Disciplina : Saúde Mental
Aula 2
A Entrevista com o paciente:
A anamnese psicopatológica
Prof.: Daniel Bosi
A Avaliação do paciente
Avaliação psicopatológica
 Avaliação física
 Avaliação neurológica
 O psicodiagnóstico
 Exames complementares

Avaliação psicopatológica

Entrevista:
 A anamnese
-Histórico dos sinais e sintomas
-Antecedentes pessoais e familiares
O
exame do estado mental (EEM)
Avaliação física

Igual aos demais pacientes
 Morbidade
física mais freqüente
-Cuidados pessoais negligenciados (depressão, esquizofrenia)
-Exposição a riscos (depressão, transtorno bipolar)
 Doenças
físicas são “subdiagnosticadas”
-Clínico geral: “não é seu doente”
-Psiquiatra: “não é médico do corpo”, e sim “médico da alma, do psiquismo”
-Dificuldade em expressar queixas
-Estigma do paciente psiquiátrico
(*)Cuidados especiais: o paciente paranóide
Avaliação neurológica
Igual aos demais pacientes
 Podem não haver sinais localizatórios
 Sinais claramente patológicos:

-Sinal de Babinsky
-Assimetrias: força muscular

Reflexos neurológicos primitivos:
-Lesão cerebral difusa, encefalopatia ou lesões frontais
-Reflexo de preensão, reflexo de sucção
-Reflexo orbicular dos lábios, reflexo palmomentual
Exames complementares
Detecção de patologias neurológicas e
sistêmicas que produzem sinais e
sintomas psíquicos
 Exames laboratoriais: urina, sangue e
fezes
 Exames de diagnóstico neurológico:

-Punção liquórica (encefalites, meningites e doenças inflamatórias e
neoplasias)
-EEG: delirium, epilepsia e transtornos do sono (polissonografia)
-Neuroimagem estrutural e funcional: tomografia computadorizada,
ressonância magnética estrutural e funcional, PET e SPECT
A anamnese psicopatológica
Não sei, não sei. Não devia de estar relembrando isto, contando assim
o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora,
meu amigo, mas meu estranho. Mas, talvez por isso mesmo. Falar
com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é
um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo.
João Guimarães Rosa
(em Grande sertão: veredas, 1956)
-Domínio na técnica de realizar entrevistas: atributo fundamental e
insubstituível do profissional de saúde
-Parte intuitiva e parte aprendida
-Psiquiatra: “um perito no campo das relações interpessoais”
-Ser empático e ser objetivo
-Equilíbrio entre ouvir e falar, saber intervir na consulta
Anamnese psicopatológica

Equilíbrio entre ouvir e falar, intervir na
entrevista:
-Paciente: personalidade, estado emocional, capacidade cognitiva
-Ambiente: pronto-socorro, enfermaria, consultório
-Objetivos da entrevista: diagnóstico clínico, estabelecimento de
vínculo terapêutico, questões forenses
-Personalidade do entrevistador: introvertidos x extrovertidos
Anamnese psicopatológica

Situações a se evitar:
-Posturas rígidas e estereotipadas: repetir fórmulas, adaptar á
bagagem cultural do paciente (casos específicos)
-Atitude excessivamente neutra ou fria: sensação de distância e
desprezo, ser empático
-Reações exageradamente emotivas ou artificialmente calorosas: falsa
intimidade, atitude receptiva, mas discreta, respeito e consideração
pelo paciente
-Comentários valorativos ou emitir julgamentos: saber ouvir confissões
sem julgar
Anamnese psicopatológica

Situações a se evitar:
-Reações emocionais de pena ou de compaixão: não se desesperar junto
com o paciente
-Responder com hostilidade ou agressão: demonstrar serenidade e
firmeza ao paciente agressivo ou muito hostil, colocar limites (não aceitar
agressões físicas ou verbais), responder sempre em voz mais baixa
-Entrevistas excessivamente prolixas: paciente fala muito, mas é
superficial, habilidade de conduzir a entrevista (transtorno bipolar)
-Fazer anotações em excesso durante a entrevista
Anamnese psicopatológica

