Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso UMA ANÁLISE ACERCA DOS BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A UNANIMIDADE EXIGIDA PELA LEI COMPLEMENTAR 24/75 Autor: André Ricardo Hermida de Aguiar Orientador: Prof. MSc. José Hable Brasília - DF 2013 ANDRÉ RICARDO HERMIDA DE AGUIAR UMA ANÁLISE ACERCA DOS BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A UNANIMIDADE EXIGIDA PELA LEI COMPLEMENTAR 24/75 Artigo apresentado ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. José Hable Brasília 2013 Dedico este trabalho acadêmico à minha mãe Neuza, ao meu pai Fernando e aos meus irmãos Gustavo e Marcella, fontes constantes de motivação. AGRADECIMENTO Quero agradecer ao Professor José Hable, pela disposição e apoio prestados, e bem como a todos aqueles que direta ou indiretamente colaboraram para que este trabalho pudesse ser concluído. Os homens, reunidos em comunidades, entenderam que era preciso doar parte de seus recursos para que fossem feitas obras que beneficiassem toda a coletividade. Como estradas, por exemplo. Ou canais de irrigação que passassem por várias propriedades. Assim foram criados os impostos (COIMBRA, 2012, p. 56). 5 UMA ANÁLISE ACERCA DOS BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A UNANIMIDADE EXIGIDA PELA LEI COMPLEMENTAR 24/75 ANDRÉ RICARDO HERMIDA DE AGUIAR Resumo: O presente artigo, na modalidade de revisão seletiva, tem como finalidade analisar a matéria atinente às concessões de benefícios fiscais do ICMS, tomando como base a legislação, a jurisprudência e a doutrina. Procurou verificar a matéria na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar 24/75. Faz uma análise da questão concernente à outorga de benefícios fiscais tributários na Constituição Federal de 1988, e estuda a constitucionalidade da exigência de decisão unânime, disposta no §2˚, do artigo 2˚, da Lei Complementar 24/75, para as concessões de benefícios e isenções do ICMS tratadas no âmbito do CONFAZ. Chegou à conclusão de que, à luz do ordenamento jurídico-tributário pátrio em vigor, não há que se falar na inconstitucionalidade do dispositivo, seja pela recepção da Lei Complementar 24/75 pela Carta Magna, encontrando-se em plena vigência, seja pela garantia que a exigência confere à estabilidade do pacto federativo brasileiro, a evitar a guerra fiscal provocada pela concessão unilateral de incentivos de ICMS. Palavras-chave: ICMS. Benefícios. CONFAZ. Unanimidade. 1 INTRODUÇÃO Sabe-se que um dos alicerces do direito público, e no qual este também se fundamenta, é o princípio da indisponibilidade do interesse e do patrimônio público. O titular de um bem público é o povo, e para este deve ser direcionada a atividade estatal, movimentada por seus representantes. Assim, a regra é a de que o administrador público bem gerencie esse patrimônio, e para fazê-lo deve se valer da lei, instrumento pelo qual o Poder Legislativo exterioriza as regras necessárias para a regulação da vida em sociedade. Com efeito, o que caracteriza, então, o Estado de Direito é a proteção que o próprio Estado confere aos direitos humanos, através de peculiares mecanismos de controle. Para que haja a efetivação desses direitos, necessário, então, que o Estado se estruture. Daí o surgimento do clássico modelo dos poderes independentes e harmônicos. Deve o Poder Público, enfim, não apenas se munir de um expediente sancionador, mas, antes, tutelar uma ordem jurídica bem definida, em que o Estado se apresente simultaneamente como um grande assegurador dos direitos e garantias fundamentais e como pessoa jurídica portadora de obrigações. Tão ou mais importante que essa premissa, não receia-se falar, diz respeito ao princípio da legalidade (artigo 5˚, inciso II, da Constituição Federal de 1988) e o da reserva legal, que, entretanto, não se confundem. Aquele preconiza a regra basilar segundo a qual nada poderá ser exigido senão em virtude de lei, enquanto 6 este – de sentido estrito, colaciona a ideia de que determinadas matérias elencadas pelo constituinte, somente poderão ser tratadas por meio de lei. Ainda, é importante destacar que o princípio da legalidade inserto no inciso II, do art. 5˚, da CF/88, que preconiza que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, não pode ser confundido com o [princípio] da legalidade típica que é aplicável à administração pública, em que há margem de escolha para o agente público somente se a lei assim dispuser, sendo este obrigado a agir de acordo com os preceitos legais (subordinação à lei). Em síntese, poderá o particular fazer tudo o que a lei prescreve ou não proíba, enquanto o administrador público necessita de uma lei que o autorize a agir. Em matéria tributária não poderia ser de outro modo. A concessão de qualquer benefício fiscal (art. 150, §6˚, da CF/88), como a remissão, a isenção, a anistia e a redução de base de cálculo, deve sempre ser precedida de lei específica, que regule exclusivamente o respectivo benefício nela contido, ou, pelo menos, que haja pertinência temática entre a proposta da lei e o conteúdo fiscal exonerativo, consagrando o princípio da reserva legal. Não se olvide mencionar, outrossim, que a legalidade tributária abarca, de um lado, a legalidade tributária formal (obediência ao processo legislativo), e do outro a legalidade tributária material, onde se exige sejam elencados todos os aspectos do fato gerador da obrigação. Disso se extrai que qualquer vantagem fiscal concedida – como as acima elencadas, influirá incisivamente na disponibilidade do interesse e patrimônio públicos, porquanto o crédito tributário constitui-se parte integrante deste. A concessão de uma isenção, por exemplo, significa a exclusão de um crédito tributário, de sorte que um valor, que antes seria angariado aos cofres públicos, não mais o será. Assim, por ser o crédito tributário parte integrante do patrimônio público, e este ser indisponível, é que pode-se afirmar que somente por lei que o benefício fiscal poderá ser concedido. Tal regra, que consagra o princípio da legalidade ou reserva legal é, como visto, então, de grande importância, ao passo que a inobservância desse preceito Constitucional e, a um só tempo, infraconstitucional (arts. 150, §6˚, da CF/88 e 97, do Código Tributário Nacional, respectivamente), colocaria em risco a própria harmonia e segurança jurídica dos Estados e do Distrito Federal. Por exemplo, poderia o Executivo de cada ente federativo, por intermédio de seus agentes, passar a conceder estímulos tributários a determinadas pessoas como uma espécie de “moeda de troca” para a obtenção de vantagens pessoais. Também não é difícil imaginar, em cenário nacional, que uma pessoa política passasse a conferir a determinados investidores certos estímulos fiscais do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), sob a justificativa de que estivesse buscando a atração de investimentos locais, para a promoção de seu desenvolvimento socioeconômico. Principalmente por essa razão, e com o escopo de evitar esse tipo de conduta, é que demanda aquele princípio [o da legalidade] um grau maior de complexidade, na medida em que todos os aspectos que circundam a obrigação tributária devem estar contidos no bojo da norma, tais como o seu fato gerador, a base de cálculo, os sujeitos ativo e passivo, a alíquota incidente, dentre outros (tipicidade fechada). O fato é que, haja vista a imprescindibilidade de lei para que qualquer benefício fiscal seja concedido, existe um rigor maior quando o assunto versa sobre 7 o ICMS, principalmente por se tratar do imposto de maior arrecadação do país, e também o que mais onera a economia. Por essa circunstância – maior oneração, e dada a sua complexidade e regionalização, resolveu o constituinte de 1988 tornar mais dificultoso o procedimento para a outorga de benefícios fiscais do gravame, impedindo que a regulação de matérias relativas à concessão de seus benefícios fosse tratada em leis ordinárias, editadas unilateralmente pela Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa de cada Estado ou do DF, respectivamente, ou por Decreto Governamental local. Ao contrário, estabeleceu a Carta Magna, no que se refere aos estímulos fiscais do ICMS, que somente deverão ser outorgados mediante consenso de todos os Estados da Federação e o DF, por meio de convênios, de forma a evitar a descompetitividade e impedir que alguns entes políticos se beneficiem em detrimento de outros, tolhendo-lhe a autonomia política e financeira e pondo em risco a estabilidade do pacto federativo, cláusula pétrea (art. 60, §4˚, I, da CF/88) e, portanto, imutável por meio de emenda constitucional. Por conseguinte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS, sem a celebração de convênio entre Estados e DF (unilateralmente), afora do âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), é hábil a deflagrar a denominada “guerra fiscal”, abominada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O resultado é que Estados economicamente mais favorecidos, com uma infraestrutura mais vantajosa, se tornam mais atrativos aos investidores privados, o que possibilita a desarmonização entre as pessoas políticas e gera um cenário de descompetitividade (concorrência desleal). Assim, o objetivo geral do trabalho é compreender o motivo pelo qual os Estados e o DF, por vezes, realizam concessões unilaterais de benefícios fiscais do ICMS, sem prévio convênio celebrado na esfera do CONFAZ. E, como