INTERESSE RECURSAL E SUCUMBÊNCIA
1. INTRODUÇÃO
À semelhança do que ocorre com o julgamento do mérito em primeiro grau de
jurisdição, também o julgamento de mérito do recurso é precedido por um juízo de
admissibilidade, por meio do qual o órgão jurisdicional analisa questões de ordem
formal antes de ingressar no juízo de mérito, no qual deverá acolher ou rejeitar a
pretensão recursal. No tocante ao juízo de admissibilidade no julgamento do
pedido há os pressupostos processuais e as condições da ação, matérias que
obrigatoriamente serão analisadas pelo juiz monocrático antes de acolher ou
rejeitar o pedido do autor; enquanto no âmbito recursal há os requisitos – ou
pressupostos – de admissibilidade do recurso1.
Dentre os requisitos de admissibilidade recursal é impossível se afirmar que um se
destaque, mas é inegável que alguns deles se mostrem mais complexos do que
outros,
sendo
responsáveis
pela
suscitação
de
um maior número
de
questionamentos. Partindo-se dessa premissa é inegável que o interesse recursal
é um dos requisitos que maior complicação prática suscita em casos concretos,
sendo por essa razão o escolhido para algumas considerações a serem feitas no
presente texto.
Registre-se preliminarmente que o interesse de agir é requisito de admissibilidade
recursal
que
demanda
uma
análise
efetiva
do
caso
concreto,
mais
especificamente do conteúdo da decisão recorrida.
1
A proximidade entre os pressupostos processuais e condições da ação dos requisitos de
admissibilidade recursal é tão forte que alguns doutrinadores fazem a análise desses à luz
daqueles, como Alexandre Freitas Câmara, “Requisitos de admissibilidade dos recursos civis”, in
Escritos de Direito Processual – Segunda Série, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, pp. 73-78.
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Somente sabendo-se o teor da decisão impugnada será possível se afirmar que o
recorrente tem ou não interesse em recorrer.
2. INTERESSE DE AGIR E INTERESSE RECURSAL
Conforme já foi afirmado, existe uma proximidade evidente entre os pressupostos
processuais e condições da ação e os requisitos de admissibilidade recursal,
sendo unânime na doutrina que o interesse recursal deve ser analisado à luz do
interesse de agir.2 A melhor doutrina que tratou do tema da teoria geral do
processo aborda a condição da ação “interesse de agir” no campo da utilidade da
prestação jurisdicional pretendida pelo autor, afirmando não ser permitido o
desenvolvimento do processos em casos nos quais se perceba que mesmo diante
do acolhimento da pretensão do autor, a decisão judicial será absolutamente inútil,
sem
qualquer
proveito
prático.
Realmente
não
seria
lógico
obrigar
a
movimentação da máquina jurisdicional para gerar resultado inútil ou já
sabidamente ineficaz.
Apenas para fins de registro, a questão da utilidade constante do interesse de agir
deve ser observada com extremo cuidado atualmente, em especial no clássico
exemplo dado pela doutrina mais tradicional apontando-se a ausência de interesse
de agir no processo de conhecimento do autor que já tem a seu favor o título
executivo judicial. Cumpre registrar que é plenamente possível que uma tutela de
urgência em processo de cognição seja muito mais eficaz que a tutela executiva
de um título extrajudicial, em especial nas obrigações que tenham como objeto a
tutela inibitória (fazer/não fazer). Ainda que seja um anacronismo gerado pelas
constantes modificações em nosso sistema processual, é inegável que, em
determinadas hipóteses, é mais eficaz e útil à parte um processo de
2
Por todos, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, Curso de direito processual civil,
vol. 3, Salvador, Jus Podivm, 2006, p. 40.
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conhecimento, desde que obtenha uma tutela de urgência, ao processo de
execução.
O mesmo ocorre na análise do art. 475-N, V, CPC, que em boa hora trouxe ao
Código de Processo Civil regra que indevidamente estava confinada aos Juizados
Especiais (art. 57 da Lei 9.099/95). Segundo o dispositivo legal mencionado será
título executivo judicial o acordo extrajudicial levado a homologação judicial, o que
deverá ocorrer num processo de jurisdição voluntária considerando-se que
somente haverá tal processo quando as duas partes envolvidas no acordo
concordarem em formar o título executivo. Segundo o art. 585, III, o acordo
extrajudicial, desde que preenchidos certos requisitos legais, será considerado um
título executivo extrajudicial. Não obstante, haverá interesse de agir das partes em
buscar o Judiciário para formar o título executivo judicial, o que se torna evidente
devido as profundas diferenças existentes atualmente entre o procedimento do
processo autônomo de execução (título extrajudicial) e o procedimento do
cumprimento de sentença (título judicial).
De qualquer forma, esse é assunto que demandaria um outro artigo, e que não
pode ser desenvolvido nesse momento, sob pena de acarretar em desvio do tema
das presentes preocupações.