Equilíbrio entre falar e ouvir:
-Pacientes com pensamento organizado, inteligência normal, com bom nível de
escolaridade, ausência de estado psicótico: entrevista mais aberta
-Pacientes com pensamento desorganizado, baixo nível intelectual, em estado
psicótico, ou “travados por alto nível de ansiedade”: entrevista mais estruturada
-Nos primeiros contatos, principalmente com pacientes tímidos, ansiosos ou
paranóides: primeiro perguntas neutras
(*) administrar bem o tempo da entrevista: qualidade é mais importante do
que quantidade
Primeira entrevista
Transmitir sensação de confiança e
esperança no alívio dos sintomas
 Apresentação:

-Nome, profissão e especialização, e se necessário, garantir a
confidencialidade, e o sigilo médico (rompido apenas se houver planos auto ou
heterodestrutivos)
-Ressaltar necessidade de colaboração mútua
-Inicialmente colher os dados sociodemográficos e depois queixa básica
-Observar o conteúdo e o “estilo”: saber analisar com certo distanciamento
(observação participativa)
-Observar manobras e mecanismos defensivos: risos, silêncios, perguntas
inadequadas, comentários sobre o profissional
Transferência e contratransferência

Transferência:
-Atitudes e sentimentos cujas origens são inconscientes para o paciente
-Positivos (confiança, amor, carinho) e negativos (raiva, hostilidade,
inveja)
-Repetição inconsciente do passado: o profissional passa a ocupar o
lugar que o pai e a mãe ocupavam no passado

Contratransferência:
-A transferência que o profissional estabelece com seus pacientes
-Desperta no profissional diferentes sentimentos: raiva, medo, piedade,
carinho, repulsa
Sigmund Freud:
“Eles desenvolvem com seu médico relações emocionais, tanto de caráter
afetuoso quanto hostil, que não se baseiam na situação real, sendo antes
derivadas de suas relações com os pais (o complexo de Édipo). A
transferência é a prova de que os adultos não superam sua dependência
infantil”.
Paul Dewald:
A transferência é uma forma de deslocamento que dirige para um
objeto presente todos aqueles impulsos, defesas, atitudes, sentimentos
e respostas que experimentou e desenvolveu no relacionamento com
os primeiros objetos de sua vida.
Anamnese psicopatológica

Capacidade de formular uma queixa principal: insight ou
crítica de sua situação

Presença de um informante: “sua visão” do caso
- necessária: quadros demenciais, déficits cognitivos, estado psicótico grave ou
em mutismo

Veracidade dos dados: dissimulação e simulação
-dissimulação: esconder ou negar a presença de sinais e sintomas
-Simulação: “criar”, ou apresentar, como faria um ator, voluntariamente, um
sintoma, sinal ou vivência que de fato não tem (obter algum ganho)
Anamnese psicopatológica

Relato do caso por escrito:
-Deve contar as palavras usadas pelo próprio paciente ou
acompanhante
-Evitar excessos de termos técnicos
-Caligrafia legível, estilo claro
-Relato organizado e coerente
-Documento de valor legal
Anamnese psicopatológica

Identificação:
-Presença de acompanhante
-Profissão, vínculo empregatício
-Religião
-Situação financeira
-Residência (tipo, com quem mora)

História da moléstia atual (HMA)
- Sinais e sintomas da patologia atual
- Antecedentes psiquiátricos (tratamentos anteriores, uso de psicofármacos,
necessidade de internações psiquiátricas prévias, tentativas de suicídio)
Anamnese psicopatológica

Hábitos :
-Uso de álcool ou drogas ilícitas: investigar detalhes
-Tabagismo
-Uso inadequado de medicamentos: sem prescrição médica ou em abuso

Antecedentes pessoais (história de vida):
-Gestação e parto, desenvolvimento neuropsicomotor
-Comportamento durante a infância, relacionamentos, rendimento escolar
-Puberdade e adolescência: menarca, namoros, sexualidade, trabalho, relação com
os pais
-Adulto: casamento, filhos, responsabilidades, problemas legais
-Idosos: doenças, aceitação do envelhecimento
Anamnese psicopatológica

Antecedentes familiares:
-Relacionamento e dinâmica familiar
-Antecedentes patológicos em familiares consangüíneos e não-consangüíneos

