UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
ANA CAROLINA SANTANA DA CRUZ
MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
CURITIBA
2014
ANA CAROLINA SANTANA DA CRUZ
MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Monografia apresentada ao curso de Direito da
Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade
Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Geraldo Doni Júnior.
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
ANA CAROLINA SANTANA DA CRUZ
MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Bacharel no
Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____de________ de 2014.
_____________________________________
Prof. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Universidade Tuiuti do Paraná
_____________________________________
Orientador:
Prof. Geraldo Doni Júnior
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. ____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
EPÍGRAFE
“A força da maternidade é maior que as leis da natureza”.
Bárbara Kingsolver.
DEDICATÓRIA
À Deus, ao meu pai Joaquim Santana da Cruz
Neto, à minha mãe Claudete do Nascimento,
à minha irmã Juliana da Cruz e à minha avó
Vergínia Cardoso do Nascimento.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado saúde e força para superar as dificuldades;
A esta Universidade que oportunizou a janela que hoje vislumbro um
horizonte superior.
Ao meu orientador Geral Doni Júnior, pelo suporte no pouco tempo que lhe
coube, pelas suas correções e incentivos.
Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional. E a todos que
direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu agradecimento.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Art. - Artigo
CAP. - Capítulo
CC - Código Civil
CFRB - Constituição Federal da República Federativa do Brasil
CP - Código Penal
FIV - Fertilização in vitro
MIN. - Ministro
P. - Página
P. ex. - Por exemplo
RE - Recurso Extraordinário
REL. - Relator
RESP. - Recurso Especial
RT - Revista dos Tribunais
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade demonstrar como os avanços
biotecnológicos e tecnológicos causam impactos nas relações jurídicas. O tema
abordado é a Maternidade de Substituição; essa prática, que envolve
essencialmente técnicas de reprodução humana assistida, consiste, basicamente,
na doação temporária do útero de uma mulher em favor da concretização do projeto
parental idealizado por outra. Quando ocorre uma dessas situações qual é a solução
jurídica? Objetivou-se demonstrar as nuances que envolvem a problemática da
maternidade por substituição no direito brasileiro; debater sua repercussão para o
direito de família, apurar a freqüência com a qual a prática ocorre; verificar, ainda, se
existe a celebração de alguma espécie de contrato entre os envolvidos; apurar a
concessão de autorizações especiais pelo conselho regional de medicina; adaptar
as soluções estrangeiras para o Brasil, e talvez, propor diretrizes legislativas. O
presente trabalho utilizou como método a revisão bibliográfica, que constitui um
método moderno para a avaliação de um conjunto de dados simultaneamente. Os
avanços da biotecnologia, sobretudo na área da Reprodução Humana Assistida,
devolveram aos casais com problemas de infertilidade, e esterilidade a possibilidade
de gerar filhos oriundos de seu patrimônio genético. Entretanto, a rapidez com que
os progressos da ciência foram desenvolvidos, assim como suas transformações,
acabaram abalando conceitos assentados, de uma sociedade atônita e
despreparada para receber tão profundas transformações.
Palavras-Chave: Direito Civil, Filiação, Maternidade por Substituição.
ABSTRACT
The present work aims to demonstrate how technological advances and
biotechnological impacts cause legal relationships. The topic is the Maternity
Replacement; this practice, which essentially involves techniques of assisted human
reproduction, consists basically of the temporary donation of a woman's uterus in
favor of completing the project conceived by another parent. By denying motherhood
a coming child conceived by one person, and gestated by another. When one of
these situations occurs which is a legal solution? Aimed to demonstrate the nuance
involving the issue of surrogacy in Brazilian law; discuss its impact to family law,
determine the frequency with which the practice occurs; also check if there is a
celebration of some kind of agreement among stakeholders; determine the granting
of special permits by the regional board of medicine; adapt foreign solutions to Brazil,
and perhaps propose legislative guidelines. The present study utilized as a method to
literature review, which is a modern method for the evaluation of a set of data
simultaneously. Advances in biotechnology, especially in the area of Assisted Human
Reproduction, returned to couples with infertility problems, infertility and the
possibility of bearing children arising from their genetic heritage. However, the
rapidity with which the progress of science were developed, as well as their
transformations, eventually shaking seated concepts of an astonished and
unprepared to receive such profound transformations society.
Keywords: Civil, Membership, surrogacy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10
2 DO CONCEITO DE FILIAÇÃO ........................................................................... 12
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................. 12
2.2 CONCEITO ...................................................................................................... 13
2.3 A FILIAÇÃO ADOTIVA: JURISPRUDÊNCIA ................................................... 14
2.4 A REGULAMENTAÇÃO DA GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO .................... 16
3 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA .................................... 17
3.1 A BIOGENÉTICA E A PARENTALIDADE ........................................................ 18
3.2 A FECUNDAÇÃO APÓS MORTE DO MARIDO .............................................. 20
4 ASPECTOS JURÍDICOS DA MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO .............. 21
4.1 CONCEITO ...................................................................................................... 21
4.2 HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DE MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO .... 21
4.3 DIREITO A FILIAÇÃO ...................................................................................... 22
4.4 ASPECTOS JURÍDICOS E ÉTICOS ................................................................ 24
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 27
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 29
10
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa demonstrar os avanços biotecnológicos e suas
consequências nas relações jurídicas. Dentre as novidades biotecnológicas está o
tema da maternidade por substituição, esse procedimento envolve técnicas de
reprodução humana assistida e ocorre, basicamente, quando uma mulher empresta
o útero para outra mulher que tem um projeto parental idealizado.