objetivo específico, verificar a necessidade de os Estados e o DF deliberarem de forma unânime acerca dos estímulos fiscais conveniados, bem como definir o que é a “guerra fiscal” e quais são as suas consequências no âmbito nacional. Para alcançar esses objetivos, procurou-se entender o que é o ICMS, onde está disciplinado na CF/88, a “guerra fiscal” decorrente de estímulos fiscais a ele concernentes, o que é o CONFAZ, o princípio da legalidade tributária, como são celebrados e ratificados os convênios no âmbito desse órgão (CONFAZ), o requisito da unanimidade disposto na Lei Complementar (LC) 24/75, além de analisar a jurisprudência pátria sobre o tema, em especial o posicionamento do STF a respeito. Para tanto, no que se refere à metodologia adotada, o tipo de pesquisa foi o exploratório, onde se busca entender como se dão as concessões unilaterais de incentivos fiscais e quais são as suas consequências no cenário nacional, através da análise da matéria na CF/88, na LC 24/75 e em decisões exaradas pelo STF. Ademais, a pesquisa foi aplicada, de modo que se pretendeu analisar os benefícios fiscais do ICMS na CF/88, na LC 24/75 e na jurisprudência do STF, para indicar ao final a necessidade, ou não, de decisão unânime para que benefícios fiscais sejam concedidos pelos Estados e DF. Seguindo, quanto à forma de abordagem do problema, a pesquisa foi bibliográfica, porque com base em jurisprudência, livros e artigos publicados. O método de abordagem adotado foi o dedutivo, porque se partiu da exploração do tema na CF/88, na LC 24/75 e em julgados do STF, para se chegar a um resultado específico, em que se analisou a necessidade de decisão unânime 8 para que benefícios fiscais sejam concedidos pelos Estados e DF, através da interpretação de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes. Por fim, os métodos de procedimento foram o monográfico e o comparativo, onde se pretendeu analisar com profundidade o tema relativo às concessões unilaterais de incentivos fiscais pelas entidades tributantes, dissecando os seus aspectos para, ao final, concluir pela necessidade, ou não, de unanimidade na decisão que delibera a respeito dos incentivos fiscais outorgados no âmbito do CONFAZ. Para isso, confrontou-se, ao longo do texto, o pensamento daqueles que pugnam pela unanimidade, com o daqueles que não compartilham das razões que defendem essa exigência. 2 A DISCIPLINA DOS BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Para o estudo e análise do objeto deste artigo, qual seja, a unanimidade disposta no §2˚, do artigo 2˚, da LC 24/75, algumas observações precisam ser delineadas. Dentre elas, o que vem a ser o ICMS, a exigência de lei específica para a outorga de benefícios fiscais, o que se entende por “guerra fiscal”, o que é o CONFAZ e, por fim, a forma como se dão as concessões de benefícios fiscais daquele imposto (ICMS). Comecemos, então, pelo primeiro ponto. 2.1 DO ICMS Dispõe o art. 155, II, da CF/88, que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir, dentre outros impostos enumerados no dispositivo, o ICMS. Assim, todos os 27 entes federativos possuem competência para instituí-lo, de onde se verifica a maior rigidez em sua disciplina. Até o advento da CF/88, o imposto denominava-se ICM, uma vez que incidia apenas sobre mercadorias (art. 24, II, da CF/67). Na atual Constituição, entretanto, tornou-se mais abrangente, visto que os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação passaram a integrar a sua hipótese de incidência. É, também, um imposto que tem finalidade eminentemente fiscal, tendo em vista o seu fim arrecadatório. Mas poderá ser seletivo (art. 155, §2˚, III, da CF/88), em função da essencialidade dos serviços e das mercadorias, situação em que ele se afasta do seu caráter fiscal e passa a onerar quem tem uma maior capacidade contributiva, com o fim de redistribuir a renda (extrafiscalidade). Portanto, pode o ICMS assumir uma roupagem extrafiscal, o que comumente ocorre nas hipóteses em que os Estados e o DF outorgam benefícios fiscais a investidores privados, com o escopo de atraí-los para os seus territórios. Nesses casos, a concessão do incentivo, muitas vezes feita de forma unilateral, sem obedecer a legislação específica, tem como único objetivo promover o crescimento socioeconômico do ente concedente do estímulo, preponderando, neste caso, a sua extrafiscalidade. Sobre os estímulos fiscais, faz-se oportuna a lição de Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 38), em obra publicada conjuntamente com o professor Ives Gandra da Silva Martins, onde expõe que: 9 Os benefícios fiscais configuram um estímulo de índole econômica, introduzido pelo Poder Público, para que se tenha o exercício de determinadas atividades privadas, consideradas relevantes pelo legislador e que propiciem atingir os objetivos extrafiscais. Dentre eles, podemos citar: i) a redução das desigualdades regionais; ii) a promoção do emprego, especialmente em áreas onde o desemprego é grande, ou haja carência de empregos a certas categorias de trabalhadores; iii) a captação de investimentos a fim de promover a atividade econômica e empresarial em determinadas regiões do País; iv) o fomento das exportações, entre outros. Desse modo, a finalidade do estímulo fiscal é quase sempre atrair o investidor particular a um determinado Estado ou ao DF, por ação destes, de sorte que aquele, empresário, será o instrumento do ente político – que lhe concederá vantagens fiscais visando a consecução de suas políticas regionais, a depender de suas necessidades: seja o desenvolvimento econômico, social ou até mesmo ambos. Logo, o fenômeno do benefício fiscal encontra-se atrelado à extrafiscalidade do tributo, vez que o define fins outros que não aquele meramente arrecadatório (fiscal). 2.2 DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA É essencial para a compreensão do tópico a leitura do disposto nos arts. 150, §6˚ e 155, §2˚, IV, V, VI e XII, “g”, da CF/88. Assim, dispõe o §6˚, do art. 150, da CF/88: Art. 150. (...) §6˚. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, §2˚, XII, g. [grifo nosso] A finalidade do dispositivo é claramente evitar que o legislativo conceda benefícios fiscais em leis esparsas, que não nas próprias que regulem inteiramente a matéria fiscal correspondente, ou, ao menos, que mantenha – o conteúdo exonerativo, relação temática com a proposta do diploma legal. Obviamente, a norma é inibidora de condutas, pois visa impedir que vantagens tributárias sejam concedidas livremente pelos Estados e DF, em leis não específicas ou até mesmo em Decretos Governamentais (com exceção do art. 153, §1˚, que permite ao Poder Executivo alterar as alíquotas dos impostos ali enumerados). Ilustrando a situação, Ricardo Alexandre (2012, p. 137) fornece preciso exemplo: Um grave problema ocorreria se, por exemplo, fosse escondida, dentro de uma hipotética lei que cria o “dia do homem”, uma anistia às multas tributárias das empresas que descumpriram regras da legislação do IPI. Seria possível que a lei tramitasse no Congresso Nacional sem que a maioria do parlamento tomasse conhecimento do benefício, o que configuraria uma agressão ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público, pois os representantes do povo não teriam efetivamente analisado o mérito da questão. 10 Portanto, a concessão de benefícios fiscais (gênero que comporta espécies como isenções, reduções de base de cálculo, dentre outros), somente se dará mediante lei específica, que regule estritamente as matérias relativas aos próprios benefícios concedidos ou os respectivos tributos, porquanto quis a CF/88 evitar o tratamento da matéria pela via de outros expedientes jurídicos. Por sua vez, a ressalva do art. 155, §2˚, XII, “g”, contida no art. 150, §6˚, está assim disposta: Art. 155. (...) §2˚. (...) XII – Cabe à Lei Complementar: g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Assim, ao consignar o art. 150, §6˚, que os benefícios fiscais serão concedidos mediante lei específica, “salvo o disposto no art. 155, §2˚, XII, „g‟”, impôs que, em se tratando de ICMS, a matéria (incentivos fiscais) deve ser regulada por Lei Complementar. O referido diploma normativo é a LC 24/75, recepcionada pela Carta Republicana (art. 34, §8˚, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). O aludido dispositivo constitucional (art. 155) contempla, em seu §2˚, outrossim, outros três incisos (IV, V e VI), que prestam grande auxílio na compreensão do tema. In verbis: §2˚ O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V – é facultado ao Senado Federal: a) Estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) Fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI - Salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, “g”, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais. O principal aspecto a ser considerado é o de que, ao fixar as alíquotas aplicáveis em operações e prestações interestaduais, e de exportação, a CF/88 pretendeu evitar que Estados e o DF, de forma arbitrária, pudessem reduzir as alíquotas do imposto, a ensejar uma política “atrativista” e, consequentemente, tendente a deflagrar uma “guerra fiscal”. Não é só. A essência do dispositivo está na possibilidade, outorgada pela Carta Republicana à competência do Senado Federal – representante do interesse dos Estados e do DF, de reduzir ou majorar as alíquotas em operações com incidência de ICMS, com o