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OS DESAFIOS DA IMPLANTAÇÃO DA CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA
ORGÂNICA (SISTEMAS PARTICIPATIVOS DE GARANTIA - SPG) NO
ESTADO DO CEARÁ
ALEXANDRE PINHO PESSOA DE HOLLANDA ( [email protected] ,
[email protected] )
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
MÔNICA CAVALCANTI SÁ ABREU ( [email protected] )
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
As relações entre agricultores e consumidores estão cada vez mais distantes e impessoais. O
meio para acessar mercados na agricultura orgânica é através da certificação orgânica. O
sistema tradicional de certificação por terceiros não atende plenamente o pequeno agricultor
familiar por conta dos custos envolvidos com a certificadora. A certificação participativa,
também denominada Sistema Participativo de Garantia (SPG), apresenta-se como a solução
mais adequada, trazendo os princípios da agroecologia para o pequeno agricultor familiar,
porém existem dificuldades na implantação desse sistema. O objetivo deste trabalho é levantar
os principais desafios para implantação da Certificação Participativa (SPG) no Estado do
Ceará.
Palavras-chave: Agroecologia; Agricultura Orgânica, Certificação, Sistema Participativo de
Garantia.
1. INTRODUÇÃO
As relações entre agricultores e consumidores estão cada vez mais distantes e impessoais. Isso
se deu nas ultimas décadas, no Brasil e no mundo, com o desenvolvimento dos grandes
centros urbanos e da agroindústria e com o advento da chamada revolução “verde” do
agronegócio, que, na verdade, foi muito mais uma revolução no uso de agrotóxicos, que
priorizava as grandes propriedades, a produção em larga escala, a monocultura e o uso de
insumos químicos prejudiciais à saúde, com um objetivo estritamente econômico, sem levar
em conta a sustentabilidade ambiental e a questão social. Contudo, nós últimos anos, esse
cenário tem se modificado bastante, com consumidores cada vez mais conscientes,
preocupados com a qualidade de vida e a saúde, que querem saber o que estão consumindo, e
que querem produtos mais saudáveis, socialmente justos e que não agridam o meio ambiente.
A agricultura agroecológica, juntamente com a agricultura orgânica, vem ao encontro desses
anseios e necessidades. O movimento da agricultura familiar no Brasil remonta à década de
70, com a instituição de associações de pequenos produtores e ONGs preocupadas com essas
questões. De acordo com a Rede Ecovida de Agroecologia, uma rede agroecológica, situada
no Sul do País: “Agroecologia é mais que uma tecnologia de produção de alimentos, é,
também, um modo de vida e de relação de mútua cooperação com a natureza e com tudo o
que vive nela” (Ecovida Online, 2011). Ou seja, a agroecologia não é simplesmente uma
técnica, mas um modo de vida. Ela representa, mais que uma modificação para inserção no
mercado, uma mudança de pensamento.
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Com esse pensamento, a produção e o mercado de produtos da agricultura orgânica cresce no
mundo e no Brasil, pois, ao longo dos anos, a demanda pelos produtos orgânicos vem
aumentando no mundo todo. Dessa forma, não tardaram a acontecer as discussões sobre a
regulamentação da agricultura orgânica. A institucionalização da agricultura orgânica no
mundo teve início em 1972, com a criação da IFOAM - Federação Internacional dos
Movimentos de Agricultura Orgânica. No mundo, assim como no Brasil, foram instituídos
marcos legais, ou seja, leis e regulamentos, segundo os quais há obrigatoriedade da
certificação para todos os que querem ingressar no mercado de produtos orgânicos.
Os agricultores com a certificação orgânica, a partir de um selo que os diferencie, conseguem
uma melhor aceitação, credibilidade e preço por parte do mercado, além de ampliar o escopo
de comercialização de seus produtos, processos e serviços para mercados locais, regionais,
nacionais e internacionais.
Contudo, os pequenos agricultores no mundo todo ficaram à mercê do poder das grandes
certificadoras, com um custo mais elevado e uma burocracia que praticamente tornava
inviável que o pequeno produtor familiar pudesse assumir sozinho a certificação. Foi neste
cenário que se desenvolveu o conceito das certificações participativas em rede, ou ainda
denominadas de Sistemas Participativos de Garantia (SPG), que pode ser definida como:
“A certificação Participativa é um processo de geração de credibilidade em rede realizado
de forma descentralizada, respeitando as características locais, que visa aprimorar a
Agroecologia e assegurar a qualidade de seus produtos através da participação, aproximação
e compromisso entre os agricultores, os técnicos e os consumidores” (Rede ECOVIDA).
Após um processo longo de discussões com a participação de várias entidades, técnicos,
órgãos, associações, ONGs e da sociedade civil, foram instituídos vários marcos legais, dentre
os quais pode ser destacado o decreto 6.237, do ano de 2007, que regulamenta a lei 10.831, a
chamada “Lei dos Orgânicos”. Por esse decreto, foram regulamentados três mecanismos de
controle para a garantia da qualidade orgânica no Brasil: Certificação por Auditoria, Sistemas
Participativos de Garantia (SPGs) e Controle Social na Venda Direta.
“Os SPGs surgem, então, como uma conquista diante do mercado de certificação orgânica
que se institucionalizou com a lei 10.831 (de 2003). O principal ganho do movimento
agroecológico foi o consenso de que a certificação seria prevista, mas que seria adequada
metodologicamente às diferentes realidades locais (além da não necessidade de selo nas
vendas diretas)” (CARRASCAL, 2011).
A regulamentação da Certificação Participativa foi um grande passo para agricultura familiar,
pois permitiu que os pequenos produtores pudessem ter seus produtos certificados, dentro de
uma metodologia participativa, com o uso de um selo padrão que facilita a identificação para
o mercado consumidor. Contudo, o número de agricultores certificados através de SPG ainda
é muito restrito no País, apesar de alguns casos de sucesso, ainda a certificação por auditoria
predomina. Algumas dificuldades, ou desafios se apresentam no meio do caminho.
