À deriva
Zeina Latif – Economista chefe XP Investimentos
2015 prometia ser um ano difícil. Para muitos, um ano para se esquecer.
Ainda assim, havia espaço para alguma confiança de que cenários mais extremos seriam
evitados. A inflexão da política fiscal (ainda que a antiga meta de 1,2% do PIB não fosse crível),
a maior racionalidade na política econômica e a credibilidade do ministro Levy como fiador da
nova estratégia representavam passos importantes para o equilíbrio macroeconômico, o que
seria elemento crítico para a volta cíclica do crescimento em 2016. O aperto monetário, além
do esperado, permitiu a ancoragem de expectativas inflacionárias de médio prazo e a taxa de
câmbio flutuando mais livremente foi importante sinal.
Na política, ainda que o apoio no Congresso ao ajuste fiscal não viesse como o desejado, o
temor do colapso econômico poderia evitar grandes reveses.
Finalmente, imaginava-se que as agências de classificação de risco dariam o benefício da
dúvida, não havendo perda do grau de investimento este ano.
O quadro agravou-se. Em parte devido a fatores fora de controle, como o cenário externo e a
Operação Lava Jato; mas grosso modo, o agravamento foi auto infligido. Em momentos de
crise, passos em falso custam caro. Parece ser o caso agora.
O escândalo de corrupção aprofunda a crise econômica em vários canais, ao afetar o
investimento, a oferta de crédito, a confiança dos empresários e as condições de liquidez e
solvência de setores direta ou indiretamente envolvidos na Lava-Jato. Todos esses fatores
aprofundando a queda da atividade e da arrecadação.
O cenário internacional piorou com a constatação que a desaceleração na China, cada vez
mais, impacta o crescimento e o comércio mundial, desacelerando os países desenvolvidos e
afetando, particularmente, os emergentes. Ainda que não seja um quadro de crise, hoje o foco
principal de preocupação dos investidores mudou: são os países emergentes, e não mais os
desenvolvidos. Já não há a mesma disposição de investir em emergentes como no passado. Má
notícia para o Brasil.
Mas, certamente, são golpes auto infligidos que mais importam, aumentando o contágio do
quadro externo. No esforço dos investidores para diferenciar os países emergentes,
novamente o Brasil está sendo catalogado no grupo de economias mais vulneráveis.
O país está perdendo suas âncoras. O sentimento é que o ativismo da presidente na política e
na política econômica produz mais incertezas e ruídos. O Planalto é visto como amplificador, e
não atenuador, de crises. A credibilidade da autoridade fiscal foi afetada sensivelmente, o
ajuste fiscal é de qualidade questionável e a agenda de reformas pouco ambiciosa.
Já a âncora monetária não parece ameaçada, pois as expectativas inflacionárias seguem bem
comportadas. Porém, cada vez mais cresce a percepção que a política monetária enfrenta
limites e não consegue sozinha compensar a ausência das outras âncoras: fiscal e de confiança.
A falta de reação do governo levou a S&P a perder a paciência com o Brasil. Antes disso, os
preços de ativos já antecipavam este cenário. E mesmo com tantos sinais emitidos pelos
mercados, o governo foi na direção errada. O usual pragmatismo do governo diante de risco
iminente falhou. Precisou ocorrer o materialização do cenário de rebaixamento para se discutir
novos ajustes.
Se o ajuste da economia não vem por bem, via contração fiscal, vem por mal, via pressão
cambial mais significativa. O preço pago é que o custo social e econômico é maior, podendo
aprofundar a crise e dificultar a recuperação adiante. A expressiva depreciação da nossa
moeda afeta a estrutura de custos das empresas, encarece dívidas em moeda estrangeira e
alimenta a inflação. Assim, a estimativa de que a economia bateria o fundo do poço no
terceiro trimestre, conforme discutido neste espaço, tende a ser frustrada.
Os sinais emitidos pelo governo, por ora, são de baixa capacidade de reação. Por um lado,
devem caminhar na direção correta, tentando corrigir o retrocesso recente. Por outro, o risco
de a correção de rota não se mostrar suficiente parece relevante.
Ao mesmo tempo, o ambiente político deteriorado sugere que o Congresso será ainda mais
exigente para aprovar medidas do governo. Se antes a dificuldade se concentrava na
fragmentação da base de apoio, agora parece haver novos elementos. O compromisso com a
governabilidade já não parece ser o mesmo.
11/09/2015
____________________________________________________________________
ADVERTÊNCIA
Declaramos que o Portal Acionista.com.br não se responsabiliza pelas informações divulgadas neste site, tanto
referente às matérias de produção própria , quanto matérias ou análises produzidas por terceiros ou reproduzidas de
links autorizados, publicados nas nossas páginas a partir de uma seleção criteriosa, porém sem garantir sua
integralidade e exatidão.
Informamos, ainda, que o Acionista.com.br não faz qualquer recomendação de investimento e que, portanto, não se
responsabiliza por perdas, danos, custos e lucros cessantes decorrentes de operações financeiras de qualquer tipo,
enfatizando que as decisões sobre investimentos são pessoais.
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo das páginas em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem
autorização escrita do Acionista.com.br
Download

Um ano para ser esquecido por Zeina Latif / XP