ISSN 0482-5004
Impact Factor 2012: 0.864
© Thomson Reuters Journal Citation Reports,
Science Edition (2012)
REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA
BRAZILIAN JOURNAL OF RHEUMATOLOGY
SEPTEMBER/OCTOBERt7PMVNFt/VNCFS
4&5&.#300656#30t7PMVNFt/ÞNFSP
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REUMATOLOGIA
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Volume 53. Number 5. September/October 2013
Volume 53. Número 5. Setembro/Outubro 2013
CONTENTS | SUMÁRIO
Editorial | Editorial
Group for Research and Assesment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis-GRAPPA (2003-2013)
Grupo para Pesquisa e Avaliação da Psoríase e da Artrite Psoriásica – GRAPPA (2003-2013)
Morton Scheinberg .....................................................................................................................................
375
Original Articles | Artigos Originais
Subclinical atherosclerosis in ankylosing spondylitis: is there a role for inflammation?
Aterosclerose subclínica em pacientes com espondilite anquilosante: há um papel para a inflamação?
Renato Leandro Mattar Valente, Jamil Mattar Valente, Gláucio Ricardo Werner de Castro,
Adriana Fontes Zimmermann, Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho, Ivânio Alves Pereira ................
377
EpiFibro – a nationwide databank for fibromyalgia syndrome – the initial analysis of
500 women
EpiFibro – um banco de dados nacional sobre a síndrome da fibromialgia – análise inicial de 500 mulheres
Marcelo C. Rezende, Eduardo S. Paiva, Milton Helfenstein Jr., Aline Ranzolin, José Eduardo Martinez,
Jose Roberto Provenza, Carlos Eugênio Ribeiro Parolini, Luiz Severiano Ribeiro, Eduardo J. R. Souza,
Daniel P. Feldman, Marcos Renato de Assis, Roberto E. Heymann...............................................................
382
Radiographic changes of the cervical spine in rheumatoid arthritis
Alterações radiográficas da coluna cervical em artrite reumatoide
Juan Marcelo Fernandez Alcala, Diogo Douat, Diogo Lago Pinheiro, Douglas Jun Kamei,
Fábio Raimundo M dos Santos, Marilia B Silva, Thelma L. Skare ................................................................
388
Physical activity among patients from the Brasilia cohort of early rheumatoid arthritis
Prática de atividade física entre pacientes da Coorte Brasília de artrite reumatoide inicial
Carolina Rocha Silva, Thaís Ferreira Costa, Tatiane Teixeira Vaz de Oliveira, Luciana Feitosa Muniz,
Licia Maria Henrique da Mota ...................................................................................................................
394
Evaluation of platelet aggregation in the presence of antiphospholipid antibodies:
anti-β2GP1 and anticardiolip
Avaliação da agregação plaquetária em presença de anticorpos antifosfolípides: anti-β2GP1 e anticardiolipina
Harleson Lopes de Mesquita, Giuliano Reder de Carvalho, Fernando Monteiro Aarestrup,
José Otávio do Amaral Corrêa, Maria Regina Andrade Azevedo ...............................................................
400
Symptoms of disease and psychological adaptation in Brazilian scleroderma patients
Sintomas de doença e adaptação psicológica em pacientes brasileiros com esclerodermia
Catarina Correia Leite, Ângela Costa Maia ...............................................................................................
405
Usefulness of anti-dsDNA antibody screening with chemiluminescence followed by
confirmation by indirect immunofluorescence
Utilidade da triagem dos anticorpos anti-dsDNA por quimioluminescência, seguida de confirmação por
imunofluorescência indireta
Maria Roseli Monteiro Callado, José Rubens Costa Lima, Maria Nancy de Alencar Barroso,
Antonio Tiago Mota Pinheiro, Moisés Francisco da Cruz Neto, Maria Arenilda de Lima Abreu,
Walber Pinto Vieira ....................................................................................................................................
412
Adalimumab in rheumatoid arthritis treatment: a systematic review and meta-analysis of
randomized clinical trials
Adalimumabe no tratamento da artrite reumatoide: uma revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos
randomizados
Marina Amaral de Ávila Machado, Alessandra Almeida Maciel, Lívia Lovato Pires de Lemos,
Juliana Oliveira Costa, Adriana Maria Kakehasi, Eli Iola Gurgel Andrade , Mariangela Leal Cherchiglia,
Francisco de Assis Acurcio .........................................................................................................................
419
Psychiatric comorbidities in patients with systemic lupus erythematosus: a systematic review
of the last 10 years
Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos
últimos 10 anos
Nadja Maria Jorge Asano, Maria das Graças Wanderley de Sales Coriolano, Breno Jorge Asano,
Otávio Gomes Lins .....................................................................................................................................
431
Case Reports | Relatos de Caso
Bullous systemic lupus erythematosus in a pregnant woman: a case report
Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso em gestante: relato de caso
Cristiane Engel dos Santos, Pedro Henrique Isaacsson Velho, Fabrício Machado Marques, Betina Werner,
Salun Coelho Aragão, Acir Rachid Filho...........................................................................................................
438
c-ANCA-associated vasculitis in patients with ulcerative colitis: a case report
Vasculite c-ANCA-relacionada em paciente com retocolite ulcerativa: relato de caso
Cristiane Engel dos Santos, Vanessa Irusta Dal Pizzol, Salun Coelho Aragão, Acir Rachid Filho,
Fabrício Machado Marques .......................................................................................................................
441
Brief communication | Comunicação breve
Lipid profile and anti-TNF-α use
Perfil lipídico e uso de anti-TNF-α
Antonio Carlos Ferraz Filho, Luize Pereira dos Santos, Marilia B. Silva, Thelma L. Skare..............................
444
Letter to the editors | Carta aos editores
The use of ustekinumab in refractory treatment of psoriatic arthritis
Uso de ustequinumabe no tratamento refratário da artrite psoriásica
Karen Vega-Villanueva, Nathaly Cortez-Bazán, Angela Alvarado-Molina.....................................................
448
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Editorial
Grupo para Pesquisa e Avaliação da Psoríase e da
Artrite Psoriásica – GRAPPA (2003-2013)
O conceito comum de reumatologistas e dermatologistas
para lidar com a avaliação combinada de pacientes com psoríase (Ps) e artrite psoriásica (APs) levou à fundação do Grupo
para Pesquisa e Avaliação da Psoríase e da Artrite Psoriásica
(GRAPPA), atualmente em seu 10º aniversário. Esse editorial
se debruça sobre os últimos 10 anos, até o ultimo encontro
ocorrido em Toronto, julho último.
Uma história de sucesso
A associação de Ps com manifestações articulares, de modo
parecido com o que também se sabe sobre doença intestinal
inflamatória e uveíte, já é conhecida há muito tempo, embora o mecanismo subjacente a essas observações clínicas
fossem e ainda são apenas parcialmente compreendidos. Foi
apenas em 1973 que John Moll e Verna Wright tentaram estabelecer as bases que identificariam em um paciente com
Ps a ocorrência também de APs (tabela 1).1
Utilizando esses critérios diagnósticos, Moll e Wright descreveram cinco subgrupos de APs: interfalângica distal (IFD),
oligoartrite assimétrica, poliartrite, espondilite e artrite mutilante.
Nos anos 1990, várias outras classificações foram propostas por diferentes autores, tendo sido revisadas por Gladman e Espinoza.2 Na última década, um grupo internacional montou o que é atualmente conhecido como os critérios
para Classificação da Artrite Psoriática (CASPAT). Os critérios
diagnósticos originais de Moll e Wright estão atualmente
sendo substituídos pelos critérios CASPAR.3 O CASPAR leva
em conta a presença de manifestações articulares, presença
de doença cutânea ou história familiar, alterações ungueais
típicas, presença de inchaço do dedo e osso juxta-articular
em formação. Foi demonstrado que CASPAR tem sensibilidade de 98,7% e especificidade de 91,4%.
O GRAPPA é uma organização educacional e científica
sem fins lucrativos, que visa facilitar o compartilhamento
de informações relacionadas a Ps e APs. O GRAPPA teve seu
início há 10 anos; o primeiro encontro ocorreu na cidade de
Nova York (fig. 1). Seus objetivos são: 1) Promover o desenvolvimento de registros colaborativos nacionais e internacionais de pacientes com APs e Ps, para padronizar os dados
obtidos e aprender mais acerca da história natural da doença, além de seus fundamentos genéticos; 2) Trabalhar intimamente com os representantes das instituições de serviços
para pacientes, com o intuito de promover educação pública
e maior conscientização sobre AP e PsO; 3) Trabalhar intimamente com representantes das empresas biofarmacêuti-
Tabela 1 – Critérios de Moll e Wright para identificação
da artrite psoriásica.
Artrite inflamatória (artrite periférica e/ou sacoiliíte e espondilite)
Presença de psoríase
Ausência habitual de testes sorológicos para fator reumatoide
Fig 1 – Primeiro encontro do GRAPPA, Nova York, 2003. Da
esquerda para a direita: Mease, Zimmerman, Gladman;
terceira fileira, Khan, Helliwell, Nash, Ritchlin, Landwee,
Espinoza, Smolen, Fitzgerald, Braun, Kalden, Antoni e van
der Bosch, Kavanaugh.
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cas, com o objetivo de promover e realizar pesquisas sobre
terapias efetivas para APs e Ps; 4) Trabalhar intimamente
com representantes das agências reguladoras para que sejam estabelecidas orientações apropriadas para a aprovação,
pelas agências, de novas terapias; 5) Trabalhar com outros
organismos profissionais, por exemplo, American College of
Rheumatology, American Academy of Dermatology e OMERACT, com o propósito de promover a divulgação de pesquisas
sobre APs e Ps dentro do contexto dessas disciplinas; e 6)
Desenvolver orientações terapêuticas para agências governamentais e de outra natureza.