intuito de evitar conflitos entre os entes políticos. Assim, objetivou a Carta Magna, com essa medida, evitar a descompetitividade econômica entre os 27 entes federados, impedindo que os Estados e o DF reduzam, arbitrariamente, as alíquotas do imposto para fazer frente à concorrência, nos casos em que recebam mercadorias com o ICMS estimulado de 11 outro ente, ou quando tenham o simples propósito de angariar investidores privados, para fomentar o seu crescimento socioeconômico. Ademais, ao dispor o inciso VI que as alíquotas internas não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais, “salvo por deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do inciso XII, „g‟”, resta evidente que, quando se tratar de concessão de benefícios de ICMS deverão ser observadas as regras da LC 24/75, pela qual estímulos fiscais serão conferidos apenas mediante convênio celebrado pelos entes federativos. A LC 24/75, a seu turno, determina que a concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime (§2˚, do seu art. 2˚). E mais: ao fazer o inciso VI, do §2˚, do art. 155, do Texto Maior o uso da expressão “salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal”, abarcou, implicitamente, todos os entes federativos; não se falou em quórum, mas em “deliberação em contrário dos Estados e do DF”, do que resulta que somente por decisão unânime, tomada em convênios, que os benefícios poderão ser conferidos. Reforçando a tese aqui exposta, Martins (2012, p. 6-8) assinala que: [...] para alíquotas internas diferenciadas, ou seja, estimuladas entre Estados e Distrito Federal, falou o constituinte em “Estados e Distrito Federal”, o que representa unanimidade, pois não oferta exceções deliberativas, nem a possibilidade de exclusões de Estados ou do Distrito Federal [...] tal deliberação terá que ser dos Estados, ou seja, todos eles mais o Distrito Federal. Isto ocorre porque concedidos sem autorização unânime, poderiam provocar descompetitividade. [...] Se houver, de qualquer forma, conflito entre os Estados para alíquotas internas – não interestaduais -, apenas por 2/3 o Senado poderá deliberar para fixar alíquotas máximas, ou seja, as alíquotas válidas para todos os Estados e Distrito Federal, que não poderão ser ultrapassadas, lembrando-se sempre que as alíquotas internas, não podem ser inferiores às aplicáveis às operações interestaduais. Neste caso, o Senado age em nome da Federação, prevalecendo pois a possibilidade de quorum inferior à unanimidade. No caso de acordo entre os Estados, não, pois cada Estado fala em nome próprio, razão pela qual a unanimidade é requisito essencial [...]. Por esta razão, interpreto que a unanimidade, que para incentivos fiscais é exigida do CONFAZ, não é senão um reflexo infraconstitucional do regime de fixação de alíquotas, imposto pela Constituição ao Senado Federal [...] [grifo nosso] Conclui o professor (2012, p. 9) que, o texto constitucional, quando se refere à deliberação dos Estados e do Distrito Federal no tocante a estímulos fiscais outorgados, necessariamente impõe a deliberação de todos os Estados e o Distrito Federal, VISTO QUE NÃO ESTABELECEU QUALQUER QUORUM MÍNIMO. [grifo do autor] A razão pela qual é dispensado ao ICMS esse tratamento constitucional mais rígido, reservando-o a regras mais complexas, inclusive com a regulação de determinadas matérias por meio de Lei Complementar, decorre principalmente do fato de a República Federativa do Brasil ter optado, expressamente, no texto constitucional, pela competência estadual e distrital para instituí-lo. Dessarte, uma vez que compete aos Estados e ao DF instituir o ICMS (art. 155, II, da CF/88), é de se esperar que a consequência seja uma disputa maior entre os entes federativos, para a obtenção de receitas, ocasionando a denominada “guerra fiscal”. 12 Nos dias atuais, já é realidade a figura do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) em diversos países, que não é adotado pelo sistema tributário brasileiro, e que consiste em um único tributo incidente sobre todas as transações realizadas pelo contribuinte ou responsável tributário. O referido encargo incide uma única vez, de modo que há somente um imposto para arrecadar todo o valor que corresponderia, nacionalmente, ao ICMS (estadual), ao Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI (federal) e ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN (municipal). No Brasil, esse expediente – o de instituir um único imposto cujo fato gerador seja a junção do ICMS, IPI e ISSQN, é de difícil visualização, já que, por exemplo, afastar o ICMS da competência dos Estados e do DF significaria deixar de reconhecer que, hoje, ele corresponde à principal fonte de arrecadação dos entes estaduais e do DF. Assim é que, “em 2007, segundo dados da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o ICMS viabilizou o ingresso de R$ 187,6 bilhões contra R$ 160,3 bilhões do IR [Imposto de Renda], segundo colocado na lista das maiores arrecadações por tributo” (CASTRO, 2009, p. 123). E o dado que se tem do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT (2012) é que a carga tributária brasileira bateu recorde histórico, atingindo 36,27% do PIB em 2012, sendo que o ICMS representou 7,49% desse total. Dando seguimento, essa descompetitividade entre os entes, cujo efeito se afigura devastador para a entidade tributante que tem produto semelhante estimulado com ICMS em outro Estado, ou no DF, levou Martins (2012, p. 18-20) a pontificar o art. 155, §2˚, XII, “g”, da Lei Maior ao status de cláusula pétrea (art. 60, §4˚, I), ao consignar que, o sistema federativo poderia restar modificado e sensivelmente desfigurado, passando a ser apenas formalmente federativo, se emendas constitucionais ou leis infraconstitucionais reduzissem à expressão quase nenhuma a autonomia política, financeira ou administrativa das unidades federativas. Assim sendo, a competência estadual para a instituição do ICMS fez com que a própria Carta Magna criasse regras específicas voltadas à proteção da federação brasileira, de maneira a evitar que os Estados e o DF tivessem as suas autonomias financeira, administrativa e política violadas toda vez que outros entes concedessem estímulos fiscais a determinados investidores. Tais regras visam coibir “leilões” que por ventura possam ser travados entre as entidades tributantes, onde o “sujeito ativo”, em vez do Fisco, acaba sendo o investidor, que impõe a sua política financeira às Secretarias de Fazenda e se instala somente no ente político que lhe oferece os melhores benefícios fiscais. 2.3 DA GUERRA FISCAL A “guerra fiscal” pode ser entendida como o resultado de práticas competitivas de mercado entre os entes federativos, por meio da concessão unilateral de incentivos fiscais, e que tem por objetivo a busca por investimentos privados para o seu crescimento socioeconômico. Um exemplo dessa “disputa fiscal” ocorreu com o caso da Ford Motor, em 1999, em que os Municípios de Camaçari e Guaíba, respectivamente dos Estados 13 da Bahia e Rio Grande do Sul, com a finalidade de levar a fábrica para seus respectivos Estados, passaram, cada um, a lhes fazer diversas propostas de instalação. Ao final, a montadora de automóveis terminou por se instalar no território baiano, em razão dos benefícios mais atrativos oferecidos por seu governo, como uma área terraplanada, uma boa infra-estrutura e a promessa de incentivos fiscais. Ocorre que essa prática, por parte de alguns Estados, qual seja, a concessão de incentivos fiscais unilateralmente, revela-se atentatória ao modelo federativo de Estado, insculpido na CF/88 como cláusula pétrea, dado que, por diversas ocasiões, entes federativos, por possuírem a ideia de que a atração de empresas promoverá seu crescimento socioeconômico, abrem mão de recursos que poderiam a médio ou a longo prazo torná-los mais competitivos. Ademais – obviamente na hipótese em que o estímulo é concedido por um Estado pobre, não há forma de o benefício ser outorgado sem que o mesmo não o possa ser feito por outro ente, economicamente mais favorecido. A título de embasamento, tomemos como exemplo a decisão exarada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.906/03, ajuizada pelo então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e relatada pelo Ministro Marco Aurélio. Nela, restou consignado que os Estados e o DF não podem conceder benefícios fiscais sem prévio acordo entre as Secretarias de Fazenda Estaduais, ressaltando, além disso, que a concessão de benefícios fiscais unilateralmente pelas unidades da federação é ilegal. Foram analisadas, no julgamento, outras 14 ações que contestavam leis de seis unidades federativas: Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pará, Distrito Federal e Espírito Santo. Em todos os casos, os diplomas legais concediam alguma forma de exoneração do ICMS, como forma de angariar investidores. Alegou o governador na ADI que a lei impugnada – no caso, lei do Estado do Rio de Janeiro, ofenderia o disposto nos arts. 150, §6˚, e 155, §2˚, XII, “g”, ambos da CF/88, e que isso acirraria a denominada “guerra fiscal”, rechaçando jurisprudência consagrada no STF. Vejamos a sua ementa: “GUERRA FISCAL” – PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO – DRIBLE. Surge inconstitucional lei do Estado que, para mitigar pronunciamento do Supremo, implica, quanto a recolhimento de tributo, dispensa de acessórios – multa e juros da mora – e parcelamento. Inconstitucionalidade da Lei nº 3.394, de 4 de maio de 2000, regulamentada pelo Decreto nº 26.273, da mesma data, do Estado do Rio de Janeiro. (ADI 2906, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-123 DIVULG 28-06-2011 PUBLIC 29-06-2011 EMENT VOL-02553-01 PP-00001 RT v. 100, n. 911, 2011, p. 412-418 RSJADV out., 2011, p. 47-50) [grifo nosso] Recentemente (2013), segundo se noticiou no sítio eletrônico da Suprema Corte, a mesma autoridade política de SP contestou perante o STF decretos expedidos pelo Executivo dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso, em razão de estímulos fiscais concedidos, principalmente para o setor de agronegócio. Arguiu o governador nas ADIs 4929, 4930, 4931, 4932, 4933, 4934 (Rio de Janeiro), 4935 (Espírito Santo) e 4936 (Mato Grosso), que os decretos estaduais ferem princípios constitucionais referentes à ordem social, política e econômica da federação, forçando uma “ilegítima fuga de investimentos” para os Estados que concederam os benefícios fiscais. As ADIs apontam também violação ao art. 152, da CF/88, e à LC 24/75. 