Capítulo III
Análise da Valoração Jurídica
O autor parte da regra de maioridade legal aos
22 anos, no direito argentino, para dizer:
- A maioridade não é uma coisa da natureza, real e neutra de sentido; ao
contrário, é algo exatamente por seu sentido, se referindo a uma realidade
humana, mas naquilo que não é natural no homem.
Objetos (Prof. Machado Neto)
Fundamentação Egológica da Teoria Geral do Direito
Tese de Livre-Docência, apresentada na faculdade de
Direito da UFBa, em 1973.
-
Teoria Husserliana: quatro regiões ônticas: ideias, naturais, culturais e
metafísicos;
Objetos (Prof. Machado Neto)
-
Objetos ideais: irreais, por constituíram algo, mas não terem
propriamente existência (não estão na experiência), e são, de si, isentos
de valor.
-
Objetos naturais: reais, têm existência, estão na experiência (ou seja,
situam-se sempre numa dimensão espacial e noutra temporal), e são
neutros de valor.
-
Objetos culturais: são peculiarmente humanos. São reais, têm existência,
estão na experiência e, por ser criação do homem, são positiva ou
negativamente valiosos.
Objetos do “Espíritu”
Objetos (Prof. Machado Neto)
- a concepção egológica, por seu turno, subdivide a
cultura em objeto mundanais e egológicos, com base
na estrutura dual do objeto cultural. Assim, se o
sentido se sustenta num substrato natural (a
exemplo de uma escultura, que é o sentido dado a
uma pedra), será um objeto mundanal; mas se o
sentido se sustenta num momento da vida humana
vivente (a conduta), então será um objeto egológico.
Elementos da Norma
1) estrutura normativa enquanto estrutura de conhecimento
intelectual, com as seguintes características:
•
Não representa nem enuncia uma ordem (comando);
•
Representa, isto sim, apenas uma efetiva conduta humana;
•
Essa representação da conduta humana é neutra, porque a ciência exige uma
postura neutra frente aos seus objetos, ainda que eles sejam valiosos;
•
Uma vez que a conduta humana é livre, a norma faz essa representação
estruturada num dever-ser, imputando uma consequência a um antecedente;
•
Tem caráter formal e necessário: formal porque dá forma qualquer conteúdo, isto
é, pode variar o conteúdo sem variar a estrutura formal, e necessário porque a
ciência do direito só pode concebê-lo normativamente, já que a normatividade é
seu fundamento constitutivo.
Elementos da Norma
2) Apresenta uma matéria de dupla característica: ser conteúdo
e ser contingente;
•
Ser conteúdo: significa apresentar dados reais na regra, como, por exemplo, a
cidade de 22 anos, que somente tem relevância jurídica (normativa) porque
inseridos na norma;
•
Ser Contingente: significa que aqueles dados podem variar – isto quer dizer que
eles são como são em decorrência de um fato, qual seja, a escolha do legislador, e
não por nenhuma necessidade gnosiológica ou ontológica;
Concepção Egológica
•
Teoria Tradicional: vê as Leis como ordens ou comandos do Legislador: a eleição da
matéria contingente poderia dar essa falsa impressão;
•
Teoria Egológica: vê o Direito Positivo como a conduta efetiva dos homens: a
norma é a representação conceitual da conduta;
•
O legislador não cria condutas, estas são criadas pelo próprio homem; quando se
diz que as leis são causas para os súditos se comportarem de determinada maneira
(conforme o conteúdo contingente da norma) o que se quer dizer é que a lei pode,
no máximo, induzir as pessoas a se comportarem de determinada maneira.
•
Induzindo ou não, a Lei apenas representa conceitualmente a conduta.
Elementos da Norma
3) Além da forma lógica e dos conteúdos contingentes, a norma
é a representação de um valor.
-
A conduta ali representada, concretada pelos elementos contingentes (a
maioridade aos 22 anos) contém um certo grau de ordenação. Contém, também,
certa justiça, além de outros valores. Assim é que a norma tem a representação
dessas valorações.
-
A experiência jurídica, uma vez que é conduta efetiva, é uma experiência
estimativa, que se constitui com preferências, porque a conduta vale em razão da
valoração que ela contém, e que está presente na norma que a representa;
Experiência Jurídica – Prof. Machado
Neto
•
Na Crítica da Razão Pura, Kant distinguiu, na experiência natural, um elemento “a
priori”, formal e necessário como estrutura lógica, e outro elemento “a posteriori”,
material e contingente. Aquele, a forma, e este, o conteúdo do conhecimento natural.
•
A experiência jurídica, porém, contém três elementos:
-
uma estrutura lógica análoga àquela de Kant. Trata-se da lógica do dever-ser. É um
elemento formal e necessário;
-
o conteúdo empírico que consiste nas referências dogmáticas compreendidas na
enunciação da norma. É elemento material, por ser conteúdo de uma forma
lógica, e contingente (pode variar de época para época);
-
a valoração: só aparece nos objetos culturais. No caso do direito, é a valoração
jurídica. A consequência da norma, que é o consequente da estrutura lógica do
dever-ser, é por si um valor jurídico
Teoria Tridimensional do Direito – Prof.
