maria
de
Oliveira
Nery
(http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4701784J7) não
há
informações
no
referentes à
socialização da pesquisa
realizada por ela
PPGE/UFPE em 1996. O trabalho da autora é retomado em outra dissertação
produzida
no programa, em 2003, por Sandra Alves da Silva Santiago, cujo
título foi supramencionado.
Mapa 4-
A difusão do trabalho: “Expressões e silêncios dos discursos
cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico-discursiva do Plano
Estadual de Educação – PE – 1988/1991”
RN: MOREIRA (1997)
PE: MOREIRA (1999)
BAZANTE (2002)
SANTIAGO (2003)
DF: MOREIRA (1998)
SP: MOREIRA (1998)
MOREIRA (1997)
(UFPE)
De acordo com informações presentes no currículo lattes de Fabiana
Wanderley
de
Souza
Moreira
(http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K4792577P6), a autora socializou o conteúdo da dissertação
produzida no PPGE/UFPE através de
artigo intitulado “A Deficiência Mental no
Contexto Educacional Pernambucano - O Projeto e as Primeiras Fases da
450
Pesquisa”, o qual foi apresentado e publicado no XIII Encontro de Pesquisadores
do Nordeste (EPEN), ocorrido em 1997, em Natal.
No ano seguinte, conforme o currículo da pesquisadora, a partir da
dissertação, Fabiana construiu e publicou o texto “A Simbologia de Procusto e a
Normalização do Plano Estadual de Educação PE, 1988/1991”, o qual pode ser lido
na revista eletrônica Psicologia, Ciência e Profissão, volume 18, número 03.
Nesse período, Fabiana Moreira também esteve presente no IX Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino, ocorrido em Águas de Lindoia,
apresentando o trabalho “Políticas e Práticas Discursivas da Educação Especial em
Pernambuco: Abordagem Histórico Discursiva do Plano Estadual de Educação PE
1988/1991”.
Em 1999, Moreira ministrou palestra sobre o tema “Expressões e Silêncios do
Discurso Cidadania-Deficiência Mental - Uma Abordagem Histórico-Discursiva do
Plano Estadual de Educação PE 1988/1991”. No currículo da autora, não há
informações complementares acerca dessa palestra, mas ele permite visualizar que
o tema da pesquisa efetivada por Fabiana vinha se delineando enquanto objeto de
estudo e de socialização desde 1995, quando a pesquisadora começou a ministrar
palestras, conferências, oficina, a participar de mesa redonda etc. O currículo
demonstra ainda que, após a conclusão do curso de mestrado, o tema continuou a
ser disseminado pela cientista através desses mesmos eventos acadêmicos.
Nas modalidades Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra, a
autora apresentou: “Deficiência Mental - Enigma Indecifrável” (1996); “Multiplicidade
de Olhares - o médico, o psicólogo, o educador - Uma Abordagem Sócio-Histórica
da Educação Especial” (1997); “A Deficiência Mental no Contexto Educacional
Pernambucano” (1997); “Normalidade e Patologia em Educação Especial” (1998);
“Paradigmas
da
Educação
Especial
Brasileira
e
Pernambucana”
(1998);
“Normalidade e Patologia em Educação” (1999); “Inclusão?” (1999); “O Papel do
Currículo na Escola Inclusiva” (1999). A pesquisadora também participou de mesa
redonda, discutindo: “Concepções de Normalidade e Patologia em Educação”
(1999), cujo artigo foi publicado em “Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic):
Psicologia, Ciência e Profissão”, no volume 19, número 2. A autora também
451
ministrou a oficina “Educação Especial e Modalidades Pedagógicas - Limites e
Possibilidades” (1999).
Em 2005, Fabiana Moreira publicou na Revista Psicologia Ciência e
Profissão, volume 25, número 01, um recorte da dissertação através do artigo
intitulado “Gramáticas discursivas da educação especial”.
A dissertação produzida pela pesquisadora está no acervo do referencial
teórico dos trabalhos construídos por Tânia Bazante (2002) e Sandra Santiago
(2003), ambos produzidos no PPGE/UFPE, como informado anteriormente.