14 Lembramos que, não obstante tenha o STF já decidido a questão, entendendo pela inconstitucionalidade dos incentivos fiscais unilaterais, muitos Estados ainda continuam com a prática, com a finalidade de atrair empresas, segurando a “bandeira” do crescimento socioeconômico. Curiosamente, em maio de 2010, na ADI 3.421/PR, divergindo de seu atual posicionamento, o STF inovou no cenário jurídico dos benefícios fiscais de ICMS. Naquele momento, a Suprema Corte acabou por ratificar um benefício fiscal de ICMS concedido por uma lei paranaense, que concedia isenção do imposto nas contas de luz, água, gás e telefone utilizados por templos de qualquer culto, sem que para tanto tenha sido celebrado convênio. A fundamentação utilizada na decisão foi a de que a concessão da isenção, a templos de qualquer culto, não teria aptidão para deflagrar uma “guerra fiscal” ou gerar risco ao pacto federativo, sendo, portanto, prescindível o seu exame pelo CONFAZ. Segue a ementa do Acórdão: ICMS - SERVIÇOS PÚBLICOS ESTADUAIS PRÓPRIOS, DELEGADOS, TERCEIRIZADOS OU PRIVATIZADOS DE ÁGUA, LUZ, TELEFONE E GÁS - IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CRENÇA - CONTAS AFASTAMENTO - "GUERRA FISCAL" - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. Longe fica de exigir consenso dos Estados a outorga de benefício a igrejas e templos de qualquer crença para excluir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas contas de serviços públicos de água, luz, telefone e gás (ADI 3421, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2010). Observa-se de sua leitura uma mitigação aos princípios estudados, onde quer o STF afastar a competição entre as unidades federativas, evitando-se a “guerra fiscal”, e não proibindo de forma absoluta a concessão dos benefícios. Enfim, pretende que essa prática não seja hábil a provocar uma instabilidade federativa, com disputas fiscais entre os Estados e DF. Mas, recorde-se, foi uma decisão ímpar, que em regra não envolve maiores interesses; o que não se visualiza, por outro lado, na maioria dos incentivos concedidos unilateralmente pelas entidades impositoras, cuja finalidade é essencialmente buscar investidores para a promoção de seu crescimento socioeconômico (hábil, portanto, a deflagrar uma “guerra fiscal”). Portanto, a concessão de benefícios fiscais a investidores, feita de forma unilateral pelos Estados e DF, é capaz de instigar uma “guerra fiscal”, considerandose que o produto ou serviço do empresário encontra-se estimulado, o que o torna menos oneroso, consolidando, assim, um cenário de concorrência desleal, frente aos demais investidores que se encontram no mesmo, ou em outro Estado ou DF. Outro efeito que decorre dessa prática (incentivos unilaterais) se visualiza nos casos em que os entes economicamente menos favorecidos se vêem obrigados a adotarem prática semelhante, para não prejudicar tanto a sua competitividade e o seu “crescimento” socioeconômico. Essa tese – inconstitucionalidade dos incentivos fiscais realizados de forma unilateral, se reforça quando analisamos o princípio da não-cumulatividade, direito constitucionalmente assegurado ao contribuinte (art. 155, §2˚, I, da CF/88), que permite a compensação do ICMS recolhido na operação anterior, com o que for devido na operação subsequente. Se o contribuinte tem direito ao crédito na operação com incidência de ICMS, e este está estimulado com algum incentivo, permite a LC 24/75, em seu art. 8˚, que 15 o Estado de destino da mercadoria anule ou tenha por não pago o ICMS em “tese” não recolhido no Estado de origem, penalizando, desta forma, o seu contribuinte, que não mais terá direito a creditar aquela quantia não paga. Veja-se o teor do mencionado art. 8˚, da LC 24/75: Art. 8º. A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente. Não obstante o dispositivo acima, entendemos que se o contribuinte tem o direito constitucional de creditar o ICMS em “tese” pago na operação anterior, certo é que não pode o Estado recebedor da mercadoria – ferindo o preceito da nãocumulatividade, gravá-lo, para determinar que recolha a quantia não paga, sob a alegação de que o Estado de origem não observou as regras dispostas na LC 24/75. Nesse caso, o comando constitucional (art. 155, §2˚, I, da CF/88) deve sobressair-se ao diploma complementar. Portanto, deverá a entidade tributante, pelo contrário, sentindo-se prejudicada em sua competitividade, ingressar na justiça com a competente ação, em face da lei ou decreto que outorgou o benefício fiscal correspondente. Ou, se preferir, também conceder benefícios fiscais, só que com o prejudicial de que isso daria ensejo à inconstitucional “guerra fiscal”. Além do mais, o Estado de origem, ao abrir mão de valores de ICMS que poderiam ser arrecadados, está prejudicando, a um só tempo, o Estado de destino, que se torna menos atrativo ao investidor, já que não concedeu o benefício (gerando descompetitividade), e o próprio contribuinte, que, a depender do caso, deverá recolher o valor incidente na operação anterior. Isso, pois, conforme dito, alguns Estados não conferem o direito de creditamento do ICMS (não-cumulatividade) ao contribuinte quando, no Estado de origem, a mercadoria recebeu alguma forma de estímulo fiscal. No entanto, a despeito das regras aqui expostas, e bem como do entendimento do STF pela impossibilidade da outorga unilateral de benefícios do ICMS, sem prévio convênio, há quem entenda de forma diversa, sustentando, dentre outros argumentos, que acabar com os incentivos fiscais faria do país um caos. Em entrevista concedida ao sítio eletrônico Consultor Jurídico, Hamilton Dias de Souza (2012) assim se posicionou: As questões federativas envolvem os problemas de incentivos fiscais, de ICMS, sobretudo. Essa é a grande questão que está em discussão e não só no Judiciário, onde se pretende que haja uma súmula vinculante no sentido de que os incentivos concedidos sem a autorização do CONFAZ são inconstitucionais [...] São questões federativas, e eu abro aqui um leque enorme das questões federativas. Mas se nos voltarmos a uma dela, ficarmos apenas em uma, que é a guerra fiscal, a pergunta é: por que existe a chamada “guerra fiscal”? É alguma coisa brasileira, própria do nosso sistema, ou é própria das federações? É um conflito federal típico? Eu diria que em praticamente todas as federações existe competição fiscal entre os Estados. É absolutamente normal. Portanto, a competição fiscal nas federações não é nenhum palavrão. A guerra fiscal, a competição fiscal, é uma coisa normal. Como é que São Paulo e Piauí podem competir para ver quem atrai mais indústrias? A infra-estrutura que tem um estado como o Piauí, um estado pobre, implicaria custos tão mais elevados do que em São 16 Paulo que nenhuma indústria normal, a não ser a extrativista, se instalaria. Uma indústria de veículos não se instalaria no Piauí nunca. A opinião do mestre tributarista é elucidativa. Para o mesmo, a questão que gira em torno da “guerra fiscal” é mais normal do que se pode pensar, já que encarada como uma situação cotidiana, uma disputa fiscal observada em praticamente todas as federações. Para Hugo de Brito Machado (2011, p. 370), “cuida-se [a guerra fiscal] de denominação pejorativa, com a qual os Estados desenvolvidos combatem o uso do incentivo fiscal pelos Estados pobres”. E que “[...] é importante distinguir o incentivo concedido por um Estado rico daquele concedido por um Estado pobre. O primeiro é flagrantemente contrário à Constituição Federal, o segundo realiza princípio fundamental por estar consagrado”. Esse princípio fundamental, a que se refere o autor, diz respeito a um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3˚, III, da CF/88). Assim, para justificar a sua posição, o doutrinador cita o art. 3˚, III, da CF/88, conforme se destacou. Sob esse prisma, aduz também que, segundo a inteligência do art. 151, I, da Carta Magna, é admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País. Menciona, também, que a função dos orçamentos fiscal e de investimentos é reduzir as desigualdades inter-regionais (art. 165, §7˚) e que a Lex Legum consagra como princípio reitor da ordem econômica e financeira a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII). Sob esse enfoque, o autor conclui: Diante de tão evidente e eloquente consagração, pela Lei Maior, do propósito