LINGUAGEM como
ATIVIDADE CONSTITUTIVA
(UMA CONCEPÇÃO LINGUÍSTA PERTINENTE PARA ATENÇÃO
HUMANIZADA EM SAÚDE)
REFLEXÃO SOBRE A POTENCIALIDADE DA LINGUAGEM NO PROCESSO
DE EMPODERAMENTO (EMPOWERMENT) INDIVIDUAL E COLETIVO.

Empowerment psicológico (autonomia do sujeito, auto-ajuda)

e
Empowerment comunitário (processo e resultado de ações que afetam a
distribuição de poder levando a um (des)acúmulo de poder nas esferas
pessoais, intersubjetivas e políticas).

Concepção que possibilita trabalhar simultaneamente com experiência
subjetiva de poder e com mudanças das condições sócio-culturais.
(CARVALHO, 2004)

VEM EM AUXÍLO DAS PESSOAS (EM SOLILÓQUIO OU EM COMUNIDADES) A
REALIZAREM SUA PRÓPRIAS ANÁLISES

“(...) ‘Empowerment’ é um conceito complexo que
toma emprestado noções de distintos campos de
conhecimento. É uma idéia que tem raízes nas lutas
pelos direitos civis, no movimento feminista e na
ideologia da "ação social" presentes nas sociedades
dos países desenvolvidos na segunda metade do
século XX. Nos anos 70, este conceito é influenciado
pelos movimentos de auto-ajuda, e, nos 80, pela
psicologia comunitária. Na década de 90 recebe o
influxo de movimentos que buscam afirmar o direito
da cidadania sobre distintas esferas da vida social
entre as quais a prática médica, a educação em saúde
e o ambiente físico”.
Sérgio Resende Carvalho: Os múltiplos sentidos da categoria "empowerment" no projeto de
Promoção à Saúde.
(Cad. Saúde Pública vol.20 no.4 Rio de Janeiro July/Aug, 2004)
CONTRIBUIÇÃO DA LINGUÍSTICA
Carlos Franchi
Ensaio elaborado a partir da introdução da tese:
“HIPÓTESES PARA UMA TEORIA FUNCIONAL DA
LINGUAGEM”
Esforço de formalização das múltiplas faces do
fenômeno da linguagem
LINGUAGEM EM FUNCIONAMENTO
Posto de observação: singular, datado e provisório
FRANCHI, 1977
Franchi apresenta tal concepção negando de
entrada as concepções de
1.
SAUSSURE (1915) –
europeu
fundador da Linguística; estruturalismo
Homem se comporta frente a linguagem como
frente a uma instituição.
• Língua – código, onde tudo está dito e manifesto;
• Linguagem – faculdade mental regida por um princípio
de ordenação e de classificação
2.
BLOONFIELD (1930) –
estruturalismo norte-americano,
fortemente influenciado pelo behaviorismo
Só existem os discursos produzidos
efetivamente nas diferentes línguas (corpus
para análise sistemática).
• Língua – regras sintáticas produzidas por generalização
indutiva.
• Linguagem – comportamento verbal (fato observável
tendo seu desenvolvimento por estímulo e resposta)
3.
CHOMSKY (1955, atual); LAKOFF (1969);
SAUMJAN (1970), BONOMI (1973) e alguns
filósofos da linguagem que consideram a
LINGUAGEM – processo abstrato e formal
LINGUA – universais linguísticos
Na concepção formalista da linguagem há
suspensão dos aspectos sociais e a atenção é
voltada para o aspecto construtivo da
linguagem que a torna passível de
tratamento lógico
FRANCHI REALIZA ESFORÇO PARA ARTICULAR
DIFERENTES CONCEPÇÕES FUNCIONALISTAS DA LINGUAGEM
1.
BÜHLER (1934; 1965), FIRTH (1968), HALLIDAY (1966, 1970, 1973),
JAKOBSON (em certa medida – 1956, 1965, 1970) etc estudiosos da
linguagem em sua função
NO FUNCIONALISMO RECONHECE-SE A LINGUAGEM COMO AÇÃO VERBAL
OU
LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO
carrega forte conteúdo informacional e intencional
(as mensagens são codificadas e decodificadas por regras comuns aos
falantes,
portanto, uma língua é exterior e pública,/uma prática aberta e social).
2.
STRAWSON (1970); AUSTIN (1962); SEARLE (1969, 1972);
GRICE (1972, 1975); MALINOWSKI (1961)
AUTORES DA SIGNIFICAÇÃO
Significação não é uma propriedade exclusiva das expressões,
apreensível pela enumeração de características sintáticas e
morfológicas de uma língua,
mas é um
ATO
um ato intencional e motivado que põe em relação os
interlocutores e os elementos conversacionais de que se
servem na interlocução
FRANCHI, 1977/2002
INCLUSÃO DO CONTEXTO E DA SITUAÇÃO PARA
EXPLICAR O
ATO DE COMUNICAÇÃO
ou seja
NECESSIDADE DE SE CONSIDERAR
O CONJUNTO DE FATORES E RELAÇÕES QUE SE
ESTABELECEM ENTRE OS PARTICIPANTES DO ATO DE
COMUNICAÇÃO,
DAS CIRCUNSTÂNCIAS DESSE ATO,
DO UNIVERSO DE EVENTOS E COISAS A QUE SE REFEREM
SEGUNDO SUAS EXPERIÊNCIAS.
A pergunta de FRANCHI
COMO SE PODE DAR CONTA DA RELAÇÃO
ENTRE EXPRESSÕES E SEUS SENTIDOS?
Ou
COMO REPRESENTAR EM UMA LINGUAGEM
FORMALIZADA OS ELEMENTOS E AS RELAÇÕES
QUE, NAS EXPRESSÕES, SÃO RELEVANTES
PARA A SIGNIFICAÇÃO?

