Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
São [email protected]
Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo
www.metodista.br/unesco/GCSB/index.htm
Ano 1 - nº 2 - (julho/dezembro de 2004)
Textos originais, revisados pelos membros do conselho editorial
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da
participação das agentes de saúde.
Maria Salett Tauk Santos*,
Esmeralda Simões Araújo** e
Nara Silvana A. Patriota**
(UFRPE)
Resumo
O texto analisa a participação das agentes comunitárias de saúde no âmbito da gestão da
Prefeitura de Camaragibe em Pernambuco. A perspectiva é a de estudar como as agentes
recebem e se apropriam da proposta municipal e como participam desse processo no
desempenho do seu trabalho. O itinerário teórico metodológico combina as vertentes da
participação popular, da construção da cidadania e dos estudos sobre o desenvolvimento local. A
partir de um estudo empírico, envolvendo 36 agentes de saúde do Município, ficou evidenciado
que através das agentes comunitárias, constroem-se a cidadania da saúde no cotidiano das
comunidades.
Palavras-chave: comunicação, desenvolvimento local, participação popular
Este texto analisa a participação das agentes comunitárias de saúde no âmbito da proposta de
gestão participativa da prefeitura municipal de Camaragibe. A reflexão é parte de uma pesquisa
mais ampla cujo objetivo geral é estudar a recepção das propostas de gestão participativa,
municipal do partido dos trabalhadores, pelos atores envolvidos nos diversos segmentos da
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
sociedade organizada.
Especificamente o que interessa nesse estudo é analisar como as agentes comunitárias de
saúde se apropriam das propostas da gestão participativa e como participam deste processo no
seu cotidiano nas comunidades.
A reflexão proposta parte de um itinerário teórico que alia os estudos sobre a participação
popular à teoria do desenvolvimento local. A compreensão contemporânea é de que a dimensão
substantiva do desenvolvimento local refere-se como assinala Oliveira(2002) à capacidade
efetiva de participação da cidadania no que podemos chamar de governo local.
Desenvolvimento Local: o cenário
A construção de um governo local possui a sua dimensão econômica, traduzida no aumento das
atividades de produção de bens e serviços, mas inclui igualmente o acesso à renda, à saúde, à
cultura e ao poder envolvendo os atores sociais, políticos, culturais e ambientais.
Para Franco (2000) não basta crescer economicamente, é necessário aumentar o acesso das
pessoas à riqueza, ao conhecimento e ao poder que ele entende como a capacidade e
possibilidade de influir nas decisões públicas .
Essa mesma concepção encontramos em Carlos Jara (2001) quando afirma que para construir o
desenvolvimento local é necessário dotar as pessoas de conhecimentos e habilidades para que
elas possam gerenciar os seus recursos nos novos espaços que se constroem de diálogo, de
deliberação e de controle.
Para Jara (2001) o maior desafio a enfrentar no desenvolvimento local é garantir a participação
dos diferentes grupos na sociedade, favorecendo o controle social sobre o desenvolvimento e
elegendo o local enquanto espaço privilegiado da formação de cidadãos.
O desenvolvimento local para além do fenômeno econômico, do aproveitamento dos recursos,
capacidades e oportunidades locais exige uma mudança de cultura e de relacionamentos sociais
e institucionais (JARA, 2001: 72). Nesse processo a construção das velhas identidades nacionais
cede lugar à organização popular na comunidade, no município, como ponto de partida à
participação dos munícipes na construção da nova cidadania, entendida como a via para o
desenvolvimento local (TAUK SANTOS,1996:2).
O desenvolvimento local pressupõe portanto a construção de uma nova cultura política. Construir
uma nova cultura política, como assinala Marilena Chauí é estimular formas de auto-organização
da sociedade e sobretudo das camadas populares, criando o sentimento e a prática da cidadania
participativa (CHAUÍ, 1995).