Essa mesma idéia de utilidade da prestação jurisdicional verifica-se no interesse
recursal, entendendo-se que somente será julgado em seu mérito o recurso que
possa ser útil ao recorrente. Essa utilidade deve ser analisada sob a perspectiva
prática, sendo imperioso se observar no caso concreto se o recurso reúne
condições de gerar uma melhora na situação prática do recorrente. Quase todos
os problemas referentes ao interesse recursal se resumem a esse aspecto, sendo
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certo que, não havendo qualquer possibilidade de obtenção de uma situação mais
vantajosa sob o aspecto prático, não haverá interesse recursal3.
É por essa razão que, em regra – a exceção será vista em tópico próprio - não se
admite recurso somente com o objetivo de modificar a fundamentação da decisão,
porque nesse caso a situação prática do recorrente se mantém inalterada, ainda
que se possa afirmar que o “ego” do recorrente possa ser massageado com o
provimento do recurso4. Basta imaginar uma demanda em que se busca a
rescisão de um contrato fundamentada nas alegações de erro e dolo. Rejeitada a
alegação de dolo e acolhida a de erro, o pedido é julgado totalmente procedente,
não havendo interesse recursal do autor em apelar da sentença para que também
a alegação de dolo seja acolhida. Ainda que possa gerar uma satisfação pessoal,
nenhuma melhora fática seria gerada pelo provimento do recurso nesse caso, o
que é o suficiente para seu não conhecimento por ausência de interesse recursal.
3. SUCUMBÊNCIA FORMAL E MATERIAL
A doutrina tradicionalmente estuda o fenômeno do interesse de agir à luz da
existência de sucumbência, o que geraria a necessidade na utilização do recurso.
Essa associação decorre da concepção de que não deva existir recurso sem um
prejuízo, um gravame, idéia presente em todas as lições mais autorizadas a
respeito do tema. Como o termo sucumbência deve ser entendido como frustração
de uma expectativa inicial, resta claro que, havendo sucumbência no processo,
terá havido o gravame ou lesão exigida para a interposição do recurso.
3
José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. X, 11ª ed., Rio de
Janeiro, Forense, 2003, 300-301; Bernardo Pimentel Souza, Introdução aos recursos cíveis e à
ação rescisória, 3ª ed. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 45; Luiz Orione Neto, Recursos cíveis, São
Paulo, Saraiva, 2002, p. 79.
4
Nesse sentido as lições de José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo
Civil, vol. X, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 300; Flávio Cheim Jorge, Apelação cível:
teoria geral e admissibilidade, São Paulo, RT, 1999, pp. 127-130.
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Essa construção, entretanto, deve ser analisada com o devido cuidado pelo
estudioso e operador do Direito.
Em primeiro lugar, é preciso definir para quais dos legitimados recursais a
sucumbência é realmente elemento indispensável para a configuração do
interesse de agir, para depois se determinar de que espécie de sucumbência está
se tratando. A conclusão já adiantadamente fornecida mostra que é de uma
perigosa simplicidade condicionar-se simplesmente a idéia de interesse de agir a
verificação de sucumbência, como pretende fazer crer o art. 499, caput, CPC, ao
prever a locução “parte vencida”. O dispositivo legal, na realidade, confunde com
extrema infelicidade dois requisitos de admissibilidade diferentes, sendo que as
partes terão sempre legitimidade para recorrer, independente de terem sido
vencidas ou vencedoras na demanda, aspecto que, ao exigir a análise do
conteúdo da decisão no caso concreto, diz respeito, quando muito, ao interesse
recursal. O dispositivo deveria ter se limitado ao termo “parte”, tratando da
legitimação recursal.
É possível até se afirmar, com os devidos temperamentos, que a verificação de
sucumbência seja uma exigência para que exista no caso concreto o interesse de
agir, mas essa exigência deve ser limitada às partes, e não a todos os legitimados
a recorrer5. O terceiro prejudicado não tem qualquer sucumbência com o resultado
do processo, até porque não participava do processo no momento da prolação da
decisão e por isso não tinha, ao menos juridicamente, qualquer expectativa inicial
a ser frustrada. Da mesma forma ocorre com o Ministério Público, tanto na
hipótese de sua participação como fiscal da lei como também em processo que
não contou com sua participação nessa qualidade em caso em que deveria ter
participado. Tanto no caso do terceiro prejudicado como do Ministério Público –
que não atue como parte no processo – parece que a condicionar a existência de
5
Essa observação já havia sido feita por José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de
Processo Civil, op. cit., pp. 297-298.
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interesse de agir à sucumbência do recorrente não é medida correta. O interesse
de agir desses dois legitimados não será enfrentado na profundidade que merece,
limitando-se o atual texto a conclusão de que para esses legitimados não há que
se falar em sucumbência para a fixação de seu interesse recursal.