de reduzir as desigualdades socioeconômicas regionais, tem-se de concluir que a concessão de incentivos fiscais por Estados ricos, porque tende a agravar as desigualdades socioeconômicas regionais, é inconstitucional, enquanto os incentivos fiscais concedidos por Estados pobres, porque tendem a reduzir aquelas desigualdades, realizam o princípio constitucional. É certo que a Constituição refere-se a deliberação dos Estados, e diz caber à Lei Complementar estabelecer normas procedimentais para a concessão de isenções e incentivos fiscais no âmbito do ICMS. Não é razoável, porém, sobrepor-se uma norma de processo a uma norma de direito material, e mais ainda a um princípio consagrado repetidas vezes pela Constituição Federal (2011, p. 370). Insta lembrar, aliás, que o administrador público que causar danos ao erário poderá responder por improbidade administrativa, nos termos do inciso VII, do art. 10, da Lei 8.429/92, que trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função nos diversos âmbitos da administração. In verbis: Art. 10 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1˚ desta lei, e notadamente: VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie. [grifo nosso] 17 2.4 DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA (CONFAZ) O convênio ICMS 133/97, que aprovou o Regimento do CONFAZ, dispõe em seu art. 1˚ que: Art. 1º. O Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional - CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais. [grifo nosso] Por outro lado, assevera o art. 2˚, §1˚, da LC 24/75, que os convênios de ICMS serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do DF, sob a presidência de representantes do Governo Federal. Veja-se: Art. 2º. Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal. §1˚. As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação. Essas reuniões são realizadas no âmbito do CONFAZ, que, como visto acima, constitui-se em órgão deliberativo, instituído com a finalidade precípua de promover a harmonia fiscal entre todos os entes federativos, valendo-se dos preceitos estabelecidos na CF/88. O CONFAZ é formado pelas Secretarias de Fazenda dos Estados e do DF e pelos representantes do Ministério da Fazenda de cada ente político, além de outros Secretários, Assessores e Convidados. Desta feita, as vantagens fiscais somente podem ser concedidas por meio de convênios celebrados pelos Estados e pelo DF na esfera do CONFAZ, em reuniões que devem ser abertas com a presença de representantes da maioria das unidades da federação. 3 UMA ANÁLISE DOS BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS À LUZ DA LEI COMPLEMENTAR 24/75 O requisito da unanimidade, disposto no §2˚, do art. 2˚, da LC 24/75, é essencial para a preservação da harmonia do Estado Federal. Contudo, previamente à sua análise, deve-se entender a forma pela qual são celebrados os acordos de benefícios fiscais de ICMS (convênios), e quando passam a produzir efeitos, de modo a autorizar o ente a outorgar o estímulo (ratificação do convênio). 18 3.1 DOS CONVÊNIOS Os convênios, necessários para a outorga dos benefícios fiscais do ICMS, encontram-se disciplinados no art. 1˚, da LC 24/75. In verbis: Art. 1˚. As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta lei. Sobre os convênios, José Cassiano Borges (1995, p. 30) assinala que: Podem ser classificados em impositivos e autorizativos. Os convênios impositivos são aqueles que concedem (impõem) o benefício fiscal, independentemente de a Unidade da Federação proceder a qualquer alteração na respectiva legislação, a fim de introduzi-lo. Por sua vez, o autorizativo é o que permite (e não impõe) às Unidades Federativas a concessão de determinados benefícios fiscais, hipótese em que a concessão somente se efetivará caso a Unidade da Federação interessada venha a modificar, expressamente, sua legislação, para introduzir o benefício. [grifo do autor] O procedimento relativo à forma como são realizados esses convênios encontra-se regulado nos arts. 2˚ e seguintes do referido diploma normativo. Rezam os dispositivos que o convênio será celebrado em reunião com os Secretários de Fazenda Estaduais, sob a presidência de representantes do Governo Federal. Após, a resolução do convênio será publicada no Diário Oficial da União, dentro de 10 dias a contar da data final da mencionada reunião. Publicada a resolução no Diário Oficial, o Executivo de cada Estado e do DF terá 15 dias para ratificá-lo, mediante publicação de decreto. Existem, então, dois desdobramentos legais possíveis. Em um deles, todos os entes federativos ratificam o convênio, configurando-se a unanimidade de decisão (§2˚, do art. 2˚, da LC 24/75), obrigando, inclusive, as Unidades da Federação que, regularmente convocadas, não se tenham feito representar na reunião (art. 7˚); e, no outro, um ou mais entes não o ratificam, caso em que será de pronto rejeitado e nenhuma validade terá. Eduardo Sabbag (2011, p. 894), analisando essa peculiar conjuntura, assinala: Não se perca de vista que as isenções de ICMS fogem, em princípio, à regra da legalidade anteriormente celebrada, conforme dicção do artigo 155, §2˚, XII, g, c/c o art. 150, §6˚, parte final, ambos da Carta Magna, na medida em que os Estados e o Distrito Federal, pretendendo conceder isenções afetas a esse imposto, deverão, previamente, firmar convênios entre si – CONFAZ – órgão com representantes de cada Estado e do Distrito Federal, indicado pelo respectivo Chefe do Executivo. Portanto, a isenção, quanto ao ICMS, deve ser precedida de Convênio entre os Estados, e não pelo legislador ordinário Estadual. [grifo nosso] Disso se conclui, então, que a ação de alguns Estados, nociva ao modelo federativo e capaz de deflagrar “guerras fiscais”, com a concessão unilateral de incentivos fiscais, desobedece as regras impostas pela LC 24/75, uma vez que conferidos [os benefícios] pelo próprio Poder Executivo ou Legislativo local, 19 unilateralmente, sem convênio anterior celebrado no CONFAZ. Se a regra constitucional é a de que Lei Complementar deverá regular a forma como os benefícios fiscais serão concedidos, e esta já existe, deverá então ser respeitada. 3.2 DA RATIFICAÇÃO DOS CONVÊNIOS O art. 4˚, da LC 24/75 encontra-se assim disposto: Art. 4˚. Dentro do prazo de 15 dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo. A ratificação dos convênios, contemplada pelo dispositivo acima, se dará por meio de decreto, que será editado pelo Poder Executivo local de cada Estado e do DF. Ademais, é o convênio apenas parcela do procedimento tendente a conceder estímulos fiscais do ICMS, que se concretizará pelo competente decreto. Portanto, o convênio não é lei e o CONFAZ não legisla. Roque Antonio Carrazza (2008, p. 220) ensina que os convênios “apenas integram o processo legislativo necessário à concessão destas desonerações tributárias. Elas surgem – ou deveriam surgir – do decreto legislativo ratificador do convênio interestadual” [grifos do autor]. Complementa o doutrinador (2008, p. 221): Assim, o conteúdo dos convênios só passa a valer como Direito interno dos Estados e do Distrito Federal ao depois da ratificação, que é feita por meio de decreto legislativo. Este ato normativo é, sem dúvida, o ponto terminal do processo legislativo adequado à concessão de isenções do ICMS. Isto tudo nos permite concluir que não é o convênio que concede a isenção de ICMS. Ele apenas permite que o Legislativo de cada Estado e do Distrito Federal venha a fazê-lo. [grifo do autor] Assim, entendemos que em um primeiro momento, o convênio deverá ser ratificado pelo Poder Executivo local. Aliás, é essa a regra inserta no art. 36, do Convênio ICMS 133/97: Art. 36. Dentro do prazo de quinze dias, contados da publicação a que se refere o artigo anterior e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Estado e do Distrito Federal publicará Decreto ratificando ou não os convênios celebrados. Em segundo lugar, para que possa o benefício fiscal ser concedido, deve ser editado decreto legislativo. Ou seja, poderá a entidade tributante conceder o estímulo fiscal ao beneficiário, em regra, somente após a “ratificação” por meio de decreto legislativo, que não deve ser confundido com o decreto que “confirma” o convênio, que ocorre em momento anterior e é de competência do Poder Executivo, conforme dicção do art. 4˚, da LC 24/75. Nesse sentido, dispõe o art. 53, inciso XXIV, da Constituição Estadual do Rio grande do Sul: 20 Art. 53. Compete exclusivamente à Assembléia Legislativa, além de outras atribuições previstas nesta Constituição: (...) XXIV - apreciar convênios e acordos em que o Estado seja parte, no prazo de trinta dias, salvo se outro prazo for fixado por lei; [grifo nosso] Nessa direção, a Lei Orgânica do DF, no §6˚, do seu art. 135, preleciona: Art. 135. O Distrito Federal fixará as alíquotas do imposto de que trata o artigo anterior [ICMS] para as operações internas, observado o seguinte: (...) §6˚. As deliberações tomadas nos termos do § 5º, VII, no tocante a convênios de natureza autorizativa, serão estabelecidos sob condições determinadas de limites de prazo e valor e somente produzirão efeito no Distrito Federal após sua homologação pela Câmara Legislativa. Por fim, é oportuno destacar trecho do voto da Ministra Ellen Gracie sobre o tema, no RE 539.130/RS: [...] o princípio da estrita legalidade consubstanciado no art. 150, § 6º, da Constituição Federal, ao contrário do que afirmado