a escola e o mundo do trabalho
XVII colóquio afirse secção portuguesa
GOUVEIA ,Dina ([email protected])
RESUMO
A sociedade de hoje caracteriza-se por transformações intensas a um ritmo veloz. Apresentase um breve enquadramento da situação presente nas sociedades ocidentais e das
principais alterações ocorridas, em especial a nível laboral. O discurso actual enfatiza a
necessidade de elevar as qualificações dos cidadãos e a sua actualização permanente. A
aprendizagem ao longo da vida (ALV) surge como uma resposta lógica e a participação em
educação e formação na idade adulta como algo que é necessário incentivar. Contudo, as
estatísticas revelam uma participação ainda insuficiente dos adultos em grande parte dos
países europeus, embora a realidade da aprendizagem não deva ser circunscrita aos
números da educação formal e não formal.
No périplo pelo conceito de ALV verificamos que o ideal humanista inicial tem vindo a ser
substituído por uma adaptação dos indivíduos a uma economia global. Urge repensar o
papel da educação e dar mais relevo à função humanista da ALV, e concretamente no que
se refere à aprendizagem na idade adulta, para que se produzam impactos positivos nas
pessoas e na sociedade. Além disso, a ênfase desmedida da educação e formação como
adaptação à economia pode conduzir à desmotivação e à não participação.
PALAVRAS-CHAVE
Aprendizagem ao longo da vida; Educação de adultos; Educação; Formação
A sociedade de hoje
A sociedade actual é fruto de transformações intensas operadas no seio das sociedades
industriais na segunda metade do século XX, hoje com uma cultura de abrangência global.
A nível laboral, a globalização provocou profundas alterações, como aponta Giddens
(2008):
Os novos padrões de comércio internacional e o surgimento de uma economia de
informação tiveram um impacto profundo nos padrões de emprego de longa duração.
Muitas indústrias tradicionais tornaram-se obsoletas graças aos novos avanços tecnológicos
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ou estão a perder a sua quota de mercado em relação a empresas estrangeiras, cujos
custos em mão-de-obra são inferiores aos preços praticados nos países industrializados. O
comércio global e as novas tecnologias tiveram um profundo impacto nas comunidades que
assentavam na manufactura tradicional; muitos trabalhadores industriais ficaram sem
emprego e sem o tipo de aptidões necessárias para fazer parte da nova economia
baseada na informação. (p. 62)
Além disso, hoje é necessário estarmos aptos a “mudar de emprego muitas vezes ao
longo de uma carreira e obter novos conhecimentos e aptidões, aplicando-os a diversos
contextos de trabalho”. (Giddens, 2008, p. 62, 63)
Pires (2005) sumariza as principais mudanças ocorridas e com as quais nos
confrontamos no actual contexto em que vivemos:

Rápida evolução científica e tecnológica, com impacto em todos os domínios da
vida humana;

Transição da sociedade industrial para a sociedade da informação e do
conhecimento;

Grande impacto da tecnologia nos processos de comunicação, aquisição de
conhecimento, processos de produção e formas de organização de trabalho;

Alterações profundas nas fontes e formas de aprender;

Deslocamento do papel das organizações tradicionais de educação/formação
para outras estruturas, organizações e contextos de aprendizagem;

Emergência de um paradigma de aprendizagem ao longo da vida.
(Pires, 2005, p. 42)
É precisamente neste cenário de mudanças intensas e velozes, com a necessidade de
adaptação a novas situações, a novas tecnologias, que se enfatiza a importância do
conhecimento e da aprendizagem. A aprendizagem ao longo da vida (ALV) surge, pois,
como uma resposta lógica nesta “sociedade do conhecimento” ou, se preferirmos,
“sociedade da aprendizagem”. E o discurso actual não se cansa de repetir que precisamos
de pessoas altamente qualificadas para esta sociedade, sendo a ALV apresentada como
panaceia para diversos problemas que enfrentamos (Ahl, 2006; Kristensson Uggla, 2008;
Medel-Añonuevo, Ohsako and Mauch, 2001; Gorard, Rees, Fevre,& Furlong, 1998):
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necessidade de elevar as qualificações dos cidadãos, alterações demográficas como o
envelhecimento da população e a imigração, mudança de emprego no decurso da vida,
desemprego, pobreza, exclusão social, falta de interesse na vida social e política,
realização pessoal.