De qualquer maneira, sendo as partes os legitimados que com maior freqüência
na prática se valem dos meios recursais como forma de impugnação das decisões
judiciais, o tema da sucumbência deve ser devidamente enfrentado. Nesse
tocante, é imprescindível que se faça a distinção entre sucumbência formal e
sucumbência material. Ainda que na maioria dos casos a ocorrência da primeira
gere automaticamente a segunda, existem situações excepcionais nas quais
apesar da parte não sucumbir formalmente, sucumbirá materialmente, o que já
será o suficiente para a configuração do interesse de agir.
Por sucumbência formal se entende a frustração da parte em termos processuais,
ou seja, a não obtenção por meio da decisão judicial de tudo aquilo que poderia
ter processualmente obtido em virtude do pedido formulado ao órgão jurisdicional.
No referente à sucumbência formal o importante é analisar o que, tomando-se por
base o pedido feito no caso concreto, será possível às partes obter em termos de
tutela jurisdicional. Nesse sentido será sucumbente formal o autor se não obter a
procedência integral de seu pedido e o réu se não obter a improcedência integral
do pedido do autor.
A sucumbência material, por sua vez, se refere ao aspecto material do processo,
verificando-se sempre que a parte deixe de obter no mundo dos fatos tudo aquilo
que poderia ter conseguido com o processo. A análise nesse caso nada tem de
processual, firmando-se no bem ou bens da vida que a parte poderia obter em
virtude do processo judicial e que não obteve em razão da decisão judicial.
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Essa discrepância entre o desejado no mundo prático e do praticamente obtido no
processo gera a sucumbência material da parte.
Conforme já foi afirmado anteriormente, verificando-se a sucumbência formal em
regra também haverá sucumbência material, sendo presumível que, não obtendo
processualmente tudo que o processo poderia lhe entregar, a parte também não
obterá tudo que poderia obter no plano prático. É até possível se estabelecer uma
regra de que sempre que exista sucumbência formal haverá também a material,
mas essa ligação entre as duas espécies de sucumbência nem sempre ocorrerá,
havendo casos excepcionais nos quais não haverá sucumbência formal, mas
ocorrerá a material. Alguns exemplos demonstrarão tal circunstância, deixando
clara a importância na distinção dessas duas espécies de sucumbência para a
fixação do interesse de agir no caso concreto.
3.1. Cumulação subsidiária (eventual) de pedidos
A cumulação subsidiária – ou eventual – de pedidos tem como principal
característica a cumulação de pedidos organizados em ordem de preferência
determinada pelo autor, sendo que o pedido posterior somente será enfrentado
pelo juiz na hipótese do pedido anterior ser rejeitado. Com o acolhimento do
pedido preferido pelo autor, os demais simplesmente restam prejudicados, não
chegando a ser analisados. Trata-se de espécie de cumulação imprópria de
pedidos, o que significa que somente um dos pedidos cumulados poderá ser
acolhido, ou seja, a maior vitória processual que pode esperar o autor dessa
espécie de cumulação é o acolhimento de um dos pedidos cumulados.
É justamente essa característica da cumulação imprópria que mais interessa ao
desenvolvimento do raciocínio do presente artigo, porque se o autor pode no
máximo esperar pelo acolhimento de um dos pedidos, é natural que, ao menos em
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termos processuais, o acolhimento de qualquer um deles gere sua vitória na
demanda processual. Processualmente, afinal, o acolhimento do pedido –
independente de qual seja, o que só terá relevância no plano prático – é o máximo
que o processo poderia dar ao autor. Com razão a doutrina e jurisprudência ao
apontar para o acerto das decisões judiciais que nesse caso julgam o pedido do
autor totalmente procedente, carreando ao réu a integralidade na responsabilidade
de ressarcimento das verbas de sucumbência6.
Na situação descrita é evidente que a procedência integral do pedido do autor não
gera a ele qualquer sucumbência formal, mas não se pode negar que,
dependendo de qual dos pedidos for acolhido, no plano fático o processo poderá
não ter sido capaz de entregar ao autor tudo aquilo que dele se poderia esperar, o
que será o suficiente para a geração da sucumbência material justificadora do
interesse recursal.
Tendo sido concedido o primeiro pedido na ordem de preferência estabelecida
pelo próprio autor, é natural que não exista interesse recursal porque, além de não
sucumbir
formalmente
(a
sentença
é
de
procedência),
não
sucumbiu
materialmente, porque no plano prático obteve o máximo que o processo poderia
lhe dar em virtude de sua própria vontade ao estabelecer a ordem de preferência
entre os pedidos. Obtendo tudo que poderia, tanto no plano processual, como no
plano material, é natural que não exista nesse caso o interesse recursal do autor
para a interposição do recurso de apelação.
6
Não parece nesse ponto acertada a lição de Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito
processual civil, vol. III, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 366, nota 9., afirmando que “o atendimento
do pedido subsidiário, com rejeição do principal, não é procedência integral da demanda”. O
processualista paulista, entretanto, acerta em sua conclusão ao apontar o interesse recursal do
autor nessa hipótese.