Hipótese diagnóstica e planejamento
terapêutico:
-Diagnóstico psiquiátrico
-Medicamentos
-Psicoterapia
-Exames complementares
-Avaliação de outros profissionais
A consciência e suas alterações
Consciência: cum (com) + scio (conhecer)
 Língua portuguesa: 3 significados

1- Definição neuropsicológica: estado vigil, grau de clareza do sensório,
estado de estar desperto, acordado, lúcido, trata-se do nível de consciência.
“Depois do acidente, ele perdeu a consciência”.
2- Definição psicológica: é a dimensão subjetiva da atividade psíquica do
sujeito que se volta para realidade, capacidade do indivíduo entrar em contato
com a realidade, perceber e conhecer seus objetos. “O modo violento como
ele reagiu ao ser abordado, demonstra que ele não atuou com consciência”.
3- Definição ético-filosófica: capacidade de tomar ciência dos deveres éticos
e assumir responsabilidades, os direitos e deveres concernentes a essa ética,
é um atributo do homem desenvolvido e responsável, engajado na dinâmica
social de determinada cultura. “A consciência do homem deve evoluir muito,
antes que maiores danos sejam causados ao meio ambiente”.
Neuropsicologia da consciência

O sistema reticular ativador ascendente
(SRAA):
-dec. 40: capacidade de estar desperto e agir conscientemente, depende da
atividade do tronco cerebral e diencéfalo
-Origem no tronco cerebral  projeções talâmicas  influência no córtex,
ativando-o e mantendo o tônus necessário para seu funcionamento normal
-Recebem impulsos de vias ascendentes: intrínsecos (proprioceptivos, viscerais,
etc...) e extrínsecos (órgãos dos sentidos)
-Lesões no SRAA: alterações no nível da consciência e prejuízo a todas a funções
psíquicas
-Outras áreas importantes: áreas corticais visuais, lobo parietal direito
(reconhecimento do próprio corpo, dos objetos e do mundo), áreas pré-frontais
(organização da atividade mental) e interações tálamos-corticais
Alterações normais da consciência

O sono normal:
-Estado especial da consciência, que ocorre de forma recorrente e cíclica nos
organismos superiores
-Dividido em 2 fases: não REM (rapid eye moviment) e REM
-Sono não REM: atividade elétrica cerebral síncrona, elementos
eletroencefalográficos próprios, diminuição da atividade do sistema nervoso
autônomo simpático e aumento do tônus parassimpático, estabilidade de
parâmetros fisiológicos (FC, FR, PA, débito cardíaco e movimentos intestinais). É
divido em 4 fases, e fases 3 e 4 são de sono profundo (confusão ao despertar)
-Sono REM: 20 a 25% do tempo total de sono, qualidade diferente, instabilidade do
sistema nervoso autonômico (variações na PA, FR, FC e débito cardíaco),
presença de padrão de movimentos oculares rápidos e conjugados, com
relaxamento muscular profundo e generalizado. Presença de sonhos (relato de
estar sonhando ao despertar)
Arquitetura do sono




Fases REM e não REM se repetem de forma cíclica a
cada 70 a 110min (4 a 6 ciclos por noite
Início com fase não REM, estágios de 1 a 4, e depois
sono REM
Fase REM no início da noite é curta e vai aumentando
> quantidade de sono REM no último terço da noite (↑
sonhos)
- Depressão e narcolepsia: ↓ latência do sono REM
-estruturas: núcleo supraquiasmático, glândula pineal (secreta melatonina),
SRAA no mesencéfalo, bulbo e ponte (geradores do sono REM)
Alterações patológicas da
consciência

Alterações quantitativas (rebaixamento):
1- Obnubilação da consciência
2- Sopor
3- Coma
Alterações quantitativas da
consciência

Obnubilação da consciência:
-Grau leve a moderado
-Claramente sonolento ou parecer desperto
-Diminuição do grau de clareza do sensório
- Lentidão compreensão e dificuldade de concentração
-Perplexo, pensamento confuso
Alterações quantitativas da
consciência