A União Europeia definiu para 2010 o seu objectivo estratégico: “tornar-se na
economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de
garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com
maior coesão social.”
(Conselho Europeu, 2000)
Os cidadãos são, então, chamados a participar em actividades de educação e
formação ao longo da sua vida, tendo a União Europeia definido o valor de referência
comunitário de 12,5% de participação de adultos para 2010.
A participação dos adultos em educação/formação
Contrariamente ao desejado, e “Ainda que os Estados-Membros reconheçam a
importância da educação e formação ao longo da vida, hoje, na Europa, o número de
aprendentes adultos fica aquém do objectivo que esses Estados fixaram.” (Comissão das
Comunidades Europeias, 2006).
Conforme se pode verificar através do gráfico da Fig.1 (Commission of the European
Communities, 2008), os números da participação dos adultos em ALV são bastante díspares
nos diversos países, mas a grande maioria ainda não atingiu o valor de referência
estabelecido para 2010, nem tal objectivo terá hipótese de ser concretizado. Este situa-se
em 10% em 2007 para o conjunto dos 27 países da UE tendo-se, verificado, contudo, uma
evolução positiva face ao ano de 2000. Os países escandinavos e o Reino Unido são os
que apresentam os melhores desempenhos a nível da participação em educação e
formação, com valores superiores a 20%. Do conjunto dos países da EU, sete já atingiram
ou superaram o objectivo de referência de 12,5%: a Suécia, a Dinamarca, o Reino Unido,
a Finlândia, a Holanda, a Eslovénia e a Áustria. Portugal ocupa neste conjunto uma das
últimas posições, com perto de 5% de participação de adultos em ALV.
Participação dos adultos em alv 2000, 2007*
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2000
0
2007*
5
10
7.1
UE-27
15
20
25
35
(%)
9.7
21.6
Suécia
32
19.4
Dinamarca
29.2
20.5
Reino Unido
17.5
Finlândia
26.6
23.4
15.5
16.6
Holanda
Eslovénia
14.8
8.3
Áustria
4.1
Espanha
12.8
10.4
3.1
Chipre
8.4
5.2
Alemanha
7.8
Irlanda
7.6
2.8
França
7.4
6.2
7.2
Bélgica
Letónia
Luxemburgo
4.8
Itália
4.8
4.5
Malta
República Checa
7
6.2
Objectivo 2010
7.1
6.5
7
Estónia
6
5.7
2.8
Lituânia
Polónia
5.3
5.1
3.4
4.4
Portugal
Eslováquia
3.9
2.9
3.6
Hungria
Grécia
30
1
2.1
Bulgária
1.3
Roménia
0.9
1.3
Croácia
2.9
Macedónia
Turquia
1
1.5
23.5
Islândia
27.9
Liechtenstein
13.3
Noruega
18
* valores de 2006 para Suécia, Reino Unido, Croácia e
Islândia / valores provisórios para Portugal
Valores da UE-27 são estimados para 2000 e provisórios para
2007
Fig. 1 – Participação dos adultos em ALV 2000, 2007. Percentagem da população com idades
entre 25 e 64 anos que participou em educação e formação nas quatros semanas
anteriores a este estudo. Fonte: Eurostat (EU-Labour Force Survey) (Adaptado de Commission
of the European Communities, 2008, p. 27)
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Há uma evidência que aqueles que apresentam um nível de qualificação mais baixo
são também os que menos participam, tendência que Rubenson (2006) afirma ocorrer
menos nos países nórdicos do que noutros. Este autor, por outro lado, refere que a grande
participação em educação e formação de adultos dos países nórdicos se deve muito a uma
forte tradição da educação popular de adultos (por exemplo, as folk high schools1) desde o
século XIX.