Alguns documentos importantes, atualmente considerados
como publicações de referência, foram produzidos durante os
primeiros cinco anos; tais publicações estão listadas na tabela 2.
O Brasil tem sido um participante ativo na missão do
GRAPPA na América Latina, já tendo ocorrido encontros
nacionais por todo o país e também na América Latina.
Atualmente, vários reumatologistas e dermatologistas brasileiros estão trabalhando em conjunto para o benefício
dos pacientes portadores das duas doenças. O primeiro encontro foi realizado em Porto Alegre (RS, Brasil) juntamente
com o Congresso Brasileiro; o Segundo encontro foi realizado em Fortaleza (CE, Brasil) em 2012; e o terceiro ocorrerá em Salvador (BA, Brasil), no Segundo semestre desse
ano.4 Em julho passado, juntamente com o 35º aniversário
de criação da Psoriatic Arthritis Clinic na Universidade de
Toronto, o GRAPPA estava comemorando seu 10º aniversário, desde sua concepção em Nova York. Os reumatologistas
Claudia Schainberg, Roberto Ranza, Sueli Carneiro, Penelope Pelarminos, Rachel Gryzpan e eu comparecemos ao
evento (fig. 2).
Até agora, o Brasil tem 29 membros filiados ao GRAPPA;
15 deles são reumatologistas. Nos próximos anos, novos
projetos estarão sendo planejados com participação de
reumatologistas brasileiros. Os projetos estão listados a
seguir.
• Novos projetos estão sendo desenvolvidos para refinamento e validação de medidas de desfecho para artrite em
pacientes com APs
• Desenvolvimento de instrumentos para avaliação da QdV,
função e participação
• Padronização e avaliações histological e imunoistoquímica em APs e Ps
• Critérios atualizados para classificação de AP (CASPAR)
• Imagens em AP.
Morton Scheinberg
Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
Hospital Abreu Sodré (AACD), São Paulo, SP, Brasil
E-mail: [email protected] (M. Scheinberg)
Tabela 2 – Suplemento da ARD - APs e Ps: revisão do
estado da arte e avanços nas pesquisas.
ARD Treatment Recommendations for Psoriatic Arthritis, 2008
GRAPPA Newsletter, Primavera de 2012
JRheum Supplement - 2007 Updates; Screening & Assessment
Tools, Quality etc
JRheum Supplement - 2008 Annual Meeting Imaging; Comp
Measures; Biomarkers
JRheum Supplement - 2009 Annual Meeting of GRAPPA,
Estocolomo, Suécia
JRheum Supplement - 2010 Annual Meeting of GRAPPA, Miami
Beach, FL
JRheum Supplement - Systematic Review of Treatments for PsA
Patient Global Assessment in PsA: A Multicenter GRAPPA and
OMERACT Study
Fig 2 – Décimo encontro do GRAPPA, Toronto, 2013. Da
esquerda para a direita: Luis Espinoza, Claudia Schainberg,
John Moll e Morton Scheinberg.
REFERÊNCIAS
1. Moll JM, Wright V. Psoriatic Arthritis Seminars in Arthritis
and Rheumatism. 1973,3:55-78.
2. Gladman DD, Espinoza LR. International symposium on
psoriatic arthritis. J Rheumatol. 1992;19(2):290-1.
3. Taylor W, Gladman D, Helliwell P, Marchesoni A, Mease P,
Mielants H; CASPAR Study Group. Classification criteria for
psoriatic arthritis: development of new criteria from a large
international study. CASPAR Study Group Arthritis Rheum.
2006;54(8):2665-73.
4. Goldenstein-Schainberg C, Ranza R, Bonfiglioli R, Carneiro
S, Azevedo VF, Goldenberg J, et al. The presence of the
Brazilian rheumatology in the GRAPPA. Rev Bras Reumatol.
2011;51(5):533-4
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Artigo original
Aterosclerose subclínica em pacientes com espondilite
anquilosante: há um papel para a inflamação?
Renato Leandro Mattar Valente a, Jamil Mattar Valente b, Gláucio Ricardo Werner de Castro c,
Adriana Fontes Zimmermann c, Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho c,*,
Ivânio Alves Pereira c
a
Divisão de Medicina Interna, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Divisão de Cardiologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
c
Divisão de Reumatologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Objetivos: Avaliar a prevalência de aterosclerose subclínica em pacientes com espondilite
1 de setembro de 2012
anquilosante (EA) em comparação com controles com fatores de risco cardiovasculares
13 de dezembro de 2012
similares.
Métodos: Foram recrutados 42 pacientes consecutivos com EA e 42 controles equiparados
Palavras-chave:
para idade (43,3 ± 11,7 vs. 43,7 ± 11,3, P = 0,89), gênero, tabagismo, diabetes mellitus e hi-
Espondilite anquilosante
pertensão arterial. Qualquer participante seria excluído se estivesse presente uma história
Aterosclerose subclínica
pessoal de doença cardiovascular (CV). Foi preenchido um questionário registrando dados
Risco cardiovascular
demográficos e histórias médica e de medicação. Foram determinados: pressão arterial,
circunferência abdominal, altura e peso. O perfil lipídico foi determinado em uma amostra
de sangue com 12 horas em jejum. Foi realizada uma análise ultrassonográfica da artéria
carótida comum por um observador desconhecedor da pesquisa. Foi medida a distância
entre a interface lúmen-íntima e a borda de ataque da interface média-adventícia (EIM) e
os participantes também foram avaliados para presença de placas.
Resultados: A análise comparativa dos fatores de risco demográficos e cardiovasculares entre pacientes com EA e controles não revelou diferenças estatisticamente significativas.
Também não foram observadas diferenças significativas entre grupos para TC, HDL-C, T-C/
HDL-C, LDL-C, triglicerídeos ou frequência de dislipidemia. As medidas de EIM não foram
diferentes em EA e controles (0,62 ± 0,09 vs. 0,61 ± 0,09, P = 0,39) e nem as frequências de
placas (19% vs. 17%, P = 0,78).
Conclusões: A aterosclerose subclínica avaliada por meio de imagens ultrassonográficas da
carótida não foi mais prevalente no grupo EA, em comparação com os controles com riscos
cardiovasculares similares. Nossas observações podem implicar que os fatores de risco CV
podem ter mais influência no sistema CV versus a própria EA. Esses achados devem ser
confirmados em uma população maior, por meio de um estudo prospectivo.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (S.C.M.S. Fialho).
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Subclinical atherosclerosis in ankylosing spondylitis: is there a role for
inflammation?
abstract
Keywords:
Objectives: To evaluate the prevalence of subclinical atherosclerosis in patients with anky-
Ankylosing spondylitis
losing spondylitis (AS) in comparison to controls with similar cardiovascular risk factors.
Subclinical atherosclerosis
Methods: Forty-two consecutive patients with AS and 42 controls matched for age (43.3 ±
Cardiovascular risk
11.7 vs. 43.7 ± 11.3, P = 0.89), gender, smoking, diabetes mellitus and arterial hypertension
were enrolled. Participants were excluded if a personal cardiovascular disease (CV) history
was present. A questionnaire recording demographic data, medical and medication history
was fulfilled. Blood pressure, abdominal circumference, height and weight were measured.
Lipid profile was determined in a 12-hour fastened blood sample. Ultrasound analysis of
the common carotid artery was performed by one blind observer. The distance between the
lumen-intima interface and the leading edge of the media-adventitia interface (IMT) was
measured and participants were also evaluated for the presence of plaques.
Results: The comparative analysis of demographic and cardiovascular risk factors between
AS patients and controls did not reveal statistically significant differences. Also, no significant differences between groups were observed for TC, HDL-C, T-C/HDL-C, LDL-C, triglycerides, or dyslipidemia frequency. IMT measures were not different in AS and controls (0.62 ±
0.09 vs. 0.61 ± 0.09, P = 0.39) as well as plaques frequencies (19% vs. 17%, P = 0.78).
Conclusions: Subclinical atherosclerosis assessed through carotid ultrasound imaging was
not more prevalent in the AS group when compared to controls with similar cardiovascular
risks. Our observations may imply that CV risk factors may have more influence on the CV
system than AS itself. These findings should be confirmed in a larger population with a
prospective study design.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
Espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática inflamatória crônica. Suas manifestações musculoesqueléticas
envolvem tanto inflamação como lesão estrutural. As manifestações extra-articulares características são aortite, defeitos
da condução cardíaca, fibrose pulmonar e doença intestinal
inflamatória, indicando que EA é doença sistêmica.
EA é principalmente conhecida por causar uma vida inteira de dor, comprometimento das funções físicas, incapacitação para o trabalho e diminuição da qualidade de vida, e
não pelo próprio encurtamento da vida. No entanto, pacientes com EA também padecem de mortalidade prematura.1 Os
percentuais padronizados de mortalidade (PPMs) associados
a casos de EA são aproximadamente 50% mais altos do que na
população geral.2,3 Os quatro estudos de não incepção publicados até agora citaram PPMs de 1,33,4,5 1,56 e 1,8.7
Em grande parte, a maior mortalidade pode ser atribuída a
doenças cardiovasculares (CV).3 Um estudo recentemente publicado com base em grande população demonstrou mais cardiopatia isquêmica (índice de prevalência 1,2), vasculopatia
periférica (índice 1,6), aterosclerose (índice 1,5), insuficiência
cardíaca congestiva (1,8) e mais fatores de risco cardiovasculares (índices de prevalência entre 1,3 e 1,7) em pacientes com
EA versus controles saudáveis.8
Não está claro se o maior risco cardiovascular em pacientes com EA pode ser exclusivamente explicado por fatores de
risco cardiovasculares tradicionais. Com efeito, vêm crescendo as evidências de que o processo inflamatório subjacente
em problemas inflamatórios crônicos lembra os processos
inflamatórios crônicos que contribuem para vários estágios
da aterotrombose, desde a formação inicial do ateroma até
a instabilidade da placa e a formação de trombo.9 Contudo,
não sabemos se pacientes com EA sem fatores de risco para
doença CV demonstram sinais precoces de lesão nas grandes
artérias, em comparação com controles; e, se for o caso, quais
são os determinantes de tais anormalidades dos grandes vasos. Esse conhecimento pode se revelar útil para o desenvolvimento da estratificação do risco, estratégias de intervenção
e para melhor compreensão da doença.