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O mesmo, entretanto, não ocorre na hipótese de acolhimento de qualquer outro
pedido que não seja o primeiro da ordem de preferência do autor, porque nesse
caso, embora não se possa falar em sucumbência formal, é nítida a existência de
sucumbência material, considerando-se que dentre as preferências expostas pelo
autor em sua petição inicial, não conseguiu no plano fático obter por meio do
processo a melhor situação possível. Haverá, portanto, interesse recursal do autor
em apelar buscando no Tribunal a reforma da sentença para que o primeiro
pedido em sua ordem de preferência seja acolhido7.
3.2. Pedido de dano moral
Na hipótese de pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização em
virtude de dano moral suportado pelo réu, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça se pacificou no sentido da dispensa de indicação na petição inicial do valor
do dano suportado, apoiando-se no art. 286, II, CPC. A justificativa do tribunal é de
que o valor eventualmente indicado pelo autor em sua petição inicial é meramente
estimativo, considerando-se que a tarefa de arbitramento do valor devido é
exclusiva do juiz8. Apesar de firme a jurisprudência do tribunal superior nesse
sentido, não parece ser esse o melhor entendimento, porque a questão de ser
tarefa exclusiva do juiz o arbitramento do valor do dano moral em nada afeta a
obrigatoriedade de sua quantificação pelo autor. Basta recordar que também o
dano material é arbitrado de forma definitiva e exclusiva pelo juiz, o que,
entretanto, não retira a necessidade do autor indicar, fora as hipóteses legais, o
valor do dano que entende ter suportado. Por outro lado, se nem mesmo o autor,
7
Nesse sentido a doutrina majoritária: José Rogério Cruz e Tucci, “Reflexões sobre a cumulação
subsidiária de pedidos”, in Causa de pedir e pedido no processo civil, coord. José Rogério Cruz e
Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque, São Paulo, RT, 2002, pp. 288-289; Cássio Scarpinella
Bueno, Código de Processo Civil interpretado, coord. Antonio Carlos Marcato, São Paulo, Atlas,
896-897; Fredie Didier Jr., Curso de direito processual civil, vol. 1, 6ª ed., Salvador, Jus Podivm,
2006, p. 375.
8
AgRg no Ag 408080, 2ª Turma, rel. Min. Franciulli Neto, DJ 11/04/05, p. 218; REsp 556912/SP, 4ª
Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ 28/02/05; REsp 291625/SP, 3ª Turma, rel. Min. Castro
Filho, DJ 04/08/03, p. 290.
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que pretensamente suportou o dano, tem idéia do valor suficiente a ressarcir seu
abalo moral, quiçá o juiz, que nada sofreu...
De qualquer forma, esse é o entendimento já consolidado do Superior Tribunal de
Justiça, o que na realidade é tão somente uma faceta do total e absoluto
descrédito dado por esse tribunal ao valor do dano indicado pelo autor. Primeiro
não há necessidade de fazê-lo, podendo o autor se aproveitar do pedido genérico;
mas ainda que o autor indique expressamente o valor que entende devido pelo réu
a título de dano moral, esse valor será simplesmente desprezado pelo juiz. Dessa
forma, fica o juiz liberado a conceder o valor que entender adequado, até mesmo
superior ao valor indicado na petição inicial, sem que se considere a decisão ultra
petita. Em razão desse entendimento, será admissível a curiosa situação na qual o
autor pede um valor de dano moral, o juiz concede valor superior ao indicado, e
ainda assim o autor terá interesse recursal para apelar da sentença pleiteando um
valor superior ao concedido pela sentença. O interesse recursal nesse caso será
analisado a seguir.
No sentido já apontado de desprezo ao valor do dano moral indicado pelo autor
em sua inicial, o Superior Tribunal de Justiça recentemente sumulou entendimento
de que sendo concedido valor inferior ao pedido pelo autor, a sucumbência será
exclusivamente do réu (Súmula 326, STJ), o que permite a conclusão de que o
pedido do autor será julgado totalmente procedente. Ocorre, entretanto, que
apesar da procedência integral, o autor terá interesse recursal na apelação para
majorar o valor da condenação, até, pelo menos, aquele valor que originariamente
pediu (não há empecilho para pedir até mesmo um valor superior a esse). O que
se verifica nesse caso é que o autor, embora não tenha formalmente sucumbido,
experimentou uma sucumbência material, considerando que no plano dos fatos
deixou de receber tudo aquilo que poderia obter com o processo. É em virtude
disso que terá interesse recursal nesse caso.
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3.3. Coisa julgada secundum eventum probationis
No tocante a direitos coletivos e difusos, a coisa julgada, na hipótese de
julgamento de improcedência do pedido, tem uma especialidade que a diferencia
da coisa julgada tradicional, prevista pelo Código de Processo Civil. Enquanto, no
instituto tradicional, a imutabilidade e a indiscutibilidade geradas pela coisa julgada
não depende do fundamento da decisão, nos direitos difusos e coletivos, caso
tenha a sentença como fundamento a ausência ou a insuficiência de provas, não
se impedirá a propositura de novo processo com os mesmo elementos da ação –
partes, causa de pedir e pedido –, de modo a possibilitar uma nova decisão, o
que, naturalmente, afastará, ainda que de forma condicional, os efeitos de
imutabilidade e indiscutibilidade da primeira decisão transitada em julgado.
