A questão do
conhecimento
na Idade Média
• A cultura medieval foi marcada pela
predominância da Igreja Católica, que
sobreviveu às invasões bárbaras na área do
Império Romano do Ocidente. Sendo assim, a
filosofia na Idade Média ocidental foi
orientada na direção de conciliar a razão com
a fé, como veremos nas páginas a seguir.
De Aristóteles ao cristianismo
• Com o domínio de Alexandre Magno sobre as cidades--Estado
gregas, que incluía uma vastidão de territórios do Egito até a
Índia, floresceu a cultura helenística, síntese da cultura helênica
(grega) com a cultura oriental. Quanto ao aspecto filosófico da
cultura helenística, destacamos as seguintes escolas de
pensamento:
• Cinismo (pensamento individualista de inspiração socrática que
desprezava todas as convenções) de Diógenes (413-323 a.C.);
• Ceticismo (doutrina que se fundamentava no reconhecimento
da impossibilidade de se obter o conhecimento real das coisas)
de Pirro de Élida (360-275 a.C.);
• Epicurismo (pensamento moral que acreditava no prazer como
a chave para a felicidade) de Epicuro (341-270 a.C.);
• Estoicismo (ideal de busca de total harmonia com a natureza,
dominando as paixões e sofrimentos do cotidiano) de Zenão de
Cício (336-264 a.C.).
• Fundamentalmente, essas correntes filosóficas
têm em comum duas características: serem
seguidoras dos ensinamentos de Sócrates, Platão
e Aristóteles e terem claro que a felicidade plena
do homem não é mais possível, dentro do ideal
de participação nas decisões da pólis, devido à
paralisia que se abateu sobre a política.
• Com o fim da pólis grega, não era mais possível aos
homens serem capazes de decidir o destino de
suas comunidades. No lugar da democracia
ateniense, suplantava-se o Império Macedônio,
que, como todo regime político autoritário, não
permitia a participação política de seus súditos.
• Daí a filosofia helenística, de uma forma geral,
voltar-se para o individualismo como perspectiva
de conquista da felicidade
• Durante o domínio romano na bacia do Mar
Mediterrâneo, o pensamento filosófico
permaneceu importante e atuante devido a
filósofos latinos como Cícero (106-43 a.C.),
Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) e o imperador romano
Marco Aurélio (121-180) – estes dois adeptos
do estoicismo –, além de Plotino (205-270),
iniciador do neoplatonismo. Sem trazer
originalidade no que diz a respeito aos temas
típicos da filosofia, os latinos contribuíram
para a formação da cultura ocidental com a
conceitualização e sistematização do Direito.
O cristianismo e a Igreja Católica
• Após a crucificação de Jesus Cristo, o cristianismo
ganhou cada vez maiores dimensões, tornando-se
uma religião muito forte dentro dos domínios
romanos, mesmo com o combate que lhe foi
imposto por vários imperadores romanos.
• No seu início, o cristianismo tinha como base de
análise somente a fé, ou seja, apenas a crença
bastava para explicar quaisquer questões. A
oposição entre “fé” e “razão” tornou-se evidente já
com os primeiros pregadores que procuraram
divulgar as palavras de Cristo. Como exemplo,
podemos citar o apóstolo Paulo.
O cristianismo e a Igreja Católica
• Entretanto, em fins do século II surgiram os
padres
apologistas,
assim
chamados
justamente por enviarem vários defensores do
cristianismo aos imperadores romanos, com a
intenção de convencê-los da legitimidade
dessa religião. Para isso, os padres apologistas
procuravam fazer “aproximações” entre o
cristianismo e a filosofia.
O cristianismo e a Igreja Católica
• À medida que o cristianismo crescia, os cristãos
conseguiram organizar uma instituição chamada por eles de
Igreja (do grego ekklesía, ou seja, “assembleia”), dirigida
por padres e bispos. A perseguição romana só acabou no
ano 313, quando o então imperador romano Constantino,
através do Edito de Milão, concedeu liberdade de culto aos
cristãos do Império Romano.