Para Francisco de Oliveira a noção de desenvolvimento local ou ancora na cidadania ou então
será apenas sinônimo de uma certa acumulação de bem-estar e qualidade de vida nos âmbitos
mais restritos (OLIVEIRA, 2002: ). Para o autor embora o bem estar social e a alta qualidade de
vida devam ser direitos dos cidadãos, tais direitos não podem ser considerados como sinônimo
de cidadania, pois provocaria uma inversão no sentido da política. É através da política e não o
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inverso que os cidadãos lutam pelo bem-estar e pela qualidade de vida (OLIVEIRA, 2002)
A política constitui, portanto, o espaço onde se dá a conquista da cidadania e a construção do
desenvolvimento local. Em ambos os casos as conquistas se dão num espaço conflituoso, onde
de um lado estão os governantes, às voltas com a reforma administrativa do aparelho do Estado
municipal, propondo que o governo pode estar ao alcance das mãos dos cidadãos. Sinalizando,
portanto, as possibilidades à participação popular através das propostas de gestão participativa.
E de outro lado, não necessariamente de modo antagônico, mas nem por isso livre de conflitos,
encontram-se os indivíduos e grupos interessados em conquistar e exercer a sua cidadania,
enquanto processo concomitante à construção do desenvolvimento local do município.
Não se pode deixar de considerar neste cenário os desafios que se colocam ao estabelecimento
de uma concertação a partir da qual população e governo possam garantir uma gestão municipal
com efetiva participação da cidadania. Desenvolver uma gestão participativa com tais projetos
significa enfrentar desafios antigos e atuais como: a histórica separação entre governantes e
governados erigida no estado moderno; a desregulamentação do estado liberal contemporâneo,
que ameaça os direitos dos cidadãos; a desconcentração do poder local, quando a tendência em
nível macro é de concentração do poder e da renda; a necessidade de estabelecer relações do
local com o global sem deixar, como bem advertiu Boutros-Gali(2004), que a globalização
perverta ou distorça a democracia local. Finalmente, o desafio que parece fundante, quando o
objetivo é construir o desenvolvimento local com a participação da cidadania: desformalizar o
poder local, em nome de uma gestão participativa, desarticulando as formas de poder e de
representação tradicionais.
Participação: a trama
A participação é um processo histórico de conquista da autopromoção e somente acontece se for
uma conquista competente afirma Pedro Demo (1986:482). Para ele, os objetivos da participação
são a autopromoção, a realização da cidadania, a implementação de regras democráticas de
jogo, o controle do poder, controle da burocracia, o estabelecimento da negociação e a
construção de uma cultura democrática (1988:67).
Quanto aos meios de participação, Demo destaca como mais importantes, a organização da
sociedade civil, em comunidades ou grupos de interesse; o planejamento participativo; a
educação para a cidadania; a cultura como processo de formação da identidade comunitária e a
defesa dos direitos fundamentais e a conquista de novos. (DEMO 1986:475).
Recepção e Participação: a perspectiva teórico –metodológica
Uma vertente importante dos estudos de Comunicação hoje na América Latina está voltada ao
estudo da participação popular , enquanto processo de Comunicação, indissociado da cultura.
Nessa direção, aspectos como o uso do tempo e do espaço, as formas de organização para o
trabalho, o consumo de bens materiais e simbólicos, as formas e os meios de comunicação
utilizados pelas populações de contextos populares, em seu cotidiano ,constituem mediações
culturais importantes à compreensão de como agem essas culturas . Nessa perspectiva, quando
o objetivo é estudar a recepção de propostas governamentais para a mobilização e participação
popular, o itinerário teórico-metodológico é o de analisar os usos e apropriações que os
receptores populares fazem dessas propostas.
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
Nos estudos de recepção, o receptor é, portanto, sujeito ativo capaz de elaborar e reelaborar os
conteúdos das mensagens , como assinala Orozco(1997 113-128):
Nessa perspectiva encontra-se mediatizada por diferentes
elementos que tem origem no próprio receptor e nas instituições
das quais o receptor faz parte na cultura, na política, na economia,
na classe social, no gênero, na idade, etnicidade, nas condições
situacionais e contextuais, nas instituições, nos movimentos
sociais, assim como na mente do indivíduo, em suas emoções.