Segundo um estudo encomendado pela Associação Dinamarquesa de Educação de
Adultos (EAEA, em inglês) (2007), a educação de adultos não formal, onde se integram as
folk high schools e os círculos de estudos, está na base de muitas competências pessoais e
sociais relevantes para o mercado de emprego. Além disso, a frequência da educação não
formal funciona como um trampolim para outras vias de educação, o que explica, em parte,
os valores do gráfico acima apresentados. As folk high schools vão de encontro às
aspirações dos que tradicionalmente não participam em Educação de Adultos e não estão
interessados na via formal.
Mas, e que dizer daqueles que não participam? Como encarar a não participação?
Julgo que temos que olhar para estas questões com a devida atenção para não tirar
conclusões precipitadas. Em primeiro lugar, convém salientar que as estatísticas,
obviamente, não revelam toda a dimensão da participação/não participação em
educação e formação. É o caso da aprendizagem informal que não é contabilizada como
participação. Ahl (2006) alude a um estudo realizado na Suécia por Paldanius onde
entrevistou um grupo de pessoas que não tinham aceite ofertas de educação. A eliminação
de barreiras não lhes interessava, eles simplesmente não estavam interessados, porque
valorizavam mais o trabalho, a família e uma vida diária mais organizada e não tinham
ambição de progredir na carreira. Segundo Gorard, Rees, Fevre, & Furlong (1998), muitas
pessoas apresentam relutância em relação à aprendizagem formal. E, como afirma o
primeiro destes autores noutro texto (Gorard, 2007), “A aprendizagem (…) é algo muito
pessoal e consequentemente difícil de medir. Alguns dos aprendentes mais bem sucedidos
não figuram nos números de qualquer participação”( p. 19, original em inglês).
Contudo, vários autores criticam que a não participação é geralmente entendida como
um problema e como uma atitude desviante. (Gorard, Rees, Fevre, & Furlong, 1998; Biesta,
Em português poderá traduzir-se por “escolas secundárias populares”, embora não exista uma tradução uniformizada. Silva
(2006) indica a denominação “Escola Popular Superior”, enquanto no relatório da rede Eurydice (2007) surge a expressão
“escola secundária popular residencial”.
1
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2006; Ahl, 2006; Rubenson, 2006). A questão que se coloca é quem tem o direito de
definir a agenda da ALV – será o adulto, o governo, a indústria? (Biesta, 2006). A falta de
implicação dos indivíduos na escolha do tipo e timing da educação/formação pode
conduzir à desmotivação e não participação (Biesta, 2006; Baert, De Rick, & Van
Valckenborgh, 2006).
A ALV: de um ideal humanista a um imperativo económico
Na passagem da era industrial para a modernização a vida das pessoas foi
institucionalizada em três fases - família, escola e trabalho -, representando a aposentação
uma quarta. A educação surgia entre a infância e a entrada para o mercado de trabalho
(Antikainen, 2001).
Com a consciencialização da importância da ALV essa trajectória de vida requer uma
alteração, tendo os documentos inaugurais sobre a ALV postulado uma educação que deve
abranger todos os momentos da vida da pessoa e contribuir para a realização do ser
humano (Lengrand, 1971; Faure e tal., 1977). Mais tarde, quando a tónica se colocou na
educação/aprendizagem com vista ao desenvolvimento económico, o Conselho Europeu
chamou a atenção para “a necessidade de uma definição mais lata de aprendizagem ao
longo da vida, que não seja reduzida a uma visão puramente económica ou à educação
dos adultos” (Comissão das Comunidades Europeias, 2001, p. 5). De facto, na definição
de ALV é hoje considerada “toda a actividade de aprendizagem em qualquer momento da
vida, com o objectivo de melhorar os conhecimentos, as aptidões e competências, no
quadro de uma perspectiva pessoal, cívica, social e/ou relacionada com o emprego ”
(Comissão das Comunidades Europeias, 2001, p.11, itálico no original).