Mapa 5- A difusão do trabalho: “Quando as (in)certezas e as esperanças se
(des)encontram: um estudo das representações
sociais dos professores
sobre educação especial na rede estadual de ensino”
PB: BAZANTE (2001)a
BAZANTE (2001)b
CALADO; BAZANTE (2004)
PB
PE: BAZANTE (2002)a
BAZANTE (2002)b
MG
BAZANTE (2003)
BAZANTE (2008)
BAZANTE (2002)
ALBUQUERQUE (2007)
(UFPE)
MG: ALBUQUERQUE; MACHADO (2009)
A pesquisadora Tânia Maria Goretti Donatto Bazante informa em seu currículo
lattes (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id= K4700044T0) que
452
a pesquisa efetivada por ela no PPGE/UFPE foi socializada no I Encontro de Ensino,
Pesquisa e Extensão, realizado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Caruaru (FAFICA), em 2001, em duas comunicações intituladas “Educação Especial
e espaços de escolarização:
quem educa o cidadão diferente?” e “As
Representações Sociais dos professores sobre educação Especial na Rede Oficial
de Ensino”. Esses trabalhos foram publicados em “Ciências Humanas velhos e
novos desafios: que paradigmas?”, nos anais do evento organizados pela editora
Ideia, no volume 01, respectivamente nas páginas 35 e 87.
No ano seguinte, a pesquisadora participou do II Encontro de Ensino,
Pesquisa e Extensão, apresentando os trabalhos “O desenhar/colorir de um cenário.
Que concepções quais atitudes?” e “Quando as (in)certezas e as esperanças se
(des)encontram: um estudo das Representações Sociais dos professores na rede
estadual de ensino”. Ambos os textos foram publicados nos anais do evento,
Edições FAFICA, páginas 52-54 e 141-142.
Em 2004, Tânia Bazante, em parceria com Alder Júlio Ferreira Calado,
produziu o trabalho “Paradigmas da integração e da inclusão: do que estamos
falando?”, publicando-o em livro organizado por Alder Júlio Calado e Alexandre
Magno Tavares da Silva, publicado em João Pessoa, pela editora Ideia/ Edições
FAFICA, p. 105-116.
Mais adiante, em 2007, no PPGE/UFPE, Ednea Rodrigues de Albuquerque
utiliza o texto de Bazante como um dos textos constitutivos da fundamentação
teórica da dissertação “Inclusão de alunos com deficiência nas representações
sociais de suas professoras”. Dois anos depois, na ocasião da 32ª reunião da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),
realizada em Caxambu/MG, Ednea Rodrigues em parceria com sua orientadora
de mestrado , a professora
Laêda Bezerra
Machado, apresentou o
trabalho
“Resistências e impossibilidades nas representações sociais de inclusão de
professoras”.
Como se vê, o conteúdo das dissertações de mestrado sobre Educação
Especial produzidas no PPGE/UFPE (1978 a 2002) chega à sociedade/à escola: a)
através de palestra, conferências, oficinas, mesas redonda, apresentações de
453
trabalhos, comunicações efetivadas pelos autores desses trabalhos; b) por meio da
publicação de artigos, provenientes dessas dissertações, em anais e revistas
impressas ou eletrônicas; c) como material constitutivo de disciplinas em cursos de
graduação e de pós-graduação/Mestrado; d) como base para a construção de
documentos que regem a política de educação especial em Pernambuco; e) como
componente de referenciais teóricos de artigos, monografias, dissertações e teses;
f) em citações nos
textos produzidos por professores e outros pesquisadores
atuantes no próprio PPGE/UFPE. Logo, os discursos das dissertações, através da
socialização das pesquisas com outros sujeitos envolvidos no contexto educacional,
de um lado, contribuíram para que a discussão sobre a educação da pessoa com
deficiência chegasse até a escola e, de outro, difundiram barreiras atitudinais que
levam ao desrespeito ao direito das pessoas com deficiência à educação, a assumir
uma identidade de pessoa humana, cidadã, produtiva, detentora de direitos sociais.
A partir, então, do mapeamento da difusão do discurso de tais dissertações é
possível compreender como as barreiras atitudinais tem se cristalizado não apenas
sob as contribuições do senso comum, mas da própria Ciência produzida para que
se alcance a prática pedagógica que contemple a todos.
