Discurso de posse da Diretoria do CPMG – Biênio 2007/2009
Discurso de posse da Diretoria do CPMG
Biênio 2007/2009
ANA CRISTINA TEIXEIRA
DA
C OSTA S ALLES
“Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu”.1
Goethe, Fausto – Parte I, Cena I
Esta frase de Goethe, citada por Freud em “Totem e Tabu”, foi um ponto de
reflexão quando resolvi aceitar o convite e o desafio de candidatar-me à Presidência do
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais na gestão que ora se inicia.
O convite feito por algumas colegas em junho deste ano causou-me “espanto”,
pois nunca havia pensado em ocupar cargos de direção.
Entretanto, como dizia Aristóteles, “o espanto é desde sempre motivo para as
pessoas filosofarem, continuando a sê-lo ainda hoje”. “Espanto” aqui entendido como
“espanto filosófico”, “o pasmo perante fenômenos e acontecimentos inexplicáveis do
qual nascem as interrogações acerca das causas” 2 .
Assim, um questionamento foi crescendo e me desafiando a rever o meu percurso como psicanalista e como sócia do CPMG, e também as minhas motivações para aqui
estar.
Quando cheguei ao Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, no final da década
de 1970, já havia iniciado uma análise com o Dr. Antonio Franco Ribeiro da Silva,
analista didata desta instituição.
O desejo de começar uma formação psicanalítica para aprofundar meus conhecimentos sobre Psicanálise e para capacitar-me para a prática clínica foi sendo elaborado
na análise e gradativamente ganhando corpo até que finalmente iniciei a minha formação, depois de cumprir os pré-requisitos e de passar por uma seleção rigorosa.
Éramos dez colegas, todos jovens, animados e cheios de expectativas.
Durante cinco anos fizemos o nosso percurso na instituição freqüentando os
seminários, as reuniões clínicas e os cursos que na época eram ministrados pelos analistas
didatas.
Terminada a formação básica, alguns colegas saíram, outros permaneceram por
mais algum tempo, mas posteriormente optaram por outros caminhos.
Da turma inicial restam, atualmente, Maria Lúcia Salvo Coimbra, Valderez Pinho e eu, já que perdemos o nosso querido Adelson de Souza Pires há alguns anos.
“Viver é muito perigoso”3, dizia Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, e
como a vida não segue o curso que planejamos e constantemente nos lança desafios que
precisamos enfrentar, estive durante um certo período impossibilitada de continuar a
minha caminhada. Perdas significativas na minha vida me afastaram temporariamente
do CPMG. Ainda não era hora de me engajar na instituição. A vida me requisitava para
outras tarefas e era preciso enfrentá-las. E assim foi feito. Algum tempo depois terminei a
minha análise, as supervisões clínicas e iniciei minha carreira como psicanalista.
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Ana Cristina Teixeira da Costa Salles
Além das atividades do consultório, trabalhava como Psicóloga no IPSEMG,
onde uma vasta experiência clínica foi se acumulando com o passar dos anos e onde
inúmeras amizades foram sendo conquistadas, pessoas que até hoje têm um lugar especial
na minha vida.
Hoje agradeço aqueles tempos difíceis mas plenos de trocas, camaradagem e trabalho produtivo.
Tempos de aprender a clínica e me surpreender com ela e de reafirmar a cada dia
o meu desejo de ser psicanalista.
Pouco a pouco a vida foi se ajeitando e fui voltando a participar mais ativamente
no CPMG.
Vivemos uma época de muita efervescência na instituição com uma vasta gama
de experiências, informações, aprendizagem e troca entre pares. O Círculo passou por
momentos difíceis, teve as suas crises, as suas perdas, mas superou-as e fomos seguindo em
frente.
Aqui também criei laços afetivos e sociais. A convivência com os colegas, as
amizades que nasceram e que foram se estreitando com o passar do tempo, as identificações com o grupo em torno de um ideal comum – a transferência com a Psicanálise –
fortaleceram meu compromisso com a instituição.
Há cerca de dez anos, desde a gestão de Eliana Rodrigues Pereira Mendes, venho atuando ativamente em várias Diretorias com a realização de diversas tarefas, assumindo várias funções e integrando o corpo docente do CPMG, cuja experiência enriquecedora a cada dia mais me surpreende.
Recordando essa história, percebi que estou profundamente ligada ao Círculo
Psicanalítico de Minas Gerais.
Criei raízes, enlacei-me com a instituição e com meus pares, fruto de décadas de
trabalho conjunto e de um convívio intenso, nem sempre fácil, mas sem dúvida alguma
enriquecedor.
Creio que isto foi fundamental para aceitar o desafio de ser presidente do CPMG
e continuar o trabalho que outros colegas iniciaram, ou seja, manter viva e atuante a
nossa sociedade, comprometida como sempre foi com o ensino, a transmissão e a ética da
Psicanálise.
A tarefa não é fácil, sabemos que as instituições psicanalíticas, como todos os
agrupamentos humanos, estão sujeitas aos fenômenos de identificações, idealizações,
coesões e cisões.
Algumas vezes, rupturas violentas acontecem demonstrando toda força e ambivalência dos afetos, das paixões a que estamos submetidos.
