A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES INDENIZATÓRIAS POR DANO
DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
Rafael Corrêa Braz1
RESUMO
A Emenda Constitucional n. 45/2004 trouxe a ampliação da competência afeta
à Justiça do Trabalho, brotando discussões e criando divergências em nossos
tribunais e entre doutrinadores. O ponto divergente da presente pesquisa se
resume a natureza do prazo prescricional a ser aplicado, se de direito comum
ou de direito especializado. Este trabalho tem como objetivo o estudo das
ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho focando esse
aspecto, ou seja, as controvérsias que advieram desta alteração, no tocante ao
prazo prescricional a ser adotado. Formaram-se três correntes de
entendimento: a primeira defendendo a aplicação do prazo prescricional
trabalhista; a segunda pugnando pela aplicação dos prazos do Código Civil; e a
derradeira difundindo a tese da imprescritibilidade da pretensão reparatória.
Aplicando-se simplesmente a letra fria da lei às ações mencionadas, aquelas
propostas até a EC n.45/2004 receberiam os prazos civis, e as ajuizadas após
dezembro de 2004 o prazo trabalhista. No entanto, o dinamismo que impera no
Direito impediu que assim o fosse, criando regras de transição no intuito maior
de garantir a segurança jurídica e minimizar as injustiças. O artigo tem como
principais referenciais teóricos OLIVEIRA, LEAL, BEVILÁQUA, RIZZARDO,
PEREIRA, BRANDÃO, GAGLIANO, SAMPAIO, DINIZ, AMARAL, THEODORO
JUNIOR, MELO, ALENCAR, TEPEDINO, MAIOR, DAL COL, GEHLING e
MARCA.
PALAVRAS-CHAVE: Acidente de Trabalho; Dano; Prescrição.
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho tem como objetivo a proteção aos direitos do
trabalhador, que são, na maioria, de ordem pública, portanto, irrenunciáveis. No
entanto, tal proteção depara-se com o instituto da prescrição.
1
Acadêmico em Direito da Escola de Direito e Relações Internacionais das
Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil.
O presente artigo tem por meta estudar a prescrição sob o foco das
ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho, ressaltando a
importância da proteção à vida humana e buscando compreender a natureza
da responsabilidade do empregador frente ao dano causado ao empregado.
O Direito é uma ciência que tem por escopo primordial o estudo da lei
e das normas de convivência. Na medida em que a sociedade evolui, cabe a
ele acompanhar as transformações, não podendo se comportar de maneira
estática, pois é ele quem dá o suporte necessário às relações humanas.
Sendo assim, a análise do tema deve ser feita paralelamente à sua
evolução no tempo, notadamente após as alterações advindas com a Emenda
Constitucional n. 45, de dezembro de 2004.
Neste contexto, o objetivo fundamental da exposição é o de propiciar
uma resposta à seguinte questão: para as espécies de ações que passaram a
ser do conhecimento e julgamento da Justiça Trabalhista, qual a natureza do
prazo prescricional a ser aplicado, se de direito comum ou de direito
especializado?
O estudo proposto demanda uma metodologia preponderantemente
dedutiva com fundamentação em pesquisa doutrinária e legislativa relativa ao
assunto.
Assim sendo, essa pesquisa ingressa na prescrição relacionada às
ações indenizatórias por danos decorrentes de acidente de trabalho. Ao longo
desse estudo surgirão divergências, que se resumem aos seguintes pontos: o
deslocamento da competência para o julgamento de tais espécies de ações, do
âmbito da Justiça Comum para a Justiça do Trabalho, e seus reflexos na
questão prescricional, ou seja, na definição de qual será a espécie do prazo a
ser aplicado, se de natureza civil ou trabalhista.
Antes
de
adentrarmos
nessa
discussão
propriamente
dita,
apresentaremos os temas prescrição e decadência e sua diferenciação,
passando à identificação da natureza dos créditos decorrentes das ações
reparatórias em voga e das correntes que se formaram sobre o assunto.
Dedica-se especial análise as transformações ocasionadas na
aplicação dos prazos prescricionais oriundas da mencionada alteração de
competência, das correntes de entendimento que vieram a polemizar ainda
mais a questão e das opiniões de diversos juristas, enfatizando a todo tempo
os posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça.
Portanto, a presente pesquisa priorizará o estudo do instituto da
prescrição, suas formas de aplicação depois da Emenda Constitucional n.
45/2004, verificando por fim os efeitos que tais mudanças causaram nas ações
reparatórias de danos oriundos de acidente de trabalho.
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
A prescrição é um instituto aplicado aos diversos ramos do Direito na
medida em que trabalha os efeitos do tempo nas relações jurídicas, tendo por
objetivo proporcionar-lhes estabilidade. Não haveria lógica eternizar uma
demanda,
tampouco
segurança
jurídica
aos
litigantes,
que
viveriam
eternamente o medo de sofrer uma ação judicial.2
Câmara LEAL conceitua a prescrição como sendo a “extinção de uma
ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de
tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”.3
Segundo Clóvis BEVILÁQUA a "prescrição é a perda da ação atribuída
a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do nãouso delas, durante um determinado espaço de tempo."4
Aduz Arnaldo RIZZARDO que “domina no direito brasileiro a teoria
alemã da prescrição, que a considera como a perda da ação atribuída a um
direito.”5
Consoante Caio Mário da Silva PEREIRA, “a prescrição é o modo pelo
qual se extingue um direito (não apenas a ação) pela inércia do titular durante
certo lapso de tempo”.6
2
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Prescrição nas ações Indenizatórias Decorrentes
de Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. Revista do Tribunal Regional do Trabalho
da 15ª Região. São Paulo, n. 28, p. 43-72, 2006, p. 54.