No contexto brasileiro esta prática está prevista tão somente na Resolução nº.
1.358/92 do Conselho Federal de Medicina. Esta Resolução não tem força normativa
nem dispõe sobre possíveis sanções. No entanto, promove a sua regulamentação
dispondo sobre parâmetros para sua incidência, sem que ela seja utilizada com o fim
de obter lucro. Constata-se que a ocorrência deste instituto é muito frequente.
A maternidade por substituição como uma possibilidade da mulher conceber
um filho biológico em outro útero e a ideia de que pode existir de forma simultânea
mais de uma maternidade gera um intenso debate jurídico e social. A problemática
surge a partir do confronto de conceitos que são basilares no direito de família,
como: maternidade, paternidade, filiação e, consequentemente, a responsabilidade
parental. Ainda, uma questão periférica a estas surge a possibilidade do turismo
médico.
O Direito deve acompanhar as transformações sociais e tecnológicas
ocorridas no seio da sociedade. Desta forma, mostra-se necessário avaliar de que
forma o sistema jurídico brasileiro (através da doutrina e jurisprudência) trata dessa
questão. Ainda surge a possibilidade de pessoas negociarem a venda ou aluguel do
útero, mas até onde alguém pode dispor de seu próprio corpo? Será que pela
omissão da Lei para a matéria justifica o comércio? São algumas questões
importantes nesta matéria.
Pontue-se ainda que a Resolução nº. 1.358/92 recebeu uma atualização em
2013 indicando que a chamada gestação de substituição só pode ser realizada nos
casos em que problemas médicos impeçam ou contra-indique a gestação da
doadora genética ou nos casos de união homoafetiva. Na gestação de substituição,
parentes de até quarto grau podem ceder o útero, desde que tenham no máximo
cinquenta anos e não tenha caráter comercial. Nos casos de existência de união
estável ou quando a doadora for casada legalmente é necessário apresentar um
11
documento do companheiro autorizando. Ainda, faz-se necessário um contrato entre
a cedente do útero e os pais biológicos estabelecendo claramente a questão da
filiação e garantindo aos pais biológicos o registro civil da criança.
Dito isso, o trabalho objetiva demonstrar os problemas que envolvem a
maternidade por substituição no direito brasileiro; verificar a existência de celebração
de contrato entre os envolvidos; pontuar soluções estrangeiras para a questão e
argumentar se de alguma forma estas soluções podem ser aplicadas no Brasil;
alertar para o fato de que é necessário um acompanhamento psicológico para a
geradora para que não haja um vínculo afetivo entre ela e o bebê.
O trabalho divide-se da seguinte maneira: no primeiro capítulo faz um relato
histórico sobre a evolução do conceito de filiação no contexto brasileiro, citando
dispositivos constitucionais e jurisprudência recente sobre a matéria.
No segundo capítulo abordam-se as nuances que envolvem a técnica de
reprodução assistida, pontuando os aspectos éticos e legais desta prática no
contexto brasileiro.
No terceiro capítulo argumenta-se sobre os aspectos jurídicos decorrentes da
maternidade por substituição, por fim, cita-se orientações jurisprudenciais.
12
2 DO CONCEITO DE FILIAÇÃO
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
No Brasil a concepção de família foi modificando-se e começou a tomar novos
sentidos no final da década de 70 com o advento da lei do divórcio que extinguiu a
ideia de matrimônio como um instituto indissolúvel. A lei do divórcio foi o primeiro
passo para acabar com a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Esse
entendimento foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. De acordo com
Paulo Luiz Netto Lôbo (2000, p. 249): “o princípio da afetividade tem fundamento
constitucional; projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da
natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de
afetividade.”
Com o advento da Constituição Federal de 1988 esse conceito foi modificado,
como aduz o artigo 226 § 4º: “entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, também no § 5º
disciplina: “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”. Por fim, no artigo 227, § 6º a Carta Magna
promoveu a igualdade entre os filhos, tanto os gerados em matrimônio como os
gerados fora do matrimônio: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”. Neste sentido Cristiano Chaves de
Farias (2009, p. 479) argumenta:
Portanto, a nova ordem filiatória, centrada no garantismo constitucional e
nos valores fundantes da República (dignidade, solidariedade social,
igualdade e liberdade), implica funcionalizar a filiação à realização plena das
pessoas envolvidas (pais e filhos), além de despatrimonializar o conteúdo
da relação jurídica (compreendida de forma muito mais ampla do que uma
simples causa para a transmissão de herança) e de proibir discriminações,
como forma promocional do ser humano.
Com o surgimento de novas tecnologias de reprodução humana, o pai ou a
mãe de acordo com novo entendimento doutrinário não mais se definem apenas
pelos laços biológicos, mas sim pelo querer de ser pai ou mãe, de assumir,
independentemente do vínculo biológico existente ou não, assim, geram-se
13
responsabilidades e deveres em face da filiação, com a demonstração de afeto e
bem querer da criança.
2.2 CONCEITO
Com o avanço da tecnologia a sociedade acabou por modificar seus padrões
sociais também. Antigamente alguns conceitos vistos como rígidos e imutáveis aos
poucos se modificam pela tecnologia. Essas alterações também tocaram nas formas
de concepção da família. Até algumas décadas atrás, a família era apenas vista e
constituída por um casal, de sexo oposto, com filhos que fossem oriundos desta
relação e, consequentemente, que carregassem a carga genética dos seus
ascendentes.