Pode-se lançar mão da ultrassonografia de alta resolução
para medir a espessura da íntima-média (EIM) e também a
elasticidade vascular da artéria carótida. Aumento da EIM da
carótida reflete lesão aterosclerótica e prognostica a ocorrência de doença CV (clinicamente evidente) na população geral.10,11 Portanto, esse estudo foi planejado para determinar se
sinais de aterosclerose subclínica são mais evidentes em uma
amostra de pacientes com EA, em comparação com controles
sem a doença, mas com riscos cardiovasculares similares. Foram publicados outros estudos avaliando EIM em pacientes
com EA e em controles, mas os resultados foram contraditórios12-18 e serão discutidos mais adiante.
Métodos
População em estudo: quarenta e dois pacientes consecutivos
com EA, que compareceram à clínica ambulatorial do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina,
Brasil. Todos os pacientes preencheram os critérios diagnós-
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ticos de Nova Iorque (modificados) para EA.19 Funcionaram
como controles 42 voluntários (da equipe do hospital, ou pacientes que compareceram à Clínica Geral para funcionários
da Universidade) equiparados para idade, gênero, tabagismo
(fumantes, ou que fumaram nos últimos cinco anos), diabetes
mellitus e hipertensão arterial sistêmica. Todos os participantes deram consentimento informado e as comissões de ética
institucional do Hospital Universitário aprovaram o protocolo
do estudo.
Excluímos qualquer paciente ou controle se houvesse histórico pessoal de doença CV (infarto do miocárdio, angioplastia coronariana transluminal percutânea, cirurgia para cardiopatia isquêmica, derrame, ataque isquêmico temporário,
endarterectomia da carótida, cirurgia reconstrutiva de artéria
periférica, ou amputação de membro).
Os pacientes e controles foram examinados por um médico pesquisador. Foi preenchido um questionário que registrou
dados demográficos e a história médica e de medicações. Foram determinados pressão arterial, circunferência abdominal,
altura e peso. Calculamos o índice de massa corporal, como
a relação entre peso e altura ao quadrado. Consideramos o
paciente/controle como diabético se referisse uso de medicação hipoglicêmica ou em presença de pelo menos dois testes
glicêmicos acima dos 126 mg/dL. Consideramos o paciente/
controle como hipertenso se referisse uso de medicamentos
anti-hipertensivos ou se tivesse pressão sistólica > 140 mmHg
ou pressão diastólica > 90 mmHg medida em duas ocasiões
diferentes. Consideramos o paciente/controle como dislipidêmico se referisse uso de medicamentos hipolipemiantes ou
se apresentasse pelo menos uma das opções a seguir: LDL-C
(lipoproteína de baixa densidade) > 130 mg/dL; triglicerídeos >
150 mg/dL; HDL-C (lipoproteína de alta densidade) < 40 mg/dL.
Foram determinadas as variáveis laboratoriais em uma
amostra de sangue (jejum de 12 horas): CT (colesterol total),
HDL-C, LDL-C, triglicerídeos (todos analisados por técnicas
enzimáticas); proteína C reativa (PCR, por método nefelométrico), e velocidade de sedimentação eritrocitária (VHS, pelo
método de Westergreen).
As determinações arteriais foram realizadas em um ambiente quieto depois de 15 minutos de repouso e com os participantes na posição supina. A análise ultrassonográfica da
artéria carótida comum (bilateral) foi realizada por um cardiologista desconhecedor das características clínicas ou laboratoriais dos participantes. As mensurações foram realizadas
utilizando um ultrassom de alta resolução em modo B ATL
HDI 3000 (Phillips Bothel, WA, EUA) com uma sonda linear de
5-12 MHz. A distância entre a interface lúmen-íntima e a borda de ataque da interface média-adventícia da parede distante corresponde à EIM. Depois da localização da artéria carótida comum, foram realizadas medidas da secção transversal
num ponto 10 mm proximal ao bulbo carotídeo. Durante a
mensuração, foram excluídos locais com placa aterosclerótica
mural. Foram feitas três medidas em cada lado. Foi calculada
a média para cada lado (direito ou esquerdo) e, finalmente, foi
obtida a média dos dois lados (média). Definimos placa como
um espessamento focal da parede vascular de 50% em relação aos segmentos adjacentes, com protrusão voltada para o
lúmen, ou EIM > 1,5mm.
A distribuição de cada variável contínua foi gráfica e estatisticamente examinada para normalidade. Os dados nu-
méricos estão sumariados como média ± desvio-padrão (DP).
Variáveis sem distribuição normal foram comparadas com a
aplicação do teste não paramétrico de Wilcoxon para diferenças. Variáveis com distribuição normal foram comparadas utilizando os testes de Student. Dados categóricos entre grupos
foram comparados pelo teste do qui-quadrado ou pelo teste
exato de Fischer, quando cabível. Alguns resultados foram
avaliados levando em conta os valores normais estabelecidos,
tendo sido subsequentemente classificados como elevados
ou reduzidos. Estabelecemos a significância estatística em P
< 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o
programa NCSS.
Resultados
Uma análise comparativa de fatores de risco demográficos
e cardiovasculares entre pacientes com EA e controles não
revelou diferenças estatisticamente significativas, conforme
está explícito na tabela 1. A idade média dos pacientes com
EA foi 43,3 ± 11,7 anos e o tempo médio de duração da doença
foi 15,9 anos.
Também não observamos diferenças significativas entre
grupos para TC, HDL-C, T-C/HDL-C, LDL-C, triglicerídeos, ou
frequência de dislipidemia, conforme ilustra a tabela 2. Os pacientes com EA tiveram elevação significativa em PCR (38,1%
vs. 14,3%, P = 0,01), mas não em VHS.
Tabela 1 – Características clínicas e demográficas em EA
e em controles
EA (n = 42) Controles (n = 42)
Idade (anos) ± DP
Homem, n (%)
Caucasiano, n (%)
Fumante, n (%)
HFCV, n (%)
HA, n (%)
DM, n (%)
IMC (kg/m2) ± DP
CA (cm) ± DP
43,3 ± 11,7
26 (61,9)
35 (83,3)
8 (19,04)
14 (33,3)
15 (35,7)
3 (7,1)
26,5 ± 3,9
90,1 ± 12,3
43,7 ± 11,3
26 (61,9)
40 (95,2)
8 (19,04)
12 (28,57)
11 (26,2)
3 (7,1)
27,6 ± 4,5
91,6 ± 12,8
P
0,89
1,0
0,08
1,0
0,64
0,35
1,0
0,25
0,58
EA, espondilite anquilosante; DP, desvio-padrão; HFCV, história
familiar cardiovascular; HA, hipertensão arterial; DM, diabetes
melito; IMC, índice de massa corporal; CA, circunferência abdominal
Tabela 2 – Perfil laboratorial em EA e em controles
Colesterol total (mg/dL)
± DP
HDL-C (mg/DL) ± DP
LDL-C (mg/dL) ± DP
Triglicérides (mg/dL) ± DP
CT/HDL ± DP
Dislipidemia, n (%)
PCR elevada, n (%)
VHS (mm/1ah) ± DP
EA
(n = 42)
Controles
(n = 42)
P
194,8 ± 36,0
196,8 ± 36,4
0,81
52,7 ± 10,9
52,1 ± 14,9
120,1 ± 32,4 119,3 ± 35,1
109,7 ± 49,9 126,8 ± 103,7
3,8 ± 0,9
4,0 ± 1,3
25 (59,5)
26 (62)
16 (38,1)
6 (14,3)
22,2 ± 17,7
20,3 ± 16,8
0,82
0,92
0,88
0,36
0,82
0,01
0,29
EA, espondilite anquilosante; DP, desvio-padrão; PCR, proteína
C-reativa; VHS, velocidade d ehemossedimentação.
380
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Na tabela 3 demonstramos o uso de medicações nos dois
grupos. 31% versus 11,9% dos pacientes com EA estavam
sendo medicados com hiperlipemiantes (P = 0,03). Anti-TNF
estava sendo utilizado por 66,6% de todos os pacientes com
EA. Não foi observada diferença nas medidas de EIM em pacientes com EA e nos controles (0,62 ± 0,09 vs. 0,61 ± 0,09, P
= 0,39). Também não foi observada diferença na frequência
de placas (tabela 4).
Discussão
Considerando que inflamação tem sido cada vez mais identificada como a razão pela qual pacientes reumáticos têm
risco CV elevado,20 no presente estudo selecionamos uma
população de pacientes com EA equiparados para cinco importantes fatores de risco CV, para que esse tópico fosse ventilado mais adequadamente.