As mediações culturais são um modelo que historicamente está voltado à análise e compreensão
da relação entre cultura e meios de comunicação . Jesus Martin-Barbero nos incita a idéia de
passar dos meios para as mediações, ou seja, investigar os processos de constituição do
massivo a partir das transformações das culturas populares. Esse deslocamento se dá graças à
aproximação cultura/comunicação. O autor consegue, a partir da sua concepção de mediação,
liberar a comunicação do espaço restrito dos meios para o espaço da cultura. Demostrando que
as mediações tem uma relação direta, não necessariamente apenas com os meios, mas com o
processo da comunicação. Uma vez que a comunicação não se estabelece de maneira linear e
simétrica, o que existe é uma relação mediatizada pelos contextos em que o processo de
comunicação se estabelece.( MARTIN-BARBERO, 1997)
Partindo dessa compreensão Tauk Santos, através de suas pesquisas empíricas em contextos
populares, tem demonstrado que a perspectiva das mediações culturais nos estudos de recepção
não se limita apenas a processos de recepção de mídia. A autora propõe uma nova dinâmica aos
estudos de recepção ao incorporar a concepção de contrato de comunicação de Eliseo Véron
para a esfera dos estudos de recepção, assinalando que a existência de um contrato de
comunicação estabelecido entre emissor e receptor constitui condição suficiente para tornar
possível um estudo de recepção. Tomando como referência os estudos de Orozco, ao classificar
as mediações para uma maior compreensão do objeto de pesquisa, Tauk Santos afirma que são
as circunstâncias desse objeto que oferecem pistas para que o pesquisador capte a mediação
"por excelência" conceituada pela autora como aquela ou aquelas cuja interferência afeta de
maneira singular o processo de comunicação(TAUK SANTOS, 2000:6,7). O controle do contrato
de comunicação pode se estabelecer, por exemplo, entre uma organização governamental e /ou
não governamental e uma população de contexto popular envolvidos num processo de
desenvolvimento. É o caso da pesquisa em questão cujo ponto de partida é um contrato de
comunicação entre a Prefeitura Municipal de Camaragibe e a população do município, em torno
de uma proposta de gestão municipal participativa. A perspectiva é a de analisar como as
agentes comunitárias de saúde se apropriam e participam da proposta governamental
considerando a mediação como algo construído em cada caso.
Foi observado que a participação evidencia-se como a mediação "por excelência" dessa
investigação, na perspectiva de que existe uma relação entre a participação dessas mulheres
agentes comunitárias e a maneira como se apropriam da proposta governamental. Essa
compreensão orienta o estudo da participação das agentes comunitárias de saúde na Gestão
municipal da Saúde de Camaragibe, valorizando a maneira como elas se apropriam da gestão
participativa , partindo dos seus modos de ver e de fazer. Em outras palavras como vivenciam a
proposta governamental mediatizada pelos códigos de sua cultura , uma cultura popular.
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
A pesquisa
A partir dos pressupostos teóricos dos estudos de recepção da América Latina a pesquisa foi
desenvolvida utilizando técnicas combinadas de coleta de dados: análise documental para dar
suporte ao estudo da proposta da gestão municipal para a saúde, em Camaragibe; observação
direta com o uso do diário de campo; técnicas etnográficas de observação; roteiro de entrevista
semi-estruturado e depoimentos.
A população pesquisada foi constituída pelas Agentes Comunitária de Saúde (ACS) do município
de Camaragibe, região metropolitana do Recife. A opção de estudar essa população deve-se ao
fato dessas mulheres se encontrarem historicamente ligadas à proposta da gestão participativa
municipal há pelo menos uma década, trabalhando com a população de contextos populares na
promoção da saúde.
Das 5 regiões em que o Município de Camaragibe está dividido, optamos pela região 4, em
Tabatinga, por ser a mais populosa e que portanto contempla o maior número de agentes de
saúde, com 18 mil habitantes distribuídos em uma área extremamente acidentada e com uma
estrutura física deficiente para acolher essa população. Além disso trata-se de uma região que
concentra uma população de baixa renda que apresenta muitos agravos em relação à saúde,
como hipertensão arterial, diabetes, doenças infecciosas e parasitárias, diarréias e infecções
respiratórias.
Para analisar a participação das agentes comunitárias de saúde na gestão participativa do
município de Camaragibe foram realizadas entrevistas com 15 Agentes de Saúde de Tabatinga:
sendo 8 das unidades 1 e 2 de saúde da família e 7 da unidade de saúde do loteamento São
Jorge.
O roteiro da entrevista foi elaborado em quatro blocos: o 1º bloco referia-se a ao conhecimento
da gestão participativa da saúde no município; o 2º bloco referiu-se ao cotidiano do trabalho nas
unidades de saúde e na sua comunidade onde atuam; o 3º bloco tratava da avaliação do trabalho
das agentes e o 4º bloco tratava da participação política das agentes no município. Esses blocos
foram transformados em categorias, a fim de possibilitar a análise da participação das agentes.