pela parte recorrente, está satisfeito à saciedade. Em primeiro lugar, constato a existência de ratificação do Convênio pelo órgão competente (no caso, o CONFAZ), em obediência ao previsto na LC 24/75. Em segundo lugar, tem-se presente a Lei Estadual 8.820/89, um ato jurídico-normativo concreto, específico. E, em terceiro lugar, o já referido Decreto Legislativo 6.591/92, norma que consolida e viabiliza a benesse fiscal em discussão. [grifo nosso] 3.3 DA UNANIMIDADE NA DECISÃO DO CONFAZ O requisito da unanimidade, exigido na decisão que concede benefícios fiscais a Estados ou ao DF, no âmbito do CONFAZ, está regrado pelo §2˚, do art. 2˚, da LC 24/75. Senão vejamos: Art. 2˚. (...) §2˚. A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. Viu-se que, em regra, os incentivos fiscais serão concedidos mediante lei específica. No entanto, o ICMS foge a essa regra, uma vez que seus incentivos somente poderão ser outorgados com a celebração de convênios pelos Estados e pelo DF, e mais: a partir de decisão que seja unânime e tomada em reunião celebrada entre os entes federativos no CONFAZ, para posterior ratificação por meio de decreto legislativo. Assim, em decorrência dessa sistemática adotada pela LC 24/75, exigindo-se decisão unânime por parte dos Estados e do DF, para que benefícios fiscais sejam concedidos, muitos entes passam a realizar renúncias fiscais, beneficiando grandes empresas, sem que se tenha passado pelo crivo das reuniões, em verdadeira burla à legislação do ICMS (arts. 150, §6˚, 155, §2˚, XII, “g‟ c/c art. 2˚, §2˚, da LC 24/75). Inclusive, a jurisprudência do STF já corroborou o entendimento de que a inobservância dos preceitos estabelecidos pela LC 24/75 implica em ofensa ao pacto 21 federativo e aos princípios tributários. Nesse sentido, veja-se a ementa da Ação Cível Originária 541-1/06: EMENTA: Ação Cível Originária. 2. Estados de São Paulo e Bahia. Termo de Acordo de Regime Especial no 01/98, celebrado entre o Distrito Federal e empresa particular. 3. Possibilidade de desconstituição dos efeitos de acordo ou convênio administrativo após o término da vigência. Inocorrência de prejudicialidade. 4. Ação prejudicada, apenas, no período entre 1o.07.99 e 31.07.99, por celebração do TARE no 44/99, dispondo sobre o mesmo objeto. 5. Vício formal. Acordo firmado em desobediência à forma estabelecida na Lei Complementar no 24/75. Fixação de alíquota de ICMS diversa da fixada na Resolução n˚ 22, do Senado Federal. 6. Passagem ficta de mercadorias. Inocorrência de fato gerador. Prejuízo na incidência do ICMS aos Estados requerentes. Violação do pacto federativo e princípios tributários. 7. Ação Cível Originária julgada procedente. (ACO 541, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/04/2006, DJ 30-06 2006 PP-00006 EMENT VOL-02239-01 PP-00001 RTJ VOL-00205-03 PP-01019 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 32-46 RDDT n. 132, 2006, p. 229) [grifo nosso] Prosseguindo, valemo-nos de um argumento em favor da unanimidade exigida pela LC 24/75, que sucede da interpretação do inciso I, do art. 151 da Carta Magna. Está assim disposto: Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País. [grifo nosso] Um dos principais fundamentos, utilizados por entes federados que concedem benefícios fiscais à revelia do CONFAZ, é o de que os incentivos objetivam promover o crescimento socioeconômico de sua região, que em geral se destoa dos demais entes, já que estes, com melhor infraestrutura, possuem em geral melhores condições de promover vantagens fiscais, por em “tese” já estarem com um grau de desenvolvimento econômico e social mais elevado, o que viabiliza a renúncia de valores de ICMS. No entanto, caso assim pretendesse o Constituinte – que o crescimento socioeconômico de um Estado incumbisse a ele próprio, o teria feito, e não outorgado esse dever à União, que detém competência exclusiva para concessão de incentivos fiscais tendentes a promover o equilíbrio socioeconômico entre as diferentes regiões do País (art. 151, I, da CF/88). Assim é que, segundo doutrina Martins (2012, p. 15-16): [...] apenas e exclusivamente a União pode fazer políticas que afetem a competitividade, em prol de desenvolver regiões mais pobres do país. Essa é a única forma de descompetitividade que é considerada constitucional e que não fere nem o inciso II do art. 150, nem o inciso IV do art. 170, porque viabiliza alcançar o objetivo previsto no art. 3˚, III da CF/88, e se coaduna com as regras do artigo 155, §2˚, incisos IV, V e VI da Lei Maior. [grifo nosso] 22 De modo diverso, há quem sustente que a problemática envolvendo os estímulos fiscais e a guerra fiscal está relacionada, primordialmente, à legislação infraconstitucional, ou, especificamente, à LC 24/75, editada sob a égide da Constituição anterior (1967). Assim, para Evaldo de Souza da Silva (2008, p. 21), “[o problema] está na inércia do Congresso Nacional em adotar providências legislativas necessárias a evitar que os estados-membros e o Distrito Federal se digladiem entre si para oferecerem isenções, incentivos e benefícios fiscais” [...]. Assim, entende o eminente Procurador Distrital que: [...] afirmado deve ser – sem qualquer medo de equívocos – que a Lei Complementar n˚ 24/75 é suscetível de impugnação para juízo negativo de recepção na via incidental e também pode ser atacada e questionada por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, porquanto o princípio da decisão unânime nela insculpido – no que diz com a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais – se confronta diretamente com o preceito fundamental da democracia estampado no art. 1˚ da Constituição da República Federativa do Brasil (2008, p. 21). E conclui afirmando que “[...] o problema da Guerra Fiscal não está na Constituição Federal, mas, sim, no desmazelo do Congresso Nacional em enfrentar o tema [...]”, e que “[...] cabe a cada um dos estados-membros e ao Distrito Federal decidir, isolada ou conjuntamente, por levar essa questão à apreciação do Supremo Tribunal Federal, fato que certamente forçará a discussão do tema no Congresso Nacional”. A seu turno, Carvalho (2012, p. 55), em semelhante raciocínio, certifica que: É preciso considerar, porém, que a Lei Complementar 24/75 foi produzida sob o manto da Carta de 1967, tendo por base contexto socioeconômico diverso daquele que se verifica hoje, no âmbito da vigência da Constituição de 1988. Se, àquela época, a aprovação por unanimidade era requisito indispensável para conferir ao ICM a uniformidade então constitucionalmente preconizada, hoje esse pressuposto não deve estar presente com tanta rigidez, sendo admissível mitigá-lo em situações peculiares, quando as disparidades socioeconômicas dos Estados e o objetivo de reduzi-las assim justificarem. Além disso, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n˚ 170/12, atualmente para votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), de autoria do Senador Ricardo Ferraço, e cuja Explicação da Ementa transcreve-se em seu inteiro teor: Regula o art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal, dispondo que isenções, incentivos e benefícios de ICMS serão concedidos por lei específica do ente federado, após convênio firmado por representantes dos governos dos Estados e do Distrito Federal, em reunião presidida por representante do governo federal, com a anuência de, pelo menos, 3/5 das unidades da Federação (UFs), compreendendo, no mínimo, 1 UF por região. Estabelece sanções às UFs que concederem ou mantiverem benefícios fiscais em desacordo com as mencionadas regras, como impedimento de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito, bem como aos agentes públicos responsáveis (responsabilidade civil, penal e administrativa). Estende as mesmas sanções aos municípios que concederem benefícios sobre sua parcela na receita do ICMS. Mantém os atuais benefícios de ICMS até que revogados ou alterados. Reproduz, da Lei Complementar nº 24/75, as normas referentes: aos efeitos do ato cooperativo quanto ao ICMS; à exclusão do âmbito de incidência da lei à Zona Franca de Manaus, durante o prazo constitucional de seu 23 funcionamento, e à redação do art. 178 do Código Tributário Nacional. Revoga a Lei Complementar nº 24/75. Assunto: Tributação – Econômico. Como se vê, o Projeto pretende abolir a exigência de decisão unânime, contida no §2˚, do art. 2˚, da LC 24/75. Almeja, decerto, que o quórum exigido para a concessão dos benefícios do ICMS passe a ser de 3/5 dos Estados mais o DF, e que pelo menos um ente de cada região da federação o ratifique, sendo ambos os critérios cumulativos. E, pelo menos no que diz respeito ao fim da unanimidade, a justificativa do Projeto é a de que o quórum que passará a ser imposto (3/5) é o mesmo para a mudança do texto constitucional, por meio de emendas (art. 60, §2˚, da CF/88); e que, além disso, exigir que pelo menos um ente de cada região consinta com a concessão ou revogação evitará a formação de blocos de Estados. Não partilhamos desse entendimento. Uma coisa é a reforma do Texto Constitucional, por meio de emendas (aprovadas por 3/5 dos votos, em dois turnos, em cada Casa do Congresso Nacional). Outra, diferente, é querer que esse mesmo quórum seja o mesmo estabelecido para a concessão dos benefícios fiscais, tema diretamente relacionado à harmonia da Federação, que é cláusula pétrea (art. 60, §4˚, I, da CF/88), e não pode ser alterada pelo Poder Constituinte