3
LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 12.
4
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
Rio, 1980, p. 286.
5
RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil: Lei n. 10.406, de 10.01.2002.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 609.
6
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v.1, 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 435.
A partir da leitura das definições colocadas chega-se de imediato a
uma primeira conclusão: não há unanimidades entre os autores acerca de
quais elementos a prescrição, uma vez consumada, atinge, se a ação ou o
direito de ação, ou ambos.
Segundo Mônica de Amorim Torres BRANDÃO, diante da redação do
artigo 189 do Código Civil, não há mais a possibilidade de existir dúvida acerca
do tema, tendo em vista a clareza com que referido dispositivo legal estabelece
que a consumação da prescrição acarretará a extinção da pretensão.7
Ressalta a doutrinadora que não se pode confundir os conceitos de
direito de ação e pretensão, na medida em que o direito de ação refere-se ao
meio processual através do qual se busca junto ao Poder Judiciário a tutela
jurisdicional, ao passo que a pretensão é a intenção de subordinar interesse
alheio ao próprio.8
Posicionamento
adotado
pelos
doutrinadores
seguintes
ao
conceituarem a prescrição.
Para Pablo Stolze GAGLIANO e Rodolfo PAMPLONA FILHO, “a
prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude
da inércia do seu titular, no prazo previsto em lei”.9
Rossana Tália Modesto Gomes SAMPAIO, no mesmo contexto, ensina
que “a prescrição constitui instituto de direito material através do qual se
extingue a pretensão surgida a partir da violação do Direito, em razão do
interessado não a exercer, dentro de determinado lapso temporal”.10
Em arremate, Maria Helena DINIZ afirma que “o que caracteriza a
prescrição é que ela visa a extinguir uma pretensão alegável em juízo por meio
de uma ação, mas não o direito propriamente dito”.11
Superada a controvérsia inicial, e diante de todas essas definições,
podemos enumerar os quatro requisitos para que se configure a prescrição: a
7
BRANDÃO, Mônica de Amorim Torres. Responsabilidade civil do empregador
no acidente do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 91.
8
Idem.
9
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito
civil: parte geral. v. 1, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 498.
10
SAMPAIO, Rossana Tália Modesto Gomes. A prescrição nas ações indenizatórias
por dano decorrente de acidente de trabalho. Revista do tribunal Regional do trabalho da 7ª
Região. Jan./Dez., 2006, p. 93.
11
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 1, 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 338.
existência de uma pretensão, a inércia do titular da ação que não a exerce, a
continuidade desta inércia por um período prefixado em lei, e, por fim, a
ausência de fato ou ato a que a lei confira eficácia impeditiva, suspensiva ou
interruptiva de curso prescricional.12
Passa-se agora ao estudo da decadência que, não obstante tenha
algumas semelhanças com o instituto da prescrição, não se confunde com ela.
Caio Mário da Silva PEREIRA conceitua decadência como “o
perecimento do direito, em razão do seu não-exercício em um prazo
predeterminado”.13
Para Arnaldo RIZZARDO “a decadência atinge diretamente o direito,
fazendo desaparecer as ações que eram previstas para a proteção ou para
invocar o direito.”14
Francisco AMARAL leciona que “decadência é a perda do direito
potestativo pela inércia do seu titular no período determinado pela lei”. 15
Essa é a primeira separação que se coloca entre a prescrição e a
decadência, qual seja, a aplicação aos direitos potestativos das normas
pertinentes à decadência, descrita de forma primordial por Humberto
THEODORO JÚNIOR:
Se a prescrição é a perda da pretensão (força de reagir contra a violação do direito
subjetivo), não se pode, realmente, cogitar de prescrição dos direitos potestativos.
Estes nada mais são do que poderes ou faculdades do sujeito de direito de provocar
a alteração de alguma situação jurídica. Neles não se verifica a contraposição de
uma obrigação do sujeito passivo a realizar certa prestação em favor do titular do
direito. A contraparte simplesmente está sujeita a sofrer as conseqüências da
inovação jurídica. Por isso, não cabe aplicar aos direitos potestativos a prescrição:
não há prestação a ser extinta, separadamente do direito subjetivo; é o próprio direito
potestativo que desaparece, por completo, ao término do prazo marcado para seu
16
exercício.
A segunda diferença que pode ser apontada é com relação ao objeto.
O objeto da decadência é o direito, ao passo que na prescrição o objeto é a
pretensão alegável em juízo por meio de uma ação.17
12
Ibidem, p. 339.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 440.
14
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 676.
15
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 579.
16
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. v. 3, t. 2.
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 344.
17
DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 359
13
O prazo de decadência pode ser estabelecido por lei ou pela vontade
das partes, o de prescrição somente pode ser fixado por lei. A prescrição supõe
uma ação de origem distinta em relação ao direito, ao passo que a decadência
supõe uma ação cuja origem é idêntica à do direito. A decadência resultante de
prazo prefixado legalmente não pode ser renunciada pelas partes, em
momento algum, sendo que a prescrição, após sua consumação, poderá ser.
Na prescrição a contagem do prazo é iniciada após a violação do direito, e na
decadência desde o momento do seu nascimento.18
Com relação às semelhanças entre os dois institutos, pode-se afirmar
que se aproximam sob três aspectos: pela natureza, pelo fundamento e pelos
fatores determinantes. Quanto à natureza, constituem-se causa e disciplina de
extinção de direitos. Quanto ao fundamento, ambos têm por objetivo a
preservação da paz social, da certeza e segurança jurídica. Com relação aos
fatores determinantes, tanto a prescrição como a decadência consumam-se
pelo decurso do tempo aliado à inércia do titular do direito.19
Com base nas considerações expostas acima, passa-se a analise da
natureza dos créditos decorrentes da reparação por dano na esfera da Justiça
do Trabalho.