• A partir daí, começaram as divergências entre os vários
grupos cristãos, a fim de assegurar qual deles daria o
caminho mais correto para ser seguido por todos. Essa
disputa teve como consequência o Concílio de Niceia, no
ano de 325, organizado por Constantino, que resultou na
ortodoxia (“opinião correta”), originando, assim, a Igreja
Católica. Esta instituição deveria inclusive combater os
chamados “hereges”, ou seja, “aqueles que não
concordavam com a ortodoxia”.
O cristianismo e a Igreja Católica
• Contudo, a “opinião correta” não podia se
impor apenas pelo uso da força, ou tão
somente pela revelação (crença, fé).
• Era preciso que a ortodoxia também fosse
resultado do uso da razão. Foi neste contexto
que surgiu a filosofia patrística (“filosofia dos
santos padres”), que tinha como uma de suas
principais missões a conciliação da fé com a
razão.
Santo Agostinho: “compreender para
crer, crer para compreender”
• A filosofia patrística teve em Santo Agostinho o seu maior
expoente. Nascido no ano de 354 em Tagaste, região do norte da
África, Aurélio Agostinho formou-se em Cartago para professor
de retórica.
• Lecionou em Roma e Milão. Foi leitor de Cícero. Comungou o
maniqueísmo (doutrina que afirmava ser o mundo dirigido por
dois princípios absolutos: o bem e o mal).
• Superou sua desilusão com o maniqueísmo pelo contato com o
neoplatonismo (interpretação espiritualista e mística do
pensamento de Platão), sobretudo de Plotino.
• Contudo, foi a fé cristã o caminho tomado por Agostinho como
verdadeiro, e o responsável por este acontecimento foi Santo
Ambrósio (340-397), bispo de Milão.
• Influenciado por Ambrósio, Agostinho converteu-se ao
cristianismo, em 386. Foi bispo de Hipona (também no norte da
África) de 395 até 430, ano de sua morte. Por isso, também é
conhecido como Agostinho de Hipona. Entre suas obras mais
importantes estão A Cidade de Deus, Confissões e Da Trindade.
• As influências das doutrinas estudadas por Santo Agostinho
fizeram-se presentes no seu pensamento. Do
maniqueísmo, ficou a atenção sobre o problema do mal,
que, em contato com o neoplatonismo, tornou possível
afirmar que o mal está para as trevas, assim como o bem
está para a luz.
• E mais ainda: as trevas seriam a ausência de luz. A luz é a
fé em Deus que se manifesta em toda natureza, até mesmo
na razão. E como a razão é fruto da luz, deduz-se que a
razão é limitada diante da fé.
• Pois, como afirma Agostinho, tendo como fundamento a
teoria dos dois mundos de Platão, se Deus criou o mundo
do nada, antes de Ele ter criado o mundo, as ideias já
existiam dentro de Sua cabeça. Assim, no lugar do mundo
das ideias, a teoria da iluminação de Santo Agostinho
coloca o mundo das ideias divinas.
• O homem recebe de Deus o conhecimento das verdades
eternas.
• O modo como o pensador abordou a relação “razão versus
fé” acabou por transformar a razão em uma forma de
demonstração da necessidade da fé para o homem. Daí a
necessidade de “compreender para crer, crer para
compreender”, segundo afirma o próprio Agostinho.
• Não se trata de diminuir a importância da razão, mas sim
de afirmá-la enquanto meio para se chegar à fé.
• Se o “conhecimento da verdade” é fato (por exemplo, a
matemática), resta saber o que torna possível tal
conhecimento. Ele não pode ter origem no próprio
homem, isto é, não pode ter origem apenas na
capacidade humana de raciocinar, pois este tipo de
conhecimento é perecível e mutável, enquanto a verdade
é eterna. Agostinho vê aí uma incompatibilidade.
• Logo, o conhecimento da verdade só pode estar acima do
homem e de todas as coisas; em outras palavras, o
conhecimento só pode vir de Deus.
• Para Agostinho, o conhecimento humano nos
é dado pela presença de Cristo (“Verbo feito
carne”; “Verdade interior”) em cada um dos
homens, possibilitando-nos conhecer a
verdade e a certeza, e podendo expressá-las
por meio das palavras. Trata-se de uma
“verdade revelada”.
• O pensamento de Santo Agostinho
predominou na Igreja Católica durante toda a
Alta Idade Média.
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