Nosso estudo revelou que o risco de CV entre pacientes com EA, segundo indicação por EIM, não é diferente do
risco nos controles sem a doença. Por outro lado, Peters at
al. chegaram a uma EIM maior em pacientes com EA, em
comparação com controles.12 No entanto, os autores também detectaram um perfil de fatores de risco CV elevado em
pacientes com EA, e alguns desses fatores de risco (lipídios
e IMC) estavam associados com EIMs da carótida mais elevados e com maior rigidez arterial. Não foi observada associação entre propriedades dos grandes vasos e índices de
Bath para EA ou valores de PCR. Dentro dessa linha, Mathieu
et al.14 detectaram valores significativamente elevados para
EIM no grupo com EA, em comparação com controles saudáveis. Mas depois do ajuste para fatores complicadores, restou apenas uma tendência subjacente em favor do aumento
da EIM. EIM estava positivamente correlacionada com uso
de tabaco e pressão arterial, mas não houve correlação com
nível de PCR ou mSASS. No grupo de EA, EIM estava correlacionada com fatores de risco tradicionais, como fumo e
pressão sistólica.
Tabela 3 – Uso de medicamentos em EA e em controles
EA (n = 42) Controles (n = 42)
Glicocorticoide, n (%)
AINE, n (%)
Sulfassalazina, n (%)
Metotrexato, n (%)
Anti-TNF, n (%)
Hipolipemiantea, n (%)
8 (19)
22 (52,3)
6 (14,3)
5 (11,9)
28 (66,6)
13 (31,0)
5 (11,9)
P
0,03
EA, espondilite anquilosante; AINE, medicamentos antiinflamatórios não esteroides.
a
Todos os hipolipemiantes utilizados pertenciam ao grupo das
estatinas.
Tabela 4 – Ultrassom da carótida em EA e em controles
IMT (mm) ± DP
Placas, n (%)
EA (n = 42)
Controles (n = 42)
P
0,62 ± 0,09
8 (19,0)
0,61 ± 0,09
7 (17,0)
0,39
0,78
EA, espondilite anquilosante; DP, desvio-padrão
Embora o modelo de estudo transversal não permita uma
boa estimativa da agressão inflamatória cumulativa e embora a pequena série de pacientes esteja associada com baixo
poder estatístico, seus resultados sugerem que um perfil de
risco CV adverso pode causar, pelo menos em parte, a maior
EIM observada por esses autores, não havendo evidência suficiente apoiando um papel de inflamação biológica.
Gonzales et al. recrutaram 64 pacientes com EA e 64 controles equiparados sem morbidade cardiovascular. Os pacientes com EA exibiram maior EIM da carótida, em comparação
com os controles (média ± DP, 0,74 ± 0,21 mm vs. 0,67 ± 0,14
mm; P = 0,01; diferenças de médias, 0,077; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,016-0,139). Nesse caso, embora os melhores preditores para placas carotídeas em pacientes com EA
tenham sido velocidade de hemossedimentação (VHS) por
ocasião do diagnóstico da doença (odds ratio [OR], 1,18; IC 95%
1,04-1,33; P = 0,01) e duração da doença (OR, 1,39; IC 95% 1,011,92; P = 0,05), não foi observada correlação significativa entre
EIM da carótida e VHS ou proteína C-reativa.13
De fato, muitos dos fatores de risco tradicionais para doença cardiovascular estão presentes na população com EA
versus população geral, por exemplo, incidência mais alta de
hipertensão, lipídios elevados, aumento dos níveis de fibrinogênio e PCR e níveis mais baixos de atividade física. IMC e colesterol total e triglicerídeos tiveram correlação positiva com
EIM e/ou rigidez arterial.21
Concordando com nossos achados, Choe et al. observaram que a EIM da carótida e os parâmetros relacionados com
as propriedades elásticas arteriais em pacientes jovens com
EA mas sem fatores de risco cardiovasculares clinicamente
evidentes não foram diferentes dos observados em controles
saudáveis equiparados para gênero e idade. Os níveis séricos
de TNF-a, IL-6 e MCP-1 não refletiram o grau de aterosclerose carotídea subclínica.15 Além disso, recentemente Capkin et
al. avaliaram 67 pacientes com EA e 34 voluntários saudáveis
(controles) equiparados para idade, gênero, índice de massa
corporal (IMC), situação de fumante, perfis lipídicos e pressão
arterial. Esses autores não observaram diferença em EIM-C
entre grupos.
Nosso estudo tem algumas limitações. Não foi analisado o
índice de atividade da doença. Contudo, isoladamente a medida da atividade da doença não permite que sejam extraídas
quaisquer conclusões sobre a agressão inflamatória possivelmente associada com aterosclerose. Do mesmo modo, 66,6%
dos pacientes estavam em tratamento com anti-TNF. Uma
sub-análise comparando pacientes com EA sugeriu que o grupo em tratamento com anti-TNF (n = 28) não era diferente
do grupo tratado com medicamentos não biológicos (n = 14).
Mas no tocante à EIM, apresentavam menos placas (10,7% vs.
35,7%, P = 0,09). Embora esse estudo não tenha sido planejado
para tratar exatamente desse tópico, nosso achado levanta a
questão – se anti-TNF desempenha algum papel para um desfecho cardiovascular mais auspicioso. Estudos sobre cardiopatia isquêmica relacionando mortalidade e morbidade em
seguida ao tratamento com anti-TNF chegaram a resultados
variáveis. Ferrante et al.22 observaram redução significativa na
EIM da carótida em pacientes com AR tratados com anti-TNF
depois de transcorridos dois anos, mas não no grupo tratado exclusivamente com metotrexato, embora tenham sido
observadas melhoras significativas nas medidas de atividade
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 7 – 3 8 1
da doença, PCR e níveis de fibrinogênio com os dois tipos de
tratamento. Mas acredita-se que o tratamento com anti-TNF
tenha o potencial de não apenas reduzir a inflamação, mas
também de modificar os fatores de risco cardiovasculares tradicionais e a disfunção endotelial em pacientes com AR.23,24
Além disso, um terço dos pacientes com EA estavam sendo
medicados mais frequentemente com hipolipemiantes (31%
vs. 11,9%), embora não houvesse maior prevalência de dislipidemia (conforme definição por esse estudo) em pacientes
com EA. Contudo, é sabido que a melhora vascular com o uso
de estatinas independe das ações redutoras de colesterol desses medicamentos – fato que foi associado às suas propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras.25 Analogamente
ao tratamento com anti-TNF, por causa do modelo do presente estudo não podemos ser conclusivos sobre a contribuição
das estatinas para um possível desfecho cardiovascular mais
favorável nesses casos de EA.
Em conclusão, nossas observações concordam com os
achados de outros, podendo implicar que os fatores de risco
CV têm mais influência no sistema CV do que a própria EA.
Entretanto, não podemos ser conclusivos, por causa do uso de
medicações anti-TNF e hipolipemiantes. Esses achados precisam ser confirmados em uma população maior, com um estudo de modelo prospectivo. Também é preciso que se dê alta
prioridade a outras pesquisas que abordem a patogênese do
aumento do risco cardiovascular em pacientes com EA, pois é
provável que muitos fatores de risco sejam modificáveis.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
EpiFibro – um banco de dados nacional sobre a síndrome da
fibromialgia – análise inicial de 500 mulheres
Marcelo C. Rezendea,b, Eduardo S. Paivac, Milton Helfenstein Jr.d, Aline Ranzoline,f,
José Eduardo Martinezg,*, Jose Roberto Provenzah, Carlos Eugênio Ribeiro Parolinii,
Luiz Severiano Ribeiroj,k, Eduardo J. R. Souzal,m, Daniel P. Feldmand,
Marcos Renato de Assisn, Roberto E. Heymannd
a
Programa de pós-graduação em Reumatologia, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Serviço de Reumatologia, Santa Casa de Campo Grande, Campo Grande, MS, Brasil
c
Disciplina de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
d
Disciplina de Reumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
e
Programa de pós-graduação em Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
f
Ambulatório de Fibromialgia, Hospital das Clínicas de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
g
Departamento de Medicina, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
h
Disciplina de Reumatologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil
i
Serviço de Reumatologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil
j
Programa de Residência Médica, Hospital do Servidor Público de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
k
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
l
Ambulatório de Fibromialgia, Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil
m
Programa de Residência Médica, Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil
n
Faculdade de Medicina de Marília, Marília, SP, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Introdução: A fibromialgia (FM) é uma condição dolorosa do sistema musculoesquelético, ge-
Recebido em 13 de junho de 2012
ralmente acompanhada de vários sintomas em outros sistemas, com uma prevalência no
Aceito em 7 de março de 2013
Brasil estimada em 2,5%. Apresentamos os dados iniciais do EpiFibro, um banco de dados
nacional de pacientes com FM atendidos em serviços públicos e privados.
Palavras-chave:
Objetivo: Avaliar como é feito o diagnóstico da doença, identificar um conjunto de domínios
Fibromialgia
clínicos considerados relevantes por médicos e por pacientes com FM, analisar o impacto
Qualidade de vida
da doença na qualidade de vida dos pacientes e comparar os achados entre pacientes de
Epidemiologia
serviços público e privado.
Banco de dados
Métodos: Foram analisadas as respostas das primeiras 500 mulheres nesse banco de dados. Esse banco de dados foi baseado em um questionário contendo dados demográficos
e clínicos. O Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), traduzido e validado para o Brasil, foi
preenchido pelos médicos e/ou pacientes.
Resultados: Uma análise preliminar do banco de dados EpiFibro revelou que as pacientes
com FM no Brasil têm um alto impacto da doença avaliada pelo FIQ, uma alta prevalência
de sintomas associados, um baixo grau de educação (um achado que pode ser explicado
pelo fato de a saúde pública no Brasil ser usada principalmente por aqueles desfavorecidos
* Autor para correspondência.