Os dispositivos legais a respeito do tema, no tocante ao direito coletivo9,
encontram-se no: art. 18 da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular): “A sentença terá
eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a
ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”;
art. 16 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública): “A sentença civil fará coisa
julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator,
exceto se o pedido for julgado improcedente por deficiência de provas, hipótese
em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova”; e, art. 103, inc. I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor): “erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inc. I
do parágrafo único do art. 81”.
9
Fala-se em direito coletivo porque, trantando-se de direito individual, a Lei do Mandado de
Segurança já prevê, desde 1951, a coisa julgada secundum eventum litis.
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Há um interessante questionamento a respeito do tema que vem suscitando
dúvidas na doutrina nacional. Os dispositivos legais que tratam da coisa julgada
secundum eventum probationis são omissos a respeito da exigência de que,
expressa ou implicitamente, conste da sentença ter sido a improcedência gerada
pela ausência ou insuficiência de provas ou se tal circunstância poderá ser
estranha à decisão, de modo a ser demonstrada somente na segunda demanda. A
tomada de uma ou de outra posição terá peso fundamental no próprio conceito de
prova nova, que será fixado a seguir.
A tese restritiva exige que haja na motivação ou no dispositivo da decisão,
expressa ou implicitamente, a circunstância da ausência ou insuficiência de
provas. Afirma-se que, por ser uma exceção à regra da coisa julgada material
prevista em nosso ordenamento processual, deverá o juiz indicar, ou ao menos
ser possível deduzir de sua fundamentação, que sua decisão de improcedência
decorreu de uma insuficiência ou inexistência de material probatório. A ausência
dessa circunstância proporcionaria, obrigatoriamente, a geração de coisa julgada
material tradicional10.
Com entendimento contrário, existe corrente doutrinária que não vê qualquer
necessidade de constar, expressa ou implicitamente na sentença, que a
10
A tratar, especificamente, da ação popular, José Afonso da Silva, Ação popular constitucional. São
Paulo: RT, 1968, p. 273, e Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação popular, 4ª ed., São Paulo, RT,
2001, p. 284. No mesmo sentido, com tratamento genérico da coisa julgada coletiva, Arruda Alvim,
“Notas sobre a coisa julgada coletiva”. Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 88, p. 37: “A
improcedência por insuficiência de provas deverá constar ou, ao menos, defluir da fundamentação
da sentença, e esta circunstância é que será o parâmetro decisivo para viabilizar-se a propositura
da mesma ação, calcada em nova prova. Ou seja, é a insuficiência de prova, como tal declarada,
que determinará a não-ocorrência de coisa julgada. Se tiver sido esse o fundamento da
improcedência, é ele que determina a não-ocorrência de coisa julgada; e, pois, se houver nova
prova, pode ser reproposta a ação civil coletiva; se não vier a existir nova prova, ainda que não
haja coisa julgada, aquela circunstancia não poderá vir a ser útil na ordem prática, como poderia
ter vindo a ser”. Também Gregório Assagra de Almeida, Direito processual coletivo brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 377-378, e J. M. Othon Sidou, “Habeas corpus”, mandado de segurança,
mandado de injunção, “habeas data”, ação popular, 6ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 371.
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improcedência do pedido decorreu de ausência ou insuficiência de provas. Foi
Antonio Gidi11 quem primeiro defendeu uma tese mais ampla, ao afirmar que não
se deveria adotar um critério meramente formal do instituto, propondo um critério
mais liberal, nomeado de critério substancial. Segundo essa visão, sempre que um
legitimado propuser, com o mesmo fundamento, uma segunda demanda coletiva
na qual fundamente sua pretensão em uma nova prova, estar-se-á diante da
possibilidade de obter-se uma segunda decisão.
A segunda corrente defende o entendimento mais acertado, considerando que a
adoção da tese restritiva limitaria indevidamente o conceito de prova nova. Ao
exigir-se do juiz uma fundamentação referente à ausência ou à insuficiência de
provas, será impossível o juiz se manifestar sobre o que não existia à época da
decisão, o que retiraria a possibilidade de propositura de uma nova demanda
fundada em meio de prova que não existia à época da prolação da decisão.
Nesses casos, haveria um indevido e indesejável estreitamento do conceito de
nova prova, que também, por não ser tranqüilo na doutrina, passa-se a analisar.
Todos os regramentos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum
probationis são omissos quanto ao conceito de “nova prova”, missão legada a
doutrina. Parcela majoritária da doutrina entende que não se deve confundir nova
prova com prova superveniente, surgida após o término da ação coletiva. Por esse
entendimento, seria nova a prova, mesmo que preexistente ou contemporânea à
ação coletiva, desde que não tenha sido nesta considerada.