Desta forma, pode-se definir a filiação do nascituro concebido por técnicas
reprodutivas artificiais, tanto pelo aspecto biológico quanto pelo aspecto socioafetivo,
considerando-se sempre o interesse da criança. O artigo 153 do Código Civil aduz:
“o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra
origem”. A partir da interpretação deste artigo nota-se a evolução natural do conceito
de filiação que acompanha a evolução da sociedade e da tecnologia.
De acordo com o entendimento da doutrina civilista a filiação é a relação de
parentesco que se estabelece entre pais e filhos, que é designada, do ponto de vista
dos pais, como relação de paternidade e maternidade. Assim, o direito de filiação
revela-se como uma situação de estado em que investe uma determinada pessoa.
Este é o estado de filiação que se encontra o filho ou que vincula uma pessoa a uma
família do qual se originam efeitos e conseqüências jurídicas. Desta forma, existem
três tipos de filiação genérica; adotiva, a presumida e a natural.
Observa-se que a chamada “desbiologização” é puramente a inexistência ou
a total ruptura do convício duradouro entre pais e filhos biológicos. Aqui ocorre o fato
cultural em detrimento do fato natural. Pontue-se que a ruptura definitiva na relação
paterno-materno-filial com a prática de abandono do menor por parte de seus pais
biológicos, seja pelo óbito, seja pela separação e até mesmo sob a necessidade de
deixá-lo sob guarda de parentes ou não-parentes, impõe ruptura socioafetiva: a
chamada “desbiologização”. Assim, o termo pai-função passa a ter importância
preponderante à do pai-biológico.
14
2.3 A FILIAÇÃO ADOTIVA: JURISPRUDÊNCIA
Outro ponto a ser considerado é a filiação adotiva, a presumida é determinada
por dispositivos legais que se presumem naturais os filhos que são gerados na
constância do casamento. No entanto, a filiação natural é a que diz respeito à
questão biológica e que tem provocado diversas ações de investigação de
paternidade. Existe um importante julgado sobre o novo entendimento de filiação e
paternidade socioafetiva que constitui um marco na jurisprudência de direito de
família, conforme se cita abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL.
ANULAÇÃO PEDIDA POR PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA.
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA. 1. A paternidade
biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a filiação, apesar
de deter peso específico ponderável, ante o liame genético para definir
questões relativa à filiação. 2. Pressupõe, no entanto, para a sua
prevalência, da concorrência de elementos imateriais que efetivamente
demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai
ou mãe. 3. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de
ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser
reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que
nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé, deve ter
guarida no Direito de Família. 4. Nas relações familiares, o princípio da boafé objetiva deve ser observado e visto sob suas funções integrativas e
limitadoras, traduzidas pela figura do venire contra factum proprium
(proibição de comportamento contraditório), que exige coerência
comportamental daqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução
de conflitos no âmbito do Direito de Família. 5. Na hipótese, a evidente máfé da genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir
para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a
construção da necessária paternidade socioafetiva, toma-lhes o direito de
se insurgirem contra os fatos consolidados. 6. A omissão do recorrido, que
contribuiu decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe,
atrai o entendimento de que a ninguém é dado alegrar a própria torpeza em
seu proveito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a
sua legitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de
nascimento de sua filha biológica. 7. Recurso especial provido. (REsp
1087163/RJ. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma).
A hipótese fática e a problemática do julgado supracitado surgem da hipótese
de que a posse do filho, por parte do pai socioafetivo, ocorreu devido presunção
legal de que o filho havido na constância do casamento era do casal. Mas a filiação
putativa gerou, tanto no pai socioafetivo, assim como na sua filha, de acordo com a
ministra Nancy Andrighi a serena sensação de equilíbrio e normalidade, cada vez
mais extintos nos universos familiares modernos e, a despeito da ausência de
vínculo biológico prova cabal de que ele não é elemento essencial à parentalidade,
15
incensurável o desvelo e atenção que o recorrente pai socioafetivo, despendeu
na criação e formação da criança.
Por outro lado, além do cuidado no trato com aquela que acreditava ser
sua filha, mesmo após saber da ausência do vínculo biológico entre eles, o pai
entrou em batalha judicial para manter incólume o registro de nascimento, no qual
figura como efetivo pai da criança. Essa circunstância, de acordo com a ministra, por
si só, evidencia que há sobeja afetividade, desejo de ser pai, e preocupação com o
futuro da filha, nos laços que unem filha e pai socioafetivo, houve a plena posse da
filiação ante o intenso relacionamento socioafetivo ocorrido.
No entanto, a paternidade biológica que era ostentada pelo pai biológico que,
se não tem o condão de vincular a filiação, mas detém peso específico ponderável,
deve-se observar que o liame genético ainda é importante marcador para definição
de questões relativa à filiação. Mas, apesar dessa relevância, o bem-estar da
criança e do adolescente, regra programática que impacta toda a interpretação
dos componentes legais a ela relacionados, acomoda as filiações socioafetivas
para considerá-las válidas, desde que voltadas para o desiderato primeiro.
Neste importante julgado a Ministra Nancy Andrighi cita vários doutrinadores
para sustentar que não pode ser considerado genitor o ascendente biológico por
mera concepção, tão só porque forneceu o material genético para o nascimento do
filho que nunca desejou criar. Mas também argumenta que existe um viés ético na
consagração da paternidade socioafetiva, a qual tem servido de fundamento para
vedar as tentativas processuais de desconstituição do registro de nascimento.