No Estado do Ceará, não seria diferente. Há alguns anos, alguns grupos e organizações, entre
elas ONGs, associações, universidades e órgãos governamentais têm se articulado no sentido
de criar uma OPAC (Organismo Participativo da Avaliação da Conformidade) que represente
os agricultores do Estado e lhes permita obter o selo do Sistema Brasileiro de Avaliação da
Conformidade Orgânica (SISORG). O objetivo deste trabalho é levantar os principais desafios
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na implantação da certificação participativa orgânica no Estado do Ceará. Para isso foi
utilizada uma metodologia de natureza qualitativa que busca investigar, a partir de entrevistas
com técnicos envolvidos diretamente no processo, quais são os fatores que impedem esse
desenvolvimento.
2. REFERENCIAL TEORICO
2.1. Agroecologia, Agricultura Familiar e Agricultura Orgânica.
A agricultura familiar tem hoje uma grande importância em termos de representatividade e
peso na cesta básica do povo brasileiro Alguns números fortalecem o que vem sem dito sobre
o assunto:
No Censo Agropecuário de 2006 foram identificados 4.367.902 estabelecimentos da
agricultura familiar, ou 84,4% do total, ocupando 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3%
da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Já os estabelecimentos não
familiares representavam 15,6% do total dos estabelecimentos, mas ocupavam 75,7% da sua
área” (IBGE, 2006).
É nesse contexto da agricultura familiar que a certificação participativa se apresenta como
modelo ajustado à realidade de pequenos produtores. Todavia surgem algumas preocupações:
As informações sobre educação na agricultura familiar revelam desafios: entre os 11
milhões de pessoas da agricultura familiar e com laços de parentesco com o produtor, ainda
existiam pouco mais de 4 milhões de pessoas (37%) que declararam não saber ler e
escrever, principalmente de pessoas de 14 anos ou mais de idade (3,6 milhões de pessoas).
Este tema ainda é um grande desafio, e merecerá uma análise mais detalhada no futuro.
Ainda relacionado com o grau de escolaridade e qualificação da mão de obra, impressiona o
baixo número de pessoas que declarou possuir qualificação profissional: apenas 170 mil
pessoas na agricultura familiar, e 116 mil pessoas na não familiar. (IBGE 2006).
Além de apresentar alguns números da Agricultura Familiar, para aprofundar a discussão
sobre a certificação participativa para os produtos orgânicos, faz-se necessário antes
esclarecer alguns conceitos. O primeiro deles consiste nas diferenças conceituais entre a
agricultura agroecológica, ou simplesmente Agroecologia, e a agricultura orgânica. O que
precisa ficar dito de forma prática é que um produto orgânico pode vir a ser ou não um
produto considerado agroecológico, ou seja, será necessário que ele adote outras dimensões,
assim como diretrizes e princípios agroecológicos. Já um produto agroecológico é,
necessariamente, um produto orgânico. Assim, temos que:
A agroecologia é a ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de princípios,
conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas,
A Agroecologia proporciona então as bases científicas para apoiar o processo de transição
para uma agricultura “sustentável” nas suas diversas manifestações e/ou denominações
(ALTIERI, 2003).
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Figura 01 – O papel da Agroecologia na satisfação dos objetivos sociais, ambientais e econômicos do
desenvolvimento rural sustentável em áreas rurais
Fonte: Clara I. Nicholls, Miguel Altieri apud Cartilha Agroecologia: controle de “pragas” e doenças, Fundação
Konrad Adenauer Fortaleza, 2010.
A figura 01 mostra algumas das dimensões da Agroecologia no atendimento aos objetivos
sociais, ambientais e econômicos; preocupada com um desenvolvimento sustentável da
agricultura. Outra diferenciação entre os conceitos de orgânico e de agroecológico é:
A agroecologia diferencia-se da agricultura orgânica e da agricultura sustentável por ser
uma base científica, de princípios que são aplicáveis de forma orgânica, ou de outras
formas, para se chegar a uma agricultura sustentável. A agricultura orgânica, entretanto, é
um sistema de produção caracterizado por um conjunto de técnicas que se aplicam ao
princípio da agroecologia, mas que não serão ecológicas se houver substituição de insumos.
Neste caso, não possuirão base agroecológica (MOBILIZADORES, 2012).
Neste estudo, consideramos, para efeito de compreensão, que os dois conceitos caminham
juntos, isto é, a certificação orgânica por Sistema Participativo de Garantia considera a
agricultura orgânica como sistema de produção dentro da realidade da Agroecologia,
favorecendo a agricultura familiar, levando em consideração os objetivos ambientais,
econômicos e sociais.
2.2. Agricultura Orgânica e Certificação Orgânica
2.2.1. Agricultura Orgânica no Brasil
No Brasil, desde a década de 70, organizações de produtores, consumidores e técnicos,
desenvolvem práticas seguindo os princípios da agricultura orgânica. Nas décadas de 80 e 90
observa-se o envolvimento de organizações públicas e privadas, além das ONGs envolvidas
com a questão ambiental, com foco no desenvolvimento da agricultura orgânica, além do
desenvolvimento dos primeiros trabalhos de pesquisa oficiais.
Alguns dados mostram a evolução do setor no País: “A produção e o mercado de produtos da
agricultura orgânica estão crescendo no mundo e no Brasil. Em 2006, havia 630 mil unidades
certificadas no mundo, ocupando cerca de 30 mil hectares, e mais de 90 mil produtores(as)
foram identificados(as) como produzindo de forma ecológica. O Brasil ocupava o 6º lugar em
volume de área, com 842 mil hectares e 15 mil unidades” (IBGE 2006).
Contudo vale salientar que são relativamente escassas as informações sobre produção e
comercialização de produtos oriundos da agricultura orgânica no Brasil.
