Maneio sanitário
em explorações de carne
Rita Villa Nova
Médica Veterinária
As explorações pecuárias em geral e as de bovinos de
carne em particular têm cada vez mais que começar a ser
vistas como empresas que, para serem viáveis, têm que dar
lucro aos seus proprietários. Há já muitos anos que criadores de suínos e aves ou mesmo de vacas de leite “fazem
contas” enquanto que no mundo da carne, principalmente nas explorações no modo extensivo, poucos são aqueles
que sabem quanto custa produzir um kg de carne. Com
as margens de lucro cada vez mais pequenas torna-se indispensável ter em atenção todos os factores que possam
influenciar a produtividade de uma vacada no sentido
de maximizá-la. Nutrição, genética, maneio, reprodução
e sanidade são alguns dos mais importantes factores que
podem contribuir para o sucesso de uma exploração de
carne ou seja, para a obtenção de um bezerro por vaca
por ano.
É importante que os animais mantenham uma boa condição corporal, que tenham uma alimentação equilibrada
e que supra as suas necessidades durante as várias fases
produtivas, umas mais exigentes que outras. Em termos
genéticos pode-se trabalhar no sentido de aumentar a
eficiência alimentar, diminuir o risco e impacto de determinadas doenças ou seleccionar animais com bom temperamento, só para dar três exemplos. Á biosegurança e
higiene das explorações assim como ao bem-estar animal
(cada vez mais na ordem do dia!) são cada vez mais reconhecidos papéis determinantes na produtividade. Sem
conhecer, registar e interpretar os dados reprodutivos de
uma vacada (quer esta tenha época de partos ou não) não
é possível determinar índices de fertilidade e intervalos
entre partos e avaliar a performance reprodutiva do rebanho. Nenhum destes factores pode ser visto isoladamente
já que estes se encontram intimamente interligados: um
mau maneio nutricional pode ser causa de infertilidade
assim como o temperamento de alguns animais pode ser
causa de mau maneio nutricional de outros.
Tudo isto está no entanto dependente do estatuto sanitário da exploração e da ausência de doenças graves que
possam afectar o possível bom trabalho que esteja a ser
desenvolvido nas outras áreas.
Em primeiro lugar, quando falamos de estatuto sanitário, falamos de brucelose, tuberculose e leucose, doenças
de declaração obrigatória que são rastreadas pelo menos
uma vez por ano. Com pequenas diferenças de acordo
com a região do país onde a vacada se encontra este é um
procedimento que em termos gerais se mantém igual des-
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de há vinte e poucos anos, altura em que se iniciou em
Portugal a tentativa de erradicação destas doenças.
Perante isto todas as explorações são iguais e todas têm
de cumprir pois trata-se de uma questão legal. Uma vez
adquirido o estatuto B4 T3 L4 a exploração é considerada
indemne destas doenças. A partir daqui é que a abordagem que é feita a cada exploração em termos sanitários começa a diferir de acordo com uma série de outros factores
que podem tornar mais propício o aparecimento de certas
doenças num lado e não noutro. Neles incluo obviamente
a localização geográfica com as suas especificidades climáticas, o tipo de solo e de culturas, a presença ou não
de água, a raça em causa, a presença de outras espécies, a
existência de outras explorações por perto, o maneio geral da exploração, entre outros.
A situação ideal será sempre prevenir e não ter que tratar pois há doenças que podem ser extremamente penalizadoras para os criadores por provocarem elevadas perdas.
O programa vacinal implantado será específico para cada
exploração de acordo com os riscos que esta corre e rectificado se entretanto dispusermos de dados laboratoriais
que nos confirmem a presença de um qualquer agente.
As alturas em que vacinamos as vacadas dependem do
objectivo que pretendemos obter. Se o objectivo é aumentar a protecção dos bezerros via colostro a melhor altura
será vacinar antes dos partos. Nestes casos podemos pensar em vacinas de Clostrideos ou vacinas que transmitam
imunidade contra as diarreias neonatais causadas por E.
Coli, Rota e Coronavírus. No caso de pretendermos obter
uma maior protecção da vaca prenhe a melhor altura será
vacinar antes da cobrição. Neste caso falaríamos de BVD,
IBR ou Leptospirose, por exemplo. É claro que tudo isto
se torna mais simples quando existe uma época de partos
e assim podemos facilmente fazer uma vacinação em que
sabemos que todas se encontram no último terço da gestação. Quando assim não é e temos partos dispersos ao
longo de todo o ano torna-se um pouco mais complicado
determinar alturas ideais para estas intervenções. Muitas
vezes assim o melhor é fazer duas vacinações por ano, uma
na Primavera e outra no Outono, na tentativa de proteger
o maior número de vacas possível.
Outra vantagem da época de partos é desmamar lotes
de bezerros homogéneos com os quais também é muito
mais fácil trabalhar em termos sanitários. Podem ser vacinados contra as principais patologias respiratórias e desparasitados à entrada da engorda, já que este é sempre
magazine
um momento de grande risco em que vão ser misturados
com outros animais e em que a densidade populacional é
muito elevada. Isto aplica-se ainda com mais razão de ser
quando são animais importados sujeitos a longas viagens
ou animais comprados em feiras e leilões pelas mesmas
razões e com a agravante do enorme stress que enfrentam
ao estarem constantemente a ser agrupados com animais
diferentes até chegarem ao destino final.
O mesmo se passa em relação às desparasitações. Para
lá da escolha do princípio activo ser dependente dos riscos
específicos de cada exploração as melhores alturas serão
antes do início da época de partos e no final da época
de cobrição. Mais uma vez, em vacadas com partos dispersos ao longo do ano podemos fazer duas intervenções
por ano também na Primavera e Outono. O ideal seria
fazer a desparasitação e de seguida mudar a vacada para
uma pastagem nova e não contaminada de modo a não
haver reinfestações. Na Primavera e Verão, com o aumento das temperaturas e da proliferação de mosquitos, é importante manter os animais imunes às suas picadas pois
estas podem transmitir importantes doenças. Refiro-me
concretamente à Língua Azul, doença que está presente
no continente desde 2004 e que tem causado bastantes
transtornos aos criadores, principalmente de ovinos, mas
também aos de bovinos pelas medidas impostas pela DGV,
01.2010
nomeadamente a vacinação de bezerros contra o serótipo
1 da doença. Apesar de alguns casos descritos, este serótipo não afecta significativamente os bovinos, preocupando
apenas por estes servirem de intermediário na transmissão aos ovinos. O mesmo não se passa com o serótipo 8
que existe em Espanha mas que felizmente nunca chegou
a entrar em Portugal porque este sim é capaz de provocar
sintomas nos bovinos podendo levar à morte dos animais
e à existência de graves problemas reprodutivos.
Para finalizar gostaria de salientar que de facto um programa vacinal adequado é uma ferramenta que não devemos dispensar no sentido de aumentar a produtividade
mas que, por si só e como ficou patente no início deste
artigo, não é suficiente e que todo o maneio da exploração
não deve nunca ser descurado.
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