Apelação Chiei no. 200.2011.006.756-4/001
ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Gabinete do Desembargador
Marcos Cavalcanti de Albuquerque
Acórdão
Apelação Crivei - no. 200.2011.006.756-4 /001.
•
Relator: Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
Apelante: Unimed João Pessoa - Cooperativa de Trabalho Médico - Adv.
Caius Marcellus Lacerda, Mário Meira C. Gomes Júnior e outros.
Apelada: Maria Célia Feitosa Leite - Adv. Ilza Cilma de Lima.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REVISÃO DE
CLÁUSULA CONTRATUAL - PLANO DE SAÚDE CONTRATO DE ADESÃO FIRMADO EM DATA
PRETÉRITA A VIGÊNCIA DA LEI No. 9.656/98
e 8.078/90 (CDC) - IRRELEVÂNCIA NEGATIVA NA COBERTURA DE EXAME DE PET
SCAN - IMPOSSIBILIDADE - CLÁUSULA QUE
IMPÕE LIMITAÇÕES NOS PROCEDIMENTOS
MÉDICOS REQUERIDOS - NECESSIDADE
CONTÍNUA DO PACIENTE - ABUSIVIDADE A
SER DECRETADA - DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - MANUTENÇÃO , DA
SENTENÇA - DESPROVIMENTO DO APELO.
- A aplicação do Código de Defesa do
Consumidor nos contratos de prestação de
serviços médico-hospitalares é perfeitamente
possível, devendo os contratos serem
interpretados de modo benéfico ao
consumidor, parte hipossuficiente da relação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos acima
identificados.
Des argador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
Apelação Cível no. 200.2011.006.756-4/001
Acorda a Segunda Câmara Cível do Tribunal de
Justiça da Paraíba, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO
APELO.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível, interposta pela UNIMED
João Pessoa — Cooperativa de Trabalho Médico, hostilizando a sentença do
Juízo de Direito da 7a Vara Cível da Comarca da Capital que, nos autos da
Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais, manejada por Maria
Célia Feitosa Leite, julgou parcialmente procedente o pedido contido na
inicial.
Insatisfeita, a recorrente interpôs a presente Apelação
(fls. 125/159), aduzindo, em suma, que a Magistrada sentenciante baseou
seu decisum em dispositivos da Lei no. 9.656/98 e 8.078/90 (CDC),
alegando a existência de cláusula restritiva de direito, entretanto, o
contrato fora firmado em ocasião anterior à validade dos dispositivos, não
podendo, assim, ferir o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.
Alega ainda que, nos últimos anos tem-se assistido à
banalização do dano moral no âmbito da qual simples situações de
desconforto e aborrecimento praticamente inevitáveis no cotidiano têm
sido motivo para indenização, que em grande parte dos casos, nada mais
é do que maneira cômoda de extrair dinheiro de empresas.
Ao final, pugna pelo provimento do recurso.
A apelada apresentou contrarrazões às fls. 164/170.
Instada a se pronunciar, a Procuradoria de Justiça
apresentou parecer. (fls. 174/7180) opinando pelo provimento parcial do
recurso.
É o relatório.
VOTO
Desem rgador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Cível no. 200.2011.006.756-4/001
O cerne da questão consiste na condenação da
apelante ao pagamento de Indenização por Danos Morais e Danos
Materiais à apelada devido a negativa da apelante em autorizar a
realização do exame médico requerido pela apelada.
Inicialmente, importante frisar que a apelada detém
carcinoma mamário (CID:C50) com disseminação metástatica para o
fígado, esqueleto e pulmões, necessitando submeter-se a um exame de
PET SCAN com TC do corpo inteiro, entretanto, o contrato com o plano de
saúde cobre os seguinte procedimentos (fls.21A), vejamos:
"CLÁUSULA 03 - ESPECIALIDADES MÉDICAS
(...) Alergologia, Anestesiologia, Angiologia,
Broncoesofagologia; Cancerologia (...)".