Com o avanço das pesquisas tecnológicas, aumentou-se a esperança de
mulheres estéreis de ter filhos. De acordo com Pessine (2005, p. 234):
Ao conjunto de técnicas que auxiliam o processo de reprodução humana foi
dado o nome de técnicas de Reprodução humana assistida (TReprodução
Assistida), as quais podem ser divididas em métodos de baixa ou alta
complexidade. Entre as técnicas de baixa complexidade podemos incluir o
coito programado e a inseminação intra-uterina (IIU), que apresentam a
vantagem de menores custos, além de não precisarem ser realizadas em
centros de Reprodução humana assistida (Reprodução Assistida). Entre as
técnicas de alta complexidade incluímos a fertilização in vitro (FIV)
convencional e a injeção intracitoplásmática de espermatozóide (ICSI).
Este método denomina-se de „barriga de aluguel ou útero emprestado ou
doação temporária do útero‟. Aqui a receptora, gestante poderá ou não contribuir
com seu material genético, ou seja, doando seu óvulo. Os avanços tecnológicos
16
obrigaram os doutrinadores a refletir sobre novos conceitos e princípios que
norteassem o tema da reprodução assistida. Bellinger (2001, p. 35) argumenta: “O
mercado do valor do uso [...], além da prostituição há a venda temporária das
funções reprodutivas, como o sistema do útero de aluguel [...] possível graças às
técnicas de reprodução artificial.” O doutrinador Eduardo Leite (1995, p. 17) relata:
Um filho confere ao homem uma perspectiva imortal [...]. No Brasil há mais
de vinte centros de fertilização „in vitro‟ [...] os médicos brasileiros não têm
seguido as recomendações internacionais nestas matérias e têm agido sem
a ética necessária que deveria pautar a conduta profissional [...].
2.4 A REGULAMENTAÇÃO DA GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO
Não existe uma regulamentação decorrente de Lei para a maternidade por
substituição, apenas uma disposição do Conselho Regional de Medicina. Nota-se
que os Conselhos Regionais e Federais de Medicina são os órgãos legalmente
instituídos, com autonomia para regulamentar e criar determinações por meio de
suas resoluções e portarias, indicando as formas como devem os médicos devem
proceder ao utilizar material genético humano, de forma a não violar direitos e
preceitos morais e antes de tudo éticos.
Pontue-se que a Resolução nº. 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina –
que é norma máxima da classe médica que rege esta prática – no seu capítulo VIII
disciplina sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero) –, assim,
estabelece as restrições à liberdade do uso da técnica de maternidade de
substituição. No entanto, a Resolução mostra-se precária, por constituir-se em uma
norma infralegal, e não tem qualquer poder de coerção. Portanto, diante da carência
de leis que regulamente a maternidade de substituição, a existência de uma única
norma do Conselho Federal de Medicina mostra-se insuficiência frente aos
questionamentos que são gerados pela prática desta técnica.
Assim, a partir daí a sociedade despertou para a necessidade do
estabelecimento de normas tanto éticas quanto jurídicas para regulamentação da
utilização das técnicas de reprodução artificial. Desta forma, faz-se necessária a
observância e a harmonização dos princípios bioéticos e dos princípios jurídicos
fundamentais, na construção de uma nova ciência denominada Biodireito.
17
3 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
As técnicas de reprodução humana assistida consistem basicamente no ato
de retirar o óvulo de uma mulher com o fim de fecundá-lo em uma proveta utilizando
o sêmen de seu marido ou de outro doador qualquer, assim insere-se o embrião no
útero desta mulher ou de outra mulher cedente do útero. Pontue-se que de acordo
com a Resolução nº. 1.358/92 em sua atualização no ano de 2013 dispõe que a
cedente do útero tem que ter uma relação de parentes de até quarto grau. Caso não
haja parentesco é invalidade e punível a referida conduta. Maria Helena Diniz (2007,
p. 543).
A ectogênese ou fertilização in vitro caracteriza-se pelo método ZIFT (Zibot
Intra Fallopian Transfer), que consiste na retirada de ovulo da mulher para
fecundá-la na proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, para
depois introduzir o embrião no seu útero ou no de outra. Como se vê, difere
da inseminação artificial, que se processa mediante o método GIFT
(Gametha Intra Fallopian Transfer), referindo-se a fecundação in vitro, ou
seja, a inoculação do sêmen na mulher, sem que haja qualquer
manipulação externa de óvulo ou de embrião.
De acordo com o entendimento de Meirelles (2007, p. 22): “a Reprodução
Humana Medicamente Assistida, ou também conhecida como a Fecundação
Artificial, é todo o processo em que o gameta masculino encontra e perfura o gameta
feminino por meios não naturais”. Sobre a inseminação artificial Ribeiro (2004, p. 28)
afirma: “consiste em introduzir espermatozóides previamente preparados dentro da
cavidade uterina após uma indução de ovulação da paciente com o intuito de
aumentar o número de óvulos e também determinar o momento da ovulação através
de medicamento”. No que tange à fertilização in vitro (FIV), Correa (2001, p. 76)
argumenta que é o mais importante procedimento de Reprodução Humana
Assistida. Geralmente ela é recomendada quando há lesões nas trompas, gravidez
ectópica, laqueação irreversível de trompas ou em casos de esterilidade masculina.
Ainda, sobre inseminação, pontue-se que existem duas formas: a inseminação
homóloga e a heteróloga. De acordo com Venosa (2005, p. 259):
A inseminação homóloga pressupõe que a mulher casada ou mantenha
união estável e que o sêmen provenha do marido ou companheiro. É
utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem
18
férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por várias
etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismo etc.). A
inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o
marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido,
incompatibilidade do fator Rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido
etc. Com frequencia, recorre-se aos chamados bancos de esperma, nos
quais, em tese, os doadores não devem ser conhecidos.