“Certamente a linguagem se utiliza como instrumento
de comunicação, certamente comunicamos por ela
aos outros, nossas experiências, estabelecemos por
ela, com os outros, laços ‘contratuais’ por que
interagimos e nos compreendemos, influenciamos os
outros com nossas opções relativas ao modo peculiar
de ver e de sentir o mundo, com decisões
consequentes sobre o modo de atuar nele. Mas, se
queremos imaginar esse comportamento como uma
‘ação’ livre e ativa e criadora, suscetível de pelo
menos renovar-se ultrapassando as convenções e as
heranças, processo em crise de quem é agente e não
mero receptáculo da cultura, temos então que
apreende-la nessa relação instável de interioridade e
exterioridade, de diálogo e solilóquio:
ANTES DE SER PARA A COMUNICAÇÃO, A
LINGUAGEM É PARA A ELABORAÇÃO; E ANTES
DE SER MENSAGEM, A LINGUAGEM É
CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO; E ANTES DE
SER VEÍCULO DE SENTIMENTO, IDÉIAS,
EMOÇÕES, ASPIRAÇÕES, A LINGUAGEM É UM
PROCESSO CRIADOR EM QUE ORGANIZAMOS E
INFORMAMOS NOSSAS EXPERIÊNCIAS.”
(FRANCHI, 1992, p 25)
“A LINGUAGEM NÃO É SOMENTE O
INSTRUMENTO DA JUSTA INSERÇÃO DO
HOMEM ENTRE OS OUTROS; É TAMBÉM O
INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO E DA
DIALÉTICA ENTRE CADA UM DE NÓS E O
MUNDO.”
(FRANCHI, 1992, p 26)
POR MEIO DA LINGUAGEM O HOMEM DÁ “FORMA”, AO MESMO
TEMPO, A SI MESMO E AO MUNDO:
O HOMEM PELA E NA LINGUAGEM :

viabiliza as expressões verbais, ou seja, realiza operações com
a linguagem [epilinguagem] e sobre a linguagem
[metalinguagem],

torna-se consciente de si mesmo (organiza os processos
cognitivos) e

projeta um mundo exterior (atribui sentido aos fatos do
mundo físico)
HUMBOLD, 1936

“Não há nada imanente na linguagem, salvo sua força
criadora (…) Não há nada universal, salvo o processo – a
forma, a estrutura dessa atividade. A linguagem, pois,
não é um dado ou um resultado, mas um trabalho que
dá forma ao conteúdo variável de nossas experiências,
trabalho de construção, de retificação do ´vivido´ que
ao mesmo tempo constitui o sistema simbólico
mediante o qual opera sobre a realidade e constitui a
realidade como um sistema de referências em que
aquele se torna significativo. Um trabalho coletivo em
que cada um se identifica com os outros e a eles se
contrapõe, seja assumindo a história e a presença, seja
exercendo suas opções solitárias.”
FRANCHI, 1992, p. 31
A LINGUAGEM É UM PROCESSO,
CUJA FORMA É PERSISTENTE
(níveis da análise linguística - fonéticofonológico, morfo-sintático-semântico),
MAS
CUJO ESCOPO E MODALIDADE DO PRODUTO
SÃO COMPLETAMENTE INDETERMINADOS.
(pragmático)
TRABALHO LINGÜÍSTICO
(QUASE-ESTRUTURANTE)
“(...) INTERRUPTO, CONTÍNUO, REALIZADO
POR DIFERENTES SUJEITOS, EM DIFERENTES
MOMENTOS HISTÓRICOS, EM DIFERENTES
FORMAÇÕES SOCIAIS, DENTRO DAS QUAIS
DIFERENTES SISTEMAS DE REFERÊNCIAS SE
CRUZAM (E SE DIGLADIAM)”.
GERALDI, 1991, p.12