2 NATUREZA DOS CRÉDITOS DECORRENTES DA REPARAÇÃO POR
DANOS
A partir da analise da natureza dos créditos, formaram-se dois
posicionamentos: o primeiro que defende a natureza civil de tais créditos, e um
segundo que afirma serem de natureza trabalhista.
Para aqueles que defendem que a natureza dos créditos indenizatórios
decorrentes de acidente de trabalho são de origem civil, dois são os
fundamentos invocados.20
O primeiro baseia-se na idéia de que tais créditos nada mais são do
que uma indenização compensatória pela lesão acarretada ao patrimônio moral
do empregado, considerando para isso o instituto da responsabilidade civil do
18
DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 359-360.
AMARAL, Francisco. Op. cit., p. 580.
20
BRANDÃO, Mônica de Amorim Torres. Op. cit., p. 93.
19
empregador prevista nos artigos 5º, incisos V e X, e 7º, inciso XXVIII, da
Constituição Federal, e também nos artigos 186 e 927 do Código.21
O Procurador do Trabalho Raimundo Simão de MELO, para quem o
dano causado (seja ele material, moral ou estético) possui caráter pessoal, na
medida em que traz prejuízo à vida, à saúde, à imagem e à intimidade do
cidadão trabalhador, direitos estes assegurados pela Constituição Federal,
defende que os créditos decorrentes de acidentes de trabalho têm natureza
civil. Assim, aplicar-se-ia o prazo prescricional previsto no artigo 206, parágrafo
3º, inciso V, do Código Civil de 200222, às pretensões indenizatórias.23
Deve-se atentar para o fato de que a natureza civil do crédito não
implica necessariamente na adoção das regras de competência dispostas no
Código Civil. Lecionando neste sentido, BRANDÃO afirma que “a vinculação do
prazo prescricional a ser aplicado com as regras de competência material é
equivocada, pois a natureza dos institutos é diversa: prescrição é instituto de
Direito Material, enquanto competência é instituto de Direito Processual”. 24
O mesmo raciocínio foi seguido pelo Ministro do Tribunal Superior do
Trabalho, Lélio Bentes Corrêa, ao proferir julgamento ao recurso de revista nº
08871, em 16 de fevereiro de 2004.25 Da leitura dessa decisão, constata-se
que não obstante a natureza civil do pedido reparatório, a competência para
julgá-lo recaiu na justiça trabalhista, reforçando a tese exposta.
21
Idem.
Código Civil. Art. 206. Prescreve: parágrafo 3º. Em três anos: V – a pretensão de
reparação civil.
23
MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do trabalho e a saúde do
trabalhador. São Paulo: LTr, 2004, p. 463.
24
BRANDÃO, Mônica de Amorim Torres. Op. cit., p. 93.
25
INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. Observada a natureza civil
do pedido de reparação por danos morais, pode-se concluir que a indenização deferida a tal
título em lide cujo trâmite se deu na Justiça do trabalho, não constitui crédito trabalhista, mas
crédito de natureza civil resultante de ato praticado no curso da relação de trabalho. Assim,
ainda que justificada a competência desta especializada para processar a lide não resulta daí,
automaticamente, a incidência da prescrição trabalhista. A circunstancia de o fato gerador do
crédito de natureza civil ter ocorrido na vigência do contrato de trabalho, e decorrer da prática
de ato calunioso ou desonroso praticado por empregador contra trabalhador não transmuda a
natureza do direito, uma vez que o dano moral se caracteriza pela projeção de um gravame na
esfera da honra e da imagem do individuo, transcendendo os limites da condição de
trabalhador ofendido. Dessa forma, aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional de 20 anos
previsto no artigo 177 do código Civil, em observância ao artigo 2.028 do novo Código Civil
Brasileiro, e não previsto no ordenamento jurídico-trabalhista, consagrado no artigo 7º, XXIX da
Constituição federal. Embargos conhecidos e providos. (TST, SDI I, E RR 08871/2002-900-0200-4, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, J. 16.02.2004, DJ 05.03.2004).
22
Em
atenção
ao
colocado
inicialmente,
existe
um
segundo
posicionamento que defende a aplicação do prazo prescricional trabalhista às
ações indenizatórias em razão de acidente de trabalho, o qual busca
fundamento no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal26.
Dentre aqueles que adotam essa posição, merece destaque o ilustre
professor Sebastião Geraldo de OLIVEIRA, que assevera ser de natureza
trabalhista todos aqueles créditos decorrentes das reparações por danos que
se originam de uma relação jurídica existente entre empregado e empregador.
Ou seja, decorrendo o dano de uma relação jurídica existente entre empregado
e empregador, a natureza do crédito será necessariamente trabalhista.27
Adepto a esse posicionamento, GARCIA, utilizando-se das regras de
hermenêutica jurídica, afirma que havendo disposição mais específica
regulando o caso concreto, esta deverá prevalecer perante a regra genérica.