No que se refere à proteção jurídica nestes procedimentos, se a inseminação
heteróloga ocorrer sem o consentimento do marido ele pode impugnar a
paternidade, no entanto, se o marido consentir pressupõe-se que assumiu a
paternidade.
3.1 A BIOGENÉTICA E A PARENTALIDADE
Existe uma previsão no Código Civil que dispõe da concepção de filhos
durante a constância do casamento também àqueles “havidos por inseminação
artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido” (artigo 1.597,
inciso V, CC). Este inciso traz algumas discussões para a doutrina civilista porque
não está clara a forma de consentimento ou aprovação do ato que deve ser
externada pelo marido. De acordo com Venosa (2005, p. 259): “a Lei Civil fala em
„autorização prévia‟, dando a entender que o ato não pode ser aceito ou ratificado
posteriormente pelo marido, o que não afigura verdadeiro”.
Essa questão também não é esclarecida de modo convincente pelas
Jornadas CFJ, em seu enunciado 104:
No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de
material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é
substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica
matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou
relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança
concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade
do curso do casamento.
O enunciado 104 das Jornadas CFJ levanta outro questionamento: o que
seria a manifestação implícita da vontade do marido dando anuência à inseminação
heteróloga? Gustavo A. Bossert e Eduardo A. Zannoni (1996, p. 471) parecem
lançar luz sobre esse questionamento quando afirmam:
19
Enquanto não existir norma legal específica sobre o ponto, no caso em
análise são aplicáveis as normas gerais do Código e, de conformidade com
este, poderá o filho, conhecendo a origem da gestação, impugnar a
paternidade do marido de sua mãe para, simultânea ou posteriormente,
reclamar judicialmente o vínculo de filiação com o terceiro que deu o sêmen.
Na prática de inseminação in vitro não poderá existir nenhuma relação de
filiação entre o doador do gameta e o filho gerado. Assim, impede-se que o filho
posteriormente reclame seus direitos de filiação e ao doador é impedido de reclamar
a paternidade.
A Lei deverá restringir a reprodução assistida unicamente para situações
permitidas nela, caos de infertilidade e quando todos os tratamentos
possíveis para a reprodução natural tenham-se frustrado. Outro aspecto
importante é que essa reprodução assistida somente pode atribuir prole a
quem ainda esteja em idade reprodutiva. A problemática destina-se
basicamente à mulher. Essa modalidade de reprodução deve imitar a ordem
natural e não deve conceder prole a quem já não mais está em idade de
reproduzir, pois os problemas sociais decorrentes dessa atitude seriam
imensos. Desse modo, não poderá ser autorizada a reprodução assistida
quando a infertilidade decorrer da ultrapassagem da idade reprodutiva. Há
exemplos dramáticos no estrangeiro que não devem repetir-se em nosso
país (VENOSA: 2005, p. 261).
Na mesma toada, Paulo Nader (2009, p. 271) argumenta:
Não obstante o avanço trazido pelo legislador em matéria de filiação, ao
reconhecer a possibilidade jurídica de inseminação artificial, tanto a
homóloga quanto a heteróloga, falhou, entretanto, ao não regulamentar a
matéria, deixando sem resposta um grande número de indagações. Permite
a Lei Civil a surrogate gestional mother, ou seja, a chamada barriga de
aluguel? Pode o casal doar seus gametas para inseminação na tuba uterina
de terceira pessoa? Não há permissão, nem proibição expressas, mas ao
dispor sobre inseminação artificial heteróloga o artigo 1597 do Código
Civil/2002, pelo inciso V, referiu-se apenas à hipótese de doação de gameta
masculino por terceiro. A resposta ao questionamento há de ser construída
pela doutrina e pelos assentos jurisprudenciais. Tem-se de um lado o
argumento a contrario sensu, que induz a resposta negativa; de outro, a
chamada norma de liberdade, pela qual a conduta não vedada no
ordenamento é juridicamente admitida, que sugere a resposta afirmativa.
Depreende-se da argumentação supracitada que existem esperanças de que
se publique Lei específica que regule essa matéria. No entanto, no ordenamento
jurídico brasileiro não existe uma Lei específica que trate deste assunto, como
ocorre em outros países. Assim, a omissão do legislador faz com que o arbítrio do
juiz legisle através de jurisprudências.
20
3.2 A FECUNDAÇÃO APÓS MORTE DO MARIDO
Outra forma de inseminação praticada atualmente é a fecundação com sêmen
do marido após o seu falecimento. O artigo 1597, inciso III, dispõe que é presumida
a paternidade do marido dos filhos “havidos por fecundação artificial homóloga,
mesmo que falecido o marido”. Neste sentido argumenta Silvio Salvo de Venosa
(2005, p. 262):
Também é possível que a mulher seja fecundada com sêmen de seu
marido, após sua morte. O novel Código reporta-se a essa hipótese no
inciso III. O congelamento do sêmen abre essa possibilidade. No sistema de
1916, não vigoraria, nesse caso, a presunção de paternidade se o
nascimento se desse após os 300 dias da morte do marido (artigo 308,
inciso III do Código de 1916). Sem disposição legal específica, caberia ao
filho ingressar com ação de investigação de paternidade. Ademais, o filho,
aplicando-se textualmente a Lei, não poderia ser considerado herdeiro do
pai, porque não vivia nem fora concebido quando da abertura da sucessão.