Lima (2007) lembra que “nas suas origens (…) os conceitos de educação permanente e
de sociedade da aprendizagem remetiam exactamente para uma sociedade marcada pela
existência de tempos livres” (p. 32). Refere-se ao livro de Hutchins, The Learning Society,
publicado em 1968, onde a sociedade de aprendizagem é interligada com o aumento do
tempo livre e das mudanças sociais. Havendo mais tempo para o lazer, o trabalho deixava
de ser o principal objectivo de vida das pessoas e, sendo assim, a educação não teria
como função preparar para o trabalho. Para Lengrand (1971) e considerando os tempos
livres como um dos “desafios do homem moderno”, a “missão essencial do educador [seria]
ajudar os seres humanos a tornarem-se mais eles próprios, fornecendo-lhes os instrumentos
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da consciência, da reflexão e da expressão, tanto do pensamento como dos sentimentos”.
Podemos estabelecer um paralelo com o tempo actual. Não que as pessoas tenham mais
tempo livre, mas pensando no número crescente de desempregados. A educação e
formação podem ter hoje a função de adaptação ao mundo laboral, mas existem outros
domínios na vida das pessoas igualmente ou mais importantes ainda. Recorro novamente a
Lengrand (1971) para transcrever a citação que faz de uma das recomendações da
Conferência regional europeia sobre os tempos livres, realizada em 1965:
“Será necessário tomar em consideração a variedade dos aspectos e das funções da
educação de adultos e do desenvolvimento cultural, tais como a procura de uma educação
profissional, o estudo com a finalidade de satisfação pessoal, a formação do raciocínio e
das capacidades durante os tempos livres, a difusão das realizações culturais e a
valorização das formas de diversão.” (p. 78, aspas no original)
A ideia da ALV (nas suas variadas denominações – educação permanente, educação
recorrente, educação ao longo da vida) não surgiu repentinamente no panorama social e
intelectual em finais dos anos 60, início dos anos 70 do século XX. Como sustenta Field
(2001), “A ALV emergiu na cena política contemporânea com o impulso repentino de uma
nova moda. Contudo, tem estado presente há mais de três décadas.” (p. 3, em inglês no
original). Este autor relembra ainda um excerto da Comissão do Ministério da Reconstrução
britânico, de 1919, logo a seguir à primeira Grande Guerra:
A educação de adultos não pode ser encarada como um luxo para um número reduzido de
pessoas aqui e além, nem como algo que diga respeito a um período curto ou do início da
idade adulta, mas como uma necessidade permanente nacional, um aspecto inseparável da
cidadania e, por conseguinte, devia ser universal e acontecer ao longo de toda a vida.
(citado por Field, 2001, p. 5, original em maiúsculas e em inglês, itálicos
adicionados)
Um pouco mais tarde, Lindeman escrevia no seu livro The Meaning of Adult Education,
em1926, sobre “um novo tipo de educação” onde “todos os conceitos estáticos que
relegam a aprendizagem para o período da juventude são abandonados. Toda a vida é
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aprendizagem, por conseguinte a educação não pode ter fins.” (citado por Smith, 1997,
2004, em inglês no original, itálico adicionado). Field (2001) traça uma perspectiva
histórica da ALV e das suas abrangências consoante os desenvolvimentos económicos e
sociais da época. Embora situando a sua análise essencialmente na Grã-Bretanha, a
abordagem deste autor ultrapassa o contexto britânico e permite-nos compreender melhor a
evolução do conceito de ALV e a sua implementação.
Nas décadas de 1920 e 1930, se bem que a educação e formação de adultos
continuassem a merecer atenção política, a sua principal função era a socialização dos
jovens. Nos anos 30 a crise económica e os distúrbios sociais levou a educação de adultos
a concentrar-se nos programas de formação para os desempregados, tendo tido, a seguir à
segunda Grande Guerra, um papel fulcral na rápida formação das pessoas para servirem
nas forças armadas e trabalharem em indústrias-chave. (p. 6).
Como explica Lima (2007), o conceito de ALV ganha protagonismo a partir dos anos
70 do século XX “como ideia satélite dos então conceitos-chave de educação permanente
ou educação ao longo da vida (…) e até mesmo de educação recorrente (…)” (p. 15).
Rubenson (2006) refere-se a três gerações da ALV. A primeira acontece no seguimento
do período de optimismo pós segunda Guerra Mundial, tempo marcado por desafios, quer
a nível do desenvolvimento, prosperidade, bem como da capacidade da escola para
promover a igualdade social. No final dos anos 60 assiste-se a um movimento contestatário
da juventude, o qual desafiava os hábitos estabelecidos e trouxe a educação para o
debate (Field, 2001).