Sopor:
-Marcante turvação da consciência
-Despertar apenas com estímulo enérgico, sobretudo doloroso
-Claramente sonolento
-Pode apresentar reações de defesa, incapaz de ação espontânea
-Psicomotricidade inibida
-EEG: globalmente lentificado (pode haver ondas delta e teta)
Alterações quantitativas da
consciência

Coma:
-Grau mais profundo de rebaixamento da consciência
-Não é possível atividade voluntária consciente
-Movimentos oculares errantes com desvios lentos e aleatórios
-Nistagmo, anormalidades dos reflexos oculocefálicos (cabeça de boneca)
-Rigidez de descorticação e de descerebração
-Anormalidades no EEG: lentificações importantes e ondas patológicas
Síndromes psicopatológicas associadas ao
rebaixamento do nível de consciência

Delirium (≠ delírio):
-Síndromes confusionais agudas
-Rebaixamento leve a moderado da consciência
-Desorientação no tempo e espaço, dificuldade de concentração,
perplexidade
-Ansiedade, agitação ou lentificação psicomotora
-Ilusões e/ou alucinações (visuais)
-Flutuação do quadro ao longo do dia, piora ao entardecer
Síndromes psicopatológicas associadas ao
rebaixamento do nível de consciência

Estado onírico:
-Turvação da consciência e confusão mental associado à estado semelhante a um
sonho muito vívido
-Atividade alucinatório visual de caráter cênica
-Paciente vê cenas complexas, ricas em detalhes, às vezes aterradores (lutas,
fogo, assaltos, sangue, etc...)
-Carga emocional marcante: angústia, terror, pavor
-Manifestações: gritos, movimentos, debate-se, sudorese
-Amnésia após o evento
-Psicoses tóxicas, sindrome de abstinência a drogas e quadros febris tóxicoinfecciosos
Alterações qualitativas da
consciência

Estados alterados da consciência

Alteração parcial ou focal do campo da
consciência

Parte do campo da consciência está preservada
e outra parte está alterada

Quase sempre há algum grau de rebaixamento
(mínimo)
Alterações qualitativas da
consciência

Estados crepusculares:
-Estreitamento (afunilamento) transitório do campo de consciência
-Atividade motora global mais ou menos coordenada (atos automáticos)
-Surgir e desaparecer de forma abrupta
-Duração variável (horas a semanas)
-Atos explosivos, violentos, descontrole emocional
-Quadros histéricos agudos, epilepsia (confusão pós-ictal), e intoxicações
Alterações qualitativas da
consciência

Dissociação da consciência:
-Fragmentação ou divisão do campo da consciência (perda da unidade psíquica)
-Estado semelhante ao sonho
-Desencadeado por eventos psicologicamente significativos
-Minutos a horas, raramente dias
-Ansiedade: estratégia defensiva para lidar com ansiedade intensa (“desliga da
realidade para parar de sofrer”)
-Crises histéricas do tipo dissociativo
Alterações qualitativas da
consciência

Transe:
-Estado de dissociação da consciência semelhante ao sonho acordado
-Atividade motora automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial
dos movimentos voluntários
-Ocorre em contexto religioso-culturais (espiritismo, religiões afro-brasileiras)
-Transe extático: treinamento místico-religioso (sensação de fusão de eu com
universo)
-Transe religioso x transe histérico
-Transe histérico: relacionado a conflitos interpessoais e transtornos
psicopatológicos
Alterações qualitativas da
consciência

Estado hipnótico:
- Estado de consciência reduzido e estreitado e de atenção concentrada
-Pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador)
-Semelhante ao transe
-Sugestionabilidade aumentada, atenção centrada no hipnotizador
-Lembranças de cenas e fatos esquecidos
-Indução de anestesia, paralisias, rigidez muscular, alterações vasomotoras
-Técnica refinada de concentração da atenção e alteração induzida do estado de
consciência (≠ místico ou paranormal)
-Técnica utilizada por Freud no início de seus trabalhos
Semiotécnica da consciência

Escala de coma de Glasgow:
1- melhor resposta na abertura dos olhos (1 a 4)
2- melhor resposta verbal (1 a 5)
3- Melhor resposta motora (1 a 6)
Escores de gravidade do coma:
3 e 4: muito grave
5 a 8: grave
9-12: moderado
13 a 15: leve
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