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2.2.2. Regulamentação da Agricultura Orgânica no Brasil
Em 1994, iniciou-se a discussão para a regulamentação da agricultura orgânica no país, que
foi oficialmente reconhecida em maio de 1999. Este fenômeno foi resultado da participação
da sociedade civil organizada junto ao poder executivo, com a publicação da Instrução
Normativa nº 007/99, do MAPA (BRASIL, 1999).
Em dezembro de 2003 foi publicada a Lei 10.831 (BRASIL. Presidência da República, 2003),
definindo e estabelecendo condições obrigatórias para a produção e a comercialização de
produtos da agricultura orgânica. A lei foi aprovada após tramitar no Congresso Nacional
desde 1996, contando, a partir de 2002, na fase final do processo, com a participação
democrática de representantes do setor, de organizações públicas e privadas e da sociedade
civil.
Dessa forma, as possibilidades de acesso dos produtos da agricultura orgânica ao mercado
brasileiro estão previstas na Lei nº 10.831 (BRASIL. Presidência da República, 2003), nos
Decretos nº 6.323 (BRASIL. Presidência da República, 2007) e nº 6.913 (BRASIL.
Presidência da República, 2009b) e nas Instruções Normativas nº 54 e nº 64 (BRASIL, 2008a,
2008b), nº 17, nº 18 e nº 19 (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c).
Figura 02 – Regulamentação da Agricultura Orgânica no Brasil
Fontes: Legislação para os Sistemas Orgânicos de Produção, (MAPA, 2009) e Seminário Estadual
Regulamentação do Mercado Orgânico (ECOVIDA, 2009)
De acordo com a IN nº19 de 28 de Maio de 2009 (MAPA, 2009), no Brasil, são três os
mecanismos de controle para a garantia da qualidade orgânica. O primeiro mecanismo deve
atender as regras para venda direta sem certificação, caracterizado como organização de
controle social (OCS). Os outros dois mecanismos utilizam o certificado brasileiro emitido
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pelo SISORG, sendo que todos os três mecanismos devem atender aos requisitos
estabelecidos pelo Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SISORG).
O SISORG é integrado por órgãos e organizações da administração pública federal e pelos
organismos de avaliação da conformidade (OAC) credenciados pelo MAPA. Os OACs são
pessoas jurídicas de direito público ou privado, responsáveis pela verificação da
conformidade dos processos produtivos avaliados em relação à regulamentação da produção
orgânica, tanto na certificação como nos SPG (art.6°, parágrafo único da IN 19/2009).
A seguir são demonstrados os três procedimentos reconhecidos pela regulamentação da
agricultura orgânica o Brasil:
• Certificação por Auditoria – A concessão do selo SISORG é feita por uma certificadora
pública ou privada credenciada no Ministério da Agricultura. O organismo de avaliação da
conformidade obedece a procedimentos e critérios reconhecidos internacionalmente, além
dos requisitos técnicos estabelecidos pela legislação brasileira.
• Sistema Participativo de Garantia – Caracterizado pela responsabilidade coletiva dos
membros do sistema, sejam produtores, consumidores, técnicos ou demais interessados.
Para estar legal, um SPG tem que ter um Organismo Participativo de Avaliação da
Conformidade (OPAC) legalmente constituído, que responde pela emissão do SISORG.
• Controle Social na Venda Direta – A legislação brasileira abriu uma exceção na
obrigatoriedade de certificação dos produtos orgânicos para a agricultura familiar. Exigese, porém, o credenciamento numa organização de controle social cadastrado em órgão
fiscalizador oficial. Com isso, os agricultores familiares passam a fazer parte do Cadastro
Nacional de Produtores Orgânicos.
A avaliação da conformidade por organismos credenciados junto ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento passou a ser obrigatória para todos os produtos
orgânicos comercializados no Brasil, que passam a ser identificados pelo uso do selo oficial
do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica – SISORG.
Figura 03 – Acesso ao Mercado Interno de Produtos Orgânicos
Fontes: Legislação para os Sistemas Orgânicos de Produção, (MAPA, 2009) e Seminário Estadual
Regulamentação do Mercado Orgânico (ECOVIDA, 2009)
2.2.3. Conceito de Certificação Orgânica
A certificação orgânica é um processo através do qual se garante que a produção e o
processamento de produtos de origem animal e vegetal obedecem aos critérios do manejo
orgânico. Isso significa garantir para os consumidores e para a sociedade em geral a origem
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(procedência) dos produtos e o respeito às regras estabelecidas pela legislação brasileira da
produção orgânica. Estas regras abrangem não somente o processo produtivo, mas também
o respeito ao meio ambiente e às relações de trabalho no campo, estabelecendo relações
justas e de sustentabilidade econômica, social e ambiental. (FUNDAÇÃO KONRAD
ADENAUER, 2010)
O movimento orgânico tem sido pioneiro na implantação e definição dos Sistemas
Participativos de Garantia (SPG). A certificação de produtos orgânicos teve início em várias
partes do mundo nos anos 70 e 80, baseada em sistemas associativos muito próximos do que
hoje se denomina SPG. Algumas dessas associações continuam realizando a certificação
participativa, como a Nature & Progrès, na França e a Rede Ecovida de Agroecologia, no
Brasil. Ainda que a certificação por terceira parte (seguindo as normas ISO 65) tenha se
tornado a forma dominante de certificação no setor alimentar, como em outros setores, os
sistemas de certificação alternativa nunca deixaram de existir (Meirelles, L. 2009).
2.2.4. Certificação Participativa – Os Sistemas Participativos de Garantia (SPG)
Figura 04 – Os Sistemas Participativos de Garantia no Mundo
Fonte: The Global PGS NewsLetter, (IFOAM, 2011)
Em 2004, no Seminário Internacional sobre Certificação Alternativa, organizado pela ONG
Centro Ecológico, em Torres, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil, promovido pela
Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM) e pelo
Movimiento Agroecológico de América Latina y el Caribe (MAELA). Na ocasião foi criado e
adotado o conceito ou terminologia conhecido como “Sistemas Participativos de Garantia”. É
uma denominação genérica que agrega diferentes metodologias, buscando a avaliação
participativa da conformidade de produtos.