Miguel Reale
Lições Preliminares de Direito, 25ª. Ed., 2000
- FATO: onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre
e necessariamente, um fato;
- VALOR: presente nos fenômenos jurídicos, confere
determinada significação a esse fato, inclinando ou
determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou
preservar certa finalidade ou objetivo;
- NORMA: representa a relação ou medida que integra um
daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;
Paralelismo: TE e TTD
TEORIA EGOLÓGICA
TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
CONDUTA
Conduta efetiva,
concretiza o conteúdo
empírico da norma
FATO
Fenômeno real com
características aparentes
VALORAÇÃO
Valora a conduta, ao
mesmo tempo em que se
materializa nela
VALOR
Sempre presente, atribui
significado ao Fato
ESTRUTURA
LÓGICA
É o elemento formal e
necessário que veicula a
norma
NORMA
Estrutura que relaciona e
integra fato e valor
VALORAÇÃO
JURÍDICA
Plexo Valorativo
•
A valoração jurídica é complexa: mais que apenas um único valor, ela se traduz
num plexo de valores;
•
VALORES: - Justiça
- Solidariedade
- Paz
- Poder
- Segurança
- Ordem
HIERARQUIA
OBS.: no prefácio, o autor adverte que, em obras posteriores, esse plexo foi
apresentado em forma irradiada sobre uma base existencial, e a integração do
plexo foi enriquecida com o valor cooperação.
Plexo Valorativo – Prof. Machado Neto
Dimensão Existenciária
Valor de Autonomia
Valor de Heteronomia
Mundo Objetivo
Segurança
Ordem
Pessoa
Paz
Poder
Sociedade
Solidariedade
Cooperação
- Valor de Autonomia: expansão da personalidade;
- Valor de Heteronomia: restrição da personalidade;
- JUSTIÇA: Não tem uma posição fixa, mas está presente no plexo como uma sombra
em todos os valores, dando-lhes equilíbrio e proporção recíprocos;
- Conceito de Justiça: consistirá numa criação de igualações de liberdade como pontos
de partida sucessivamente renovados. No famoso brocardo “dar a cada um o que é
seu”, o seu de cada um é o que a nada um lhe falta para estar em iguais condições de
liberdade com o outro que lhe interfere, no momento da interferência de condutas.
INTERACAO
DE VALORES
Interações
no Plexo
Valorativo
•
DE BAIXO PARA CIMA: valores menos valiosos para mais valiosos;
•
DE CIMA PARA BAIXO: valores fundados para valores fundantes.
•
Significa que, apesar de menos valiosos, os valores de baixo são mais fortes que os
de cima, e isto que significa dizer que um valor superior não pode ser realidade
quando estiver em contrário ao seu inferior, ao passo que, no inverso, o valor
inferior pode sim acontecer mesmo contrariamente ao superior.
VALORAÇÃO
JURÍDICA
CARACTERÍSTICAS
Características da Valoração
•
•
•
•
•
•
BILATERALIDADE: Os valores se apresentam apenas em condutas bilaterais, com
pluralidade de pessoas, já que o que se valora é a interferência intersubjetiva das
ações;
TOTALITÁRIA: alcança todas as figuras jurídicas possíveis;
PONTO DE CONTATO: as figuras jurídicas positivas, que se coordenam formalmente
em um ordenamento jurídico (contato sistematico), estão conectadas também
internamente, através da valoração jurídica;
COMUM: a mesma valoração contida numa figura, excede e irradia-se sobre as
figuras vizinhas;
CARÁTER MATERIAL: a valoração jurídica está na realidade da conduta (por isso é
matéria, e não forma);
CARÁTER NECESSÁRIO: toda conduta contem valoração jurídica, por sua propria
ontologia (da conduta).
Conclusões sobre as Características da
Valoração
• No texto: a valoração jurídica é um elemento originário ou primário do
objeto representado em toda norma jurídica;
• Segundo o Prof. Machado Neto: a valoração com que o jurista tem que
haver-se no seu trato cotidiano do direito positivo é uma valoração
positiva; é – na linguagem da teoria egológica – o modo atual como o
entendimento da sociedade está vivenciando os valores jurídicos. É com
essa axiologia positiva que a ciência dogmática trabalha, uma vez que é
existente como realidade sociocultural em cada momento histórico
determinado. Ela trabalha, assim, com os ideais reais de cada época. Vale
dizer que a indagação sobre os ideais reais é empírico-científica, uma vez
que eles constituem o sentido da conduta existente (empírico) e como tal
constituem algo que lhe é imanente.;
POSICIONAMENTO
DA
VALORAÇÃO
Questões Propostas pelo Autor
Como a teoria tradicional situou o estudo da valoração
jurídica?
•
Tratou do assunto como um problema TELEOLÓGICO: os valores eram vistos como
um fim para o direito, o qual, portanto, era o meio para alcançá-los (essa teoria vê
o Direito como norma, e as normas como comandos). Com isso coloca a valoração
fora do Direito, e a faz estéril para a interpretação científica da Lei.