Assim, defende a aplicação da norma inserta no artigo 7º, inciso XXIX, da
Constituição Federal, pois os créditos decorrentes de indenização devida em
virtude de acidente do trabalho ou doença ocupacional nada mais são do que
créditos resultantes do próprio contrato de trabalho, do qual se originam.28
Discussões à parte, o mero posicionamento formal de uma norma legal
não pode ser considerado um critério para estabelecer o prazo prescricional
aplicável. Neste sentido, pode-se entender a responsabilidade civil como
princípio ligado a todos os ramos do Direito.29
A natureza dos créditos decorrentes da reparação de danos pode ser
definida tanto no âmbito civil como no trabalhista. Como visto, na esfera civil
baseando-se em aspectos pessoais, como o prejuízo à saúde ou à própria vida
do trabalhador, direitos assegurados pela Constituição Federal, e na esfera
trabalhista tendo por fundamento a relação jurídica que vincula empregado e
empregador.
26
Artigo 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das
relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e
rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
27
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidentes do trabalho ou
doença ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 276.
28
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., p. 33.
29
Ibidem, p. 34.
O entrave aqui apresentado revela-se importante na medida em que
será a natureza do crédito que irá determinar o prazo prescricional a ser
aplicado. Passa-se à análise das correntes que se formaram sobre este tema.
3 CORRENTES ACERCA DO PRAZO PRESCRICIONAL
Apresentada
a
divergência
acerca
da
natureza
dos
créditos
decorrentes de indenização por acidente de trabalho, outro ponto que não se
encontra pacificado é o referente ao prazo prescricional a ser aplicado a esta
espécie de ação.
Três correntes surgiram no intuito de explicitar a questão.
A primeira corrente sustenta que o prazo de prescrição para o
ajuizamento das ações indenizatórias em razão de danos oriundos de acidente
de trabalho é aquele previsto no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal,
ou seja, de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho. Defende, portanto, a aplicação dos prazos prescricionais previstos na
legislação trabalhista.30
Argumentam seus adeptos que se o dano teve origem na própria
relação de trabalho, lato ou stricto senso, e sendo a Justiça do Trabalho
competente para processar e julgar tais ações indenizatórias, nada mais justo
que a aplicação dos prazos prescricionais trabalhistas às pretensões desta
natureza.31
Gustavo TEPEDINO ressalta que “todos os institutos do direito civil, a
rigor, foram perdendo a estrutura abstrata e generalizante, em favor de
disciplinas legislativas cada vez mais concretas e específicas”.32
No mesmo sentido assevera OLIVEIRA, que defende a aplicação do
prazo prescricional trabalhista, tendo em vista a previsão de regra específica,
não havendo que se invocar preceito jurídico de ordem geral, como é o caso do
Código Civil, cuja aplicação ocorre de forma subsidiaria. Ressalta por fim a
30
SAMPAIO, Rossana Tália Modesto Gomes. Op. cit., p. 94.
Idem.
32
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001, p. 200.
31
importância de se determinar a natureza da relação jurídica ou do dever
jurídico violado para aplicar a prescrição correspondente.33
Ademais, diante do contido do artigo 8º da Consolidação das Leis do
Trabalho34, o direito comum é fonte subsidiária, aplicando-se unicamente na
hipótese de ausência de norma própria da esfera trabalhista.
Leciona ALENCAR que “a norma constitucional que prevê a prescrição
trabalhista, ao encerrar um único prazo prescricional para as pretensões
deduzidas perante a Justiça do Trabalho, não permite a invocação de outros
prazos fixados pelo diploma civil”.35
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou nesse sentido, adotando
expressamente a natureza trabalhista da indenização decorrente do acidente
de trabalho. Para exemplificar cito trecho de um acórdão em que foi resolvido
um conflito de competência:
Ora, um acidente de trabalho é fato ínsito à interação trabalhador/empregador. A
causa e seu efeito. Porque sem o vínculo trabalhista o infortúnio não se configuraria;
ou seja, o acidente só é acidente de trabalho se ocorre no próprio âmago da relação
laboral. A possibilitar a deflagração de efeitos morais e patrimoniais imputáveis à
responsabilidade do empregador, em regra, ora por conduta comissiva, ora por
comportamento omissivo. (...) Vale dizer, o direito à indenização em caso de acidente
de trabalho,quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, vem enumerado no
art.7º da Lei Maior como autêntico direito trabalhista. E como todo direito trabalhista,
é de ser tutelado pela Justiça especial, até porque desfrutável às custas do
36
empregador (nos expressos dizeres da Constituição.
Ademais, não se pode entender pela aplicação da prescrição de ordem
civil porque, conforme leciona Jorge Luiz Souto MAIOR: “se a indenização por
acidente de trabalho não está, expressamente, mencionada em um dos
33
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. cit., 2006, p. 57.
Consolidação das Leis do Trabalho: Art. 8º. As autoridades administrativas e a
Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso,
pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito,
principalmente do direito de trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direto
comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça
sobre o interesse público.
Parágrafo único. O direto comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo
em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
35
ALENCAR, Eduardo Fornazari. Op. cit., p. 106-127.
36
Acórdão do Supremo Tribunal Federal, n. 7.204/MG – Conflito de Competência.
Disponível: http://www.mp.rs.gov.br/areas/civel/arquivos/acordao_conflito_de_competencia.pdf.
Acesso em: 18 abr. 2009.
34
parágrafos do art. 206, do Código Civil, não pode o intérprete fazer esta ilação
por analogia ou interpretação extensiva”.37
A segunda corrente entende que a razão da reparação de dano
decorrente de ato ilícito fundamenta-se na responsabilidade civil, aplicando-se
assim o prazo prescricional adequado previsto no Código Civil.
