UFRGS
INSTITUTO DE LETRAS
TEORIA E PRÁTICA DE LEITURA
TURMA A – 2014
VIOLÊNCIA SOCIAL E INVISIBILIDADE
Rodrigo Cézar Dias
Público-alvo
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1º ano do Ensino Médio
Faixa etária: 15 a 18 anos
15 alunos
Escola Pública
Recursos
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6 horas/aula, distribuídas em três encontros
Material: cópias dos textos, dicionários e projetor
(ou computador, caso não haja disponibilidade).
Justificativa
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A proposta visa a realização de um debate
socialmente relevante, tendo em vista a tentativa
de proporcionar ao aluno um espaço de reflexão a
respeito de realidades sociais com as quais ele tem
um contato situado no limiar entre a proximidade e
a invisibilidade.
Objetivos
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Promover um espaço de reflexão que valorize a
experiência de mundo dos alunos.
Apresentar a leitura como uma possibilidade
constante de ressignificação do mundo.
Apresentar a escrita como possibilidade de
estabelecimento de relações de alteridade.
Resultados esperados
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Estabelecimento de relações entre os textos e a
experiência de mundo.
Produção de texto que contemple a discussão
desenvolvida e apresente reflexão acerca do lugar
ocupado pelo outro.
Formas de avaliação
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Participação: o aluno realizou as atividades
propostas e participou ativamente dos debates,
respeitando as opiniões dos demais.
Adequação da produção final à proposta
apresentada.
Unidade temática
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Violência social e invisibilidade
PRIMEIRO ENCONTRO
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Apresentação dos objetivos da oficina e da forma
de avaliação.
Introdução ao tema:
O
que você entende por violência social?
 O que você entende por invisibilidade social?
“A importância das aparências”
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Vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=SGPjUyVtTQw
Discussão
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O que vocês acham da reação das pessoas às duas
quedas?
Em sua opinião, quais motivos levariam as pessoas
a terem atitudes tão diferentes?
Vocês têm ideia do que fariam se presenciassem
cenas semelhantes?
PRIMEIRO ENCONTRO
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Preparação para a leitura da crônica “Debaixo da
ponte” de Carlos Drummond de Andrade.
Leitura silenciosa.
Composição de glossário coletivo com o auxílio de
dicionários, caso necessário.
Discussão em pequenos grupos, seguida de
socialização no grande grupo.
Debaixo da ponte
Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se more,
porém eles moravam. Ninguém lhes cobrava aluguel, imposto predial, taxa de
condomínio: a ponte é de todos, na parte de cima; de ninguém, na parte de
baixo. Não pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não consumiam.
Não reclamavam contra falta d’água, raramente observada por baixo de
pontes. Problema de lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer parte,
embora não conviesse atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas vezes o
vestuário, o alimento, objetos de casa. Viviam debaixo da ponte, podiam dar
esse endereço a amigos, recebê-los, fazê-los desfrutar comodidades internas
da ponte.
À tarde surgiu precisamente um amigo que morava nem ele mesmo
sabia onde, mas certamente morava: nem só a ponte é lugar de moradia para
quem não dispõe de outro rancho. Há bancos confortáveis nos jardins, muito
disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na pedra, o
mato. Até o ar é uma casa, se soubermos habitá-lo, principalmente o ar da
rua. O que morava não se sabe onde vinha visitar os de debaixo da ponte e
trazer-lhes uma grande posta de carne.
Debaixo da ponte
Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não basta procurála; é preciso que ela exista, o que costuma acontecer dentro de certas
limitações de espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da ponte, e não
estavam sonhando, sentiam a presença física da ponte, o amigo rindo diante
deles, a posta bem pegável, comível. Fora encontrada no vazadouro,
supermercado para quem sabe frequentá-lo, e aqueles três o sabiam, de
longa e olfativa ciência.
Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo gosto. Um de
debaixo da ponte saiu à caça de sal. E havia sal jogado a um canto de rua,
dentro da lata. Também o sal existe sob determinadas regras, mas pode
tornar-se acessível conforme as circunstâncias. E a lata foi trazida para
debaixo da ponte.
Debaixo da ponte os três prepararam comida. Debaixo da ponte a
comeram. Não sendo operação diária, cada um saboreava duas vezes: a
carne e a sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o resto do dia
dormindo (pois não há coisa melhor, depois de um prazer, do que o prazer
complementar do esquecimento), quando começaram a sentir dores.
Debaixo da ponte
Dores que foram aumentando, mas podiam ser atribuídas ao espanto
de alguma parte do organismo de cada um, vendo-se alimentado sem que lhe
houvesse chegado notícia prévia de alimento. Dois morreram logo, o terceiro
agoniza no hospital.
Dizem uns que morreram da carne, dizem outros que do sal, pois era
soda cáustica. Há duas vagas debaixo da ponte.
Questões
Do que trata a crônica?
 Qual é o efeito de sentido construído a partir da utilização
do pretérito imperfeito no primeiro parágrafo?
 Qual o efeito de sentido resultante do uso do pretérito
perfeito com verbo “surgiu” (l. 11)? Como ele se relaciona
com a locução adverbial “à tarde”?
 Como os personagens são caracterizados pelo narrador?
 Qual a relação que vocês veem entre o modo como os
personagens são caracterizados (incluindo suas mortes) e a
frase final do texto (“Há duas vagas debaixo da ponte”)?

SEGUNDO ENCONTRO
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Preparação para a leitura do texto “Na
construção”, de Henrique Rangel.