11
Coisa julgada e litispendência, cit., p. 131-138. Comungam de tal entendimento Ada Pellegrini
Grinover, “Novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada nas ações coletivas”. In: ______.
O processo – estudos e pareceres. São Paulo: DPJ, 2005, p. 222-224; Pedro Lenza, Teoria geral
da ação civil pública, São Paulo, RT, 2003, p. 283; Ricardo de Barros Leonel, Manual do processo
coletivo, São Paulo, RT, 2002, p. 274. Marcelo Abelha Rodrigues, “Ação civil pública”, in Ações
Constitucionais, coord. Fredie Didier, Salvador, Jus Podivm, 2005, p. 327, fala em insuficiência
material e processual: “O primeiro caso (aspecto material) dirige-se às situações em que não
existia ou era impossível a obtenção de prova suficiente para influir no resultado e na convicção do
magistrado. A segunda hipótese existe quando a insuficiência decorre da ausência de material
probatório nos autos que pudesse levar à formação da convicção do magistrado favoravelmente ao
demandante”
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Assim, o que interessa não é se a prova existia ou não à época da demanda
coletiva, mas se foi ou não apresentada durante seu trâmite procedimental; será
nova porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade, mesmo que, em
termos temporais, não seja algo recente12.
Arruda Alvim13 faz interessante observação, afirmando que
“essa contemporaneidade da prova ao processo precedente, ou, se
quiser, a percepção ou a ‘suspeita’ de sua existência pelo juiz, é
elemento indicativo de quem, por isso mesmo, é que o juiz terá
entendido ter havido insuficiência de prova. Se é concebível cogitar-se
de insuficiência de prova a partir da convicção de que, ao que tudo
indica, devam existir mais elementos probatórios”.
Esse entendimento muito se assemelha ao conceito dado, pela melhor doutrina,
ao “fato novo” como fundamento da liquidação de sentença por artigos. Também
nesse caso, o adjetivo “novo” não é utilizado para designar um fato ocorrido após
o término do processo em que se formou o título executivo, mas sim como
novidade ao Poder Judiciário, por não ter sido objeto de apreciação em tal
processo. O fato, portanto, assim como a “nova prova” nas ações coletivas,
poderá ser anterior, concomitante ou posterior à demanda judicial; para ser
adjetivado de novo, basta que não tenha sido objeto de apresentação pelas partes
e de apreciação pelo juiz14.
Nesse sentido, as lições de Marcelo Abelha Rodrigues, “Ação civil pública”, cit., p. 327; Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, 2ª ed., São
Paulo, RT, 2001, p.781-782; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva, São Paulo,
RT, 2003, p. 412.
13
Cf. “Notas sobre a coisa julgada coletiva”, cit., p. 31.
14
Araken de Assis, Manual do processo de execução. 7. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 317; Teori Albino
Zavascki, Processo de execução – Teoria geral. 3. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 424-425; Leonardo
Greco, O processo de execução. Rio de Janeiro, Renovar: 2001, v. II, p. 247.
12
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Registre-se o pensamento, a respeito do tema, exposto por Ada Pellegrini
Grinover, que, nos trabalhos para a elaboração do Anteprojeto de Código Modelo
de Processos Coletivos para a Ibero-América, verificou, junto com Kazuo
Watanabe, que15
“a possibilidade de reabertura do processo com qualquer prova nova,
não produzida durante a instrução, colidiria com o tradicional princípio
da eficácia preclusiva da coisa julgada, pela qual se consideram
cobertas pela imutabilidade não só as questões levantadas, mas
também aquelas que poderiam ter sido levantadas no processo (CPC,
art. 474). Por isso restringimos a possibilidade de reabertura de novo
processo à hipótese de provas que não existiam à época do primeiro
processo, e que portanto não poderiam ter sido produzidas.”
A idéia restritiva de conceito de “nova prova” sugerida pela processualista não
parece ser a mais adequada ao fenômeno da proteção dos direitos
transindividuais em juízo. Já foi devidamente exposto que uma das razões para
adotar-se a coisa julgada secundum eventum probationis nas demandas que
tenham como objeto direitos difusos ou coletivos é evitar que, por meio de conluio
fraudulento
entre
as
partes
processuais,
obtenha-se
uma
decisão
de
improcedência. Considerando a relevância do direito material debatido e a
ausência dos legitimados no processo, ao menos essa proteção lhes deve ser
concedida, o que não ocorreria se fosse adotada a visão de que somente provas
que não existiam à época da demanda coletiva permitiriam uma nova demanda
judicial.
De qualquer forma, o pensamento ao menos se mostra bastante correto quando
sedimenta a idéia de que, ao surgir uma prova que não existia ou que era
15
Cf. “Novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada nas ações coletivas”, in O processo –
estudos e pareceres, São Paulo, DPJ, 2005, p. 224.