TRABALHO LINGUISTICO-COGNITIVO CONTÍNUO E FLUÍDO (GERALDI, 1991)
É NA INTERAÇÃO DE UM “EU” COM UM “TU”
QUE NOS ORGANIZAMOS
E
QUE NOS MANTEMOS COMO SERES QUE
SIGNIFICAM.





A ESCOLHA DAS PALAVRAS;
A EXTENSÃO DOS ENUNCIADOS;
O RÍTMO;
O TOM;
A INTENSIDADE DA VOZ
SÃO ASPECTOS QUE INTERFEREM,
POSITIVA OU NEGATIVAMENTE,
NA INTERLOCUÇÃO



Paulo Freire acentua a importância da postura
dos educadores frente às práticas populares;
afirma que não basta “querer mudar” a
sociedade, é importante “saber muda-la”, e
mais, “saber muda-la” numa direção de
igualdade e liberdade.
“Estar
com
os
outros
necessariamente respeitar nos
direito de dizer a palavra”.
significa
outros o

A primeira implicação profunda e rigorosa
que surge quando eu encarno que não estou
só, é exatamente o direito e o dever que
tenho de respeitar em ti o direito de você
dizer a palavra também. Isso significa então
que é preciso eu também saber ouvir. Na
medida porém, em que eu parto do
reconhecimento do teu direito de dizer a
palavra, quando eu te falo porque te ouvi, eu
faço mais do que falar à ti, eu falo contigo.



AS PALAVRAS SÃO NÓS NAS REDES DE
COORDENAÇÃO
DE
AÇÕES
E
NÃO
REPRESENTANTES ABSTRATOS DE UMA
REALIDADE INDEPENDENTE DE NOSSOS
AFAZERES...
AS PALAVRAS NÃO SÃO INÓCUAS
AS PALAVRAS QUE USAMOS REVELAM
NOSSO PENSAR E PROJETAM NOSSO FAZER
“(...)
AS
CONVERSAÇÕES,
COMO
UM
ENTRELAÇAMENTO DO EMOCIONAR E DO
LINGUAJAR EM QUE VIVEMOS, CONSTITUEM
E CONFIGURAM O MUNDO EM QUE VIVEMOS
COMO UM MUNDO DE AÇÕES POSSÍVEIS NA
CONCRETUDE DE NOSSA TRANSFORMAÇÃO
CORPORAL
MATURANA, 2001, p. 91

(...).
OS
SERES
HUMANOS
SOMOS
O
QUE
CONVERSAMOS, E É ASSIM QUE A CULTURA E A
HISTÓRIA SE ENCARNAM EM NOSSO PRESENTE. É
CONVERSANDO
AS
CONVERSAÇÕES
CONSTRUIREMOS A DEMOCRACIA.”
QUE
Conhecer sobre o
processo de constituição linguístico-cognitiva
nos oferece possibilidade de reconhecermos
que
TODOS COM QUEM NOS RELACIONAMOS SÃO
“SUJEITOS LINGUÍSTICO-SOCIAIS” ...
“LEGÍTIMOS DA ESPÉCIE” ...
apesar da variedade dos contextos
de produção de sentidos.
BAKHTIN, M. M./ VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia a Linguagem.
São Paulo: Hucitec, 1997.
FRANCHI, C. Hipóteses para uma teoria funcional da linguagem Tese de
Doutorado, IFCH/UNICAMP, 1976.
FREIRE, P. Professora sim tia não – Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:
Ed Olho D’Água, 2008.
____________ lINGUAGEM – Atividade constitutiva, Cadernos de Estudos
Linguísticos (nº 22, p. 9-40); Campinas, jan/jun, 1992.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2001.
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Linguagem – atividade constitutiva