E-mail: E-mail: [email protected] (M.C. Rezende)
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
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383
socialmente) e a maioria percebe a sua dor como sendo difusa a partir do início da doença.
Conclusão: Depressão e ansiedade são percebidas como as principais causas dos sintomas
da FM, mas uma quantidade significativa considera o esforço no trabalho como o primeiro
gatilho. Há um atraso de poucos anos em busca de ajuda médica e para chegar ao reumatologista.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
EpiFibro – a nationwide databank for fibromyalgia syndrome – the initial
analysis of 500 women
abstract
Keywords:
Introduction: Fibromyalgia syndrome (FS) is a common painful condition of the musculo-
Fibromyalgia
skeletal system that is typically accompanied by several symptoms in other systems. In
Quality of life
Brazil, the prevalence of FS is estimated at 2.5%. Here, we present the initial data from Epi-
Epidemiology
Fibro, a nationwide databank of FS patients seen in public and private settings.
Database
Objective: The aims of this study were to assess how the diagnosis of FS was made, identify
a set of clinical domains considered relevant by both clinicians and patients in cases of FS,
analyse the impact of disease on patient quality of life, and compare the findings among
patients of public and private services.
Methods: Based on the results of questionnaires, we analysed data corresponding to the first
500 women in the database. Questionnaires pertaining to demographic and clinical data
and the Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), which was translated and validated for
Brazilian patients, were completed by the clinicians and/or patients.
Results: Preliminary analysis of the EpiFibro databank revealed that female FS patients in
Brazil reported a high impact of disease, as measured by the FIQ, a high prevalence of associated symptoms, and a low degree of education (consistent with the public health care
in Brazil used mainly by the underserved). In addition, most patients perceived their pain
as diffuse from the onset of disease.
Conclusion: Depression and anxiety were seen as the main triggers of FM symptoms, but a
significant proportion of the subjects perceived work strain as the initial trigger. We also observed a delay of a few years in seeking medical help and examination by a rheumatologist.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
A síndrome da fibromialgia (FM) é uma condição dolorosa de
alta prevalência na população mundial. No Brasil, a sua prevalência está estimada em 2,5%.1 Caracteriza-se por dor musculoesquelética crônica e é geralmente acompanhada de diversos outros sintomas não relacionados ao aparelho locomotor.
Suas manifestações dependem de aspectos sociais, psicológicos, culturais, entre outros, tornando sua expressão clínica
altamente variada e, consequentemente, exigindo diferentes
abordagens terapêuticas. Existe uma importante necessidade
de estudos epidemiológicos sobre a FM no nosso país.
O EpiFibro (Estudo Epidemiológico da Fibromialgia no Brasil) foi criado com o intuito de analisar a epidemiologia da FM
e de suas comorbidades em todo o território nacional, oferecendo melhores condições para a avaliação do diagnóstico,
tratamento e impacto desse distúrbio na sociedade brasileira,
utilizando-se para isso questionários apropriados online.
Objetivos
Os objetivos deste projeto foram avaliar como é feito o diagnóstico da doença, incluindo o tempo despendido para a efe-
tivação; identificar um conjunto de potenciais domínios clínicos nos casos de FM, que são considerados relevantes por
médicos e pacientes; e analisar o impacto da moléstia na qualidade de vida dos pacientes. Podemos também observar os
tratamentos utilizados com mais frequência em nosso meio.
Podemos, ainda, determinar se há diferenças no meio privado
em relação ao público. Com isso, poderá ser possível a adoção
de medidas para encurtar o tempo de efetivação diagnóstica,
aprimorar o diagnóstico, tratar mais precocemente, adequar
melhor o tratamento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Pacientes e métodos
O questionário foi dividido em três partes: 1) Ficha cadastral
do médico – preenchida uma única vez com dados cadastrais
do médico assistente e como ele efetua o diagnóstico de FM
e sua opinião quanto ao aspecto ocupacional da FM; 2) Ficha
cadastral do paciente – a primeira página apresenta dados
sobre diagnóstico e tratamento e é preenchida pelo médico;
o restante pode ser autoaplicável e tem dados cadastrais e
epidemiológicos, além de detalhes sobre a sintomatologia; 3)
Ficha de seguimento do paciente – autoaplicável, a ser preenchida nos três primeiros retornos do paciente, após a primeira
384
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7
avaliação – e que se encontra online, sendo preenchida em
conjunto entre o médico e a paciente.
Todos os pacientes preencheram um Formulário de Consentimento Informado Esclarecido e o projeto foi aprovado
pelo CEP do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do
Paraná.
Na investigação utilizou-se um questionário padronizado,
que é preenchido na internet por médicos que prestam atendimentos aos pacientes com FM, tanto no setor público quanto no setor privado. Todas as informações são colocadas online
no respectivo banco de dados para tabulação. Posteriormente,
esses dados são digitalizados no site www.renaprom.com.br
e, em seguida, criptografados para acesso somente com autorização da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), que é
a responsável pela confiabilidade do projeto.
Fundamentado nos questionários, foram analisados os
dados das primeiras 500 mulheres. Todas as pacientes foram
avaliadas por reumatologistas e preencheram os critérios
do American College for Rheumatology (ACR) de 1990 para FM.2
Um questionário com os dados demográficos e clínicos e o
Questionário de Impacto da Fibromialgia (Fibromyalgia Impact
Questionnaire – FIQ), traduzido e validado para o Brasil, foram
preenchidos pelos respectivos médicos.
Os resultados das variáveis quantitativas foram descritos
por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e
desvios-padrões. Os resultados de variáveis qualitativas foram descritos por frequências e percentuais. Para a comparação dos grupos definidos pelo ambiente (privado ou público),
em relação a variáveis quantitativas, foi considerado o teste t
de Student para amostras independentes ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney, quando apropriado. Em relação
a variáveis qualitativas, as comparações foram feitas aplicando-se o teste do Qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Valores de P < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados
foram analisados com o programa Statistica v.8.0.
5%
6%
Casada
6,4%
Solteira
8,4%
Divorciada
59,4%
Viúva
14,8%
Separada
Não informado
Figura 1 – Estado civil.
9%
Fundamental incompleto
Médio completo
11%
Médio incompleto
37%
2%
3%
Superior completo
Superior incompleto
3%
Não alfabetizado
8%
Pós‐graduação completa
10%
Pós‐graduação incompleta
17%
Não informado
Figura 2 – Nível educacional.
35
31
30
25
21
20
%
17,6
16
15
11,2
10
Resultados
3,2
5
0
As pacientes atendidas no ambiente público compreenderam
70% desta amostra. A idade média foi 50,16 anos (± 10,85),
sendo a idade mínima 17 anos e a máxima 89 anos (mediana: 51 anos). A maioria (59,4%) das pacientes era casada (fig.
1) e cerca de 1/3 não havia completado o ensino fundamental (fig. 2). Em relação à atividade ocupacional, 31% estavam
empregadas, 21% eram donas de casa e 34% encontravam-se
desempregadas ou aposentadas (fig. 3). A renda de casa para a
grande maioria das famílias das pacientes (73,4%) era inferior
a R$ 2.000 reais/mês (fig. 4).
Quanto à impressão das pacientes sobre o que desencadeou os sintomas, 39,4% culpam uma suposta condição de
trabalho e 51% reconhecem a ansiedade ou depressão como
um gatilho. Algumas das pacientes consideraram mais de
uma causa como precipitadora da sintomatologia (fig. 5).
A maioria das pacientes referiu que a dor já começou
como difusa (70,2%). Cerca de 25% das pacientes esperaram
mais de três anos para consultar um médico e 42% mais de
três anos para ir ao reumatologista. A maioria dos pacientes
consultou pela primeira vez um clínico geral ou um ortopedista para avaliar suas queixas.
Figura 3 – Atividade ocupacional.
50
41,6
40
31,8
30
20
10
9,2
7,4
3,8
1,8
2,6
0
0,8
1
Reais/mês
Figura 4 – Percentual de renda familiar.
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7
9%
17%
Depressão/ansiedade
51%
Condições de trabalho
Esforço no lar
Trauma
39%
Figura 5 – Opinião das pacientes quanto ao fator
desencadeante.
Cerca de 55% das pacientes receberam o diagnóstico no
momento em que entraram no banco de dados, e aproximadamente 43% eram pacientes de acompanhamento; não obtivemos tais informações de cerca de 2% das pacientes. Entre as
277 pacientes que receberam o diagnóstico quando entraram
no banco de dados, cerca de 3/4 delas (74,37%) apresentavam
dor por mais de três anos, 70% visitaram mais de três médicos
antes do diagnóstico ser realizado e 44% delas consultaram um
reumatologista somente três anos após a primeira consulta
com outro profissional médico.
Os principais sintomas associados compreendem os distúrbios do sono (86%), fadiga (84,6%), ansiedade (77,2%), parestesias (75%) e cefaleia (72,6). O número médio de sintomas
associados à dor musculoesquelética crônica dessas pacientes
era 8,6 ± 3,2 (0-15). As pacientes apresentaram em média 13,74
tender points. A pontuação média encontrada para o FIQ foi de
60,82 (o máximo é 100), sendo considerado um valor que demonstra o impacto na qualidade de vida das pacientes.
Na tabela 1 pode-se perceber que as pacientes do serviço
público apresentam menor nível de escolaridade em relação
às pacientes privadas, que relatam dor mais difusa já no início
(77,71% vs. 55,49% em pacientes particulares), mas não diferem
em relação ao FIQ (60,65 vs. 62,67).