Derivado Reformador. Ora, se o benefício é tema que envolve a Federação, e esta não pode ser alterada por emendas, não se pode, então, exigir o quórum de 3/5 para a concessão dos estímulos fiscais. Isso significaria negar a importância que a forma Federativa de Estado, que é imutável, representa. Se não pode ser alterada, não se pode, então, exigir quórum outro que não a unanimidade, para que os benefícios sejam outorgados, por envolver essa matéria (estímulos fiscais), de modo direto, a própria harmonia do Estado Federal. Portanto, entendemos não ser razoável o quórum de 3/5 exigido, conforme proposto pelo Projeto de Lei n˚ 170/12, visando a outorga dos estímulos fiscais. Isso, pois, o tema do benefício fiscal (unilateral) envolve questão muito maior (a própria harmonia da Federação), e, nesse caso, sobrepõe-se a outras matérias que por ventura poderiam ser objeto de deliberação, pelo quórum de 3/5. Ainda, corre perante o STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 198, datada de 2009, proposta pelo então governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, questionando os arts. 2˚, §2˚ e 4˚, da LC 24/75, por suposta afronta ao preceito fundamental do princípio democrático, insculpido no art. 1˚ da Carta Magna, com pedido liminar para a suspensão dos cogitados dispositivos. De acordo com a arguição, a exigência de unanimidade, estabelecida para a concessão de incentivos fiscais, viola a autonomia necessária dos entes políticos, em ofensa ao princípio federativo. Na apreciação do pleito liminar, o relator, Ministro Dias Toffoli entendeu pela não presença dos requisitos que autorizam a concessão do provimento, indeferindoo, visto que “os artigos objeto da presente ação encontram-se em vigor há mais de 34 anos, sendo certo que 21 desses anos decorreram já sob a égide da Constituição Federal de 1988”. Ademais, sustentou que “[...] costuma ser rigoroso o tratamento dado à disciplina do ICMS por esta Corte, exatamente com o escopo de coibir a denominada „guerra fiscal‟ que Estados membros costumam travar em matéria de concessões, incentivos e isenções fiscais [...]”. 24 4 JURISPRUDÊNCIA DO STF Já decidiu a Suprema Corte que são legítimas as restrições impostas aos entes federados, pela CF/88, no que tange à matéria de concessões de benefícios fiscais de ICMS, em especial no que atine à necessidade prévia de celebração de convênios interestaduais. Sobre esse requisito, o STF tem posição pacífica: "Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.366, de 7 de julho de 2006, do Estado do Espírito Santo. Lei que institui incentivo fiscal para as empresas que contratarem apenados e egressos. Matéria de índole tributária e não orçamentária. A concessão unilateral de benefícios fiscais, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, afronta ao disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição do Brasil. (...) O texto normativo capixaba efetivamente viola o disposto no art. 155, §2º, XII, alínea g, Constituição do Brasil, ao conceder isenções fiscais às empresas que contratarem apenados e egressos no Estado do Espírito Santo. A lei atacada admite a concessão de incentivos mediante desconto percentual na alíquota do ICMS, que será proporcional ao número de empregados admitidos. Pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que a concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/1975, afronta ao disposto no art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. Precedentes." (ADI 3.809, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 14-6-2007, Plenário, DJ de 14-9-2007.) [grifo nosso] Diante da relevância dos convênios para o tema, e da necessidade de unanimidade, quando de sua celebração, o STF se mostra resoluto: “A propósito da questão, anota com pertinência o parecer da PGR, verbis: (...) Quanto ao art. 6º, anota a PGR, verbis: „Do mesmo modo, o art. 6º da Lei Estadual sob análise incorre em vício de inconstitucionalidade material, ante a violação imposta por este ao art. 155, § 2º, XII, alínea g, da Constituição, segundo o qual cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais, referentes ao ICMS, serão concedidos e revogados. A lei complementar a que se refere o dispositivo constitucional supramencionado é aquela que disciplinará, exatamente, os mecanismos jurídicos norteadores da celebração dos convênios entre os Estados e o Distrito Federal. Importante destacar que tamanha a relevância dos convênios, que somente havendo a sua ratificação por todos os Estados e pelo Distrito Federal é que a isenção ou benefício se implementa. Ou seja, se apenas um Estado não acordar com os termos do convênio, ter-se-á por ilegítima a isenção ou o benefício concedido. (fls. 97/98) É essa também a orientação que predomina nesta Corte (...).” (ADI 2.529, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-6-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.) [grifo nosso] Ainda por cima, tramita perante a Suprema Corte a proposta de Súmula Vinculante 69, proposta pelo Ministro Gilmar Mendes, cuja Proposta de Verbete estipula que “qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional”. A Súmula pretende dirimir por vez a questão condizente a estímulos unilateralmente concedidos, de modo a coibir a prática e reduzir o número de ADIs 25 que são recebidas sobre a matéria, para admitir superveniente discussão somente por intermédio de reclamação (art. 7˚, da Lei 11.417/06). Terá a prerrogativa, outrossim, de registrar entendimento há tempo consolidado. Nesse contexto, segue pertinente julgado: CONVÊNIOS E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVO E BENEFICIO FISCAL EM TEMA DE ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estadosmembros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. Precedente: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO.Constituição (1247 PA, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/08/1995, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 08-09-1995 PP-28354 EMENT VOL-01799-01 PP00020) [grifo nosso] Como se vê, quer a Suprema Corte afastar do cenário nacional a “guerra fiscal”, consolidada através de práticas fiscais adotadas por entes políticos, e que põe em desequilíbrio as relações de harmonia que devem pautar a federação. Um exemplo pode ser visualizado no caso em que o Estado do Mato Grosso, pretendendo supostamente “anular” benefícios concedidos por outros Estados, editou decreto para considerar como não pago o ICMS de mercadorias destes provenientes. Ipsis litteris: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO N. 989/03, EDITADO PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO MATO GROSSO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SENADO FEDERAL PARA FIXAR A ALÍQUOTA DO ICMS, NOS TERMOS DO PRECEITO DO ARTIGO 155, § 2º, INCISOS IV E V, DA CB/88. ICMS. IMPOSTO NÃOCUMULATIVO. A CONCESSÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIOS FISCAIS, SEM A PRÉVIA CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL, AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O decreto n. 989/03, do Estado do Mato Grosso, considera como não tendo sido cobrado o ICMS nas hipóteses em que a mercadoria for adquirida nos Estados do Espírito Santo, de Goiás, de Pernambuco e no Distrito Federal 2. O contribuinte é titular de direito ao crédito do imposto pago na operação precedente. O crédito há de ser calculado à alíquota de 7% se a ela efetivamente corresponder o percentual de tributo incidente sobre essa operação. Ocorre que, no caso, a incidência dá-se pela alíquota de 12%, não pela de 7% autorizada ao contribuinte mato-grossense. 3. Pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS, sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, nos termos do que dispõe a LC 24/75, afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal". Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional o decreto n. 989/2003, do Estado do Mato Grosso. (ADI 3312, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26 16/11/2006, DJ 09-03-2007 PP-00025 EMENT VOL-02267-01 PP-00079 LEXSTF v. 29, n. 341, 2007, p. 43-50 RDDT n. 140, 2007, p. 215) [grifo nosso] O ato do Executivo do Estado do Mato Grosso afrontou o princípio da nãocumulatividade do ICMS, ao realizar a cobrança do crédito (art. 8˚, I e II, da LC 24/75) com base na alíquota de 12% incidente na operação, e não pela de 7%, que faz jus o contribuinte. Isso resultou que o Estado Mato Grossense arrecadou mais do que deveria. Ocorre que, por força do princípio constitucional da não-cumulatividade, não poderia o Estado Mato Grossense ter cobrado de seu contribuinte o que não foi pago no Estado de origem, mas, pelo contrário, buscar o Poder Judiciário, ajuizando a competente ação contra o ente estimulador, caso se sentisse prejudicado em sua competitividade. O que não pode, no entanto, é penalizar o contribuinte, que possui direito assegurado ao crédito do ICMS já pago na operação anterior, por força do princípio acima colocado. 