O primeiro país a regulamentar o SPG foi o Brasil (BRASIL. Presidência da República, 2007;
BRASIL, 2009c), colocando em sua legislação a certificação participativa e tendo como
fundamento básico que os critérios obedecidos pelo SPG fornecem garantia igual à oferecida
pela certificação, ou seja, a garantia de que os produtos orgânicos foram produzidos e são
controlados de acordo com os princípios da agricultura orgânica.
Há tendência de inclusão e aceitação dos sistemas participativos de garantia (SPG) em oito
legislações dos países de baixa renda na América Latina e Caribe, na Índia e no Estado de
Andaluzia/Espanha. O reconhecimento dos SPG pela FAO – Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura, em sua 30ª Reunião Regional, que ocorreu em
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abril de 2008, em Brasília-DF, demonstra que esses mecanismos de avaliação da
conformidade são adequados aos mercados internos e externos. (FONSECA, 2009).
2.3. SPG no Estado do Ceará
No Estado do Ceará ainda não existe nenhuma associação certificada pelo Sistema
Participativo de Garantia. A preocupação com essa questão ainda é uma realidade incipiente,
pois somente há alguns anos associações de agricultores, juntamente com as ONGs e os
órgãos governamentais, vêm se articulando. A própria certificação orgânica ainda não é um
assunto totalmente conhecido por produtores e consumidores. Existe uma predominância no
Estado da certificação por terceiros, com as grandes empresas que exportam produções de
monocultura para o mercado internacional.
Em contrapartida, já existem várias organizações de controle social (OCS) em funcionamento
no interior do Estado, mesmo ainda não legalizadas pelo MAPA, que já realizam a venda
direta em feiras agroecológicas, utilizando os princípios da agroecologia. Isso é fruto do
trabalho de organizações estrangeiras, como a Fundação Konrad Adenauer, uma organização
alemã que realizou, nos anos de 2006 a 2011, um trabalho muito importante de articulação
para o fortalecimento da certificação participativa com o seu projeto AFAM:
“O Projeto Agricultura Familiar, Agroecologia e Mercado (AFAM), co-financiado pela
União Europeia (UE) de 2006 a 2011, teve como objetivo promover a melhoria da qualidade
de vida, soberania alimentar e empoderamento da população no semiárido do Nordeste do
Brasil, por meio do fortalecimento da agricultura familiar ecológica e sustentável”.
(FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2010)
Os resultados são algumas experiências no Ceará, como a dos parceiros do Projeto AFAM, o
Núcleo de Iniciativas Comunitárias (NIC), que está, desde 2007, acompanhando a Associação
Comunitária de Barreira (ACB) no processo de certificação em grupo da castanha de caju, e o
Instituto SESEMAR, que está preparando apicultores de municípios do Vale Curu e
Aracatiaçu para a certificação no Sistema Participativo de Garantia (SPG).
“O Projeto AFAM levantou a discussão sobre SPG desde o seu início, concluindo este
processo com a fundação da Associação da Rede Cearense de Agroecologia, em fase de
registro como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC) no Sistema
Nacional”. (FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2011)
No fim de 2009 foi realizado o Seminário Estadual de Regulamentação do Mercado Orgânico:
Oportunidades e Desafios para a Agricultura Familiar, em Fortaleza, onde foi discutida a
legislação brasileira que regulamenta o mercado orgânico. Um dos resultados do evento foi a
formação de um grupo de trabalho para a construção de um Sistema Participativo de Garantia
no Ceará, que deu inicio a um processo de discussão e realização de oficinas regionais. Em
junho de 2011, este processo levou à realização de um Encontro Estadual, em que foi fundada
a Associação da Rede Cearense de Agroecologia (ARCA), com o objetivo de promover,
divulgar e contribuir para o fortalecimento da Agricultura Familiar Agroecológica no Estado
do Ceará.
A ARCA é construída de forma participativa, de baixo para cima, contando com as suas
bases nas associações e cooperativas, que formam os núcleos locais e participam de
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conselhos municipais e regionais. O Conselho Estadual é composto por representantes de
produtores(as) e das entidades de assessoria técnica de cada região, e este elege uma
coordenação, composta por produtores(as). (FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2011)
Atualmente, a ARCA está em fase de registro como OPAC e conta com um primeiro projeto
aprovado pelo Banco do Nordeste com o objetivo de “Implantar no Estado do Ceará um
Sistema Participativo de Garantia com a constituição e fortalecimento do OPAC”. No
momento este projeto está em fase de execução.
“Os desafios deixados são: o registro da ARCA no Sistema Nacional de Produtos Orgânicos;
a formação de técnicos; a certificação dos(as) produtores(as) e o aumento de sócios e sua
participação efetiva.” (FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER, 2011)
3. METODOLOGIA
A presente pesquisa qualitativa teve como objetivo principal levantar os desafios para
implantação dos Sistemas Participativos de Garantia (SPG) no Estado do Ceará. O
levantamento foi realizado primeiramente a partir de pesquisa bibliográfica das principais
regulamentações sobre o assunto, acesso e consulta a documentos de constituição da ARCA,
como atas de reuniões, oficinas, assembleias, estatuto social, documentos de projetos
executados e em execução e consulta aos sites das principais organizações envolvidas com
certificação participativa, assim como consulta a artigos e trabalhos acadêmicos na área.
Para responder ao problema central do estudo, foram realizadas entrevistas com 06 técnicos,
todos envolvidos diretamente com a certificação orgânica, sendo 04 técnicos das principais
ONGs (Fundação Konrad Adenauer, NIC e SESEMAR) assim como 02 entrevistas com
integrantes dos órgãos governamentais, um representante da Superintendência Federal de
Agricultura do Estado do Ceará (SFA-CE) do Ministério da Agricultura (MAPA) e um
representante da Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará (SDA-CE).