Leciona Helder Martinez DAL COL que “os danos oriundos do acidente
de trabalho não se inserem no conceito de créditos resultantes das relações de
trabalho. Pelo contrário. Trata-se de gravames pessoais sofridos e decorrência
de fatores que desequilibram o desempenho normal do trabalho e constituem
anomalia em face das relações de trabalho”.38
Com enfoque semelhante, Raimundo Simão de MELO assevera que:
A reparação por danos pessoais (moral, material ou estético) decorrentes de
acidente do trabalho constitui direito humano fundamental de índole constitucional e
não mero direito de índole trabalhista ou civil. Desse modo, por inexistir norma
expressa sobre o prazo de prescrição das respectivas pretensões, aplicam-se
subsidiariamente os prazos previstos na lei civil: vinte anos para as ofensas ocorridas
até 9.1.2003 (CC de 1916, art.177) e 10 anos para as ofensas ocorridas a partir de
39
10.1.2003 (CC de 2002, art. 205).
No entanto, a proposta de aplicação da prescrição civil apresenta uma
divergência, deparando-se com dois possíveis prazos a serem aplicados: o
prazo geral de 10 (dez) anos, com fulcro no artigo 205 de Código Civil, ou o
prazo especial de 03 (três) anos, previsto no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V,
do mesmo diploma legal. Desta divergência surgem duas teorias.
A primeira teoria civilista, que pugna pela aplicação do prazo geral de
10 (dez) anos, afirma ser a ação reparatória de dano uma ação de natureza
pessoal, não se incluindo na reparação civil pura e simples, pois seria uma
espécie peculiar de indenização que não estaria prevista no inciso V, parágrafo
3º, do artigo 206 do Código Civil40. Assim, não existindo norma específica a
regulamentar tal espécie de ação, o correto seria a incidência do prazo geral. 41
37
MAIOR, Jorge Luiz Souto. A prescrição do direito de ação para pleitear
indenização por dano moral e material decorrente de acidente do trabalho. Revista LTr, v. 70,
n. 05, Maio, 2006, p. 541.
38
DAL COL. Helder Matinez. A prescrição nas ações indenizatórias por acidente do
trabalho no Código Civil de 2002. In: Revista RT, v. 93, n.821, 2004, p. 13.
39
MELO, Raimundo Simão de. Op. cit., p. 463.
40
Código Civil. Art. 206. Prescreve: § 3º Em três anos: V - a pretensão de reparação
civil.
41
SAMPAIO, Rossana Tália Modesto Gomes. Op. cit., p. 95.
A segunda teoria, que pugna pela aplicação do prazo especial de 03
(três) anos, afirma, por sua vez, que a pretensão de indenização do dano
oriundo de acidente de trabalho seria caso típico de pretensão de reparação
civil.42
Por fim, a terceira corrente acerca do prazo prescricional entende que
a ação reparatória de danos ocorridos durante a atividade laboral seria
imprescritível, pois estaria atingindo os chamados direitos de personalidade, ou
seja, a preservação da saúde, a proteção da vida e a defesa da integridade
física e mental do cidadão, direitos estes que são irrenunciáveis, indisponíveis
e imunes à prescrição.43
Expostas as correntes que discutem a espécie do prazo prescricional a
ser adotado, passa-se à questão de sua aplicação propriamente dita.
4 APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL
Em meio à modificação da competência determinada pela Emenda
Constitucional n. 45/2004, a qual resultou no deslocamento de julgamento das
ações de indenização por dano decorrente de acidente de trabalho da esfera
da justiça comum para a justiça especializada do trabalho, surgiram
divergências acerca do prazo prescricional a ser aplicado, das quais advêm à
situação problema cerne deste estudo.
Referida situação pode ser assim resumida: até a promulgação da
Emenda Constitucional n. 45, em 08 de dezembro de 2004, o julgamento das
ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho era afeto à justiça
comum, aplicando-se, por conseguinte, os prazos prescricionais previstos no
Código Civil. Problema nenhum existia até então. Ocorre que após aquela data,
referida competência passou para o âmbito de julgamento da justiça
especializada, advindo daí a seguinte indagação: aplicar-se-ia de imediato o
contido na norma inserta no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal?44
Antes de adentrar na discussão propriamente dita, mister se faz
ressaltar a importância da regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código
42
Idem.
Idem.
44
BRANDÃO, Mônica de Amorim Torres. Op. cit., p. 98.
43
Civil, a qual dispõe: “Artigo 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando
reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”
Essa norma mostra-se importante na medida em que, na sua falta,
aplicar-se-ia de imediato o prazo prescricional trabalhista, reduzindo-se de
forma drástica o tempo que o trabalhador lesionado dispunha para ingressar
em juízo, pleiteando seu direito de reparação.45
Segundo Ricardo GEHLING, na ocasião em que foi alterada a
competência, acaso ocorresse uma simples mudança do prazo prescricional
para as demandas em curso, seria no mínimo uma hipótese de violência
desmedida.46
BRANDÃO reforça a importância da atenção a ser dada à regra de
transição do artigo 2.028 do Código Civil, afirmando que “não haveria maior
injustiça do que fulminar uma pretensão postulada tempestivamente,
considerando a égide da legislação civil anterior”.47
Até o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, dúvidas não
existiam acerca da aplicação do prazo prescricional às ações indenizatórias
decorrentes de acidente de trabalho, na medida em que seu julgamento cabia à
justiça comum, utilizando-se assim o prazo prescricional civil e levando-se em
consideração a regra de transição do citado artigo 2.028.48
BRADÃO, citando OLIVEIRA, demonstra a forma de se aplicar as
normas prescricionais civis, incluindo-se a de transição:
1. acidente de trabalho ocorridos antes de 12 de janeiro de 1993: aplicação da regra
prevista no art. 177 do Código Civil de 1916, pois, quando da vigência do novo
código já haviam transcorridos mais de dez anos do início da contagem do prazo
prescricional; 2. acidentes de trabalho ocorridos entre 12 de janeiro de 1993 e 11 de
janeiro de 2003: aplicação da regra prevista no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do
Código Civil de 2002; 3. acidentes de trabalho ocorridos a partir de 12 de janeiro de
2003: aplicação da regra prevista no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código
49
Civil de 2002.