5 CONCLUSÃO O ICMS, imposto estadual, previsto no art. 155, II, da CF/88, revela-se uma das principais fontes de arrecadação financeira dos Estados e do DF. A competência para instituir o gravame, outorgada pelo Texto Maior aos 27 entes federativos (art. 155, II, da CF/88), fez com que a sua disciplina fosse tratada em diversos dispositivos constitucionais, de onde resulta a sua complexidade. Desse modo, uma vez que compete aos Estados e ao DF a sua criação, é de se esperar que a consequência desse preceito, em cenário nacional, seja a denominada “guerra fiscal”. Isso porque o ICMS afigura-se como uma grande fonte de receita para as entidades tributantes estaduais e o DF. E, por essa razão, o imposto acaba se tornando um forte instrumento fiscal por parte de alguns entes políticos, que passam a utilizá-lo como “moeda de troca” em prol da instalação de investimentos privados em suas regiões (extrafiscalidade do imposto). A atração desses investimentos, que tem por escopo quase sempre o desenvolvimento socioeconômico do ente concedente do estímulo fiscal, muitas vezes se dá por meio da concessão unilateral de incentivos fiscais por parte de algum Estado ou o DF, sem prévio convênio celebrado pelas unidades federadas no âmbito do CONFAZ, em reunião com representantes das Secretarias de Fazenda Estaduais e do DF. Uma das formas de se coibir essa prática, qual seja, a concessão unilateral de incentivos fiscais, se visualiza no expediente jurídico da redução e majoração de alíquotas, outorgado à competência do Senado Federal pela CF/88 (art. 155, §2˚, IV, V e VI). Essa medida visa, principalmente, restringir a majoração ou redução de alíquotas por parte dos Estados e DF, para impedir que concedam, arbitrariamente, benefícios fiscais a investidores privados, o que produz um cenário de descompetitividade de mercado entre as unidades federadas. Por esse motivo, é que estabelece o art. 1˚, da LC 24/75, que somente por convênios, celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todas as unidades federativas, que benefícios de ICMS poderão ser conferidos. E mais: a partir de decisão que seja unânime e que venha a ser 27 ratificada por todas as pessoas políticas que compareceram à aludida reunião, nos moldes dos arts. 2˚ e seguintes da LC 24/75. Há aqueles, entretanto, que entendem que a exigência de unanimidade para que benesses de ICMS sejam concedidas, contida no §2˚, do art. 2˚, do referido diploma complementar, deve ser questionada, ou, até mesmo, ser declarada inconstitucional. Para estes, a imposição de unanimidade exsurge como um obstáculo à efetivação de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a redução das desigualdades sociais e regionais. Portanto, inferem os defensores dessa corrente que é justificável a concessão unilateral dos incentivos fiscais, com a finalidade de garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico das diferentes regiões do país. Para alguns, que se filiam a esse grupo, a outorga dos benefícios por Estados ricos são, realmente, inconstitucionais, porque tendem a agravar o cenário de descompetitividade; mas se a benesse é concedida por um ente economicamente menos favorecido, estaria este consagrando o princípio do equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico da região, sendo, logo, constitucional o estímulo concedido. Alguns sustentam, ainda, que o requisito da unanimidade fere o princípio democrático insculpido no art. 1˚ da CF/88, por ser inadmissível que apenas por convenção de todos os Estados e o DF estímulos de ICMS possam ser concedidos. Aduzem que o quórum de 3/5, que atualmente é o estabelecido para a alteração da Carta Magna (salvo cláusulas pétreas), por meio de emendas, deveria ser o mesmo exigível para a concessão de benefícios fiscais do gravame. Dentre outros argumentos, arrazoam também que a edição da LC 24/75 deuse em momento anterior à promulgação da CF/88, e que, por essa razão, não deveriam as regras consignadas no diploma complementar serem interpretadas de forma absoluta, em especial o §2˚, do seu art. 2˚, tendo em vista que o contexto socioeconômico do país, naquele período histórico, era diferente do atual. Em suma, para estes a exigência de unanimidade não se coaduna com os princípios democrático e do desenvolvimento regional. Todavia, entendemos que não se configura inconstitucional a exigência de unanimidade para que benefícios fiscais possam ser concedidos pelos Estados e o DF. Isso porque a outorga de “favores” fiscais, com a finalidade de promover o equilíbrio do desenvolvimento regional, é ônus que compete exclusivamente à União, conforme a dicção do art. 151, I, da Carta Magna, e não aos entes estaduais e ao DF. Não existe princípio absoluto na CF/88. Se, por um lado, um dos maiores postulados insculpidos no Texto Maior diz respeito ao princípio democrático, por outro a Federação é cláusula pétrea (art. 60, §4˚, I, da CF/88), o que legitima as disposições de ordem constitucional que estabelecem restrições à matéria do ICMS. Portanto, se a outorga de benefícios fiscais de forma singular, sem prévio convênio no âmbito do CONFAZ, é capaz de gerar uma desarmonia federativa, a gerar uma “guerra fiscal”, conforme destacado pelo STF, não há que se falar em violação àquele princípio (democrático), tendo em vista que o requisito da unanimidade, implícito na CF/88 e expressamente consagrado na LC 24/75, é a medida mais eficiente para se evitar a “guerra fiscal” e manter a harmonia entre as entidades tributantes do Estado Federal. Além disso, a proposta para se alterar o requisito da unanimidade (§2˚, do art. 2˚, da LC 24/75) para 3/5 de todos os Estados e o DF, não parece razoável. A alegação de que 3/5 seria o mesmo quórum exigido para a alteração do texto 28 constitucional, por meio de emendas, não leva em consideração o modelo Federativo de Estado. A outorga unilateral de incentivos fiscais é questão que envolve diretamente a própria harmonia que deve pautar as relações entre os entes federativos. E, se está se falando de modelo de Estado imutável por meio de emenda constitucional – Federação (art. 60, §4˚, I, da CF/88), por conseguinte não se pode admitir que por 3/5 dos votos dos Estados-membros e do DF benesses fiscais possam ser concedidas. Pensar de forma contrária significa colocar em um mesmo patamar jurídico as matérias que podem ser deliberadas pela via de emendas (por 3/5 de votos) e o próprio princípio Federativo, que é cláusula pétrea, e, consequentemente, imutável. Por fim, registramos que o próprio texto constitucional, no inciso VI, do §2˚, do art. 155, ao fazer referencia à “deliberação dos Estados e DF”, no que tange ao regime de redução e majoração de alíquotas de ICMS, estabeleceu implicitamente que somente por unanimidade tais desonerações poderão ser concedidas. Afinal, falou o constituinte em “Estados e DF”, o que representa os 27 entes federativos. Deste modo, com o propósito de manter o postulado da harmonia federativa, que deve pautar as relações entre os Estados e o DF, é que o expediente da unanimidade, consagrado em diversas decisões do STF, afigura-se indispensável, porquanto está implícito no próprio texto constitucional e expresso na LC 24/75, recepcionada pela CF/88. An analysis regarding the tax benefits of ICMS in light of the 1998 Federal Constitution and the unanimity required by the Lei Complementar 24/75. Abstract: The present article, in the modality of selective review, has as its objective analyze the subject as regards the grant of the ICMS tax benefit, using as base the legislation, jurisprudence and doutrine. It sought to verify the subject in the 1988 Federal Constitution and in the Lei Complementar 24/75. It analyzes the question regarding the bestowing of law tax benefits in the 1988 Federal Constitution, and studies the constitutionality of the unanimous decision requirement, shown in the §2˚of the 2˚ article, of the Lei Complementar 24/75, for the ICMS granting of benefits and exemptions in the CONFAZ scope. Reaching the conclusion that, in light of the legal/tax parental arrangement in vigor, there's no need to talk about the unconstitutionality of the device, be it by the reception of the Lei Complementar 24/75 in the Carta Magna, which is in full validity, be it by the guarantee provided by the requirement to the stability of the brazilian federal pact, to avoid a fiscal war started by the unilateral concession of ICMS incentives. Key-words: ICMS. Benefits. CONFAZ. Unanimity. 29 REFERÊNCIAS ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. ALVES, Maria Abadia da Silva. Guerra fiscal e finanças federativas no Brasil: O caso do setor automotivo. São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivo s/bf_bancos/e0001758.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013. AMARAL, Gilberto Luiz; OLENIKE, João Eloi; AMARAL, Letícia Mary. Carga Tributária Brasileira 2012. São Paulo, 2012. 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Requerida: Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Órgão: Tribunal Pleno. Brasília, DF. Data do julgamento: 14/06/2007. Data da Publicação: DJe 05/09/2007. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=485452>. Acesso em: 15 mar. 2013. ______. Supremo Tribunal federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI n. 3312/MT. Requerente: Governador do Distrito Federal. Requerido: Governador do Estado do Mato grosso. Relator: Ministro Eros Grau. Órgão: Tribunal Pleno. Brasília, DF. Data do julgamento: 16/11/2006. Data da Publicação: DJe 09/03/2007. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=409290>. Acesso em: 18 abr. 2013. ______. Lei Complementar 24/75, de 07 de janeiro de 1975. Dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do ICMS e dá outras providências. Diário 31 Oficial da União, Brasília, 09 jan. 1975, p. 345. 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