Discussão
As pacientes acompanhadas na rede pública representam a
maioria desta amostra. Uma substancial proporção das pacientes
não completou o ensino fundamental, indicando que têm baixo
nível educacional, o que as coloca em desvantagem no mercado
de trabalho e em outras situações da vida. Mais da metade não
tem emprego; são donas de casa, aposentadas ou desempregadas. Cerca de 3/4 das pacientes têm renda familiar baixa. Tais
aspectos psicossociais podem interferir na sintomatologia.3
Tabela 1 – Pacientes públicas e privadas
Ensino funadamental completo
Dor inicalmente difusa
FIQ médio
Público
Privado
P
32,6%
78%
60,65%
4,4%
55%
62,67%
0,001
0,001
ns
385
Muitas pacientes valorizam as condições de trabalho e/ou
distúrbios psicológicos, em particular depressão e ansiedade,
como os responsáveis pelo surgimento do quadro clínico. Entretanto, não existe evidência científica de que a FM tenha
origem ocupacional ou que esta síndrome dolorosa crônica
seja causada por depressão, ansiedade ou outra enfermidade
psicogênica. Na década de 1990 foram publicados poucos artigos relacionados ao trauma no trabalho e o litígio com a FM.46
Por outro lado, a literatura é insuficiente para caracterizar
tal causalidade. Os estudos foram realizados com pequenas
amostras de pacientes ou foram documentados como relatos
isolados de casos.7,8
Pode-se indagar se pacientes com FM agravariam sua sintomatologia quando submetidos a critérios rígidos de produtividade e pressão no ambiente de trabalho. Contudo, ainda
não estão estabelecidos os limites biomecânicos desses pacientes, ou qualquer implantação de redução, modificação ou
eliminação de trabalhos específicos por eles desenvolvidos.
As revisões sistemáticas apontam que até o momento não há
qualquer estratégia de intervenção laboral que possa ser considerada efetiva para os aspectos ocupacionais envolvendo
esses pacientes.9,10
Importante destacar que, como em qualquer outra síndrome dolorosa crônica, a motivação no trabalho pode ser
influenciada por fatores sociais e psicológicos. Sabe-se que os
pacientes com dor crônica tendem a ter sua sintomatologia
piorada quando apresentam distúrbios psicológicos associados. Um estudo realizado no Brasil constatou que 30% dos
pacientes com FM exibiram depressão grave e 34% depressão
moderada; neste mesmo estudo foi observado que 70% dos
pacientes apresentaram traço de ansiedade significativa e
88% estado de ansiedade alta.11
Os dados deste estudo estão em plena concordância com
achados de outros estudos, os quais demonstraram que pacientes com FM apresentam uma prevalência significativamente maior de transtornos depressivos e de ansiedade,
quando comparados com os controles. Além de muito prevalentes, os distúrbios psiquiátricos e a FM também apresentam semelhanças sociodemográficas e clínicas.12 Uma série
heterogênea de distúrbios, envolvendo principalmente os
sistemas autonômico, neuroendócrino e neuropsíquico, geralmente está presente. O estado de sofrimento psicofísico
crônico da FM afeta negativamente a qualidade de vida dos
pacientes, o desempenho e o estado de ânimo. Portanto, muitos são os fatores que indicam uma fisiopatologia comum
entre a FM e algumas doenças psiquiátricas, incluindo alterações dos sistemas neurotransmissores, que podem constituir
um mecanismo comum subjacente.13,14 Assim, há casos que
necessitam da ajuda de um especialista da área dos transtornos mentais. Importante frisar, entretanto, que não há literatura científica comprovando que a FM seja causada por algum
distúrbio psiquiátrico.15
A maioria das pacientes que participam deste estudo
relatou que o quadro surgiu com dor difusa; contudo, uma
boa parcela delas demorou mais de três anos para procurar
auxílio médico e também para chegar ao reumatologista.
Tais fatos indicam muito atraso na elaboração diagnóstica
e, consequentemente, na instituição terapêutica. Observou-se, inclusive, que uma expressiva quantidade de pacientes
consultou mais de três médicos antes de o diagnóstico ser
386
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7
efetivado, indicando desperdício de tempo, gastos diretos e
indiretos desnecessários, além de contribuir para o estresse.
Esses dados mostram que as pacientes precisam de melhor
orientação e melhor acesso ao especialista.
O estudo também demonstra que os principais sintomas
associados englobam os distúrbios do sono, cansaço, ansiedade, parestesia e cefaleia em mais de 70% das pacientes.
Chama atenção a quantidade média de sintomas (próxima a
nove) associados. Esta alta prevalência de sintomas associados é similar a outro estudo realizado no Brasil, que observou,
em ordem decrescente de prevalência, rigidez, distúrbio do
sono, fadiga, parestesia, dificuldade de memória, cefaleia, palpitação, tontura, sensação de inchaço e dor torácica, também
em pelo menos 70% dos pacientes.16 Esses achados refletem a
importante sintomatologia desta síndrome e os cuidados que
devemos tomar na investigação diagnóstica, exigindo boa
propedêutica e conhecimento sobre o vasto leque do diagnóstico diferencial.17,18
Além do importante número de sintomas relatados, os valores elevados obtidos na pesquisa de tender points e no FIQ
refletem o importante impacto dessa enfermidade na qualidade de vida dessas pacientes. Esses dados indicam que a
abordagem terapêutica deve ser rapidamente instituída; também indicam que deve ser abrangente e envolver variadas estratégias medicamentosas e não medicamentosas.19,20
Apesar de as pacientes da rede pública terem menor nível
de escolaridade em relação às pacientes privadas, além de relatarem mais dor difusa desde o início de seus quadros, elas
não diferem em relação ao FIQ, ou seja, o impacto da doença
é igualmente significativo em ambos os grupos, diferente do
observado na literatura mundial.
Conclusões
Este pioneiro programa, intitulado EpiFibro, foi criado com a
intenção de melhorar a qualidade da assistência para os pacientes com FM.
A FM é um distúrbio doloroso crônico caracterizado por
múltiplos sintomas, especialmente dor difusa no sistema
musculoesquelético. Esta síndrome causa impacto negativo
em diversos domínios da vida das pacientes, incluindo o desempenho, a motivação e a qualidade de vida. Também impõe
consequências financeiras para as pacientes e para o sistema
de saúde, devido aos gastos com investigação diagnóstica e
tratamento.
Esta análise preliminar do banco de dados EpiFibro revelou que muitas mulheres com FM no Brasil têm baixo nível
educacional, não estão bem informadas sobre a doença, demoram muito para procurar ajuda médica e para chegar ao
reumatologista. O diagnóstico pode demorar vários anos para
ser efetivado. Também revelou que tais pacientes possuem
alta prevalência de sintomas associados e experimentam um
importante impacto negativo na qualidade de vida. Todavia,
há importante atraso na instituição do tratamento.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Alterações radiográficas de coluna cervical em artrite
reumatoide
Juan Marcelo Fernandez Alcalaa, Diogo Douatb, Diogo Lago Pinheirob, Douglas Jun Kameia,
Fábio Raimundo M dos Santosa, Marilia B Silvaa, Thelma L Skarea,*
a
b
Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Serviço de Diagnóstico por Imagem, Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
informações
resumo
Histórico do artigo:
Introdução: O envolvimento da coluna cervical é comum na artrite reumatoide (AR).
Recebido em 13 de maio de 2012
Objetivo: Estudar a prevalência das alterações radiológicas de coluna cervical em pacientes
Aceito em 14 de março de 2013
com AR e sua associação com perfil clinico e sorológico da doença.
Métodos: Analisaram-se as radiografias de coluna cervical em perfil neutro hiperextensão,
Palavras-chave:
hiperflexão e transoral de 80 pacientes com AR para presença de subluxação atlanto-axial
Artrite reumatoide
(LAA), invaginação basilar (IB) e instabilidade subaxial (ISA). Dados de perfil demográfico,
Coluna cervical
clínico (nódulos, pneumonite intersticial, síndrome Sjögren secundária, uso de medica-
Luxação atlanto-axial
mentos etc.) e sorológico (FR, anti-CCP e FAN) foram obtidos por revisão de prontuários.
Invaginação basilar
Resultados: Havia alguma alteração de eixo de coluna cervical em 26/80 (32,5%); em 12/80
Instabilidade subaxial
(15%) havia LAA; em 6/80(7,5%) existia IB; em 13/80 (16,2%) existia ISA. Erosões em odontoide foram vistas 16/80 (20,0%). As alterações do eixo cervical estavam associadas com
idade de início da doença e duração da mesma (P = 0,03 e 0,02, respectivamente). Não se
encontrou associação das alterações em coluna cervical com raça, gênero, nódulos, pneumonite intersticial, Sjögren secundário, FR, FAN ou anti-CCP. Pacientes com alterações do
eixo cervical apresentavam mais erosões de odontoide (P = 0,03).
Conclusões: Alterações radiológicas em eixo de coluna cervical são comuns e aparecem
mais frequentemente em indivíduos com diagnóstico mais precoce de AR e maior tempo
de doença.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Radiographic changes of cervical spine in rheumatoid arthritis
abstract
Keywords:
Introduction: The involvement of the cervical spine is a common feature of rheumatoid ar-
Rheumatoid arthritis
thritis (RA).
Cervical spine
Objective: To study the prevalence of radiographic changes of the cervical spine in patients
Atlanto-axial luxation
with RA and their association with clinical and serological profiles of the disease.
Basilar invagination
Methods: We analysed lateral (neutral position, hyperextension, hyperflexion) and transoral
Subaxial instability
views of cervical spine radiographs from 80 individuals with RA to investigate the presence
of atlanto-axial subluxation (AAS), basilar invagination (BI), and subaxial instability (SAI).