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impossível de obter-se à época da ação coletiva, sua apresentação será o
suficiente para permitir a propositura de um novo processo com os mesmos
elementos da ação do anterior. Nesse caso, evidentemente, não será possível
defender a corrente doutrinária que exige do juiz a indicação, expressa ou
implícita, de ter o julgamento de improcedência decorrido de ausência ou
insuficiência de provas. Não sabendo da existência da prova porque não era
possível sua obtenção, o que só veio a ser possibilitado, por exemplo, pelo avanço
tecnológico, não haveria possibilidade lógica de o juiz considerar tal circunstância
em sua decisão.
O entendimento vem consagrado no Anteprojeto de Código Modelo de Processo
Coletivos para a Ibero-América, em seu art. 30, § 1º, dispositivo parcialmente
repetido no art. 12, § 1º, do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos:
“Mesmo na hipótese de sentença fundada nas provas produzidas, qualquer
legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2
(dois) anos contados da descoberta de prova nova, superveniente, que não
poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si só, para mudar seu
resultado”16.
Fixada a idéia de prova nova a admitir a nova propositura da mesma ação judicial,
passa-se a análise do fenômeno processual que se verificará na hipótese de
decisão de improcedência gerada pela ausência ou insuficiência de provas. Falase em coisa julgada secundum eventum probatotionis, mas há divergência
jurisprudencial a respeito de ser essa uma espécie atípica de coisa julgada ou se,
16
Essa previsão viria ao encontro da legítima preocupação de parcela da doutrina a respeito da coisa
julgada nas demandas que tenham como objeto direito ambiental, ao asseverar que nem sempre o
estágio da ciência é capaz de detectar a nocividade de determinado produto ao meio ambiente, o
que sé será possível após a extinção do processo em virtude de avanços tecnológicos: Marcelo
Abelha Rodrigues, “Ação civil pública”, cit., p. 327.
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nesse caso, a coisa julgada material estaria afastada, de modo a operar-se, no
caso concreto, tão-somente a coisa julgada formal.
Há parcela significativa da doutrina que entende não se operar, nesse caso, a
coisa julgada material, por afirmar que, sendo possível a propositura de um novo
processo com os mesmos elementos da ação – partes, causa de pedir e pedido –,
a imutabilidade e indiscutibilidade próprias da coisa julgada material não se fariam
presentes. A possibilidade de existência de um segundo processo, que,
naturalmente, proporcionará uma segunda decisão, afetaria de forma irremediável
a segurança jurídica advinda da coisa julgada material tradicional, de forma a estar
afastado esse fenômeno processual quando os fundamentos que levaram à
improcedência do pedido forem a insuficiência ou a inexistência de prova.
Nesse sentido, as lições de Ricardo de Barros Leonel17, ao afirmar que, nessa
hipótese,
“só ocorrerá a formação da coisa julgada formal, reconhecida e
imutabilidade da sentença no mesmo processo. Não haverá coisa
julgada material, pois os legitimados (inclusive o autor) – poderão tomar
iniciativa, com base em nova prova. Aqui há restrição na extensão e
configuração da coisa julgada subjetiva e objetivamente: os indivíduos
interessados e os legitimados não serão atingidos; e há somente a
formação da coisa julgada formal, com a possibilidade de modificação
em outro processo”.
17
Cf. Manual do processo coletivo. São Paulo: RT, 2002, p. 273-274. No mesmo sentido, o
entendimento de Hugo Nigro Mazzili, A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 427; Pedro Lenza, Teoria geral da ação civil pública, cit., p. 227; Luiz Guilherme
Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, cit., p. 781; Nelson Nery
Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1.347-1.348; Sérgio
Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva, cit., p. 412.
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Esse entendimento, entretanto, não é o mais correto, parecendo configurar-se a
mesma confusão a respeito da formação ou não da coisa julgada nos processos
que tenham como objeto as relações de trato continuativo (sentenças
determinativas), reguladas pelo art. 471, inc. I, do CPC. Em razão da possibilidade
de que a sentença determinativa seja alterada em virtude de circunstâncias
supervenientes de fato e de direito, parcela da doutrina apressou-se a afirmar que
essa “instabilidade” da sentença seria incompatível com o fenômeno da coisa
julgada material, que exige a imutabilidade e a indiscutibilidade do julgado.
O grande processualista uruguaio Eduardo J. Couture18, afirmou ser possível se
dizer “com relativa precisão que, quando uma sentença já não pode ser objeto de
recurso algum, mas admite a possibilidade de modificação em processo posterior,
está-se em presença de uma situação de coisa julgada formal”. Como se percebe
da doutrina do mestre, a circunstância de ser possível ou não falar em coisa
julgada dependerá, exclusivamente, da estabilidade que a mesma adquire, de
modo a desprezar outros elementos que devem ser levados em conta na fixação
do conceito. Parece incidir no mesmo equívoco a doutrina que defende a
inexistência de coisa julgada material na hipótese objeto do presente tópico.