Nessa fase, foram realizadas entrevistas pessoais individuais e em profundidade, a partir de
um roteiro semiestruturado. O roteiro foi composto por perguntas abertas relativas às
iniciativas de implantação dos Sistemas Participativos de Garantia no Estado do Ceará
dividido em 04 (quatro) blocos de assuntos, sendo o primeiro bloco sobre definição e origem
do sistema SPG, o segundo sobre a importância e benefícios do sistema SPG, o terceiro sobre
os principais desafios para implantação do SPG e o quarto e último bloco sobre as
perspectivas esperadas para o sistema SPG no Estado do Ceará. A duração das entrevistas
variou de 60 a 120 minutos. Todas as entrevistas foram gravadas para posterior transcrição e
análise. Para acompanhamento dos dados, foi utilizada a técnica denominada Análise de
Conteúdo.
Para Flick (2009), a análise de conteúdo, além de realizar a interpretação após a coleta dos
dados, desenvolve-se por meio de técnicas mais ou menos refinadas. Dessa forma, a análise
de conteúdo se vem mostrando como uma das técnicas de análise de dados mais utilizada no
campo da administração no Brasil, especialmente nas pesquisas qualitativas (Dellagnelo &
Silva, 2005).
Para a análise, as gravações em formato digital foram transcritas em sua íntegra. Em cada
entrevista, os temas e seus tópicos foram identificados, para facilitar sua localização. Em
seguida foi realizado um quadro que consolida todas as respostas de todos os entrevistados
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por blocos de assuntos. O quadro foi estruturado de acordo com os blocos de assuntos do
estudo, colocados pelos entrevistados. Assim, foi possível analisar o que cada entrevistado
respondeu para cada variável, facilitando a interpretação dos dados. Em seguida, as respostas
sobre cada assunto foram novamente agrupadas por semelhança no conteúdo, sendo
posteriormente classificadas e quantificadas. A análise foi realizada a partir dessas
classificações e das relações entre os conteúdos das respostas. Para ilustrar as análises das
questões, foram acrescentadas citações literais dos entrevistados.
4. LIMITAÇÕES AO ESTUDO
Antes de apresentar as conclusões da pesquisa, é importante enfatizar algumas limitações do
trabalho. A pesquisa em questão é de caráter descritivo e foi realizada através de entrevistas
com técnicos de ONGs e órgãos governamentais envolvidos com processo de certificação da
agricultura orgânica, contudo o estudo tem seu foco limitado, pois não são consideradas na
análise as percepções de consumidores e agricultores, mas simplesmente a dos agentes
técnicos de ONGs e órgãos governamentais envolvidos no processo.
5. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
5.1. Definição e Origem do SPG
O primeiro bloco está relacionado ao conceito de Sistemas Participativos de Garantia (SPG) e
as origens do sistema participativo no Ceará e no Brasil. Sobre o conceito de SPG, foi
abordado pelos entrevistados que a certificação participativa é uma alternativa à certificação
convencional, é uma construção coletiva com participação de várias pessoas no processo, é
um sistema dinâmico. Uma definição colocada por um dos entrevistados retrata bem essa
realidade: “Nesse sistema estão integrados os produtores, processadores, técnicos e
consumidores a partir de uma dinâmica social de interação de todos os envolvidos”. Outro
entrevistado afirma que o sistema “tem como função garantir a credibilidade do processo de
certificação orgânica realizada pela OCS, atuando de forma descentralizada, respeitando a
peculiaridade de cada comunidade e assegurando a qualidade da produção dentro dos critérios
estabelecidos pelas normas instituídas em âmbito nacional e/ou internacional”. A construção
do conceito por todos condiz totalmente com as definições encontradas no referencial teórico,
contudo um dos entrevistados ressalta uma posição importante: “Há no mercado uma
inconsistência, uma falta de compreensão do que é certificação participativa”, ou seja, por
mais que, para os técnicos, exista um entendimento sobre o conceito do que vem a ser uma
certificação participativa ou Sistema Participativo de Garantia, para muitas pessoas ainda não
está claro o significado do termo.
Em seguida o questionamento realizado procurou identificar o nível de conhecimento dos
entrevistados sobre as origens do sistema em nível local e nacional. O que se percebe é que
grande parte dos entrevistados atribui as origens às iniciativas no Sul do País, de instituições
como a ECOVIDA, rede agroecológica situada em três estados e com reconhecimento
internacional por seu trabalho pioneiro com certificação participativa. No nível local,
contemplando o Estado do Ceará, todos os entrevistados, de certa forma, relacionam a origem
do SPG ao Projeto AFAM – Agricultura familiar, Agroecologia e Mercado, que foi conduzido
pela Fundação Konrad Adenauer, segundo o trecho da entrevista:
“Há três anos nós começamos uma articulação estadual envolvendo várias entidades, a
Fundação Konrad Adenauer foi decisiva nesse processo, que, depois de várias capacitações
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realizadas por todo o Estado, funcionou como articuladora desse processo, onde houve o
entendimento de se criar uma OPAC que fosse feita para os agricultores e pelos agricultores e
então criamos a ARCA – Associação de Rede Cearense de Agroecologia”.
Esse conhecimento sobre as origens do SPG no Ceará condiz com a realidade encontrada, na
medida em que o projeto AFAM teve papel primordial no engajamento e articulação dos
atores sociais, com a realização de várias ações efetivas, como a criação de projetos, de
comissões estaduais e de sua maior conquista, na verdade uma conquista para todos os
pequenos agricultores familiares do Estado, que foi, sem duvida, a fundação da ARCA.