Leitura silenciosa.
Discussão em pequenos grupos, seguida de
socialização no grande grupo.
Na construção
Há alguns dias eu e a fotógrafa e colaboradora do blog, Nickoly Oliveira, ficamos
andando pela cidade de Americana durante o dia na procura de algum morador de rua que
quisesse contar a sua história de vida para nós. Conseguimos observar que atualmente é muito difícil
você avistar pessoas em situação de rua durante o dia na cidade. É como se fossem “morcegos”, de
dia eles se escondem de todos e a noite começam aparecer em vários lugares.
Ontem à noite, avistamos, em uma construção abandonada, dois moradores de rua
dormindo em um lugar coberto com várias mantas. Fazia muito frio. Ao começar a entrar na
construção, a desconfiança deles foi imediata, mas logo observaram que a nossa intenção era
apenas ajudar. O primeiro a contar um pouco de sua história foi Francisco, que não aceitou ser
fotografado.
“Meu nome é Francisco, tenho 25 anos e moro nas ruas há 10 anos. Nasci na cidade de
Americana e desde muito moleque comecei a ter contatos com drogas. Com 15 anos eu já passava
dias na rua usando drogas e voltava para casa dias depois. O uso começou a ficar muito continuo e
quando dei conta, eu já estava completamente na rua. Faz 10 anos que vivo assim, algumas vezes
cheguei a viajar por outras cidades e tento sustentar o meu vicio com o crack e com o pó.”
Questionado se Francisco tinha contato com a sua família, ele logo se pôs a responder:
“Sim, a minha família sabe de tudo. Meus pais tentam me ajudar quase sempre, mas nunca
deu certo.”
Você tem filhos ou sempre viveu sozinho?
“Ah… filhos devo ter alguns, mas nenhum registrado no meu nome.”
Como você faz para o tempo na rua passar com mais facilidade?
“Gosto muito de ler. Estudei até o 1º ano do Ensino Médio, um dia espero voltar e terminar.
Os livros que eu leio são doações, as pessoas que me conhecem me dão os livros isso acaba sendo
um belo passa tempo.”
Para se alimentar, é difícil?
“Às vezes sim, às vezes não! Quase todo dia, alguma pessoa vem até nós e nos dão alguma
coisa para comer. As pessoas ajudam, disso não posso reclamar.”
Você tem algum sonho?
“Poder voltar para a minha família.”
Questionado se era possível ter amigos na rua, um outro homem
interrompeu a resposta de Francisco e a conversa foi direcionada para ele:
“Meu nome é Vitor da Silva, tenho 58 anos e moro nas ruas há 1 ano.
Há 1 ano atrás, eu morava com a minha mãe e ela veio a falecer. Por conta do meu vicio com o
álcool, meu irmão mais velho não aguentou ficar comigo e me mandou embora de casa. Como não
tinha
nenhum
lugar
para
ir,
a
rua
foi
a
minha
única
opção.
Como já sou um homem de idade, sem documentos e com problemas de saúde, é muito difícil
conseguir algum emprego ou lugar para ficar em algum abrigo.”
Em seguida, começamos a fazer algumas perguntas para Vitor:
Você disse que não tem documentos, por que?
“Um dia enquanto eu estava dormindo, alguém veio e roubou todos eles, meu RG, CPF e
certidão de nascimento.”
Você não consegue tirar outros documentos em algum estabelecimento do governo?
“Muita burocracia. Por eu estar em situação de rua, tudo é preciso de provas, mas eu não
tenho como provar. Sem documentos eu não consigo receber a minha aposentadoria, não consigo
dormir em um abrigo e se precisar de alguma ajuda do hospital, é muito complicado.”
Você trabalhava antes de vir morar nas ruas?
“Sim, trabalhei muito. Já fui operador de máquina, estampador e desenhava quadros, mas
a minha verdadeira paixão era a minha horta. Já tive três hortas.”
Se você pudesse ter alguma coisa, o que você gostaria de ter?
“Não tenho nenhum sonho material. Quero ter paz e na rua isso não é possível. Queria
poder alugar o meu quartinho e viver sozinho em paz comigo mesmo.”
O senhor riu quando eu perguntei para o Francisco se era possível ter amigos nas ruas. Você
não acha possível?
“Não! Na rua, todos querem passar a perna em você.”
Continuando a conversa com todo mundo, perguntei para eles qual era a parte mais difícil
de morar nas ruas. A resposta de ambos foi igual:
“Não conseguimos dormir de verdade. Sempre estamos um pouco acordado e não
descansamos direito. Dá medo dormir na rua."
Adaptado de: http://historiasdasruas.wordpress.com/2013/08/28/na-construcao/
Questões
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O que mais chamou a atenção de vocês nas
histórias de Francisco e Vitor?
Vocês já tiveram algum contato direto com
moradores de rua? Como foi?
Vocês conseguem imaginar outras causas que
poderiam levar alguém a morar na rua?
Produção textual
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Escreva um relato fictício que tenha por narrador
um morador de rua.
Sugestões de abordagem:
 Como
era a vida do personagem-narrador antes de
ele se tornar um morador de rua?
 O que causou a sua situação atual?
 Como é a sua rotina?
 O que ele espera do futuro?
TERCEIRO ENCONTRO
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Devolução dos relatos seguida de reescrita
conforme apontamentos realizados pelo professor.
Publicação dos textos (em cartazes e em blog da
turma).
Troca de impressões, autoavaliação e avaliação da
oficina.
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