Proposta do emissor : gestão participativa
O esforço de construir a participação de saúde no Camaragibe foi iniciado em 1989 pelo
secretário municipal de saúde, cuja experiência de trabalhar com o coletivo estava sendo
positiva, entretanto, como todo processo que inclui a participação deve estar atrelado a
construção da cidadania, e sendo essa uma experiência inovadora, tanto para a população como
para o governo, gerou inúmeros conflitos entre os mesmos. Esse início conturbado foi marcado
pela participação feminina, quando durante seis meses as mulheres fizeram reuniões
permanentes discutindo como organizar o Conselho Municipal de Saúde de Camaragibe- CMS,
que teria entre outras a função de corrigir o mal atendimento nos hospitais, buscando atender as
prioridades da população carente, bem como ampliar esse atendimento deficitário com a saúde
descentralizados nas 5 regiões em que fora divido o município.
Para orientar, esclarecer e atender melhor a população no âmbito da saúde o governo municipal
de Camaragibe solicitou sua inclusão no Plano de Implantação do Programa de Saúde da
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Família (PSF) e no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em março de 1994,
ambos promovidos pelo Ministério da Saúde, resultando assim em importantes mudanças no
modelo assistencial do município quanto ao atendimento da população de baixa renda, no que
diz respeito ao funcionamento, a metodologia de abordagem , no perfil remuneração e acesso
dos profissionais no Programa e na expansão do aparelhamento da rede de serviços.
Considerado como porta de entrada do Sistema Único de Saúde, o PSF incorporou o Programa
de Agentes Comunitários de Saúde, constituindo-se o Programa de Saúde da Comunidade
(PSC), que fundamenta-se num enfoque preventivo, direcionado às famílias das comunidades de
baixa renda do município. O objetivo é atingir as comunidades através da participação das
agentes comunitária de saúde que interagem com essa população num trabalho de prevenção e
informação voltado para às necessidades básicas da saúde.
As equipes de agentes comunitárias de saúde atuam, através de visitas domiciliares, na
perspectiva de atender aos problemas que afligem essa a população local de baixa renda no seu
cotidiano como : endemias, diabetes, hipertensão arterial. Além disso também orientam melhor
as mães nos cuidados com as crianças; e as gestantes no sentido de esclarecer sobre as
benefícios do pré-natal.
Cada equipe de 8 agentes comunitários é responsável pela assistência a saúde de oitocentos à
mil famílias . Cada agente chega a atender cerca de 150 famílias .
Atualmente no município funcionam 36 equipes com um contingente de 437 trabalhadores dos
quais 237 são agentes de saúde , atingindo cerca de 94% da população residente no município
A ação do Programa de Saúde da Família possibilitou a participação da população. Se antes a
comunidade solicitava ambulâncias e médicos para resolver seus males momentâneos, hoje
solicita a implantação de mais unidades de saúde da família e conseqüentemente a expansão do
PACS. Nesse processo discute-se a necessidade de novos serviços, como por exemplo uma
central de ambulância para complementar a atenção prestada à saúde da família; avalia-se as
mudanças e o perfil epidemiológico da comunidade como um todo e principalmente envolve a
população no processo de construção da cidadania na saúde.
Nesse modelo o agente comunitário de saúde é proposto como viabilizador da comunicação
entre governo e população para melhorar a assistência médica das famílias, bem como propiciar
mais informações a essa população carente de ações preventivas. Faz parte desse esforço o
estabelecimento de parcerias do governo municipal com organizações governamentais como
Fiocruz, Ministério da Saúde, governo estadual e organizações não-governamentais, como
movimentos sociais, sindicatos, igrejas, entre outros, com o objetivo de receber contribuições "de
caráter financeiro , técnico , acadêmico e político"
Nesse cenário o papel das agentes comunitárias de saúde é fundamental , na medida em que
materializa a comunicação da proposta de gestão participativa da saúde com as comunidades.
Todas as atividades relacionadas ao programa de saúde da família são discutidas no Conselho
de Saúde e depois em uma reunião com a comunidade. Os temas variam desde a escolha da
área, na qual deve ser implantada a USF, à forma e contratação dos profissionais envolvidos e à
escolha da equipe de agentes comunitárias de saúde que irão atuar na área.