5.2. Importância e Benefícios do SPG
Sobre a importância do SPG e de seus principais benefícios, o ponto mais ressaltado foi o de
que ele “É uma forma mais acessível financeiramente, que permite o produtor certificar seus
produtos”. Isso traduz o principal benefício visto pela maioria, que é o ganho financeiro
traduzido em viabilidade para o pequeno agricultor, fazendo com o que o sistema
participativo seja inclusivo. Em seguida é ressaltado que o sistema proporciona uma
preservação da autonomia dos agricultores, na medida em que eles não ficam na dependência
de uma certificadora e que o sistema incentiva o associativismo na produção.
Vários outros benefícios são relatados pelos entrevistados, como a aproximação de forma
solidária entre agricultores e consumidores, adequada à realidade local, a permissão de um
processo pedagógico em que “os produtores se apoderam dos critérios dos produtos
agroecológicos”, o fomento do saber popular, a garantia da participação de todos os
envolvidos no processo de certificação, a apresentação de um produto carregado de
significado social e ambiental e a participação da sociedade como um todo no processo.
Além dos benefícios, foi indagado aos entrevistados quais os ganhos advindos com a
certificação participativa. Eles afirmaram que um dos principais ganhos é que a certificação
participativa traz uma “melhora na organização dos agricultores”. Com a certificação, os
agricultores acabam adquirindo um domínio maior sobre seu processo produtivo, sendo mais
eficientes, e, com técnicas, atingem uma maior produtividade nas suas propriedades. Outro
ganho relatado, dessa vez voltado para o consumidor, é um melhor acesso a produtos
saudáveis com preços comercializados de forma justa.
Em relação ao conhecimento e ao reconhecimento que o mercado tem do sistema SPG, existe
uma relativa concordância em afirmar que o sistema não é tão reconhecido. Um dos
entrevistados ressalta que o sistema “É reconhecido pelo MAPA, mais ainda não se trata de
uma ação efetiva”. Outro coloca que “No Sul, o processo é mais reconhecido”, o que
demonstra que ainda se trata de um tema novo tanto para o consumidor, quanto até para
técnicos da área e produtores.
5.3. Principais Desafios do SPG
Entre as perguntas realizadas, a referente aos “desafios do SPG” foi a que mais proporcionou
reflexões entre os entrevistados, demonstrando a dificuldade de evolução da certificação
participativa no Estado do Ceará. Foram identificados seis desafios centrais, citados abaixo:
- O perfil do Agricultor: Está relacionado ao perfil do pequeno agricultor familiar,
normalmente caracterizado com baixo índice de escolaridade. Além disso, o fator cultural
também influencia. Em um trecho da entrevista é dito que “o primeiro desafio é trabalhar com
o agricultor familiar; ele não tem uma essência, na sua cultura, os níveis de conhecimento
sobre o negócio”. Somado a isso, existe também a ausência de uma cultura local voltada para
o associativismo e cooperativismo, ao contrário do que acontece no sul do País, que teve uma
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colonização estrangeira que tem conceitos de união e solidariedade bem desenvolvidos. Essa
dificuldade é relatada no trecho: “por parte do agricultor, existe uma “dificuldade de interagir,
de trocar ideias, de trabalhar em conjunto. É um grande desafio”. Muitas vezes esse agricultor
está isolado, acaba por tornar-se cético quanto a absorção de novos conceitos, e fica com um
nível de entendimento muito baixo, com conceitos da agricultura convencional. Essas
preocupações refletem que essa fragilidade pode impactar no engajamento do agricultor, já
que é um processo participativo, podendo até colocar em risco a idoneidade na avaliação da
conformidade. Por fim, registram-se preocupações quanto ao êxodo rural ainda presente, que
esvazia o campo, fazendo com que os jovens busquem oportunidades na cidade, “o que
poderá trazer, no futuro, um colapso na agricultura familiar”.
- O papel do MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: O papel do
Ministério é essencial para a evolução do sistema participativo no Brasil, assim como no
Ceará. Dois trechos da entrevista merecem destaque: o primeiro é a “falta de ação ativa e
continuada do MAPA”, o que retrata ações pontuais e não evolutivas; outra que merece muito
destaque é que “os entraves burocráticos no âmbito do MAPA para o registro da OPAC são os
maiores desafios para o SPG”. Essa afirmação tem grande importância, pois o registro da
OPAC da ARCA é hoje efetivamente o ponto-chave para a evolução do SPG no Estado,
enquanto a OPAC não estiver sido autorizada pelo ministério, não existirá nenhuma
propriedade certificada pelo sistema participativo no Estado. Além disso, são relatadas
deficiências do corpo técnico como a “falta de assessoria por parte do MAPA, que não dispõe
de técnicos suficientes” e que a “assistência técnica oficial não funciona, até porque muitos
técnicos não têm nem conhecimento sobre certificação”, São ainda relatadas deficiências
como falta de estrutura, ausência de campanhas de conscientização sobre os produtos
orgânicos, ausência de campanhas de esclarecimento sobre os tipos de certificação com
amplitude local, regional e nacional. Há também questões relacionadas a políticas internas
que dificultam o desenvolvimento como: “a divisão da Política do Governo em Agricultura
Familiar e Agroecologia de um lado e Agronegócio do outro não anda”. Essas foram algumas
das reflexões realizadas pelos entrevistados.
- O apoio do Governo: A falta de incentivo por parte do Governo pode ser entendida nas três
esferas, não excluindo o MAPA. As maiores demandas aqui ressaltadas pelos entrevistados
estão no âmbito estadual como: “no Ceará é complicado porque não existem recursos nem
apoio pelo governo” ou ainda: “falta de apoio às ONGs sérias para desenvolver um trabalho
sobre o SPG” e complementado por: “Não existe política pública estadual a relacionada ao
SPG”. Ainda há comentários sobre a falta de estrutura, carência de ações concretas e
informações disponíveis nos órgãos estaduais,
- Certificação Orgânica: outro assunto que foi bastante comentado pelos entrevistados foi o
desconhecimento do agricultor sobre o processo de certificação orgânica. Em “o agricultor
precisa entender o que é a certificação orgânica”, foi visto que o pequeno produtor não
conhece e não consegue diferenciar os três mecanismos de avaliação da conformidade
regulamentados no País, entre eles o de certificação participativa.