Em outros termos, muitas dessas barreiras do mesmo modo que foram
registradas inconscientemente pelos pesquisadores também podem ser apreendidas
inconscientemente por aqueles que as receberem, e fomentar ações que são
danosas à inclusão educacional do aluno com deficiência.
Vale então refletir como surgem tais barreiras e como cada sujeito social pode
eliminá-las:
a)
Barreiras atitudinais que surgem na forma de designações para fazer
referência à pessoa com deficiência: barreira atitudinal de substantivação e barreira
atitudinal de adjetivação. Essas podem ser eliminadas quando, na interação com as
pessoas com deficiência ou no discurso que a elas se refere, a sociedade primar por
tratá-las por seus próprios nomes ou na situação da produção textual, utilizar
nomenclaturas que estejam inseridas numa perspectiva inclusiva de leitura da
deficiência: pessoa humana, pessoa
capítulo deste trabalho).
com deficiência (Cf. discutido
no sexto
454
b)
Barreiras atitudinais que surgem da suposição de que a pessoa com
deficiência apresenta mais de uma deficiência: barreira atitudinal de propagação.
Essa barreira atitudinal pode ser eliminada quando se entende que a deficiência é
uma característica da pessoa, não um elemento que lhe impõe outras deficiências. A
informação legítima
e
positiva sobre a pessoa com deficiência pode ser um
caminho promissor a erradicação dessa barreira social.
c)
Barreiras atitudinais que surgem de generalizações infundadas em
relação ao potencial, a identidade social e pessoal da pessoa com deficiência:
barreira atitudinal de estereótipo; barreira atitudinal de generalização e barreira
atitudinal de padronização. Quanto a eliminação dessas barreiras: i) a barreira
atitudinal de estereótipos deve ser combatida através da compreensão de que a
deficiência não é a identidade da pessoa que a tem, logo, pessoas com a mesma
deficiência são distintas na forma como pensam, aprendem, estudam, interagem,
vivem etc.; ii) barreira atitudinal de generalização deve ser removida através da
compreensão de que cada pessoa é única, logo, uma experiência interacional com
um indivíduo ou grupo é uma experiência e não a experiência que se replicará em
outras situações; iii) barreira atitudinal de padronização pode ser erradicada quando
a sociedade perceber que não se
deve efetivar serviços para pessoas com
deficiência baseando-se numa experiência, generalista e/ou estereotipada, com
indivíduos ou grupos anteriores.
d)
Barreiras atitudinais que surgem
da falta de informação/do
desconhecimento do potencial da pessoa com deficiência: barreira atitudinal de
ignorância, barreira atitudinal de medo,
barreira atitudinal de particularização e
barreira atitudinal de dó. Essas barreiras podem ser combatidas com informações
positivas e legítimas acerca da pessoa com deficiência, o que pode ser alcançado
dando voz a essas pessoas e respeitando-se-lhes o que dizem: ouvindo-lhes as
vozes e garantindo-se-lhes o direiro de tê-las acolhidas.
e)
Barreiras atitudinais que surgem da baixa expectativa acerca das
potencialidades da pessoa com deficiência: barreira atitudinal de adoração do herói
e barreira atitudinal de exaltação do modelo. Essas barreiras só poderão ser
eliminadas quando a sociedade deixar de alimentar a leitura da deficiência como
incapacidade e, assim, deixar de nutrir a baixa expectativa, elemento que está na
455
origem da supervalorização, acerca das potencialidades das pessoas com
deficiência. Além disso, é urgente que a sociedade/ a mídia deixe de utilizar a
imagem da pessoa com deficiência como modelo de superação.
f)
Barreiras atitudinais que surgem da baixa expectativa e da comparação
entre a produtividade de pessoas com e sem deficiência: barreira atitudinal de baixa
expectativa; barreira atitudinal de inferiorização; barreira atitudinal de menos valia.