45
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. cit., 2006, p. 61.
GEHLING, Ricardo. Ações sobre acidente do trabalho contra o empregador competência, coisa julgada e prescrição. In: Revista LTr, v. 69, n. 12, 2005, p. 1451.
47
BRANDÃO, Mônica de Amorim Torres. Op. cit., p. 98.
48
MARCA, Maurício Machado. A prescrição aplicável à indenização decorrente de
acidente de trabalho ou doença profissional movida pelo empregado em face do empregador.
Suplemento Trabalhista LTr. São Paulo, ano 42, n. 48, 2006, p. 217.
49
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenização por acidente de trabalho ou
doença ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 278-279, apud BRANDAO, Mônica de Amorim
Torres. Op. cit., p. 98.
46
A problemática surgiu, no entanto, com o advento da Emenda
Constitucional n. 45/2004, quando as ações indenizatórias decorrentes de
acidente de trabalho foram remetidas à justiça trabalhista.
Com relação às ações que na data de 08 de dezembro de 2004 já se
encontravam com trânsito em julgado, permaneceram na justiça comum, nada
havendo que se discutir, em atendimento ao disposto no artigo 5º, inciso
XXXVI, da Constituição Federal.
A divergência instalou-se com relação aos processos em andamento
perante a justiça comum estadual, ainda não julgados, e àquelas hipóteses em
que o empregado não havia sequer ajuizado a ação indenizatória.
Destacam-se as orientações propostas por Sebastião Geraldo de
OLIVEIRA, no sentido de que os prazos prescricionais civis deveriam ser
aplicados até dezembro de 2004, mês da promulgação da EC n. 45/2004,
aplicando-se, após este marco, o prazo prescricional trabalhista, observandose ainda as regras de transição do artigo 2.028 do Código Civil e do artigo 916
da Consolidação das Leis do Trabalho, afirmando que “é usual adotar-se
regras transitórias para não surpreender o lesado, como fez o legislador do
novo Código Civil no art. 2.028. Mas no campo do Direito do Trabalho há regra
legal a respeito que entendemos perfeitamente aplicável”.50
Adotando essa linha de raciocínio, diante do caso concreto, ao analisar a prescrição
para os danos provenientes dos acidentes ou doenças ocupacionais ocorridos até
31.12.2004, será imprescindível apurar tanto a prescrição civil que seria aplicável
quanto a trabalhista. Se restar evidenciado que a prescrição trabalhista reduziu o
lapso temporal da prescrição civil em curso, então a contagem do prazo daquela
prescrição somente terá início a partir da vigência da Emenda Constitucional n.
51
45/2004, ou seja, 1º de janeiro de 2005, e não da data da violação do direito.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9º Região já se pronunciou acerca
da aplicação do artigo 916 da CLT, conforme decisão proferida no julgamento
de Recurso Ordinário.52
50
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. cit., 2006, p. 65.
Idem.
52
TRT-PR-28-09-2007 RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
ACIDENTE DO TRABALHO. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. Os pedidos de indenização por
danos materiais e morais decorrentes de acidente do trabalho, pleiteados em face do
empregador perante a Justiça do Trabalho após a vigência da Emenda Constitucional n.º
45/2004, sujeitam-se aos prazos prescricionais trabalhistas estipulados no inciso XXIX do
artigo 7º da Constituição Federal, observada a regra de transição prevista no artigo 916 da
Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso ordinário do autor conhecido e provido para
51
Passa-se à análise de uma decisão proferida pela Segunda Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 10º Região, que definiu os prazos
prescricionais limites para as ações decorrentes de acidente de trabalho,
estabelecendo parâmetros a possibilitar a sua utilização, tendo por objetivo
primordial preservar os direitos adquiridos.
O juiz Alexandre Nery de OLIVEIRA, na mencionada decisão, entende
que a prescrição é um instituto de direito material ligado à natureza da
pretensão, concluindo que o prazo prescricional a ser aplicado às ações
indenizatórias ajuizadas até janeiro de 2003 deveria ser o de 20 (vinte) anos,
previsto no Código Civil de 1916, e às ações ajuizadas após aquele marco, o
de 03 (três) anos, conforme aduz o artigo 206, parágrafo 3º, inciso IV, do
mesmo diploma legal.53
Ainda com relação à mencionada decisão, foi aplicado o prazo
prescricional de 05 (cinco) anos previsto no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição
Federal, respeitado o biênio da extinção efetiva do contrato de trabalho, tendo
em vista que a ação indenizatória em questão foi proposta após o advento da
Emenda Constitucional n. 45/2004.54
O julgamento define que se o dano ocorreu antes de janeiro 2003 e a
ação foi proposta sob a vigência do CC/2002, incidirá a regra do artigo 2.028
do mesmo diploma, sob duas situações. A primeira prevê que transcorridos
mais de 10 (dez) anos da ciência do prejuízo, contados a partir de janeiro de
afastar a prescrição decretada e determinar a baixa dos autos à Vara do Trabalho de origem,
para instrução do feito. (TRT-PR-78056-2006-892-09-00-8-ACO-28023-2007 - 3A. TURMA.
Relator: ALTINO PEDROZO DOS SANTOS. Publicado no DJPR em 28-09-2007).