- Projetos: Recursos Financeiros Intermitentes: outro desafio levantado é exatamente a
sobrevivência das ONGs e instituições que promovem o SPG no Ceará, que hoje dependem
exclusivamente de recursos oriundos de projetos captados junto aos órgãos governamentais,
em que o recebimento de recursos se dá por etapas. Entre o intervalo dessas etapas, que chega
a longos períodos, essas instituições, por conta da morosidade burocrática, ficam desassistidas
sendo obrigadas a interromper os trabalhos de assistência técnica aos agricultores no meio do
processo. Isso traz consequências negativas para a credibilidade dos projetos. “Essas pausas
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nos projetos para prestação de contas gera uma falta de credibilidade nas ONGs, isso reflete
muito no resultado do trabalho, você vem em um ritmo de acompanhamento interessante e, de
repente, tem que avisar ao agricultor que vai dar um tempo”. Uma sugestão também é
encontrar um projeto mais amplo que traga sustentabilidade à ARCA: “precisa de um projeto
para poder pagar técnicos e uma administração para o SPG funcionar”.
- Articulação das Entidades: o último desafio mencionado diz respeito ao grau de articulação
de todos os interessados, sejam eles instituições governamentais, ONGs, associações,
agricultores, consumidores ou sociedade civil, com o intuito de promover a consolidação do
SPG. Exemplos citados dessa falta de articulação são: “existem desafios institucionais, um
deles é a Comissão Estadual de Produção Orgânica se fazer mais presente” ou ainda “falta de
uma maior participação das entidades parceiras da ARCA o que dificulta o andamento do
projeto, muitas dessas instituições nunca aparecem” e, por fim, “é um desafio também para os
Ministérios, não somente um ministério, a lei envolve o de Desenvolvimento Agrário, Saúde,
Meio Ambiente, MAPA, é preciso união para a coisa acontecer”. Nos exemplos citados,
percebe-se a necessidade de integração e participação para o desenvolvimento do SPG.
5.4. Perspectivas para o SPG
Para concluir as entrevistas, foi questionado que resultados significativos foram construídos
até o momento. A resposta mais representativa foi a de “construção e criação da ARCA como
associação”. Isso demonstra a importância da criação da associação para posterior
formalização como OPAC viabilizando todo o processo de certificação participativa dos
agricultores. Também foram citados outros fatores, como as oficinas de SPG realizadas, a
criação das comissões estaduais, a construção de várias OCS de fato, não de direito ainda, ou
seja, ainda não estão registradas no MAPA mas já funcionam no Estado, a constituição da
ABABRIO – Associação Brasileira da Agricultura Familiar Orgânica, Agroecológica e
Agroextrativista com participação de algumas ONGs localizadas no Estado do Ceará,
fortalecendo mais ainda o movimento, como foi citado em: “foram construídas as bases para o
sistema iniciar o com o envolvimento de ONGs, técnicos e produtores em 07 regiões”.
Quando perguntados sobre as perspectivas para o sistema SPG, todos acreditam que
acontecerá, mas têm ciência de que será um processo que levará tempo para acontecer, “será
um processo longo e demorado, muitos agricultores ainda não vislumbram o mercado
orgânico e isso virá com o tempo”. Também afirmam que irá “depender do compromisso das
ONGs e dos técnicos que fazem parte da ARCA”. É visto que o sistema ainda é muito frágil,
principalmente por parte dos agricultores, e que o sistema só será consolidado a partir do
momento em que os agricultores estejam “fortes”, o que significa que eles estejam
participando das discussões, articulando-se e realizando a operacionalização da certificação
participativa. A ARCA só terá sentido construída “para o agricultor e pelo agricultor”.
Sobre a percepção dos técnicos acerca de se os problemas e desafios serão superados, todos
acreditam que sim, têm esperança de que serão superados. Mais uma vez é mencionado que
“depende de um compromisso mais sério dos governos estaduais, federais e também
municipais em apoiar a proposta”. É visto que é necessário esse apoio governamental para que
os desafios possam ser superados.
A última pergunta realizada na entrevista teve o objetivo de levantar a opinião dos
entrevistados sobre o que precisa ser feito para a implantação do SPG no Estado do Ceará e o
que foi mais ressaltado foi: “o registro da OPAC é fundamental para validar qualquer
processo de certificação participativa”, o que fortalece o entendimento de que o registro da
ARCA como OPAC deve ser uma prioridade a ser reconhecida por todos os interessados, o
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que proporcionará um grande salto para o SPG no Estado. Também citado foi a “necessidade
de um projeto maior para financiamento para dar um impulso na OPAC”, evitando que o
projeto seja suspenso por falta de recursos. Outros dois pontos informados foram: prover o
conhecimento sobre SPG a todos os interessados e fomentar a articulação das instituições.
Segue um quadro que consolida as citações dos entrevistados sobre as questões abordadas:
Quadro - Blocos de Assuntos – Consolidação das Entrevistas
Definição e Origem do SPG
O que é SPG? O que você entende
• “O Sistema Participativo de Garantia é um sistema envolvendo
por SPG?
produtores, consumidores e técnicos envolvidos no processo da
certificação orgânica e tem como função garantir a
credibilidade do processo de certificação orgânica realizada
pela OCS, atuando de forma descentralizada, respeitando a
peculiaridade de cada comunidade e assegurando a qualidade
da produção dentro dos critérios estabelecidos pelas normas
instituídas em âmbito nacional e/ou internacional”.
De quem foi a idéia da implantação
• “No Estado do Ceará a discussão sobre o SPG foi parte do
do SPG? Como começou?
projeto AFAM”
Importância e Benefícios do SPG
Qual a importância e os benefícios
• “É uma forma mais acessível financeiramente que permite o
do sistema de Certificação
produtor certificar seus produtos”
Participativa em Rede (SPG)?