Essas barreiras podem ser combatidas, respectivamente, quando os sujeitos sociais:
i) cientes das potencialidades das pessoas com deficiência, deixam de construir
juízo antecipado de que elas são incapazes de fazer algo; ii) deixam de creditar algo
ruim à deficiência, ou seja, de estabelecer menor valor a construções efetivadas
pelas
pessoas com deficiência em razão da deficiência; iii) deixam de avaliar
depreciativamente as potencialidades e ações desenvolvidas pelas pessoas com
deficiência.
g)
Barreiras atitudinais que surgem como resultado da prática caritativa,
da piedade:
barreira atitudinal de compensação e barreira atitudinal
de
superproteção e barreira atitudinal de dó. Para eliminar essas barreiras, a sociedade
precisa: i) compreender que as pessoas com deficiência são sujeitos de direito, logo,
o que necessitam é que tais direitos sejam respeitados e não de políticas e ações
paternalistas; ii) compreender que a superproteção impossibilita o empoderamento
e fragiliza a identidade social e pessoal da pessoa com deficiência.
h)
Barreira atitudinal que surge da naturalização da deficiência: barreira
atitudinal de negação. Essa barreira social é posta em xeque quando os atores
compreendem que negar a deficiência das pessoas é deixar de considerar as
acessibilidades que ela precisa para estar em
situação de equidade social; é
também deixar de considerar que toda pessoa humana é indivisível, logo, que todas
as características compõe o todo da pessoa e nenhuma delas pode ser apagada,
pois se assim o for, apaga-se a identidade de pessoa humana.
i)
Barreira atitudinal que surge da recusa em interagir com a pessoa com
deficiência: barreira atitudinal de rejeição.
A ação de rejeitar a pessoa com
deficiência é a mais danosa de todas as barreiras, pois para removê-la as
informações positivas não são suficientes, por vezes a própria força da lei não é
456
eficaz para que a remoção ocorra, pois rejeita-se, muitas vezes, conscientemente e
para eliminar esta prática é necessária uma reforma íntima das compreensões, dos
afetos e das ações.
Em outros termos, conjugando o que aqui esta posto com o que os
pesquisadores indicaram para remover as barreiras sociais na sociedade/na
escola/na universidade, tem-se como ações urgentes:
- Entender que a deficiência é uma característica natural, comum, existente,
presente na pessoa humana.
- Preservar a identidade social da pessoa humana, logo evitar que a
deficiência seja vista como o todo da pessoa.
- Estar pré-disposto a mudar, adequar o trabalho pedagógico à demanda de
necessidades de cada aluno;
- Usar uma linguagem não marcada por contundentes conotações pejorativas
em relação às pessoas com deficiência;
- Tratar diferentemente as pessoas para igualá-las em condições e em
direitos;
- Tornar a escola adequada às características das crianças;
- Suprir constantemente lacunas na formação do professor;
- Insistir na efetivação do direito de todos à educação;
- Combater o preconceito e a discriminação de qualquer natureza;
- Considerar os direitos das pessoas com deficiência e defendê-los conforme
apregoa a lei;
- Desenvolver vontade política de fazer a educação um direito de todos;
- Assumir o compromisso com a promoção do desenho universal de
sociedade e de educação;
- Fornecer informações positivas acerca da pessoa com deficiência;
457
- Conscientizar a sociedade de que as pessoas com deficiência são pessoas
humanas, detentoras de direitos sociais e cumpridora de deveres sociais;
- Tratar a inclusão educacional não como questão individual, mas como uma
questão eminentemente social;
- Denunciar meios de comunicação que veiculam imagens distorcidas acerca
das pessoas com deficiência;
- Possibilitar que a escuta da pessoa com deficiência seja uma constante, ou
seja, praticar o “nada sobre nós, sem nós”;
- Promover as acessibilidades;
- Reestruturar cognições e extirpar a congruência entre as dimensões
cognitiva e afetiva da barreira atitudinal, pois, conforme Rodrigues, Assmar e
Jablonski (2009), a destruição da congruência afetivo-cognitiva da atitude é um meio
de alterar um destes componentes e possibilitar o movimento de um processo de
restauração o qual, sob certas circunstâncias, poderá conduzir a uma reorganização
das atitudes, por meio de mudanças no componente previamente alterado e
acionado nas relações sociais com o objeto das atitudes, neste caso, com a pessoa
com deficiência.
- Procurar continuamente compreender os preceitos da inclusão e
agir
conforme tal teoria;
- Reconhecer a existência das barreiras atitudinais e as formas como tais
barreiras se manifestam;
- Procurar numa atitude de autoavaliação eliminar no dicurso e nas ações a
prática de barreiras atitudinais, mostrando, com o exemplo de vida/de atitude, como
se age inclusivamente.