53
“ACIDENTE DE TRABALHO: PRESCRIÇÃO APLICÁVEL: DIREITO
INTERTEMPORAL. (1) prescrição aplicável durante a vigência exclusiva do Código Civil de
1916: incide o prazo de 20 (vinte) anos descrito pelo art. 177, parte inicial, do CC/1916, se a
ciência do dano decorrente do acidente de trabalho ocorreu antes de 11/janeiro/2003,
considerada a vigência do CC/2002; (2) prescrição aplicável durante a vigência exclusiva do
Código Civil de 2002: incide o prazo de 3 (três) anos descrito pelo art. 206, IV, do CC/2002, se
a ciência do dano decorrente do acidente de trabalho ocorreu após 11/janeiro/2003,
considerada a vigência do CC/2002 (...)”.Decisão da 2º Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 10º Região. Disponível no site a seguir indicado: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=&id_noticia=15324. Acesso em: 18
mar. 2009.
54
“(...) (3) prescrição aplicável após a Emenda Constitucional n. 45/2004: incide o
prazo de 5 (cinco) anos, observado o biênio da extinção efetiva do contrato de trabalho,
conforme descrito pelo art. 7º, XXIX, da CF/1988, se a ciência do dano decorrente do acidente
de trabalho ocorreu antes de 31/dezembro/2004, considerada a vigência da EC 45/2004
(...)”.Decisão da 2º Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10º Região. Disponível em:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=&id_noticia=15324
Acesso em: 18 mar. 2009.
2003, permanecerá o prazo de 20 (vinte) anos. A segunda dispõe que não
atingido o tempo de 10 (dez) anos, contados a partir de janeiro de 2003, sem
prejuízo do tempo transcorrido, deverá ser seguida a norma do artigo 206,
parágrafo 3º, inciso IV, do CC/2002, ou seja, acrescendo-se ao período já
transcorrido o prazo de 03 (três) anos.55
Pelo acima exposto, constata-se que a decisão analisada propôs
parâmetros para a análise de outros casos concretos, no tocante à aplicação
do prazo prescricional mais adequado.
De acordo com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, em
acórdão proferido pela 3ª turma no julgamento do Recurso de Revista n. 1941
de 2006, “a prescrição aplicável nas ações indenizatórias decorrentes de
acidente do trabalho deve ser a do Código Civil para as ações ajuizadas até a
promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004 e a trabalhista somente
para aquelas iniciadas posteriormente”.56
Esse posicionamento por óbvio considera a regra de transição imposta
pelo artigo 2.028 do Código Civil, anteriormente discutida.
55
“(...) (4) a questão intertemporal da alteração das prescrições descritas no Código
Civil de 1916 e no Código Civil de 2002: ciência do dano decorrente do acidente de trabalho
ocorrida antes de 11/janeiro/2003, mas ação proposta já sob a égide do CC/2002: incidência do
art. 2028 do CC/2002, emergindo duas situações: (a) se, em 11/janeiro/2003, já havia
transcorrido mais de 10 (dez) anos da ciência do dano decorrente do acidente de trabalho,
persiste íntegro o prazo prescricional do art. 177, parte inicial, do CC/1916, correndo o restante
do prazo de 20 (vinte) anos que sobejava à ocasião da vigência no novo Código Civil; (b) se,
em 11/janeiro/2003, havia transcorrido menos de 10 (dez) anos da ciência do dano decorrente
do acidente de trabalho, sem prejuízo do período prescricional transcorrido incide, então, para
o período subseqüente, que se acresce àquele, o prazo prescricional descrito pelo art. 206, IV,
do CC/2002: 3 (três) anos; (5) a questão intertemporal da alteração das prescrições por conta
da mudança do entendimento jurisprudencial acerca da natureza civil do direito para o
alargamento no conceito de direito trabalhista: ciência do dano decorrente do acidente de
trabalho ocorrida após 11/janeiro/2003, mas ação proposta a partir do ano judiciário de 2005, já
vigente a EC 45/2004, desde que não operado o triênio da norma civil: incidência do período
que sobejar da ampliação para cinco anos descrito pelo art. 7º, XXIX, da CF/1988, desde que,
a partir de janeiro/2005, não tenha também incidido o biênio descrito pelo art. 7º, XXIX, parte
final, da CF/1988 (...)”. Decisão da 2º Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10º Região.
Esta decisão está disponível no site a seguir indicado: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=&id_noticia=15324. Acesso em: 18
mar. 2009.
56
Ementa: RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
DECORRENTE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. PRESCRIÇÃO. AÇÃO AJUIZADA APÓS A
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. Tratando-se de pedido de indenização por dano
moral decorrente da relação de emprego, a prescrição aplicável é aquela prevista no art. 7º,
XXIX, da Constituição Federal, de cinco anos, contados da ocorrência da lesão, observado o
prazo de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. Recurso de revista conhecido e
desprovido. Processo: RR -1941/2006-008-18-00.7 Data de Julgamento: 26/03/2008, Relator
Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ
18/04/2008.
Nesse sentido foi o entendimento do egrégio Tribunal Regional do
Trabalho da 9ª Região em decisão proferida recentemente.57
Como visto, a tendência atualmente seguida pela jurisprudência é no
sentido da aplicação do prazo prescricional previsto no artigo 7º, XXIX, da
Constituição Federal, após a EC n. 45/2004, observadas as regras de
transição.58
CONCLUSÃO
No processo de proteção ao trabalhador é importante o papel que
desempenha o instituto da responsabilidade civil, concebida com o propósito de
tornar possível a restituição de uma lesão injustamente provocada.