• Incentivar o Associativismo na Produção
• Preservação da autonomia dos produtores
Existem ganhos com a certificação
• Melhorar a organização entre os agricultores
SPG? Quais seriam esses ganhos?
• “Os consumidores ganham contato como o campo e um melhor
acesso a produtos saudáveis e frescos a um preço melhor “
O mercado conhece e reconhece os
• “Alguns mercados não reconhecem a certificação participativa
ganhos da certificação SPG?
Principais Desafios do SPG
Quais os principais desafios para
• O perfil do Agricultor
implantação do SPG em sua região
• O papel do MAPA
e no Estado do Ceará?
• O apoio do Governo
• Certificação Orgânica
• Projetos: Recursos Financeiros Intermitentes
• Articulação das Entidades
Entre os desafios apresentados para
• Registro da ARCA como OPAC pelo MAPA
implantação do SPG em sua região
e no Estado do Ceará, qual o
principal? Ele existe? E por que?
Perspectivas para o Futuro do
SPG
Quais os resultados mais
• Construção e Formalização da ARCA como associação”
significativos alcançados até o
momento?
Como o Sr(a) vê o futuro do
• “Depende do compromisso das ONGs e dos técnicos que fazem
sistema de SPG em sua região e no
parte da ARCA
Estado do Ceará?
•
“Acontecerá no longo prazo, os agricultores precisam estar
fortes”, “não adiantar criar uma ARCA excluindo o agricultor”
Acredita que os problemas e
•
“Depende de um compromisso mais sério dos governos
desafios serão superados?
estaduais, federais e também municipais em apoiar a proposta”
Na sua opinião o que precisa ser
• Reconhecimento da ARCA como OPAC
feito para implantação do SPG em
• “Necessidade de um projeto maior para financiamento coerente
sua região e no Estado do Ceara?
para dar um impulso na OPAC”
Figura 05 – Quadro – Blocos de assuntos – Consolidação das Entrevistas
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Fonte: Elaborada com base em entrevistas com técnicos
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados neste trabalho evidenciam que o modelo de Sistemas
Participativos de Garantia (SPG) está em processo de desenvolvimento no Estado do Ceará.
Baseado nas informações obtidas no estudo, fica fácil refletir e perceber a importância que o
modelo de Certificação Participativa tem para agricultura familiar, principalmente quando
falamos nos mais pobres, nos mais carentes e excluídos dos grandes mercados.
A adoção de uma certificação alternativa, mais direcionada à realidade do pequeno agricultor
familiar, condizente e ajustada com as necessidades locais, não traz somente benefícios
econômicos, por mais que sejam os mais atrativos aos olhos de uma família que tem sua
subsistência a partir do que produz na sua pequena propriedade. Ela também resulta em
benefícios como o compartilhamento e a multiplicação de princípios agroecológicos, que vão
além do uso ecológico preconizado pela agricultura orgânica, também sendo uma alternativa
mais justa, sustentável, inclusiva e solidária.
O estudo levantou os principais desafios para a implantação do SPG no Estado do Ceará,
cujos desafios não são poucos e não estão concentrados em uma área específica, mas formam
um conjunto interdependente. As primeiras dificuldades estão relacionadas ao perfil do
agricultor familiar, que precisa de mais suporte e de mais conhecimento para que haja uma
mudança de postura e um maior comprometimento no processo participativo.
O segundo desafio, que pode ser considerado o mais impactante para o momento atual do
SPG no Ceará, é o processo de registro da ARCA como OPAC. Isso faz questionar o atual
papel exercido pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) junto aos
agricultores, às associações e às ONGs comprometidas com o processo de certificação. O
terceiro e quarto pontos levantados foram a falta de apoio do Governo e o desconhecimento
dos diversos públicos sobre o processo de certificação orgânica. Por fim, o quinto e sexto
desafios foram os recursos para os projetos, que são escassos e intermitentes, e a dificuldade
de uma efetiva articulação entre todas as instituições interessadas na certificação participativa.
O que pôde ser compreendido e interpretado além das entrevistas, visitas e documentos
consultados foi que, primeiramente, há um desencontro de informações e que o conhecimento
não circula, como deveria, com agilidade entre os atores sociais envolvidos e não se encontra
onde, principalmente, deveria estar: na mente dos produtores e consumidores.
Também é bom ressaltar que a regulamentação dos produtos orgânicos em nosso mercado
brasileiro é muito recente, e mudanças culturais não acontecem de forma abrupta. Aos poucos
vão sendo absorvidas quando ganham credibilidade, porque, como já dito, a certificação
participativa não é simplesmente a implantação de um selo orgânico em um produto para sua
comercialização ao mercado, vai muito além disso: é uma mudança de postura e de
comportamento que trará benefícios para produtores e consumidores.
Com um sistema de agricultura familiar representativo em números, mas fragilizado em
organização, com pequenos produtores de poucos recursos, sem formação e sem a cultura do
associativismo e do cooperativismo, com a ausência de políticas mais integradas e efetivas
das três esferas governamentais mais próximas, com a falta de projetos que disponham de
recursos financeiros apropriados que permitam sustentabilidade da ARCA e dos trabalhos
contínuos das ONGs e, por fim, com a lacuna de uma articulação necessária, como preconiza
o próprio conceito de Sistema Participativo de Garantia, ficará inviável qualquer iniciativa
isolada dentro desse contexto.
Espera-se que o presente estudo possa contribuir para um fortalecimento do Sistema
Participativo de Garantia, na medida em que procurou levantar os principais desafios para
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implantação do sistema participativo no Estado do Ceará, entendendo o conceito e a
importância do SPG, sua origem, seus principais benefícios, seus ganhos e suas perspectivas,
e que, a partir disso, tomem-se ações concretas que solucionem os problemas atuais.
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