A prática dessas ações é um itinerário que faz diminuir a força dos modelos
de entendimento equivocados sobre as potencialidades das pessoas com deficiência
(dimensão cognitiva das barreiras atitudinais); é percurso que faz esmaecer a força
dos preconceitos (dimensão afetiva das barreiras atitudinais), e, ainda, termina por
458
enfraquecer ou até erradicar atitudes de discriminação (dimensão social das
barreiras atitudinais).
Vale, recordar, então, que muitas dessas ações poderiam ser incitadas pelo
discurso científico produzido sobre educação especial/educação inclusiva no
PPGE/UFPE quando não forem, deixam claro que se a pesquisa não estiver situada
numa
linha de pesquisa sobre educação inclusiva,
constructos teóricos da
não estiver esteada em
área; se ela for um empreendimento mais singular do
orientador junto ao orientando do que representar um percurso formativo valorado
pela Universidade, ela tenderá a demonstrar hiatos entre a inclusão plena e o
discurso que se quer inclusivo e as práticas sociais fomentadas por ele que se quer
inclusivas.
Por esta razão, o presente trabalho, sugere que a Universidade esteja mais
atenta aos discursos que produz, estimule a
produção de pesquisas sobre
educação inclusiva, promova, através da Ciência e das práticas atitudinais, a
conscientização necessária à inclusão.
Chega-se, então, nesta pesquisa, ao desfecho de algumas ponderações,
considerando que as metas de investigar como as barreiras atitudinais aparecem no
discurso das dissertações de mestrado
sobre educação especial defendidas no
PPGE/UFPE (1978 a 2002); bem como a meta de discutir o efeito das barreiras
atitudinais no entendimento da sociedade para com as pessoas com deficiência foi
um itinerário que permitiu não apenas alcançar tais objetivos, mas conduziu a
perceber questões macro que envolvem a identidade do próprio Programa, o qual
deixa, a certa altura de sua história, de explicitar os seus objetivos formativos.
Assim, a cada concretização dos objetivos específicos deste estudo, mais
que uma face da trajetória e dos efeitos das barreiras atitudinais se mostrava; pois,
o contexto das produções das pesquisas e de seus relatórios os quais indicam a
urgência de que os atores deste importante Programa de Pós-Graduação repensem
o lugar da pesquisa sobre a educação inclusiva e reflitam sobre o alcance de seus
discursos e as práticas que estão ajudando a edificar na escola/na sociedade.
Tendo respondido, então, sobre o que revelam os estudos sobre educação
especial realizados no período de 1978 a 2002 no Programa de Pós-graduação em
459
Educação da Universidade Federal de Pernambuco, no que concerne à existência/
a trajetória das barreiras atitudinais, aos elementos que contribuem para que os
discursos das dissertações apresentem, veiculem, fortaleçam tais barreiras e como
esses constructos chegam até as escolas incitando atitudes em relação aos
alunos com deficiência, reconhece-se como indispensável
que
outros estudos
possam tratar dessas questões e de outras no período de 2003 até o presente.
Assim, esta pesquisa reconhece a necessidade de estudos que tracem um
perfil longitudinal acerca do lugar, da natureza das pesquisas sobre educação
especial/educação inclusiva realizadas neste Programa. Sugere, pois, que tais
pesquisas contemplem, entre outros aspectos, a análise:
- dos temas prevalecentes nos estudos e se estes continuam considerando
a
política educacional. O que poderá trazer à mostra a demanda que a sociedade
tem trazido à Universidade e/ou os temas que são de interesse deste Programa;
- da existência de barreiras atitudinais nos discursos das dissertações. Pois, como
visto,
o discurso científico
prenhe de tais barreiras atitudinais chega até os
professores, até às escolas e incitam atitudes incoerentes e prejudiciais aos alunos
com deficiência; compromete a função da Universidade, qual seja, a de contribuir,
através da Ciência, para a transformação social que só é possível através do
acesso à informações
consciência inclusiva e
positivas, através da construção e fortalecimento
da
através da prática atitudinal esteadas nessas. A
preocupação do PPGE/UFPE
com o estudo, a análise, o reconhecimento das
barreiras atitudinais e de seus efeitos certamente promoveria a formação da
consciência inclusiva e assim os graduandos e os cientistas
formados nesse
Programa teriam condições de operar, através de discursos e de atitudes, como
promotores da inclusão social/educacional.