Neste ambiente, e tendo a tradição humanista como pano de fundo, proclama-se a ALV
nos anos 70 como um conceito de desenvolvimento pessoal onde cada um tomava as
rédeas da sua aprendizagem e que visava “a expansão integral do homem em toda a sua
riqueza e na complexidade das suas expressões e compromissos: indivíduo, membro duma
família e duma colectividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de
sonhos.” (Faure, 1977, p. 10, itálico no original). Também de salientar a importância que
se atribuía à ALV, então denominada educação permanente, para reduzir os desníveis
sociais. O relatório Faure, publicado em 1972, defendia uma democratização da
educação, eliminando as barreiras que limitam o acesso dos menos favorecidos à
educação. E argumentava que teria de existir mais do que um reformular da educação para
se chegar à sociedade da aprendizagem. A educação permanente de então concebia a
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aprendizagem de uma forma global, onde se incluía a noção de tempo ( lifelong) e de
diversidade da aprendizagem (lifewide), e envolvendo toda a sociedade, todos os seus
recursos sociais, económicos e educacionais: (….) aprender é acção de toda uma vida,
tanto na sua duração como na sua diversidade, assim como de toda uma sociedade (…)
(Faure, 1977, p. 34, itálico no original). Reconhecia a educação formal, assim como a
educação não formal e informal, considerando os múltiplos contextos de aprendizagem,
não só a instituição escolar, mas também outros locais onde o indivíduo desenvolvesse a
sua adaptação à sociedade e a sua capacidade para alterá-la.
Segundo Rubenson (2006), esta 1ª geração humanista da ALV contou muito com a
sociedade civil, os voluntários, as ONG, ficando em muitos países o Estado e o mercado
afastados do debate.
A crise do petróleo de 1973 e os problemas económicos e sociais que se lhe seguiram
provocaram uma viragem neste debate sobre a educação ao longo da vida. A recessão
económica pressionou as contas públicas e o sector da educação sofreu cortes orçamentais.
As elevadas taxas de desemprego perduraram durante mais de uma década e a educação
permanente cedeu lugar à educação centrada na formação profissional nos anos 80 do
século XX. Segundo Field (2001), houve dois factores que reduziram o impacto dos debates
iniciais sobre ALV nas políticas e sua implementação: em primeiro lugar, o facto de estes
estarem centrados em agências intergovernamentais (UNESCO, OCDE, Conselho da
Europa) que não tinham poder directo nas políticas nacionais e, em segundo, a mudança
do clima económico dos anos 70. A ideia inicial da ALV baseava-se numa economia de
pleno emprego, mas, quando o mercado de trabalho se tornou mais “fragmentado e
turbulento, em combinação com a emergência do consumismo que caracterizou as
sociedades ocidentais abastadas, a concepção original da ALV perdeu muito do seu
atractivo” (Field, p. 8, em inglês no original).
Este novo contexto marca a segunda geração da ALV. Caracterizado pela incerteza,
pelo crescimento do desemprego, decréscimo da produção e deficits públicos, a educação
passou a ser encarada pela classe política como forma de adaptação à economia,
atribuindo-se uma importância crescente à ciência e tecnologia e ao capital humano
altamente qualificado. Como nota Rubenson (2006),
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enquanto a primeira geração da ALV falava de uma educação que permitia os indivíduos
controlarem e adaptarem-se à mudança, a segunda geração viu a aprendizagem
exclusivamente como um mecanismo para os indivíduos se ajustarem à sociedade, a qual
era moldada sem a sua intervenção. (p. 329, em inglês no original).
Nos anos 90 registou-se um ressurgimento da ALV na agenda política, mas com
contornos distintos dos de finais dos anos 60, início dos anos 70. Por um lado, as agências
intergovernamentais ganharam poder de decisão e, por outro, o Ano Europeu da
Aprendizagem ao longo da Vida em 1996 transportou o conceito para os debates políticos
a nível nacional (Field, 2001). O tempo era marcado pela crescente taxa de desemprego,
o que levou as políticas a centrarem-se no combate a este flagelo social através da
educação de adultos e da formação, em vez de nas preocupações humanistas iniciais.