A melhor doutrina a tratar do tema da coisa julgada das sentenças determinativas
chega à conclusão de que também nestas, se houver a coisa julgada formal,
operar-se-á a coisa julgada material sempre que a sentença for de mérito, ainda
que possa ter sua eficácia limitada no tempo em razão de fatos supervenientes
capazes de modificar o estado de fato ou de direito19. Dessa forma, apesar de os
efeitos da decisão poder ser modificados por meio de outro processo, não restará
18
19
Cf. Fundamentos de direito processual civil. Trad. Benedicto Giaccobini. Campinas: Red Livros,
1999, p. 350. Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, 14ª ed., São Paulo,
Saraiva, 2000, p. 247, afirma que as sentenças determinativas não fazem coisa julgada material.
Adroaldo Furtado Fabrício, “A coisa julgada nas ações de alimentos”, 2003, in Ensaios de direito
processual, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 317; Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de
direito processual civil, cit., v. III, p. 310-312.
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dúvida de que a sentença determinativa, como qualquer outra sentença de mérito,
produzirá a coisa julgada material.
É evidente que a coisa julgada material gerada nas sentenças determinativas não
é a mesma coisa julgada secundum eventum probationis gerada no processo
coletivo. No primeiro, a verificação de fato superveniente será apta a gerar uma
modificação nas circunstâncias de fato ou de direito, o que significa dizer que
afetará a causa de pedir, um dos elementos da ação. Dessa forma, a sentença
determinativa já transitada em julgado somente poderá ser modificada por outra
sentença porque, nesse novo processo, haverá uma causa de pedir diferente do
primeiro; não haverá, por isso, a identidade plena entre os dois processos. Tal
fenômeno não se repete nas ações coletivas, porque independente da
modificação da causa de pedir, aceitar-se-á um novo processo idêntico ao
primeiro, desde que seja fundado em prova nova.
A identidade entre as duas situações encontra-se na exigência de que um fato
novo superveniente ocorra a fim de que se possa afastar a segurança jurídica
gerada
pela
primeira
decisão
transitada
em
julgado.
Nas
sentenças
determinativas, esse fato novo é amplo e gera a modificação da causa de pedir,
enquanto, nas ações coletivas, o fato novo é o surgimento de uma nova prova,
que, apesar de não modificar em nada a causa de pedir – até porque, com nova
causa de pedir, não seria necessária a nova prova –, é condição sine qua non
para que a segurança jurídica da primeira decisão transitada em julgado seja
afastada. Nos dois casos, a coisa julgada material existe, mas será afastada se
houver um fato superveniente.
Seja como for, é certo que haverá interesse recursal ao réu nessa hipótese,
considerando-se que, apesar da improcedência, a segurança advinda da coisa
julgada material não foi obtida com a sentença fundada em ausência ou
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insuficiência de provas. Dessa forma, não houve sucumbência formal do réu, mas
materialmente ele sucumbiu, porque o processo não lhe entregou no plano fático
tudo àquilo que poderia obter. O bem da vida “segurança jurídica” não foi obtida
pelo autor, considerando-se que a qualquer momento a ação poderá ser proposta
novamente, desde que baseada em nova prova. Diante dessa sucumbência
material, é inegável o interesse recursal do réu nesse caso20.
4 CONCLUSÕES
O presente artigo teve como objetivo demonstrar o equívoco do pensamento que
condiciona o interesse de agir à derrota processual da parte no processo,
considerando-se que nem sempre a vitória processual da outra parte retira no
caso concreto seu interesse recursal. A análise do que poderia ser obtido com o
processo no plano fático é essencial para a fixação da existência ou não do
interesse recursal, até mesmo porque é essa sucumbência material que realmente
importa para a aferição desse pressuposto de admissibilidade. Trata-se da
distinção entre sucumbência formal e material que, como de costume, tão
magistralmente foi apontada por Barbosa Moreira ao afirmar que
“não é tanto confrontar a situação dela resultante com a precedente situação do
réu, mas sobretudo com a melhor situação que, dado o processo, ele seria capaz
de alcançar. Se a decisão proferida, nos termos em que o foi, não lhe
proporcionou esse optimum, e à luz da lei ainda lhe é possível tentar atingi-lo por
meio de recurso, ele tem, incontestavelmente, interesse em recorrer; irrelevante,
em tais condições, o fato de ter sido parte vencedora”21.
20
Nesse sentido, com relação ao julgamento da Ação Popular, José Carlos Barbosa Moreira,
Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 299; Nelson Nery Jr., Teoria geral dos
recursos, op. cit., p. 319; Flávio Cheim Jorge, Teoria geral dos recursos cíveis, op. cit., p. 106.
21
Cfr. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis, Rio de Janeiro, 1968, p. 75.
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No preciso entendimento do mestre carioca, a análise deve tomar por base uma
ótica prospectiva, ou seja, deve ser analisado o que o processo ainda pode dar a
parte, no plano dos fatos, que não foi obtido com a decisão judicial. Esse
raciocínio é justamente a prevalência da sucumbência material na fixação do
interesse em recorrer, independentemente da existência de sucumbência formal
no caso concreto.
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INTERESSE RECURSAL E SUCUMBÊNCIA