- da análise da contribuição da informação de que no PPGE/UFPE havia uma
subárea de educação inclusiva e a análise dos impactos nas produções de pesquisa
sobre a educação inclusiva após a
supressão desta informação. O que poderá
revelar o lugar da educação inclusiva na agenda de pesquisa deste Programa e
quais os impactos de se ter ou não, no Programa, explícito o compromisso com as
pesquisas na área, conforme orientado pela Capes.
460
- a análise dos referenciais teóricos desses trabalhos para que se compreenda as
lentes com que se têm lido, longitudinalmente, neste Programa, a educação da
pessoa com deficiência; uma vez que não
há como analisar, sob a égide da
inclusão, nenhuma das faces da educação para todos sem se ter conhecimento da
teoria da inclusão.
- da reflexão, nas pesquisas, sobre os documentos legais que apregoam a inclusão
social e educacional da pessoa com deficiência, mormente a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), a qual traz o conceito de
barreira atitudinal
como centralidade para definir quem
são as pessoas com
deficiência. O que revelará se as pesquisas e os contextos nelas apresentados
reverberam as orientações legais.
Estas questões emergem inclusive não apenas do que foi efetivado ou dos
limites dessa pesquisa, elas emergem da observância de que foi ao largo do
período de 2003 a 2011 que houve no PPGE/UFPE um considerável aumento das
pesquisas sobre educação especial/educação inclusiva, através da efetivação dos
trabalhos:
“Educação para todos: um estudo sobre a política de inclusão dos
portadores de necessidades educacionais especiais no Brasil” (SANTIAGO, 2003);
“A Formação dos Professores de Classes Especiais para o uso do computador: do
discurso dito ao discurso vivido” ( ALMEIDA, 2003); “A educação das pessoas com
necessidades especiais: uma análise a partir da prática pedagógica dos gestores e
educadores de apoio nas escolas da rede pública estadual de Garanhuns – PE” (
SÁLES, 2005); “A Educação de surdos e a prática pedagógica dos professores
ouvintes: análises a partir do Programa Nacional de Apoio a Educação de Surdos” (
FONTE, 2005); “Formação docente na educação de jovens e adultos: processo de
inclusão/exclusão de pessoas com necessidades educacionais em uma perspectiva
de humanização” (LINS, 2008); “Representação social dos alunos de educação
física da UFPE sobre a disciplina educação física adaptada” (SANTOS, 2009); “A
prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental para alunos com
deficiência” (OLIVEIRA, 2009); “O papel da áudio-descrição na eliminação de
barreiras comunicacionais no material didático no ensino médio” (VIEIRA, 2011); “As
concepções das crianças sobre a inclusão de crianças com deficiência na educação
infantil” (FREITAS, 2011); “A imagem na relação de expressão com o texto escrito –
461
Contribuições da áudio-descrição para a aprendizagem de educandos surdos”
(RIBEIRO, 2011).
Essa rica produção do Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), se analisada, poderá mostrar
se há continuidade do projeto de educação e do projeto de Pós-graduação que se
tem desde a implantação do Programa até o presente momento.
Avaliar esse
percurso sempre será uma ação valorosa porque dela podem surgir as bases para a
transformação, a mudança que contemple na prática o que reiteradas vezes os
discursos legal e científico tem defendido: o direito de todos à educação de
qualidade, a inclusão na agenda dos espaços formativos, a pesquisa como prática
da ciência viva que se move, movendo o mundo.
Obviamente, ninguém pode voltar atrás de uma palavra dita, de uma barreira
atitudinal praticada, mas todos podem fazer um novo começo, qualquer um pode
começar agora e construir um novo discurso atento aos seus ditos e não ditos; pode
exercitar e perpetuar novas/inclusivas/inclusivistas atitudes; pode iniciar sem pressa,
após esta ou outras leituras, e escrever a partir de então uma nova história.
A trajetória das barreiras atitudinais é o professor, é o pesquisador, é o Nós, é
a sociedade. Para atravancar o caminho dessas barreiras, a consciência
inclusiva/inclusivista é a via, a atitude é tudo, valem mil portas abertas para
caminhos pouco escolhidos que começam dentro da mente e do coração de cada
um e de Todos.
462
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