•
Teoria Egológica: sendo o Direito a efetiva conduta humana, o valor é o próprio
Direito, ou seja, o Direito não é o meio para alcançar o valor, mas sim o próprio
valor. Com esta teoria, não de alude a um ideal de valor como, por exemplo, um
ideal de ordem, mas sim à ordem como um dado estimativo, quer dizer, enquanto
experiência constituída por uma preferência axiológica.
POSICIONAMENTO
DA
VALORAÇÃO
Questões Propostas pelo Autor
Quem confere valor aos conteúdos contingentes da norma: a
conduta ali representada, ou a própria norma?
•
Para a teoria egológica, que não vê diferença real entre conduta e norma, uma vez
que esta é a representação conceitual daquela, a pergunta é irrelevante. Mas para
a teoria tradicional, que distingue as duas coisas, a pergunta deve ser respondida;
•
Apenas a norma – hipótese de cara refutada, porque os valores apresentados pela
norma são de conduta, daí que têm que provir dela;
•
Da norma e da conduta: sendo coisas distintas, o valor que provenha da norma
não pode ser o mesmo que da conduta; vista a norma como comando, então dela
só pode provir o valor adicional da obediência. Mas este é um valor moral, de
modo que a valoração jurídica provém apenas da conduta.
POSICIONAMENTO
DA
VALORAÇÃO
Papel da Valoração na Interpretação
•
A valoração jurídica é o sentido positivo de cada um dos valores, e assim é um objeto egológico;
•
Por ter essa sustentação na conduta humana, a valoração não está na lei enquanto fórmula
gramatical criada;
•
A Lei, vista assim como um texto, é um objeto mundanal e dá sustentação a um outro sentido: o
sentido lógico de um conceito normativo. Assim é que a lei não pode dar ao juiz o sentido da
valoração jurídica.
•
os antecedentes parlamentares e demais meios de descobrir a intenção do legislador ao por a
norma chegam ao intérprete como produtos criados, sendo assim objetos mundanais, e por isso
não são valoração jurídica. Deste modo, nem a gramática, nem a exegese, são aptas a captar a
valoração jurídica, sendo esta vida vivente.
•
Segundo o autor, por mais paradoxal que pareça, a valoração jurídica se entrega ao pensamento
apenas sob o angulo dogmático, que é consubstancial ao direito, porque a dogmática é a criação
racional da ciência do direito e o direito enquanto conduta tem a racionalidade vivente da conduta
POSICIONAMENTO
DA
VALORAÇÃO
Papel da Valoração na Interpretação
•
O autor confronta o direito legislado com o direito consuetudinário na tentativa de
elucidar esse papel da valoração na interpretação;
•
A principal diferença que ele aponta é que, no direito consuetudinário, o juiz atua
como intérprete autêntico da norma, simplesmente porque ele apreende do caso
a conduta direta e espontânea e a classifica como costume, criando uma norma
geral, isto é, a representação conceitual da norma consuetudinária;
•
Já no direito legislado, o juiz, quanto a esta norma geral, se limita a conhecer o
conceito geral criado pelo legislador (a lei);
•
Para fazer isso, os juízes devem conhecer a compreensão do conceito imputativo
constituído por outra pessoa, ou seja, devem interpretar os conceitos gerais
criados pelo Legislador – a interpretação judicial da Lei.
POSICIONAMENTO
DA
VALORAÇÃO
Papel da Valoração na Interpretação
•
Ocorre que, os conceitos gerais representam apenas a qualidade dos objetos, e
não a sua quantidade. A questão, assim, está colocada: uma vez que a Lei
representa conceitualmente uma determinada valoração jurídica de conduta, mas
seu conceito geral traz apenas a qualidade dessa valoração, será o juiz que definira
a quantidade axiológica dessa mesma valoração.
•
O problema de cada caso para o juiz é, assim, o seguinte: em que medida eu posso
fazer verdadeira a valoração jurídica representada na lei?;
•
O juiz deve levar em conta as circunstâncias de cada caso, sendo dessa forma que
estas circunstâncias atuam decisivamente para que o juiz tenha a vivência de que
uma solução, e não outra, é a que realiza a valoração jurídica representada na lei;
POSICIONAMENTO
DA
VALORAÇÃO
Papel da Valoração na Interpretação
•
A valoração está representada na lei na medida em que ela representa uma
conduta. Nesse passo, a valoração se intercala entre a interpretação da lei e as
suas determinações contingentes, porque a interpretação busca o sentido jurídico
destas determinações, quer dizer, seu sentido para a conduta.
•
Mas os métodos interpretativos não visam apreender diretamente o significado
real dessas determinações. Na verdade, a interpretação que se realiza com
qualquer método pressupõe algo a que os métodos, em sentido estrito, não se
dirigem: pressupõe a valoração jurídica.
•
Disso resulta o papel da valoração jurídica na interpretação: ela é a sua base, o seu
ponto de partida, e o seu destino, já que é através da valoração que a lei tem que
ser interpretada cada vez que é aplicada, exatamente para que se chegue a um
resultado no qual aquela mesma valoração é realizada.
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