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Em defesa dos direitos coletivos dos povos indígenas e das populações
tradicionais da Amazônia
Honrando uma tradição de mais de cem anos de atividades
antropológicas e linguísticas no Museu Nacional/UFRJ e Museu Paraense
Emílio Goeldi/MCTI junto a diversos povos indígenas e populações
tradicionais da Amazônia, nós, profissionais das áreas de Antropologia e
Linguística de ambas as instituições, manifestamos: Nosso repúdio ao
Projeto de Lei Complementar Nº 227 de 2012, da Câmara dos
Deputados, que pretende estabelecer modificações no art. 231 da
Constituição Federal de 1988, definindo os bens de relevante interesse
público da União para fins de demarcação de Terras Indígenas, o que
coloca em risco o direito dos povos indígenas de usarem seus territórios
de maneira exclusiva, permitindo assim a legalização de latifúndios, a
construção de hidrelétricas, estradas e exploração de minérios e demais
recursos naturais nas terras indígenas;
Nosso repúdio aos assassinatos de indígenas das etnias Terena e
Guarani, fatos associados à defesa dos territórios indígenas que vem
sofrendo invasões por parte de pecuaristas no Estado de Mato Grosso.
Mesmo sem divulgação na mídia, outros muitos assassinatos de
indígenas tem acontecido nos últimos anos na Amazônia, ocasionados
por conflitos de terra e acesso a recursos naturais, sem o devido
esclarecimento dos fatos por parte das autoridades competentes;
Expressamos nosso apoio às lutas dos povos indígenas e populações
tradicionais pela defesa dos seus territórios ancestrais, e nossa
solidariedade com os povos indígenas do Pará, entre eles os Munduruku,
Arara, Xipaia-Curuaia e Mebêngôkre, que tem propagado, por meio do
direito de protesto, o seu inconformismo com as políticas do governo
que atentam contra seus direitos coletivos, e tem se posicionado contra
a construção da hidrelétrica de Belo Monte, inclusive buscando o
diálogo com as autoridades em Brasília.
Baseados no reconhecimento dos direitos indígenas expressos na
Constituição de 1988 e na Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil,
nos pronunciamos contra as políticas governamentais que pretendem
restringir
os
processos
de
demarcação
de
terras
indígenas
e
quilombolas. Nesse sentido, nos juntamos aos movimentos populares
que protestam contra o esvaziamento das políticas de reforma agrária
e contra a morosidade nos processos de identificação e demarcação
de
terras
indígenas
e
quilombolas.
É
o
enfrentamento
das
desigualdades socioeconômicas, das injustiças socioambientais, da
grilagem de terras e da impunidade que caracterizam o Brasil que
contribuirá para a diminuição da violência no campo.
Finalmente, com base nos pressupostos de uma Ciência socialmente
engajada, consideramos a diversidade étnica e cultural do Brasil e da
América Latina como uma das suas maiores riquezas. Essa diversidade
de modos de vida e conhecimentos é um patrimônio da nação
brasileira e da América Latina.
Reconhecemos os povos nativos e demais populações tradicionais da
Amazônia, inclusive os que atualmente emergem na história como
sujeitos coletivos de direitos, como parte constitutiva desse continente.
Nosso papel como cientista é também de lutar com eles pela defesa de
territórios
e
conhecimentos
outros
direitos
indígenas
e
coletivos,
das
pela
populações
preservação
dos
tradicionais,
seu
reconhecimento pleno em sistemas educativos e sua interação com
outros tipos de saberes.
Agosto de 2013.
In defense of the rights of indigenous peoples and traditional populations
in Amazonia
We, as researchers, professors and technicians in Anthropology and
Linguistics at the National Museum/Federal University of Rio de Janeiro
and the Goeldi Museum/Brazilian Ministry of Science and Technology,
honoring a tradition of more than a century working with diverse
indigenous peoples and traditional populations, hereby declare:
Our repudiation of proposed Complementary Law No. 227 of 2012 in the
Brazilian House of Representatives, which aims to make changes to
Article 231 of the Brazilian Federal Constitution of 1988 defining the public
interest in demarcating Indigenous Lands. These changes threaten the
rights of indigenous peoples to the exclusive use of their territories, thus
allowing the legalization of large private landholdings, hydroelectric
dams, highways, and mining and other resource extraction projects on
Indigenous Lands;
Our repudiation of the murders of indigenous Terena and Guarani
people, killed in the context of defending their territories from invasion by
ranchers in the state of Mato Grosso. Elsewhere in Amazonia, many other
indigenous people have been murdered over conflicts involving land
and access to natural resources, though the press does not always cover
these stories nor do the authorities adequately investigate these crimes;
We express our support for the struggles of indigenous peoples and
traditional populations in defense of their ancestral territories, and our
solidarity with indigenous groups of Pará such as the Munduruku, Arara,
Xipaia- Curuaia and Mebêngôkre-Kayapó, who have resorted to lawful
protest to publicly express their resistance to government policies that
infringe on their Constitutionally guaranteed rights. They oppose the
construction of the Belo Monte hydroelectric dam but they have sought
peaceful dialog with the Brazilian authorities;
Based on the recognition of indigenous rights expressed in the Brazilian
Constitution of 1988 and Convention 169 of the International Labor
Organization as ratified by the Brazilian Congress, we pronounce
ourselves against
government policies that
seek
to restrict the
demarcation of indigenous and quilombo (traditional Afro-Amazonian
community) lands. In this respect we join our voices with popular
movements that protest against the hollowing out of agrarian reform
and the delays in identifying and demarcating indigenous lands and
quilombos. The only solution to the current wave of violence in rural
Amazonia
is
to
address
the
socioeconomic
inequalities,
socioenvironmental injustices, illegal land seizures and political and
criminal impunity that reign today in Brazil.
Finally, based on the principles of socially engaged science, we consider
the ethnic and cultural diversity of Brazil and Latin America do be one of
its greatest riches. This diversity of life ways and knowledge systems is a
collective heritage of the Brazilian nation and the Latin American
continent.
We
recognize
native
peoples
and
other
traditional
populations in Amazonia, including those currently emerging to demand
their collective rights, as a fundamental element of this continent. Our
ethical role as scientists is also to fight together with them in defense of
their territories and other rights, for the preservation of indigenous and
traditional peoples’ knowledge, including their full recognition in the
educational system and interaction with other knowledge systems.
August 8, 2013
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Carta Em Defesa - Museu Paraense Emílio Goeldi