No Código Civil de 2002 o princípio que legitima o direito sucessório do filho é
parecido, conforme indica o artigo 1799: “legitimam-se a sucederas pessoas
nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Depreende-se da
leitura deste artigo que os filhos após a morte não são considerados herdeiros.
21
4 ASPECTOS JURÍDICOS DA MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO
4.1 CONCEITO
A maternidade por substituição verifica-se quando uma mulher empresta seu
útero para ser fecundado e após a concepção da criança, esta é entregue aos pais
biológicos, conforme pactuado. De acordo com Meirelles (1998, p. 67): “é a prática
pela qual uma mulher mantém em gestação uma criança com a intenção de que
esta seja entregue, após o parto, a quem com ela pactuou, gratuita ou
onerosamente, a desse modo proceder.
Com o avanço das tecnologias e a mudança da mentalidade da sociedade, as
palavras de Dias (2011, p. 63) é um diagnóstico:
Não se pode mais levar em conta apenas os aspectos genéticos, biológicos,
gestacionais e afetivos, ou até mesmos legais, para a averiguação da
parentalidade. Somos parte de algo muito maior, em que a doença da
infertilidade fez com que a ciência viabilizasse a formação de vida fora do
corpo, e mais, a gestação fora do útero materno, colaborando ainda a
cessão de útero para que hipóteses de esterilidade do casal sejam
suprimidas por meio de embrião doado por outrem e utilizando o útero
emprestado de mulher estranha à relação, realizando-se então o sonho da
maternidade e da paternidade. Nesse mesmo sentido, devemos mencionar
a possibilidade de utilização da técnica por pessoa que não detenha
propriamente patologia que impossibilite a procriação. Ao aplicá-la em
casos em que o desejo de ser mãe ou pai é exercido por casais
homossexuais, enfrenta-se a inexistência de infertilidade ou de esterilidade,
mas ela é utilizada em quem, no exercício de sua sexualidade, copula
apenas com pessoas do mesmo sexo; não se pode exigir-lhe que, para a
obtenção de descendência, pratique sexo com quem o repulsa, em respeito
à sua dignidade humana.
4.2 HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DE MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO
No que tange às hipóteses de incidência da maternidade por substituição,
Meirelles (1998, p. 69) argumento que é necessária uma distinção de três figuras
essenciais, que hipoteticamente são chamadas de “mães”, que pertencem a
categorias diferenciadas conforme a sua participação no pacto efetuado: a „mãe
social‟ (S) é a que pretende o filho; a „mãe genética‟ (G) é a doadora do óvulo que,
fecundado, dará origem à criança; e a „mãe biológica‟ (B), também denominada „mãe
22
hospedeira‟, ou „mãe substituta‟, ou „mãe portadora‟, é a que cede o útero, mantendo
a gestação em favor da „mãe social‟.
Observa-se que nas hipóteses dos contratos de maternidade de substituição,
tem-se como objeto imediato do acordo efetuado a vida humana. Entretanto a vida
humana é direito indisponível protegido pelo Estado, nos termos do art. 5º. caput da
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.
De acordo com Aguiar (2005, p. 112):
O objeto imediato perseguido pelas partes é a concepção e futura entrega
de um ser humano. Ocorre que a vida humana é considerada pelo artigo 5º.
da Constituição Federal, bem indisponível e inviolável. E, esse direito à
dignidade humana é valor que deve estar presente em qualquer daqueles
prismas pelos quais se procure entender, culturalmente, a questão,
conforme exposto. Em uma visão mais objetiva, pode-se afirmar que a vida
é pressuposto absoluto da dignidade humana e não pode, portanto, ser
alienada. O princípio da dignidade humana é, não somente entre nós, mas
em diversos ordenamentos jurídicos, valor estruturante da ordem
constitucional a significar a impossibilidade de ser o homem passível de ser
reduzido a uma esfera meramente patrimonial.
4.3 DIREITO A FILIAÇÃO
Segundo Vencelau (2004, p. 54), no capítulo intitulado padrões "Filiação" há
regras dirigidas para as crianças nascidas da relação do casamento, especialmente
em relação à presunção de paternidade e sua desconstituição, mas também,
existem normas que se aplicam a crianças em geral. O Código Civil de 2002
manteve-se a presunção de paternidade, mas contornos mais flexíveis. Assim, o
filho de uma mulher casada presume-se que seja de seu marido.
No que diz respeito às técnicas de reprodução assistida, Vencelau (2004, p.
55) argumenta que o Código Civil previu outras presunções relativas a essa técnica:
a prática da fecundação artificial homóloga, mesmo que o marido tenha falecido;
filhos havidos a qualquer tempo, quando se referir a embriões excedentários,
aqueles oriundos da concepção artificial homóloga; e os havidos por inseminação
artificial heteróloga, desde que o marido tenha concedido autorização antecipada.
23
Observa-se que o Código Civil dispõe nos artigos 1598, 1599, 1600 e 1603
que a maternidade é sempre certa, porque tais regras se limitam a tratar sobre
contestação de paternidade:
Art. 1.598, CC Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo
previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe
nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro
dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se
o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se
refere o inciso I do art. 1597.
Art. 1.599, CC A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da
concepção, ilide a presunção da paternidade.
Art. 1.600, CC Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para
ilidir a presunção legal da paternidade.
Conforme os apontamentos de Teixeira (2005, p. 39) o estado de filiação
diferencia-se do direito de personalidade ao conhecimento da origem genética.
Embora ambos sejam direitos de personalidade, envolvem aspectos diferenciados
do ser humano. O direito de personalidade se refere ao conhecimento da
progenitura, da origem biológica, dos traços genéticos existentes e do conhecimento
de quem precede.