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (T.L. Skare).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
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Demographic, clinical (nodules, interstitial pneumonitis, secondary Sjögren’s syndrome,
medications etc.), and serologic (rheumatoid factor - RF, cyclic citrullinated peptide antibody – anti-CCP, and antinuclear factor - ANF) data were obtained from the clinical records.
Results: Cervical spine misalignments were identified in 26/80 (32.5%) participants; AAS occurred in 12/80 (15%) participants, BI in 6/80 (7.5%), and SAI in 13/80 (32.5%). Odontoid erosions were identified in 16/80 (20.0%) participants. Cervical spine misalignment exhibited
associations with age at onset and disease duration (P = 0.03 and 0.02, respectively). No associations were identified between the cervical spine changes and the participants’ ethnicity or gender, presence of nodules, interstitial pneumonitis, secondary Sjögren’s syndrome,
RF, ANF, or anti-CCP. The participants with cervical spine misalignment exhibited higher
frequencies of odontoid erosion (P = 0.03).
Conclusions: Cervical spine misalignment was a common radiographic finding and occurred
more frequently in participants with earlier onset and longer length of RA.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
O envolvimento da coluna cervical é uma das características
da artrite reumatoide (AR).1 As principais alterações vistas
nessa doença são encontradas na porção mais móvel da coluna cervical que é a sua porção superior.1 As alterações típicas
são: a subluxação atlas-axis anterior, a impactação atlanto-axial ou invaginação basilar (também chamada de subluxação atlas-axis vertical) e a doença subaxial.1,2 Todas essas
alterações estruturais são ocasionadas pelo processo inflamatório crônico local.1,2
A luxação atlas-axis anterior aparece quando existe lesão
dos ligamentos que fazem a estabilização da região; nessa
situação, ao mobilizar o pescoço, o peso da cabeça traciona
o atlas para longe do axis.2 Se o processo inflamatório danifica as articulações atlanto-axiais, destruindo a cartilagem
e estrutura óssea, o crânio pressiona o atlas para baixo, de
encontro ao axis, promovendo a invaginação basilar.2 Já a
doença subaxial é considerada menos comum e geralmente
está associada às demais deformidades.1 Ela resulta da inflamação das articulações facetárias abaixo da segunda vértebra cervical.3
Uma metanálise demonstra que alterações na coluna cervical em pacientes com AR são comuns, aparecendo entre
5,5% e 73% dos casos (média de 32%), sendo que em 17% deles
há sinais e/ou sintomas neurológicos.1
A subluxação atlas-axis pode ser um achado precoce,1,2
aparecendo nos primeiros dois anos de doença.2 O diagnóstico é feito quando há uma distância superior a 3 mm entre
a porção anterior do arco do atlas e o dente do axis. Se o diâmetro entre o arco posterior do atlas e o dente do axis é de
14 mm ou menos, a possibilidade de mielopatia é eminente.
O primeiro sinal neurológico a aparecer é a cefaleia na região
occipital causada pela compressão do nervo occipital maior
(neuralgia de Arnold), seguida por perda sensorial e motora
de braços e pernas.4 Outras queixas são as de sensação de rigidez no pescoço, dor na região do ouvido pela compressão do
ramo auricular maior, vertigens, distúrbios da marcha, perda
de equilíbrio e tinitus por alterações no fluxo da artéria vertebral.5 A flexão do pescoço pode causar o aparecimento do
sinal de Lhermitte, que é uma sensação de choque em dorso
e extremidades.5 Quadriparesia, hidrocefalia crônica, infartos
cerebrais e morte súbita são complicações da doença bem-estabelecida.2,4
Os achados da invaginação basilar tendem a aparecer mais
tardiamente e são mais comuns em casos de AR mais graves.2 Aparecem em 4-34% dos casos e, pela migração superior
do processo odontoide, podem causar compressão do tronco cerebral.1,6 A subluxação axial tem uma prevalência entre
7-29%1,6 e costuma surgir ou como uma deformidade isolada
ou afetando múltiplos níveis. Nessa última situação, promovendo o aparecimento de uma deformidade conhecida como
“em degraus de escada”.1,6
Segundo Corbett et al.,7 que acompanharam 102 pacientes que desenvolveram luxação atlas-axis nos primeiros dois
anos de doença, esse achado foi associado à doença erosiva e
a um prognóstico pobre quanto à função do indivíduo. Entretanto, a rápida instituição de terapia modificadora de doenças
assim como o advento de drogas mais potentes no controle
do processo inflamatório têm modificado a história clinica da
AR. Essa modulação se faz sentir, também, sobre a gravidade do envolvimento cervical.8 Acredita-se que o uso efetivo e
precoce de drogas modificadoras do curso da doença (DMCDs)
previna ou diminua o crescimento do pannus, reduzindo
tanto o espaço por ele ocupado assim como o seu potencial
destrutivo.1,8 Dessa maneira, espera-se que a prevalência e os
riscos associados às complicações cervicais em AR venham a
diminuir.
No presente trabalho verificamos a prevalência de alterações radiológicas de coluna cervical em pacientes brasileiros
com AR, procurando determinar características clínicas, sorológicas e demográficas associadas.
Métodos
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da
entidade local e todos os participantes assinaram termo de
consentimento livre e esclarecido. Foram convidados a participar do estudo pacientes de ambos os gêneros, com pelo
menos quatro dos critérios classificatórios do American College
of Rheumatology de 1987.9 Os pacientes foram selecionados a
partir da ordem de consulta e da disponibilidade em partici-
390
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par do estudo durante o período de julho de 2011 a dezembro
de 2011, devendo ter o diagnóstico feito após os 16 anos de
idade. Foram excluídas mulheres grávidas, pessoas com antecedentes de trauma na coluna cervical e indivíduos com
capacidade intelectual insuficiente para entender o termo de
consentimento.
Os pacientes foram submetidos a radiografias de coluna
cervical em perfil neutro, em hiperextensão e hiperflexão. Todos os exames foram lidos por dois radiologistas independentes, cegos para os dados clínicos dos pacientes.
Os critérios avaliados foram: subluxação atlas-axial, invaginação basilar, erosão do processo odontoide e instabilidade
subaxial. A subluxação atlas-axial foi considerada positiva
quando a distância entre o arco anterior do atlas e o processo
odontoide foi maior que 3 mm (fig. 1).10,11
O método de Redlund-Johnell e Peterson12 foi utilizado
para avaliação da invaginação basilar. Esse método consiste
em traçar uma linha, em uma radiografia, na incidência lateral, a partir da margem posterior do palato duro à superfície cortical inferior do osso occipital seguida da mensuração
da distância entre o centro da superfície cortical inferior do
corpo de C2 e tal linha. O valor normal é de 34 mm ou mais
para homens e 29 mm ou mais para mulheres. Esse método
é adequado para a pesquisa de invaginação basilar por evitar
medidas que incluam como ponto de referência a extremidade do processo odontoide, que frequentemente encontra-se
erodido em pacientes com AR (fig. 2).12
Valores maiores que 3 mm no deslizamento entre os corpos vertebrais foram diagnósticos de instabilidade subaxial
(fig. 3).13,14
Por revisão de prontuário obtiveram-se dados demográficos, quanto à duração da doença e idade de início, perfil clínico
(nódulos, ocorrência de doença pulmonar intersticial associada, presença de síndrome de Sjögren secundária, neuropatias
periféricas, envolvimento ocular) e de uso de medicamentos.
A presença de síndrome Sjögren secundária foi considerada
quando preenchidos os critérios americanos-europeus15 para
classificação dessa entidade. Os pacientes foram questionados quanto a queixas relacionadas à região cervical (dor, rigidez, parestesias e fraqueza de membros superiores).
Os dados foram agrupados em tabelas de frequência e de
contingência; foram usadas a mediana e intervalo interquartil para medida de tendência central de dados não paramétricos e a média e desvio padrão para os paramétricos. Os testes
de associação foram feitos usando-se os testes de Fisher para
Figura 2 – Método de Redlund-Johnell para identificação
de invaginação basilar. Na radiografia em perfil, traçase uma linha da margem posterior do palato duro (A) à
superfície cortical inferior do osso occipital (B). É realizada
a mensuração da distância entre o centro da superfície
cortical inferior do corpo do axis (C) e a linha A-B por meio
de um traço paralelo ao eixo longitudinal do processo
odontoide. O valor normal é de 34 mm ou mais para
homens e 29 mm ou mais para mulheres.
Figura 1 – Radiografia em perfil (flexão) demonstrando
aumento do espaço entre a margem posterior do arco
anterior do atlas e a parede anterior do processo odontoide
do axis, indicando subluxação atlanto-axial.
Figura 3 – Radiografias de coluna cervical em perfil neutro
(A), em extensão (B) e em flexão (C). Nota-se deslizamento
anterior de 3,5 mm do corpo vertebral de C4 sobre o
de C5 somente na incidência em flexão (C) indicando
instabilidade subaxial.
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os dados nominais e o de Mann-Whitney e t de Student não
pareado para os numéricos. A significância adotada foi de 5%
e os cálculos foram feitos com auxílio do programa Graph Pad
Prism versão 5.0
Resultados
Análise descritiva da população estudada
35
30
25
20
15
10
5
0
subluxação
atlas axis
invaginação
basilar
instabilidade
sub axial
Nos seis pacientes com invaginação basilar, a medida obtida foi de 20,0-28,0 mm (média de 25,6 ± 2,8 mm). Já nos 13
com instabilidade subaxial, o deslize verificado entre vértebras variou entre 3,5-5,0 mm (mediana de 4,0 mm).
Na presente amostra, nenhum dos pacientes com alterações radiográficas tinha queixas que pudessem ser atribuídas
às mesmas.