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
As agentes comunitárias de saúde trabalham em tempo integral, conhecendo o perfil de cada
família, seus problemas e situações de risco, trabalho esse facilitado pelas próprias condições de
usuárias da saúde e pela convivência nos contextos populares em que atuam. As suas
atribuições variam desde marcação de consultas dos idosos e gestantes, visitas domiciliares,
trabalhos em grupo com jovens e idosos ao acompanhamento e controle dos agravos que
acometem a população de baixa renda.
A participação das agentes comunitárias de saúde
A análise da participação das agentes comunitárias de saúde realizou-se a partir de quatro eixos
temáticos: o conhecimento da proposta da gestão municipal de saúde; o cotidiano do trabalho
nas unidades de saúde e na comunidade; a avaliação do trabalho das agentes ; e a participação
política nas diversas instâncias da gestão municipal.
Conhecimento da proposta
A construção da participação das agentes comunitárias de saúde começa pelo processo
identitário, na perspectiva de conhecer a sua missão e reconhecer-se numa prática comunitária
coletiva. Esse processo inicia-se na compreensão do que significa ser agente comunitário de
saúde de Camaragibe. Para as agentes comunitárias de saúde o seu trabalho possui múltiplos
sentidos :
O de que são várias profissões em uma só:
Ser agente de saúde é ser médico, psicólogo, assistente social ,
confidente,
somos a porta de entrada para o médico e a enfermeira (M. G. S )
O entendimento de que o seu trabalho é prioritariamente prevenir doenças :
É trabalhar com a prevenção das doenças da comunidade, fazer
orientações a ela , não é?( M.G.S )
Sem no entanto desprezar o lado profilático ao detectar algum problema de saúde na
comunidade:
... a gente localiza doença que as vezes o povo tem , mas é
através da conversa da gente , a gente consegue descobrir que
aquela pessoa tem problema , então a gente anota no nosso
caderno do dia-a-dia e incentiva a ela se tratar , no posto da
área...(A M.S)
O de desenvolver tarefas pelas quais se sentem recompensadas:
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
..pra mim é gratificante , assim ser agente de saúde porque eu sei
que posso ajudar alguém com alguma coisa , tá entendendo ?
Assim dando minhas orientações, tentando prevenir mesmo.(A
L.P.)
O de orientador , que ensina e aprende com a comunidade:
O trabalho da Agente de Saúde é passar orientações , mas aí a
gente passa orientações ,mas também aprende muito. O mais
importante pra mim não é passar é aprender. Eu aprendi muita
coisa durante esses anos(E.H.S)
O de constituir uma oportunidade de se tornar um profissional conhecido
... foi através desse trabalho que eu fiquei mais conhecida , de lidar
com as pessoas né? As pessoas mais carentes da área...(A M..S.)
O de ser uma profissão onde se exercita a solidariedade:
Eu acho assim, ser Agente de Saúde é a gente ser solidário com
as pessoas , principalmente com as pessoas que mais necessitam
do serviço da gente(M.P.F.)
Cotidiano de múltiplas tarefas
Os múltiplos sentidos vão sendo construídos no cotidiano do trabalho onde as agentes
comunitárias de saúde começam a jornada às 8 horas da manhã desenvolvendo tarefas nas
unidades de saúde da família:
A gente chega no posto , recebe alguma informação que a
prefeitura tenha passado pra enfermeira (...) vê as pendências que
tem e vamos pra área (M.G.S. )
...Chegando na unidade a gente vai organizar prontuário, vê se tem
algum recado , algum comunicado de alguém que passou e pediu
para a gente ir na casa vê alguma criança , ou idoso ou
gestante...(J.C.S.)
E se prolonga por todo o dia. Nessas visitas as agentes de saúde desenvolvem um trabalho
preventivo e de acompanhamento das gestantes e das crianças de 0 a 2 anos atendendo, assim,
as prioridades propostas pelo governo municipal:
No dia-a-dia a gente trabalha assim(...) orientando a gestante a
fazer o pré – natal , sempre é o começo o pré –natal é muito
importante, e as crianças dar vacina , a gente sempre tamos
olhando os cartões , daquelas mães que as vezes atrasam
...(U.M.S.)
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
A gente. visita as casas né, a gente visita as gestantes e as
crianças menores de 2 anos que é as prioridades.....(E.V.C.S.)
As visitas domiciliares são planejadas previamente, de acordo com a necessidade da população
ou obedecendo a critérios de prioridades que elas próprias estabelecem , considerando sempre
todas as famílias cadastradas, mesmo aquelas que não apresentam problemas de saúde:
A gente é que agenda como vai fazer essas visitas (...) eu fico
assim , passando a cada prioridade, eu vou e visito , aí aquela não
é tanta prioridade ai eu vou e deixo para visitar depois(..) a gente
tem que visitar todas".(...) dentro do mês deu tempo pra visitar todo
esse pessoal , aí a gente vai visitar aqueles que na família não tem
ninguém com problemas de saúde(M.P.F.)
A rotina de trabalho das agentes comunitárias de saúde não se limita as prioridades. Elas
trabalham num sentido de equipe, formando grupos específicos de trabalho com adolescentes ,
idosos , hipertensos e diabéticos . Esse trabalho é descrito por elas assim:
Eles chegam, a gente primeiro faz uma palestra , conversa com
eles , tipo assim, o que é que a gente vai fazer hoje , pode até fazer
uma dinâmica, a gente as vezes faz uma dinâmica, (...) já teve até
café da manhã pra eles.....(A L.P.)
Nesses trabalhos feitos com os grupos, a preocupação das agentes de saúde é que os grupos
participem como sujeitos da ações , tomando suas próprias iniciativas:
... quando a gente forma um grupo , a gente não impõe um
assunto, a gente procura vê os assuntos que eles querem
..."(M.G.S.)
É tarefa também das agentes comunitárias de saúde trabalhar com grupos de idosos, orientandoos como prevenir acidentes nas suas atividades rotineiras :
...não andar descalço, o banheiro é liso escorrega ,porque pode
escorregar, né , a gente incentiva pra não se ferir os diabéticos, o
tipo de calcado que calça (...) a gente diz tudo(A M.S.)
Além desses trabalhos, elas orientam os homens a cuidarem dos filhos, quando é a mulher quem
trabalha fora :
porque muitos a mulher trabalha e o homem é que fica em casa ,
acontece muito nessa área ...(M.S.M.)
Avaliação do trabalho
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
A forma como avaliam o programa de saúde da família demonstra que as agentes se apropriam
das proposta da gestão participativa quando comparam-na em relação à situação anterior
.. antes do PSF, existia os postos que a gente chamava de
"Postão", no qual o médico atendia de 30 a 40 pacientes num
expediente. Mal o paciente entrava,, nem se sentava, o médico já
estendia a receita com a prescrição da medicação (J.C.S.)
Era muito diferente de agora, mais devagar(...) tinha tipo um posto
de saúde para a comunidade inteira , entendeu? E assim o pessoal
procurava muito fora , saia de madrugada para apanhar sua ficha
no Recife.(U.M.S.)
Ressaltando o que mudou na assistência médica atual.
Mudou tudo pra melhor, hoje a gente tem acompanhamento...(A
L.P.)
... hoje o povo é mais assistido e orientado pelos médicos...(J.M.B)
... aqui no posto de saúde da família tem médica , ela sempre
orienta mais , ela sempre passa meia hora com cada
paciente..(E.V.C.S.)
Identificando os problemas que a categoria de agentes enfrenta:
Precisa diminuir o número de famílias para o agente de saúde que
é
muito elevado ainda, e as atribuições porque os agentes de saúde
estão
com muitas atribuições em cima dele. (M.G.S.)
....fica muito sobrecarregado pra gente(F.R.L.)
Atribuindo nexos de causalidade e propondo soluções para o problema
Não é culpa da gestão, é que a população tá cada vez mais
crescendo,
então tá sempre aumentando o número de famílias, cadastradas.
(E.V.S.)
...a solução é que haja desmembramento da unidade ...(M.G.S)
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
Participação política
A participação política das agentes de saúde da gestão municipal começa com a descoberta do
seu papel enquanto participante de um trabalho de equipe e elo de ligação entre o sistema de
saúde e a comunidade :
...o agente de saúde é o elo que vai na porta , ele é que dá o
problema para a enfermeira e a enfermeira para a médica e daí
para os outros órgãos competente.( M.G.S.)
A partir da tomada de consciência de que a participação precisa ser conquistada. Em seus
depoimentos as agentes revelaram o desafio que representou enfrentar a resistência da
população quanto às visitas domiciliares que realizavam . Hoje elas conseguem que a população
compreenda e até solicite a visita das agentes de saúde :
...na casa que não vai agente de saúde , porque a casa é nova ,
eles vem aqui cobrar : "olhe na minha casa não tem agente de
saúde eu quero que passa um agente de saúde lá"...(J.C.S.)
Ao se referir à participação política grande parte das agentes entrevistadas privilegiam a
militância cotidiana nas comunidades
Eu participo educando, orientando, dando orientação
sobre doenças, como prevenir para não adoecer(J.M.B)
... o que a gente participa além de ir nas casas são os grupos
que tem dos hipertensos, dos jovens ..."(E.C.C.)
Apesar dos fóruns da gestão participativa da saúde como o Conselho e a Conferência serem
abertos à participação da população algumas agentes alegam não participar, mesmo sendo
liberadas do trabalho
Na gestão aqui a gente tem um Conselho Municipal de Saúde, mas
a gente não participa, porque a gente mesmo se desligou um
pouco, porque somos liberadas , a hora que uma quiser ir ao
conselho qualquer uma pode ir ....."(M.G.S.)
Eu nunca fui, certo? Eu sei que existe esse conselho e acho que se
reúne uma vez por mês(...) é aberto pra gente, só que eu nuca fui,
mas eu sei que é aberto...(M.S.M)
Observa-se que existe uma relação entre o tempo que as agentes exercem a atividade e a sua
participação política. As que desenvolvem a função há mais tempo tendem a participar mais nas
instâncias representativas do poder
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
...participo de reuniões, palestras, oficinas, sou agente há 10
anos(M.S.M)
...Eu sou do Conselho Titular e meu papel no conselho é
representar os trabalhadores de saúde(F.R.L)
As agentes que estão há menos tempo na função tendem a demonstrar uma participação
incipiente:
Não participo de nada quando tem reunião da prefeitura a gente vai
, mas não me envolvi em nada ainda, também pelo tempo um ano
é pouco..(M.P.F.)
Considerações finais
Ainda que considerando o caráter incompleto dos resultados, por se tratar de uma pesquisa em
andamento, as evidências empíricas leva-nos a inferir alguns resultados:
As mudanças significativas ocorridas no âmbito da saúde e no processo participativo, para a
construção da cidadania, na medida em que a população vem desempenhando um papel ativo
na prevenção das doenças.
As agentes valorizam a sua profissão, considerando-a como viabilizadora de mudanças na
saúde, através da informação e comunicação que estabelecem no cotidiano das comunidades.
As agentes comunitárias de saúde demonstram conhecer bem a sua missão e desempenham
com desenvoltura as suas atividades na comunidade.
Há uma certa resistência, por parte das agentes de saúde, em participar dos fóruns mais amplos
da gestão participativa municipal. Ficou evidenciado que as agentes que participam dos diversos
fóruns das instâncias de poder, são as que estão há mais tempo envolvidas com a função de
ACS. O que confirma a hipótese inicial de que existe uma relação entre a participação e a
maneira como se apropriam da proposta;
Ao confrontar a experiência da gestão participativa da saúde, com a teoria contemporânea do
desenvolvimento local, podemos concluir que a gestão participativa da saúde em Camaragibe
desenvolve um esforço volitado ao desenvolvimento local, na medida em que estimula formas de
auto organização da sociedade, estabelece parcerias com os demais setores públicos e o setor
privado; mobiliza a população local a se organizar e a participar da construção da cidadania na
saúde, aproveitando prioritariamente as energias e competências internas; e estimula a
participação dos agentes comunitários de saúde nos órgãos de representação política mais
ampla.
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Meus documentos/ biblioteca/ local 03. Html 15/01/02 8 pags.
Construindo a Saúde Comunitária: estudo da participação das agentes de saúde.
SECRETARIA DE SAÚDE. A Construção da Participação Popular e o Exercício do Controle
Social na Definição da Implantação do Programa de Saúde da Família em Camaragibe. IN:
Saúde Camaragibe! Camaragibe,1999.
*Doutora em Ciências da Comunicação. Coordenadora do Núcleo de Estudos de Recepção e
Culturas Populares Contemporâneas do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e
Desenvolvimento da UFRPE.
**Mestrandas, membros do Núcleo de Estudos de Recepção e Culturas Populares
Contemporâneas da UFRPE.
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Construindo a Saúde Comunitária - Universidade Metodista de São