Ela é prevista em nosso ordenamento legal desde o Código Civil de
1916, quando era baseada na teoria da culpa, ganhando, no entanto, destaque
57
Ementa:TRT-PR-17-04-2009 PRESCRIÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
MORAIS POR ACIDENTE DE TRABALHO. REGRA DE TRANSIÇÃO DO ARTIGO 2.028 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. Com o advento do novo Código Civil, com redução do prazo
prescricional para pretensões indenizatórias, necessária à aplicação da regra de transição
prevista no art. 2.028 do mesmo diploma. De acordo com E. STF: "(...) no caso em que a lei
nova reduz o prazo exigido para a prescrição, a lei nova não se pode aplicar ao prazo em curso
sem se tornar retroativa. Daí, resulta que o prazo novo, que ela estabelece, correrá somente a
contar de sua entrada em vigor; (...)." (STF. 1.ª Turma. RE 51.706, Rel. Min. Luis Galotti,
julgado em 04.04.63. No mesmo sentido, o RE 79.327, julgado em 03.10.78). Aos acidentes
ocorridos entre 12 de janeiro de 1993 e 11 de janeiro de 2003, será observada a prescrição de
três anos, a contar da data de vigência do Novo Código Civil, porque decorridos menos de dez
anos do início da contagem do prazo prescricional.TRT-PR-99502-2006-673-09-00-3-ACO10445-2009 - 1A. TURMA Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES. Publicado no DJPR em
17-04-2009.
58
Ementa: RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ACIDENTE DE TRABALHO.
LESÃO OCORRIDA EM PERÍODO ANTERIOR À DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA DO TRABALHO COM A EC Nº 45/2004. PRETENSÃO DE REPARAÇÃO
INDENIZATÓRIA. AÇÃO AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA EC Nº 45/2004. Pacificou-se o
entendimento nesta Corte de que a data do ajuizamento da ação é que rege a aplicação da
prescrição, de modo que, ajuizada a ação na Justiça do Trabalho após a vigência da Emenda
Constitucional nº 45 de 8.12.2004, aplica-se a regra do direito do trabalho, nos termos do art.
7º, XXIX, da CF, sendo bienal a prescrição a ser examinada. No caso, o acidente de trabalho
que embasa o pedido de indenização por danos morais e materiais ocorreu em 31/03/1999, em
face de acidente de trabalho que vitimou o empregado, e a presente ação foi ajuizada pela
viúva em 06/02/2007. Embora considerada a data da lesão, quando a competência para
julgamento de ação visando indenização por acidente de trabalho não era da Justiça do
Trabalho, verifica-se que a partir da regra de transição prevista no art. 2.028 do novo Código
Civil, na data em que este entrou em vigor não se havia transcorrido metade do prazo
prescricional da lei anterior (de 1999 até 2003 decorreram apenas 4 anos). Logo, a partir de EC
45/2004, quando já não havia mais controvérsia sobre o prazo para ajuizar ação pretendendo
reparação pelo dano moral perante a Justiça do Trabalho, o prazo bienal deve ser observado, o
que não ocorreu no presente caso. Recurso de revista não conhecido. Processo: RR - 75/2007071-23-00.7 Data de Julgamento: 11/03/2009, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª
Turma, Data de Divulgação: DEJT 20/03/2009.
com o advento da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso
XXVIII.
Aliada aos princípios da solidariedade social, dignidade da pessoa
humana, irredutibilidade dos direitos do trabalhador, valoração social do
trabalho e proteção ao empregado, a teoria objetiva da responsabilidade civil
propiciou maior amparo legal aos trabalhadores.
Com advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, ocorreram
mudanças na estrutura judiciária brasileira, ampliando-se a competência da
Justiça do Trabalho. Desta maneira, as ações indenizatórias por danos
decorrentes de acidente de trabalho do âmbito da Justiça Estadual Comum
foram recepcionadas pela justiça especializada. Esta situação ocasionou o
surgimento de várias alterações em nosso ordenamento, notadamente no
instituto da prescrição.
Com relação às ações indenizatórias mencionadas, a questão da
aplicação dos prazos prescricionais foi permeada por grandes discussões e
diferentes posicionamentos na doutrina e jurisprudência, em virtude da dita
Emenda Constitucional. Surgiram assim três correntes fundamentais a respeito
do tema. A primeira defendendo a aplicação do prazo prescricional previsto no
direito civil; a segunda, com base no prazo estabelecido no direito do trabalho,
assegurado no artigo 7º, inciso XXIX, da Carta Magna; e uma última pugnando
pela imprescritibilidade do direito de exigir a reparação pelo dano, na medida
em que este direito tem como fonte primordial a proteção da dignidade da
pessoa humana, princípio protegido pela Constituição Federal.
Antes dessa Emenda Constitucional, era adotado o prazo civil para
efeitos prescricionais aplicado às ações de indenização. Entretanto, com a
ampliação da Justiça do Trabalho, estas ações passaram para o âmbito de sua
competência, que apresenta prazo prescricional diverso do previsto no Direito
Civil.
Dessa forma, apresentou-se de suma importância à aplicação das
normas de transição, seja para os processos em andamento ou para os que
viriam a ser ajuizados.
Prevalece o entendimento, com relação à aplicação do prazo
prescricional, que na data do advento da citada emenda houve um marco, as
ações ajuizadas até dezembro de 2004, os prazos seriam de natureza civil, e
aquelas propostas após, o prazo seria da Justiça do Trabalho. Respeitando-se
sempre o disposto nas regras transitórias determinadas pelos artigos 2.028 do
Código Civil em vigor e 916 da Consolidação das Leis do Trabalho.
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