Por sua vez, a apelante aduz que a Lei no. 9.656/98 e
8.078/90 (CDC) não poderá ser utilizada no caso concreto, tendo em vista
que o contrato fora firmado em data pretérita da vigência dos
mencionados dispositivos.
Ocorre que o contrato de plano de saúde, nos moldes
em que foi firmado, previa uma duração por prazo indeterminado, se não
houver manifestação por escrito (fls. 20/45), ou seja, trata-se de uma
prestação de trato sucessivo, sendo plenamente aplicável os dispositivos
supra mencionados.
Assim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor
nos contratos de prestação de serviços médico-hospitalares é
perfeitamente possível, devendo os contratos serem interpretados de
modo benéfico ao consumidor, parte hipossuficiente da relação.
Além de que, relevante pontuar que as normas legais
direcionadas ao caso em foco procuraram humanizar a função social do
contrato e reprimir o abuso de direito, devendo as entidades responsáveis
pela administração do plano de saúde se adequarem às novas realidades,
propondo e promovendo as alterações contratuais prudentes e de bom
senso.
Desemb
ador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Oval no. 200.2011.006.756-4/001
Com isso, diante desta realidade, a Lei no. 9.656/98 e a
8.078/90 (CDC), estabelecem normas de ordem pública e de interesse
social, o que autoriza sua adequação aos contratos firmados ainda que em
data pretérita à vigência da norma legal.
Ressalta-se
que,
considerando
a
consolidação
legislativa vigente com a Lei n° 9.656/98, admissivel o estabelecimento
pelas seguradoras de saúde dos tipos de doenças abrangidas pelos planos
oferecidos no intuito de proteger o consumidor e, ao mesmo tempo, de
assegurar a viabilidade empresarial dos planos privados de saúde.
Todavia, deve haver uma distinção entre a patologia
alcançada e a sua terapia, por não ser razoável que se exclua determinada
opção terapêutica se a doença está agasalhada no contrato.
Do contrário, estar-se-ia autorizando a empresa
seguradora a substituir os médicos na escolha da terapia adequada de
acordo com o plano de cobertura do paciente, fato este inadmissível, vez
que o orientador do tratamento é o especialista, não podendo ser
impedido de escolher a alternativa que melhor convier à cura do paciente,
sob pena de se colocar em risco a vida deste.
Desta feita, o plano de saúde pode estabelecer que
doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está
alcançado para a respectiva cura. Em outras palavras, se a patologia está
coberta pelo plano, inviável a vedação de determinado tratamento pelo
simples fato de que esta é uma das alternativas possíveis para a cura da
doença.
In casu, havendo inclusão do câncer na apólice da
recorrida, não há como impedir a cobertura do seguro para o exame de
PET SCAN com TC do corpo inteiro.
Logo, a abusividade da cláusula encontra-se no fato da
paciente, consumidora do plano de saúde, ser impedida de receber
tratamento de doença coberta em razão de cláusula limitativa.
D embargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Chiei no. 200.2011.006.756-4/001
A norma consumerista é clara:
"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre
outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornécimento de produtos e serviços que:
IV
estabeleçam obrigações consideradas
iníquas, abusivas, que coloquem o
-
consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade;
§ 1° Presume-se exagerada, entre outros
casos, a vontade que:
II
restringe direitos ou obrigações
fundamentais, inerentes à natureza do
-
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto
ou equilíbrio contratual";
A jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça se
comporta do mesmo modo, reconhecendo a abusividade da cláusula
firmada com determinada limitação, vejamos:
"INDENIZATÓRIA - PLANO DE SAÚDE TRATAMENTO INTENSIVO NA UTI - LIMITAÇÃO
CONTRATUAL DE INTERNAÇÃO - CLÁUSULA
ABUSIVA - INDENIZAÇÃO MATERIAL DEVIDA RECURSO DESPROVIDO. - É abusiva a
cláusula contratual de plano de saúde que
limita a internação hospitalar do segurado".
(T3PB - Acórdão do processo no
20020060046709 - Órgão (3a Camara Civel)
Relator DES. MANOEL PAULINO DA LUZ - j.