No final dos anos 90 a crescente produção e melhoria do nível de vida era
acompanhada de discrepâncias económicas e sociais cada vez mais vincadas, conduzindo
à exclusão e marginalização de grandes segmentos da população. Conscientes desta
ameaça ao capitalismo global, os documentos políticos sobre ALV deixaram de se focar
somente no capital humano e incorporaram igualmente as questões sociais. Esta terceira
geração da ALV, em que nos encontramos actualmente, revela-se uma “versão economista
mais «soft», no dizer de Rubenson (2006, p. 329, aspas no original, texto original em
inglês), mas onde a educação para a cidadania é introduzida. Hoje é reconhecido o papel
fulcral da educação e da formação na sociedade do conhecimento. O mercado continua a
ser determinante na educação de adultos, mas a responsabilidade individual pela sua
própria aprendizagem
é
algo que ressalta
na
actualidade,
com
consequentes
desigualdades na participação na educação e formação de adultos. Esta crescente
individualização da ALV está a fazer com que a educação passe de um direito a um dever,
sendo o indivíduo que não participa responsável pela situação precária que daí advier. Ao
Estado, em vez de proporcionar recursos e oportunidades de ALV, como anteriormente,
cabe, cada vez mais, a tarefa de exigir que os cidadãos prossigam a sua aprendizagem
com vista à sua adaptação à sociedade do conhecimento e à economia global. (Biesta,
2006; Tuijnman & Boström, 2002). Contudo, não é qualquer aprendizagem que é
valorizada nesta sociedade, só o conhecimento que traga valor económico, ou seja, que
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contribua para a produção de bens e serviços será bem-vindo (Biesta, 2006; Jarvis, 2006,
relembrando Stehr, p. 22).
Em jeito de conclusão
Ainda bem que a ALV é vantajosa em termos económicos, porque aprender é bom. E
ainda bem que a ALV é reconhecida como o motor de desenvolvimento na sociedade do
conhecimento. Ainda bem, porque, se assim não fosse, os incentivos à participação em
actividades organizadas de ALV estaria condenada. A nossa época é, de facto gerida de
acordo com o que é economicamente rentável. Mas, e o resto? Onde ficam as pessoas? E
os valores? E a felicidade?
Há uma sociedade, uma economia, uma política que urge questionar e repensar de
modo a construirmos um local onde nos sentimos bem. Como se afirmava no relatório Delors
(1997),
O objectivo de puro crescimento económico sem mais revela-se insuficiente para garantir o
desenvolvimento humano. Está posto em questão por duas razões: não só devido ao seu
carácter desigual, mas também por causa dos elevados custos que acarreta especialmente
em matéria de ambiente e emprego. (p. 70)
Penso que temos que dar mais relevo à função humanista da ALV e, concretamente no
que se refere à aprendizagem na idade adulta, para que se produzam impactos positivos
nas pessoas e na sociedade. Mesmo que os ganhos não sejam evidentes à primeira vista,
se a aprendizagem for completamente alheia à vontade dos participantes, corre-se um sério
risco de desmotivação (Biesta, 2006; Baert, De Rick, & Van Valckenborgh, 2006). Por isso,
como reforçam Baert e seus colaboradores (2006), “As políticas deviam ter cuidado com a
“economização” da aprendizagem ao enfatizarem demasiado a empregabilidade e a
sujeição às solicitações profissionais.” (p. 108, original em inglês). Além disso, a ALV tem
de ser encarada não só como uma responsabilidade meramente individual, mas também
como um empreendimento social colectivo. Citando Lima (2007) “é necessário insistir na
revalorização ética da vida ao longo da educação, da formação e da aprendizagem, por
referência a um conceito de aprendizagem socialmente responsável e sustentável” (p. 35).
Só assim a educação e a formação poderão ajudar a formar cidadãos mais capazes de
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intervir eficazmente, não só a nível do desempenho profissional mas também na sua
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Dina Gouveia
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OS ADULTOS E A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA