O Sujeito lacaniano - Anotações
• Entre a Linguagem e o Gozo, Bruce Fink, Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998
Parte Um – Estrutura: Alienação e o
Outro (p.19)
• O Eu é um Outro
Cap. 1 – Linguagem e Alteridade
Dois tipos de fala:
• - fala do eu: fala corriqueira sobre o
que conscientemente pensamos e
acreditamos sobre nós mesmos.
• - algum outro tipo de fala.
Linguagem e alteridade
• p.20 Freud chamou aquele Outro lugar de
inconsciente, e Lacan afirma em termos categóricos
que “o inconsciente é o discurso do Outro”, isto é, o
inconsciente consiste naquelas palavras que surgem de
algum outro lugar que não da fala do eu. Portanto,
nesse nível mais básico, o inconsciente é o discurso do
Outro.
• Lacan explica como esse Outro discurso “entrou” em
nós: nascemos em um mundo de discurso, um discurso
ou linguagem que precede nosso nascimento e que
continuará após nossa morte. Ex: a criança antes do
nascimento é “falada”, um nome é escolhido, etc.
Linguagem e alteridade
• E a maioria das crianças é obrigada a aprender a língua
falada pelos pais, assim, a fim de expressar seus
desejos, elas são virtualmente obrigadas a irem além
do estágio do choro – um estágio no qual os pais são
forçados a adivinhar o que seus filhos desejam ou
precisam – e tentar dizer o que querem em palavras,
isto é, de uma forma que seja compreensível aos
principais responsáveis por ela. No entanto, seus
desejos são moldados naquele mesmo processo, já que
as palavras que são obrigadas a usar não são suas e
não correspondem necessariamente às suas demandas
específicas: seus desejos são moldados na fôrma da
língua ou línguas que aprendem. (p.22)
Linguagem e alteridade
• Lacan é mais radical ainda quando diz que não se pode
dizer que uma criança sabe o que quer antes da
assimilação da linguagem: quando um bebê chora, o
sentido desse ato é dado pelos pais ou pelas pessoas
que cuidam dele que tentam nomear a dor que a
criança parece estar expressando (por ex: “ela deve
estar com fome”). Talvez haja um tipo de desconforto
geral, frio ou dor, mas seu sentido é como que imposto
pela forma como é interpretado pelos pais. (...) Nessa
situação, o sentido é determinado não pelo bebê mas
por outras pessoas, e com base na linguagem que elas
falam.
O outro como linguagem (p.23)
• O Outro como linguagem é assimilado pela
maioria das crianças (com exceção das
autistas) à medida que tentam preencher o
vácuo entre o desejo inarticulado, que só
pode ser expresso no choro e interpretado
para o que der e vier, e a articulação do desejo
em termos socialmente compreensíveis, se
não aceitáveis.
A alienação do homem na linguagem
• De acordo com Lacan, todo ser humano que
aprende a falar é, dessa forma, um alienado –
pois é a linguagem que, embora permita que o
desejo se realize, dá um nó nesse lugar, e nos
faz de tal forma que podemos desejar e não
desejar a mesma coisa e nunca nos
satisfazermos quando conseguimos o que
pensávamos desejar, e assim por diante.
Língua materna: a língua do Outro
• Embora considerada, em geral, inócua e
puramente utilitária por natureza, a linguagem
traz com ela uma forma fundamental de
alienação que é um aspecto essencial da
aprendizagem da língua materna do indivíduo.
A própria expressão que usamos – língua
materna – é indicativa do fato de que é a
língua de algum Outro antes, a língua do
Outro materno...(p.23-4)
O inconsciente (p. 24)
• Ao dizer que o inconsciente é estruturado como uma
linguagem, Lacan não afirmou que o inconsciente é
estruturado exatamente como qualquer língua, mas que a
linguagem, da forma como opera no nível do inconsciente,
opera a um tipo de gramática, ou seja, a um conjunto de
regras que comandam a transformação e o deslizamento
que existe dentro dela. O inconsciente, por exemplo, tem
uma tendência a quebrar as palavras em suas mínimas
unidades – fonemas e letras – e a recombiná-las como
pareça adequado. Ele dá um exemplo (p.26) e conclui
dizendo que “podemos pensar o inconsciente como
expressão, através de suas irrupções na fala cotidiana, de
um desejo que é em si mesmo estranho e inassimilável.
O inconsciente
• Na medida em que o desejo habita a linguagem – e em
uma estrutura lacaniana não há, a rigor, desejo sem
linguagem – podemos dizer que o inconsciente está
repleto de tais desejos estranhos. (ex. do desejo dos
pais, p. 26).
• As opiniões e desejos de outras pessoas fluem para
dentro de nós através do discurso. Nesse sentido,
podemos interpretar o enunciado de Lacan de que o
inconsciente é o discurso do Outro, de uma maneira
muito direta: o inconsciente está repleto da fala de
outras pessoas, das conversas de outras pessoas, e dos
objetivos, aspirações e fantasias de outras pessoas (na
medida em que estes são expressos em palavras).
Que(m) é esse Outro?
• Assim, o Outro é essa linguagem estranha que
devemos aprender a falar e que é
eufemisticamente referida como nossa “língua
materna”, mas que seria melhor ser chamada
nossa “língua do Outro materno”: são o discurso
e os desejos dos outros a nossa volta, na medida
em que estes são internalizados. Por
“internalizados” não quero sugerir que eles se
tornam nossos; ao contrário, não obstante
internalizados, eles permanecem corpos
estranhos em certo sentido.
Corpos estranhos (p.28)
• O Outro corresponde ao que é chamado por
estrutura no estruturalismo.
• Fink dá exemplos de doenças psicossomáticas
que ilustram a ideia de que o corpo é escrito
com significantes e é, portanto, estranho,
Outro. A linguagem é “cravada nos viventes”
(Bergson). O corpo é sobrescrito/superado
pela linguagem.
O Corpo e o Outro
• O corpo é subjugado; “a letra mata” o corpo.
O “vivente” – nossa natureza animal – morre e
a linguagem surge em seu lugar, vivendo-nos.
O corpo é reescrito, de certa maneira, a
fisiologia dá lugar ao significante, e todos os
nossos prazeres corporais acabam por
implicar/envolver uma relação com o
Outro.(p.30)
A Fantasia
• Nossas próprias fantasias podem ser estranhas
para nós, pois são estruturadas por uma
linguagem que é apenas assintótica ou
tangencialmente nossa e, no início, elas podem
até ser fantasias de outras pessoas: uma pessoa
pode achar que tem uma fantasia que é na
realidade a fantasia da sua mãe ou do seu pai, e
que ela nem mesmo sabe como apareceu na sua
cabeça. Essa é uma das coisas que as pessoas
acreditam ser mais alienante: mesmo as suas
fantasias não parecem pertencer-lhes. (p.30)
O Outro conforme concebido por
Lacan:
• o Outro como linguagem (conjunto de todos
os significantes)
• o Outro como demanda
• o Outro como desejo (objeto a)
• o Outro como gozo.
Cap. 2: A natureza do pensamento
inconsciente, ou como a outra parte “pensa”
(p.32)
• A linguagem funciona. A linguagem “vive” e
“respira”, independentemente de qualquer
sujeito humano. Os falantes, para além de
simplesmente usarem a linguagem como um
instrumento, também são usados por ela; eles
são os joguetes da linguagem e são
ludibriados por ela.
Como a outra parte “pensa”
• Certas palavras e expressões se apresentam enquanto
falamos ou escrevemos – nem sempre as que
queremos -, às vezes com tanta persistência que somos
quase forçados a falar ou escrevê-las antes de sermos
capazes de prosseguir.
• Tais expressões e metáforas são selecionadas em um
Outro lugar que não a consciência. Lacan sugere que
abordemos o processo como aquele em que há duas
cadeias de discurso que caminham aproximadamente
paralelas uma à outra (num sentido figurado), cada
uma se “desdobrando” e se desenvolvendo ao longo de
uma linha temporal, uma das quais as vezes
interrompe ou intervém na outra.
O acaso e a memória (p.38)
• Implicação da reflexão feita por Lacan: a massa
cinzenta, ou o sistema nervoso como um todo, é
incapaz de dar conta da natureza eterna e indestrutível
dos conteúdos inconscientes. A massa parece se
comportar de tal forma a conduzir necessariamente a
um declínio ou diminuição gradual da amplitude ou da
qualidade das impressões. Ela não pode ser a garantia
de sua eternidade. E em segundo lugar, em vez de
serem lembradas pelo indivíduo (de forma ativa, isto é,
com algum tipo de participação subjetiva), as coisas
são lembradas por ele através da cadeia significante.
A letra e o inconsciente
• Há uma ligação explícita entre a letra (ou
cadeia significante) e o inconsciente. O
inconsciente não pode esquecer , sendo
composto de “letras” trabalhando, como
fazem, de modo autônomo, automático; ele
preserva no presente o que o afetou no
passado, segurando cada e todo o elemento
eternamente, permanecendo marcado por
todos eles para sempre.
O inconsciente ajunta (p.39)
• Freud associa os processos de pensamento
inconscientes com os conscientes, enquanto que,
ao contrário, Lacan insiste em uma dicotomia. O
pensamento consciente se baseia no domínio do
sentido, numa busca para fazer sentido do
mundo. Lacan propõe que os processos
inconscientes têm pouca ou nenhuma relação
com o sentido. Parece ser possível ignorar
completamente toda a questão de sentido, isto é,
tudo o que Lacan chama de significado ou
significação ao discutir o inconsciente.
O saber sem um sujeito (p.42)
• O inconsciente não é algo que se conhece mas
algo que é sabido. O inconsciente é sabido
sem o saber da “pessoa” em questão: não é
algo que se apreende ativamente”,
conscientemente, mas, ao contrário, algo que
é registrado “passivamente”, inscrito ou
contado. E esse saber desconhecido faz parte
da conexão entre significantes; ele consiste
nessa mesma conexão. Esse tipo de saber não
tem sujeito, nem precisa de um.
Cap. 3: A função criativa da palavra: o
simbólico e o real (p.43)
• O pensamento começa sempre a partir de
nossa posição dentro da ordem simbólica; em
outras palavras, não podemos deixar de
considerar o suposto “tempo antes da
palavra” de dentro de nossa ordem simbólica,
usando as categorias e os filtros que ela
fornece.
“A letra mata”
• Lacan diz que “a letra mata”: ela mata o real
que havia antes da letra, antes das palavras,
antes da linguagem.
• O real é, por exemplo, o corpo de uma criança
antes do domínio da ordem simbólica, antes
de controlar os esfíncteres e aprender os
costumes do mundo.
O simbólico
• O simbólico cria a realidade entendida como aquilo que é
nomeado pela linguagem e pode, portanto, ser pensado e
falado. A “construção social da realidade” implica em um
mundo que pode ser designado e falado com as palavras
fornecidas pela linguagem de um grupo social (ou
subgrupo). O que não puder ser dito na sua linguagem não
é parte da realidade desse grupo; não existe a rigor. Na
terminologia de Lacan, a existência é um produto da
linguagem: a linguagem cria coisas (tornando-as parte da
realidade humana) que não tinham existência antes de
serem cifradas, simbolizadas ou verbalizadas.(p.44) Lacan
reserva umtermo emprestado de Heidegger para se referir
ao real: ele “ex-siste”.
O Real x o simbólico
• O real talvez seja melhor compreendido como
aquilo que ainda não foi simbolizado, resta ser
simbolizado, ou até resiste à simbolização;
pode perfeitamente existir “lado a lado” e a
despeito da considerável habilidade linguística
de um falante.
A interpretação atinge a causa (p.48)
• Quando Lacan diz que a “interpretação atinge
a causa”, ele quer dizer que a interpretação
atinge aquilo ao redor do qual o analisando
está girando sem ser capaz de “colocar em
palavras”.
Cap. 4: O sujeito lacaniano (p.55)
“O sujeito nunca é mais do que
suposto”
Lacan, Sem. 23
O sujeito lacaniano não é o “indivíduo” ou o
sujeito consciente da filosofia anglo-americana
(p.56)
• Quando, de maneira geral, nos referimos ao
eu ou self ao dizermos “Eu acho que...” ou “Eu
sou o tipo d pessoa que...”, esse “Eu” é tudo
menos o sujeito lacaniano: não é mais do que
o sujeito do enunciado.
O sujeito lacaniano não é o sujeito do
enunciado
• O pronome pessoal “eu” designa a pessoa que
identifica o seu self com uma imagem ideal
específica. Dessa maneira, o eu é aquilo que é
representado pelo sujeito do enunciado. O
que é então da instância ou agência que
interrompe os enunciados precisos do eu, ou
os “estraga”? (p. 59)
A transitoriedade do sujeito (p.62)
• O sujeito do inconsciente manifesta-se no
cotidiano como uma irrupção transitória de
algo estranho ou extrínseco. Em termos
temporais, o sujeito aparece apenas como
uma pulsação, um impulso ou interrupção
ocasional que imediatamente se desvanece ou
se apaga, “expressando-se”, desta maneira,
por meio do significante.
O sujeito freudiano (p.63)
Freud x Lacan
• Lacan nunca faz do inconsciente uma instância;
este permanece um discurso divorciado do
consciente e do envolvimento subjetivo – o
discurso do Outro – mesmo quando ele
interrompe o discurso do eu que está baseado
em um falso sentido de self. Ao encarar a
subjetividade no inconsciente de Freud como um
furo, interrupção ou irrupção no discurso e em
outras atividades “intencionais”, de forma alguma
trata-se da especificidade do sujeito de Lacan.
O sujeito cartesiano e seu inverso
(p.64)
• O que é mais notável a respeito do sujeito freudiano é que
ele desponta apenas para desaparecer quase
instantaneamente.
• Lacan ressalta que o sujeito de Descartes – o cogito – tem
uma existência igualmente efêmera. O sujeito cartesiano
conclui que ele é toda vez que diz para si mesmo, “Eu
penso”. Ele precisa repetir isso para convencer-se de que
existe. E, tão logo, pare de repetir essas palavras, sua
convicção inevitavelmente se evapora. Descartes é capaz
de assegurar uma existência mais permanente para o
sujeito através da introdução de Deus – a garantia de tantas
coisas no universo cartesiano – mas Lacan concentra sua
análise na natureza pontual e evanescente do sujeito
cartesiano.
O sujeito cartesiano e seu inverso
(p.64)
• Lacan vira Descartes de cabeça para baixo: o
pensamento do eu é mera racionalização
consciente (a tentativa do eu de legitimar
declarações erradas e involuntárias através de
explicações pós-fato que se enquadram na
auto-imagem ideal), e o ser então gerado
pode ser categorizado apenas como falso ou
como fraude.
O sujeito dividido de Lacan (p.66)
• Lacan: “eu sou sem-ser”.
• O sujeito não é senão sua própria divisão. A variedade
expressões como “sujeito fendido”, “sujeito dividido”
ou “sujeito barrado” cunhadas por Lacan – todas
escritas com o mesmo símbolo S barrado – consiste
inteiramente no fato de que as duas “partes” ou
avatares de um ser falante não têm nenhum traço em
comum: elas estão separadas de forma radical (o eu ou
falso ser exige uma negação dos pensamentos
inconscientes, o pensamento inconsciente sem
nenhuma preocupação que seja com a opinião positiva
do eu sobre si mesmo).
O sujeito dividido de Lacan (p.66)
• A clivagem do Eu em eu (falso self) e
inconsciente gera uma superfície num certo
sentido com dois lados: um que é exposto e
um que é escondido. Embora os dois lados
possam não ser constituídos, em essência, de
materiais radicalmente diferentes –
linguísticos por natureza – em qualquer ponto
ao longo da superfície há uma frente e um
verso, uma face visível e uma invisível.
Além do sujeito dividido (p.68)
• O sujeito dividido não é de forma alguma a
última palavra de Lacan a respeito da
subjetividade.
• Em Escritos, Ciência e Verdade, Lacan sustenta
que “sempre se é responsável por sua posição
como sujeito”.(componente ético)
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O Sujeito lacaniano * Bruce Fink