Em 09/03/2007).
"APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PLANO DE SAÚDE - TRATAMENTO MÉDICO -
Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Cível n°. 200.2011.006.756-4/001
RIZOTOMIA PERCUTÂNIA POR SEGUIMENTO;
DEKOMPRESSOR - CONCESSÃO DA TUTELA IRRESIGNAÇÃO - . NÃO COBERTURA
CONTRATUAL PARA O PROCEDIMENTO ALEGAÇÕES INFUNDADAS - CONTRATO
CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI
9.656/98 - IRRELEVÂNCIA - PROTEÇÃO
CONTRATUAL HAURIDA DO CDC DESVANTAGEM AO CONTRATANTE RECONHECIMENTO DE CLÁUSULA ABUSIVA DESPROVIMENTO DO RECURSO.
— É de se admitir a abusividade de cláusula
contratual estipulada em contrato de plano de
saúde, quando acarreta excessiva
desvantagem ao contratante, ainda mais em
se tratando de exclusão ou limitação de
material imprescindível ao êxito do
procedimento cirúrgico principal". (T3PB Acórdão do processo no 20020080377001001
- Órgão (3a Câmara Cível) - Relator DR. 30A0
BENEDITO DA SILVA - JUIZ CONVOCADO - j.
Em 28/07/2009).
Do mesmo modo, já decidiu o Superior Tribunal de
Justiça:
"Seguro saúde. Cobertura. Câncer de pulmão.
Tratamento com quimioterapia. Cláusula abusiva.
1. O plano de saúde pode estabelecer quais
doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo
de tratamento está alcançado para a respectiva
cura. Se a patologia está coberta, no caso, o
câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo
simples fato de ser esta uma das alternativas
possíveis para a cura da 'doença. A abusividade da
cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto,
qual seja, não pode o paciente, em razão de
cláusula limitativa, ser impedido de receber
D mbargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Chiei no. 200.2011.006.756-4/001
tratamento com o método mais moderno
disponível no momento em que instalada a doença
coberta.
2. Recurso especial conhecido e provido".
(REsp 668.216/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em
15/03/2007, DJ 02/04/2007, p. 265)
"DIREITO CIVIL PLANOS DE SAÚDE. COBERTURA.
LIMITAÇÃO CONTRATUAL/ESTATUTÁRIA AO
NÚMERO DE SESSÕES DE QUIMIOTERAPIA.
IRRETROATIVIDADE DA LEI No 9.656/98.
RELAÇÃO DE CONSUMO. NATUREZA JURÍDICA DA
ENTIDADE. DESINFLUÊNCIA. ABUSIVIDADE DA
•
RESTRIÇÃO.
I - "A relação de consumo caracteriza-se pelo
objeto contratado, no caso a cobertura médicohospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica
da entidade que presta os serviços, ainda que se
diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano
de saúde remunerado" (REsp 469.911/SP, Rel.
Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJe
10/03/2008).
II - Reconhecida a incidência do Código de Defesa
do Consumidor, impende reconhecer, também, a
abusividade da cláusula contratual/estatutária que
limita a quantidade de sessões anuais de rádio e
de quimioterapia cobertas pelo plano. Aplicação,
por analogia, da Súmula 302/STJ. '
Recurso Especial a que se nega provimento".
(REsp 1115588/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe
16/09/2009)
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.
CIVIL. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DE
COBERTURA. RESTRIÇÃO DE DIREITOS.
ABUSIVIDADE. FUNDAMENTOS
INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO
AGRAVADA.
Des bargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Cível no. 200.2011.006.756-4/001
1. A 2a Seção do ST3 já firmou o
entendimento no sentido de que é abusiva a
cláusula limitativa de tempo de internação em
UTI (REsp n. 251.024/SP, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, por maioria, EM de
04.02.2002).
2. A agravante não trouxe argumentos novos
capazes de infirmar os fundamentos que
alicerçaram a decisão agravada, razão que
enseja a negativa do provimento ao _agravo
regimental.