Mas sempre foi assim, a história do movimento psicanalítico o atesta e nem por
isso a psicanálise naufragou e as sociedades psicanalíticas acabaram. Pelo contrário, algumas vezes se fortalecem pois os que permanecem se reorganizam, reafirmam seu compromisso e seguem em frente.
Tais fenômenos fazem parte da vida societária, não devemos nos preocupar em
demasia com eles, mas sim possibilitar a emergência de um espaço criativo que proporcione a circulação e transmissão de um saber, a troca entre pares e a transferência de trabalho em torno de um projeto comum onde as diferenças possam ser reconhecidas e respeitadas, pois a psicanálise não floresce em regimes totalitários que impossibilitam a emergência do desejo.
De todas as propostas que apresentamos aos sócios na nossa Carta de Intenções,
algumas são especialmente importantes:
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1. A ênfase no ensino e na transmissão da psicanálise valorizando o tripé fundamental: ensino teórico, análise pessoal e supervisão, através de uma política institucional
que marque a identidade do CPMG como sociedade psicanalítica comprometida com a
ética da Psicanálise.
2. O estudo dos textos freudianos e do ensino de Jacques Lacan, com todo rigor
que for necessário, sem que isto implique uma rigidez de pensamento e um desconhecimento da importância de outros autores que contribuíram para o crescimento da Psicanálise.
3. Repensar e melhorar o nosso modelo de formação/transmissão sem desvalorizar e negar as conquistas já realizadas.
4. Introduzir novos projetos e modalidades de ensino/transmissão buscando um
aprimoramento e aprofundamento teórico, como também uma maior participação dos
sócios nesses projetos e atividades científicas do CPMG.
5. O trabalho em torno de um tema central que mobilize a sociedade, com uma
produção teórica a ser apresentada em jornadas/congressos colocando o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais em diálogo com outras sociedades psicanalíticas, é uma meta a ser
atingida.
6. A participação efetiva do CPMG na estrutura social é outra meta importante
e coincide com o desenvolvimento da idéia da OSCIP e da divulgação do trabalho da
“Clínica de Psicanálise”.
7. Incentivar a participação dos alunos e participantes do Fórum nas atividades
administrativas e científicas do CPMG, buscando a integração do corpo societário.
8. Implementar uma abertura tecnológica com o uso de videoconferências, cursos e palestras a distância; atualizar sempre o nosso site com informações precisas sobre a
nossa sociedade, eventos e publicações científicas.
Freud sempre se preocupou com o destino da psicanálise após a sua morte, pois
pressentia que o futuro do que havia descoberto não estava garantido.
O caráter inovador, chocante e subversivo da psicanálise provocou, desde o
início, oposições violentas e várias tentativas de desmoralização, críticas ferrenhas ou
desvirtuações de seu corpo teórico e de sua prática clínica.
Como dizia Octave Mannoni, “ainda hoje é necessário que a obra de Freud seja
defendida contra as potências recalcadoras que sempre tendem a encobri-la e a enterrá-la”4 .
Mais de cem anos após a sua criação e mesmo depois de seu reconhecimento
como uma das grandes conquistas culturais da humanidade, a situação se repete.
Nestes tempos sombrios em que vivemos, quando assistimos à destruição de valores e princípios como ética, honradez, honestidade e respeito, e onde o discurso capitalista a tudo invade e corrói, novamente a psicanálise se vê ameaçada e desta vez por
elementos que, movidos por interesses espúrios, tentam destruir a sua prática e a sua
ética.
Mais uma vez faz-se necessário um outro retorno a Freud, às nossas origens, à
herança que recebemos a fim de manter vivo o legado freudiano. Este também é nosso
dever ético.
Para terminar, gostaria de agradecer à Diretoria que ora termina seus trabalhos
pelo seu esforço, dedicação e compromisso no desempenho de suas funções. Vocês conduziram o barco com firmeza mesmo atravessando algumas tormentas. Parabéns pelo
trabalho executado.
Aos colegas do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais que referendaram o meu
nome e dos outros membros desta Diretoria, bem como as nossas propostas de gestão, o
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Ana Cristina Teixeira da Costa Salles
nosso muito obrigada. Contamos com todos para a realização de um projeto que não é só
da Diretoria mas de todos nós.
Aos membros do Fórum e aos alunos agradeço o apoio e as palavras de incentivo
e amizade. Vamos trabalhar para vocês que são o futuro desta casa.
Aos colegas da Diretoria não há palavras para expressar o meu apreço e os meus
agradecimentos pela confiança e pela aposta de realizarmos juntos um trabalho produtivo e eficaz.
Aos funcionários do CPMG fica o desejo de continuarmos nesta jornada. Nosso
trabalho e nosso êxito dependem em muito da colaboração de vocês.
Para todos nós aqui presentes deixo as palavras sábias de Guimarães Rosa:
“o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”3 . j
Bibliografia
1. FREUD, Sigmund. Totem e tabu. ESB, v.XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.188.
2. CHRISTOPH, Delins; GATZEMEIER, Mathias; STERCAN, Deniz; WÜNSCHER, Kathleen. A antiguidade. In História da Filosofia, da antiguidade aos dias de hoje. Könemann, 2001, p.6.
3. ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p.16 e p.318.
4. MANNONI, O. O futuro de uma desilusão. In Freud e a psicanálise. Rio de Janeiro: Rio Sociedade Cultural,
1976, p.127-131 e p.133-152.
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