No que diz respeito ao estado de filiação, ela nem sempre está relacionada
com laços sanguíneos, à proximidade de DNA ou a um título civil, que se
desemboca juridicamente em uma certidão de nascimento. O estado de filiação
constitui-se como um direito que vai além da parte patrimonial, determina a
experiência da filiação, e só é possível através de uma construção parental, com a
manifestação de vontade, do desejo, em uma opção externada a todo tempo através
do cuidado, do desvelo, do compromisso. É sob este aspecto que consideramos o
estado de filiação como um direito de personalidade, ou seja, um direito de viver a
experiência do ser cuidado, do afeto.
De acordo com Oliveira Filho (2007, p. 310) o direito à filiação não é somente
o direito da filiação biológica, mas também é o direito de filiação querida, da filiação
vivida. Assim, a filiação não é apenas um direito da verdade.
Segundo Rizzardo (1998, p. 79) existe uma relação jurídica entre as partes
durante a gravidez e a mulher que está disposta a se submeter a técnica e receber o
zigoto, embora reconhecendo que muitos não admitem qualquer efeito jurídico para
o acordo, dada a complexidade da situação factual envolvido.
24
O objeto do ajuste não é uma atividade, ou a realização de determinado ato,
mas a disponibilidade do útero para a gestação de um ser humano. Também não dá
livre (empréstimo) ou cessão onerosa (arrendamento) do útero, porque a
propriedade não é transferida, o uso e gozo, conclui Rizzardo.
4.4 ASPECTOS JURÍDICOS E ÉTICOS
Nota-se que o tradicional conceito de família, fundamentado na união que
decorre do casamento e une pais e filhos, assim como a filiação, sofreram muitas
mudanças no século XX, isto porque as transformações científicas proporcionadas
pelo desenvolvimento de técnicas de reprodução assistida causaram um choque na
verdade biológica, que era disciplinada pelo Código de 1916.
O papel da paternidade que era presumido, com o passar do tempo foi
reduzido devido ao progresso da biotecnologia, assim deu-se espaço às provas
indiscutíveis de filiação biológica. Entretanto, a reprodução artificial veio relativizar a
verdade biológica em favor da verdade afetiva.
Dadas as mudanças que ocorrem no modelo clássico de determinação dos
vínculos familiares, é necessário encontrar um novo paradigma para o conceito de
família que esteja de acordo com a sociedade atual. É preciso estabelecer um
equilíbrio entre o parentesco biológico e social. O vínculo de afeto, identificador dos
novos laços familiares, como o atual "família sociológica", definida como "onde os
laços familiares de afeto e solidariedade entre pais e filhos predominam" merecem a
proteção do Direito de Família.
A verdadeira filiação, apoiado pela nova tendência da lei, só pode
desenvolver-se através da ligação emocional estabelecida entre pais e filhos
radicados na vontade e a promessa de afeto verdadeiro, independentemente de sua
origem biológica, genética. Além disso, a existência de duas verdades - verdadeira
verdade biológica e afetiva - a atribuição de paternidade levanta questões sobre o
que a verdade deve prevalecer para determinar paternidade.
A jurisprudência e a doutrina brasileira, baseados no princípio do melhor
interesse da criança e adolescentes têm reconhecido o afeto como um fator
importante para que seja reconhecida a filiação. A nova figura jurídica que foi
denominada de filiação sócio-afetiva que veio da relação de afeto existente entre
25
pais e filhos, hoje, tem se posto acima do fator biológico, conforme Paulo Luiz Netto Lôbo
(2004, p. 238):
A verdade biológica nem sempre é a verdade real da filiação. O direito deu
um salto á frente do dado da natureza, construindo a filiação jurídica com
outros elementos. A verdade real da filiação surge na dimensão cultural,
social e afetiva, donde emerge o estado de filiação efetivamente constituído.
[...] tanto o estado de filiação ope legis quanto a posse de estado de filiação
podem ter origem biológica ou não.
Há também a situação decorrente da reprodução artificial, o que na maioria
dos casos impede um parceiro, não tendo participado com material do processo
reprodutivo, geralmente devido a esterilidade do homem, ou mulher, no caso da
maternidade por substituição, em que a gestação não é indicada medicamente.
