OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO DIREITO DO DESPORTO “Somos produtos financeiros” (Mangala) Mara Afonso, Verena Schneeberger, Chio Ieong Si 31 de Outubro de 2014 Estrutura 1. Enquadramento geral no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias (DLG): 1.1. Principais titulares de DLG 1.2. Principais destinatários de DLG 2. Estatuto jusfundamental do atleta: O atleta como um activo do mercado desportivo? 1. Direitos, Liberdades e Garantias São direitos fundamentais, caracterizados pela universalidade, permanência, individualidade, não-patrimonialidade e indisponibilidade; Artigos 24.º a 57.º CRP e os de natureza análoga; Denotam uma articulação privilegiada com os princípios da liberdade e do Estado de Direito, correspondendo à ideia de direitos fundamentais fortes; Vinculam o Estado e as entidades públicas: “trunfos”contra o Estado. 1.1. Principais titulares de DLG Os atletas e os demais intervenientes (individuais), Os clubes, as associações desportivas e as sociedades anónimas desportivas, As federações e as ligas. Gozam da generalidade dos direitos fundamentais (todos os direitos, liberdades e garantias), sem excepção. 1.2. Principais destinatários de DLG O Estado e as demais entidades públicas, As federações desportivas, As demais entidades privadas. Estão obrigados a satisfazer toda uma série de obrigações impostas pela norma de direito, liberdade e garantia. DLG no Direito do Desporto (mais susceptíveis de lesão): A vida; A integridade física e moral; Os tradicionais bens de personalidade (privacidade, imagem, honra); A liberdade de expressão; A liberdade de associação. 2. Estatuto jusfundamental do atleta “Consagra-se a sujeição de todo o universo desportivo aos princípios fundamentais do Estado de Direito e, concretamente, aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, na medida em que existam relações de poder susceptíveis de vulnerar os valores fundamentais associados à liberdade e à dignidade da pessoa humana – devendo o Estado assegurar em especial a protecção dos direitos perante os poderes privados, que representam hoje um dos maiores perigos para uma sociedade de pessoas livres e dignas.” Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais e o Direito do Desporto, in “II Congresso de Direito do Desporto”, págs. 40 e 41 O atleta como um activo do mercado desportivo? Sim Vinculação contratual do atleta através do “termo estabilizador” : o atleta não pode denunciar a todo o tempo o seu contrato de trabalho; Entidade empregadora tem uma “expectativa de ganho”; Manifestação de um inevitável capitalismo desportivo, a par de uma “indústria do desporto” baseada na Third Party Ownership (TPO); Aceitável mediante o adequado enquadramento normativo da TPO e o rigoroso controlo das cláusulas dos contratos de investimento: Não A dignidade humana não permite equiparar o atleta a uma mera mercadoria, não devendo ser permitida a TPO; É exigido o consentimento do atleta em todas as suas transferências definitivas e cedências temporárias (artigos 19.º/1 e 20.º/2 Lei n.º 28/98, 26 Junho) Os “direitos económicos” da entidade empregadora estão sujeitos a uma condição suspensiva (futura e eventual transferência do atleta). O atleta como um activo do mercado desportivo? Sim Artigo 18.º Regulamento FIFA: “Nenhum clube poderá celebrar um contrato em que qualquer contraparte desse contrato, bem como terceiro, adquira a capacidade de influenciar, em termos laborais ou de transferência, a independência, as políticas ou o desenvolvimento das equipas desse clube”. Apenas se proíbe a forma de detenção que permita ao investidor influenciar a tomada de decisão por parte do clube (v. Caso Tévez e Mascherano). Não Admissibilidade da renúncia a direitos fundamentais dependente de: 1. carácter individual da declaração, relativa a posições concretas disponíveis; 2. consentimento livre e esclarecido; 3. revogável a todo o tempo; 4. impossibilidade de violação da dignidade humana. Conclusão O atleta é um verdadeiro sujeito de direitos, cujo consentimento é exigido aquando de uma eventual transferência ou cedência. Não é, portanto, uma mercadoria, que possa ser transaccionada sem mais, como se de um mero objecto de direitos se tratasse (decisão histórica do Tribunal Arbitral do Desporto, de 30.01.2008, relativa ao caso Andrew Webster). Assim, o atleta tem mesmo o direito de “não se deixar vender”, não tendo o clube empregador qualquer tipo de direito de propriedade sobre ele, nem podendo recorrer a qualquer forma de coacção para o conseguir. Conclusão A TPO não constitui, em si mesma, um atentado aos direitos dos atletas, desde que seja bem regulada a titularidade de direitos patrimoniais resultantes da eventual transferência daqueles para outro clube, mediante um preço; A relação laboral desportiva é dominada pela mobilidade, sem esquecer a tutela de 3 tipos de interesses: do clube cedente, do clube cessionário e do próprio atleta cedido. Bibliografia ALEXANDRINO, José de Melo, “O Discurso dos Direitos”, Coimbra Editora, Coimbra, 2011 AMADO, João Leal, Andrew Webster: uma pessoa, não uma mercadoria, in “Desporto e Direito”, Revista Jurídica do Desporto, Ano V, Jan/Abril 2008, n.º 14 AMADO, João Leal; LORENZ, Daniel, Os chamados “direitos económicos”: o praticante desportivo feito mercadoria?, in “Desporto e Direito”, Revista Jurídica do Desporto, Ano X, Jan/Abril 2013, n.º 29 ANDRADE, Vieira de, Os Direitos Fundamentais e o Direito do Desporto, in “II Congresso de Direito do Desporto”, Almedina, Coimbra, 2007 BAPTISTA, Albino Mendes, “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006 PIRES, Luís, Direitos Económicos de um atleta detidos por terceiros – proibição ou regulação?, in “Desporto e Direito”, Revista Jurídica do Desporto, Ano X, Jan/Abril 2013, n.º 29