3.
Agravo regimental a que se nega
provimento". (AgRg no REsp 515.706/RS, Rel.
Ministro
GIUSTINA
VASCO
DELLA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS),
TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2011,
ale 17/02/2011).
Deste modo, é de se reconhecer a abusividade da
cláusula contratual, conforme se posicionou a Magistrada sentenciante.
DANOS MATERIAIS
O dano material ficou caracterizado, pois de acordo
com o documento de fls. 49 a apelada efetuou o pagamento da quantia de
R$ 4.070,00 (quatro mil e setenta reais), para poder realizar o exame de
PET SCAN, no Real Hospital Português de Beneficência no Estado de
Pernambuco.
DANOS MORAIS
pelo
ficou
caracterizado,
dano
moral
O
constrangimento, situação vexatória, dor, sofrimento da alma sofrida pela
apelada, em estar atravessando um momento extremamente difícil em
sua vida ao enfrentar um câncer mamário, em fase de metástase, e ter
negada a realização de um exame, capaz de trazer alívio a sua imensa
dor.
Desem argador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
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Apelação Chiei no. 200.2011.006.756-4/001
Com relação a fixação do "quantum" indenizatório,
frise-se, inicialmente, que o valor fixado a título de indenização por Dano
Moral não pode ser ínfimo ou abusivo, mas proporcional à dúplice função
deste instituto indenizatório: reparação do dano, buscando minimizar a
dor da vitima, e punição do ofensor, para que não volte a reincidir.
Na hipótese dos autos, trata-se de indenização por
dano moral fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Diante da valoração das provas realizada pelo juízo
"a quo", entendo que foi adequado o "quantum"fixado, considerando-se o
constrangimento e a situação vexatória, a qual passou a apelada, uma vez
que quando da fixação do valor indenizatário deve o Magistrado, por seu
prudente arbítrio, levar em consideração as condições econômicas e
sociais dos ofendidos e da causadora do ato ilícito; as circunstâncias do
fato; sem esquecer o caráter punitivo da verba e que a reparação não
pode servir de causa a enriquecimento injustificado.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça
decidiu que:
"a indenização deve ser fixada em termos
razoáveis, não se justificando que a reparação
enseje enriquecimento indevido, com
manifestos abusos e exageros, devendo o
arbitramento operar-se com moderação,
proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte
financeiro das partes, orientando-se o julgador
pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela
jurisprudência, valendo-se de sua experiência
e bom senso, atento à realidade da vida e às
peculiaridades de cada caso." (REsp
ESPECIAL
RECURSO
305566/Df;
Sálvio
de
Rel.
Min.
2001/0022237-4.
DJ
Quarta turma.
Figueiredo Teixeira.
13.08.2001)
Desemb gador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
Apelação Chiei no. 200.2011.006.756-4/001
Logo, não entendo que seja abusiva a indenização
arbitrada.
Ante o exposto,
NEGO PROVIMENTO AO APELO,
mantendo a sentença combatida nos mesmos termos.
É como voto.
Presidiu a sessão o Excelentíssimo Desembargador
Marcos Cavalcanti de Albuquerque. Participaram do julgamento este
Relator Marcos Cavalcanti de Albuquerque, Dr. Wolfram da Cunha
Ramos (Juiz convocado para substituir a Desembargadora Maria das
Neves do Egito Araújo Duda Ferreira) e Dra. Maria das Graças Morais
Guedes (Juíza convocada para substituir a Desembargadora Maria Fátima
Moraes 8. Cavalcanti).
Presente à Sessão a Dra. Lúcia de Fátima Maia de Farias,
Procuradora de Justiça.
Sala de Sessões da Segunda Câmara Cível
"Desembargador Luiz Sílvio Ramalho" do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado da Paraíba em João Pessoa, 16 de fevereiro de 2012.
Desembargador Marcos Cav . nti
Relator
Ibuquerque
45
Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
10
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Acórdão - Tribunal de Justiça da Paraíba