Note-se que em face de mudanças profundas no conceito tradicional de
família que afetam a determinação do parentesco, torna-se cada vez mais comum
valorização do vínculo afetivo, derivado da vida familiar e não apenas o vínculo de
consanguinidade. Confrontado com questões legais, a doutrina tem entendido que a
filiação não pode ser baseada exclusivamente na verdade biológica. Os casos
envolvendo a paternidade sócio-afetiva são cada vez mais comuns nos Tribunais
brasileiros, conforme cita-se alguns julgados abaixo:
AÇÃO ANULATÓRIA DE PATERNIDADE - REGISTRO DE NASCIMENTO VÍCIOS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. O reconhecimento da
paternidade é ato irretratável, podendo ser anulado apenas quando
comprovado que o ato se acha inquinado de vício, inexistindo ainda
qualquer relação afetiva desenvolvida entre o genitor e a infante, o que não
se observa na hipótese em comento, impondo-se a manutenção da
sentença que julgou improcedente o pedido inicial. (TJ-MG - AC:
10701120248888001 MG , Relator: Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Data
de Julgamento: 29/05/2014, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 09/06/2014)
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Acórdão supracitado, entende que
o reconhecimento da paternidade sócio-afetiva é irretratável, de modo que só
caberia o pedido de anulação se presente algum vício, o que não se verificou no
caso em questão. Existindo a presença de vício é possível a anulação da
26
paternidade sócio-afetiva, conforme o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal:
APELAÇÃO CÍVEL - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - REGISTRO DE
NASCIMENTO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - AUSÊNCIA DE VÍNCULO
GENÉTICO - PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA NÃO CONFIGURADA ALIMENTOS - EXONERAÇÃO. 1. PROVADO QUE O AUTOR NÃO É O PAI
BIOLÓGICO DO RÉU E QUE HOUVE VÍCIO DE CONSENTIMENTO NO
MOMENTO EM QUE REGISTROU O RÉU COMO SEU FILHO NATURAL,
NÃO HAVENDO VÍNCULO AFETIVO APTO A CARACTERIZAR A
PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA, O REGISTRO DE NASCIMENTO DO
RÉU DEVE SER RETIFICADO. 2. NÃO HAVENDO RELAÇÃO DE
PARENTESCO E NÃO SENDO RECONHECIDA A PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA, DEVE O AUTOR SER EXONERADO DA OBRIGAÇÃO DE
PAGAR PENSÃO ALIMENTÍCIA AO RÉU. 3. DEU-SE PROVIMENTO AO
APELO DO AUTOR. (TJ-DF - APC: 20100210012815 DF 000127390.2010.8.07.0002, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento:
07/05/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE :
09/05/2014 . Pág.: 114)
Na decisão citada acima foi negada a paternidade devido a presença de
vícios de consentimento e da não existência de vínculo afetivo. O que determinou foi
a não existência (além do vício) de relação de afeto entre os dois.
27
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As técnicas de reprodução humana medicamente assistidas estão cada vez
mais evoluídas. Anteriormente, não se pensava em uma hipótese de que uma
mulher pudesse ser mãe biológica de uma criança que não fosse gerada em seu
ventre. Deste modo, a maternidade por substituição é diferente das demais técnicas
de reprodução humana assistida pelo fato de que ela envolve mais de uma mulher
no processo de gestação. Assim, traz a incerteza não somente no que diz respeito a
paternidade, mas também em relação à maternidade, que antes era totalmente
questionável.
No que diz respeito à determinação da paternidade, existem previsões legais
em vigor que não são satisfatórias, pois geram dúvidas em quem terá o direito a
paternidade em relação às crianças nascidas de diversas técnicas de Reprodução
Humana Assistida. No entanto, mesmo existindo grandes brechas no que diz
respeito a paternidade no ordenamento jurídico brasileiro, em casos de inseminação
artificial homóloga presume-se os filhos concebidos na constância do casamento e,
nos casos de inseminação heteróloga, se o marido der a autorização para que o
procedimento seja realizado.
Sobre a determinação da paternidade antes da utilização da chamada
maternidade por substituição não se tinha dúvidas que ela se dava por meio do
parto, isto é, mãe é quem deu a luz. No entanto, com o advento da maternidade por
substituição geraram-se questionamentos em razão de qual mulher terá o direito a
maternidade, isto porque não se pode levar em consideração apenas os aspectos
biológicos.
Atualmente prevalece na doutrina o entendimento de que a mãe é certa
sempre que a determinação da maternidade se dá em razão do parto. Acrescente-se
a isso o fato de que a criança gerada no método de Reprodução Humana Assistida
tem o direito de identidade genética que é determinante somente para o
conhecimento da origem genética, não se podendo contestar a maternidade ou
paternidade.
Com relação ao negócio jurídico realizado entre as partes, pode-se concluir
que, mesmo que atualmente não exista no ordenamento jurídico brasileiro qualquer
disposição específica sobre o assunto, a legislação em vigor juntamente com a
28
jurisprudência já aponta uma série de obstáculos para que esse pacto se revista de
validade.
O ordenamento jurídico brasileiro afasta a validade do negócio jurídico pela
ilicitude do seu objeto, ou seja, qualquer acordo que tenha como objeto a pessoa ou
a vida humana não pode ser considerado lícito. Portanto, em que pese a ausência
de previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer pacto realizado para
este fim é considerado ilícito e em conseqüência disso, nulo.
29
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Mônica. Direito à Filiação e Bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
BOSSERT, Gustavo A.; ZANONNI, Eduardo A. Manual de Direito de Família. 4ª
edição. Buenos Aires: Astrea, 1996.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.º 1358 de 11 de novembro de
1992. Normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. D.O.
[da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, p. 20.944, 19 de novembro de
1992.
CORREA, Marilena Cordeiro Dias Villela. Ética e reprodução assistida: a
medicalização do desejo de ter filhos. Bioética, Brasília, v. 9, n. 2, 2001.
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002.
_________________. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. Aspectos médicos,
religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética:
uma distinção necessária, In: FARIAS, Cristiano Chaves de. Temas atuais de direito
e processo de família. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Direito de Família. Volume 5. 3ª edição. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2009.
PESSINE, Leo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas Atuais de
Bioética. 7ª edição revista e ampliada. São Paulo: Loyola e Centro Universitário São
Camilo, 2005.
OLIVEIRA FILHO, Bertoldo Mateus de. Alimentos e Investigação de Paternidade.
Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
RIBEIRO, Marina Ferreira da Rosa. Infertilidade e Reprodução Assistida. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2004.
30
VENCELAU, Rose Melo. O Elo Perdido da Filiação: entre a verdade jurídica,
biológica e afetiva no estabelecimento do vínculo paterno-filial. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004.
VENOSA, Silvio Salvo de. Direito Civil. Volume VI. 5ª edição. São Paulo: Atlas
Jurídico, 2005.
Download

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANA CAROLINA SANTANA