Estudo das associações das alterações radiográficas de coluna
cervical com perfil clínico e laboratorial
Dos 80 pacientes incluídos, 10 (12,5%) eram homens e 70
(87,5%) mulheres; 18 (22,5%) eram afrodescendentes e 62
(77,5%) caucasianos com idade média de 55,4 ± 11,9 anos (entre 26 e 82 anos), tempo mediano de doença de 9 anos (entre
1 e 29 anos) e idade de início da doença entre 17 e 75 anos
(média de 45,0 ± 12,6).
Nessa população, 11 (13,7%) tinham pneumopatia intersticial demonstrada ao RX ou tomografia de tórax; 9 (11,2%)
tinham nódulos subcutâneos; 2 (2,5%) apresentavam esclerite; 1 (1,25%) apresentava vasculite; 1 (1,25%), neuropatia periférica. Dezenove (23,7%) apresentavam síndrome de Sjögren
secundária. Em 54 (68,3%), o fator reumatoide (FR) era positivo; em 19 (25,0%) encontrou-se fator antinuclear (FAN), e 22
(70,9%) apresentavam antipeptídeo cíclico citrulinado (ACPA).
No que se refere a tratamento, 66 (82,5%) usavam metotrexato, 39 usavam antimaláricos (48,7%); 37 (46,2%) faziam uso
de glicocorticoides; 27 (33,7%) usavam leflunomida; 9 (11,2%)
estavam em uso de anti-TNF-α e 4 (5%) usavam azatioprina.
Cerca de 10 (12,5%) tomavam quatro DMCDs; 24 (30,0%) usavam três DMCDs; 31 (38,7%) usavam duas e 15 (18,7%) usavam
apenas uma DMCD.
A prevalência dos diferentes tipos de alterações encontradas
nas radiografias de coluna cervical está demonstrada na figura 4.
A distância entre o arco anterior da primeira vértebra e a
superfície anterior do odontoide nos indivíduos com luxação
atlas-axis variou entre 3,5-5,5 mm (média de 4,3 ± 0,7 mm)
e a distância entre odontoide e o arco posterior da vértebra
variou de 14,0-23,0 mm (média de 20,4 ± 2,1 mm). Dos 12 pacientes com luxação atlas-axis, apenas um deles demonstrou
esse achado na incidência de perfil neutro. A mediana da diferença de distância entre arco anterior e processo odontoide
verificada em perfil neutro e em flexão foi de 2,7mm.
qualquer
desvio
391
erosão do
odontoide
Figura 4 – Prevalência (em %) de alterações radiológicas de
coluna cervical em 80 pacientes com AR (subluxação atlasaxis em 12/80; invaginação basilar em 6/80; instabilidade
subaxial em 13/80 e erosões de odontoide em 16/80).
Comparando-se o grupo de pacientes com algum tipo de desvio no eixo da coluna cervical com os demais foram observados os achados da tabela 1. Nela pode ser verificado que há
maior prevalência de alterações radiográficas de coluna cervical em indivíduos com maior tempo de doença e com doença
de início mais precoce.
Discussão
A população presentemente estudada demonstrou uma prevalência alta de alterações em coluna cervical (31%). De maneira concorde com o apontado pela literatura,1 a alteração
menos frequente foi a de invaginação basilar. É interessante
notar que todos os pacientes desta série eram assintomáticos do ponto de vista clínico e o desenvolvimento silencioso
dessa complicação é um aspecto ressaltado pela literatura.2
Assim, torna-se necessário que seja feita sua busca ativa.1,2
Na realização de exames de acompanhamento rotineiro
de pacientes com AR deve-se, portanto, incluir os exames radiológicos de coluna cervical; estes não devem ser solicitados
apenas em posição neutra, porque assim podem deixar passar muitas dessas alterações desapercebidas De acordo com
Kauppi et al.,10 50% das subluxação não são diagnosticadas só
com a posição neutra. Na presente casuística, apenas um paciente poderia ter tido seu diagnóstico de luxação atlas-axis
feito unicamente pela incidência de perfil neutro. Não existem diretivas claras na literatura para a periodicidade dessa
pesquisa e o presente estudo não permite este tipo de conclusão. Todavia ele aponta para o fato de que naqueles com
doença de maior duração ou com aparecimento mais precoce
devem ser acompanhados com maior cuidado.
A mielopatia cervical só é encontrada muitos anos mais
tarde depois do estabelecimento da subluxação atlas-axis.1,4
Acredita-se que seja causada pelo efeito somatório de microtraumas repetitivos em uma coluna instável durante muitos
anos, que promovem morte de neurônios e de células da glia e
atrofia da medula.1,4,16 Na gênese da mielopatia, os microtraumas parecem ser mais importantes do que as lesões isquêmicas.5 Uma vez manifesta a mielopatia, a condição clínica do
paciente se deteriora de maneira rápida e o prognóstico tende
a se agravar.1
Um estudo de 37 casos de AR com mielopatia cervical17
mostrou que 19 desses pacientes morreram, e 15 dessas mortes aconteceram 6 meses depois do aparecimento dos sintomas. Nessa mesma série, todos os pacientes com mielopatia não tratados e metade dos que foram tratados com colar
morreram em 12 meses. Outro relato,18 de nove pacientes com
mielopatia tratados de maneira conservadora, mostrou que
392
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Tabela 1 – Comparação do perfil demográfico, clínico e sorológico dos pacientes com e sem desvios no eixo de coluna
cervical
Idade (anos)
Tempo de doença (anos)
Idade de inicio da doença (anos)
Gênero
Raça
Nódulos
Fibrose pulmonar
Sjögren secundário
Fator reumatoide
Fator antinuclear
Antipeptídeo cíclico citrulinado
Erosão de odontoide
Com alguma luxação
n = 26/80 = 32,5%
Sem luxação
n = 54/80 = 67,5%
P
26-75
média 53,9 ± 13,9
2-29
mediana 11,0
IIQ de 7,5-16,5
17- 63
média 40,5 ± 13,4
4 homens
22 mulheres
21 caucasianos
5 afrodescendentes
2/26 (7,6%)
4/26 (15,3%)
5/26 (19,2%)
15/26 (57,6%)
4/26 (15,3%)
8/13 (61,5%)
9/26 (34,6%)
34-82
média 56,0 ± 10,9
1-27
mediana 7,0
IIQ de 4,0-12,0
23-75
media 47,0 ±11,8
6 homens
48 mulheres
41 caucasianos
13 afrodescendentes
7/54 (12,9%)
7/54 (12,9%)
14/54 (25,9%)
39/53 (73,5%)
15/50 (30,0%)
14/18 (88,8%)
7/54 (12,9%)
0,46
todos os pacientes morreram dentro de 12 meses; em quatro
deles a causa do óbito foi atribuída à compressão da medula.
Um estudo feito por Neva et al.6 em pacientes com AR que
foram à óbito na Finlândia mostrou que anormalidades cervicais tinham sido diagnosticadas em 38 de 853 prontuários
revisados, e que em 17 dos casos havia alterações radiológicas
de coluna cervical que eram graves o suficiente para justificar a morte do paciente. Todavia, a mielopatia cervical não
constava como causa de morte em nenhum dos certificados
de óbito mostrando que, muitas vezes essa complicação pode
passar sem a devida valorização.
Não existe consenso sobre o tratamento da instabilidade
cervical em pacientes com AR. Opiniões e recomendações
acerca de estabilização cirúrgica de maneira precoce e profilática são baseadas apenas em estudos retrospectivos.4,19 Em
geral, o tratamento é conservador nos indivíduos assintomáticos. São aceitas como indicações para intervenção os casos
com dor intratável, os com deficiências neurológicas ou com
comprometimento da artéria vertebral e, ainda, aqueles que
demonstrem aumento de intensidade dentro da medula ao
exame de ressonância magnética em T1.20,21 Apesar de a conduta conservadora ser utilizada nos casos mais brandos, isso
não diminui a necessidade de vigilância acerca de seu aparecimento, especialmente em pacientes sujeitos à manipulação
de coluna cervical como, por exemplo, aqueles que necessitam de cirurgias ortopédicas.22
Alguns autores19,23 têm ligado ocorrências de subluxações
cervicais a algumas características clínicas da doença como
presença do FR, aparecimento de nódulos subcutâneos. No
presente estudo não foi possível provar tais associações, nem
quaisquer outras com perfil clinico, salvo idade de inicio mais
precoce e uma duração mais prolongada da doença. A associação com uma doença DCE de duração mais longa já é fato
constatado na literatura17 embora existam achados discordantes.24 Talvez a discordância verificada quanto à associação
com presença de FR e nódulos e tempo de doença possa ser
explicada pelo tratamento mais agressivo da doença imposto pelos novos conhecimentos de sua fisiopatologia. Como
0,02
0,03
0,72
0,77
0,71
0,74
0,28
0,19
0,10
0,43
0,03
já comentado, essa forma de tratamento tende a modificar
a historia natural da AR, incluindo-se os achados de coluna
cervical.8,25
Concluindo, pode-se dizer que na presente amostra
existe alta prevalência de distúrbios assintomáticos do eixo
da coluna cervical em pacientes com AR e que essas alterações são mais comuns em indivíduos com doença mais
prolongada.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9
REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Prática de atividade física entre pacientes da Coorte Brasília
de artrite reumatoide inicial
Carolina Rocha Silvaa,*, Thaís Ferreira Costaa, Tatiane Teixeira Vaz de Oliveirab,
Luciana Feitosa Munizc, Licia Maria Henrique da Motad
a
Serviço de Residência em Reumatologia, Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil
c
Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil
d
Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Introdução: O Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para Tratamento da
Recebido em 30 de agosto de 2012
Artrite Reumatoide (AR) recomenda que os pacientes realizem exercícios físicos de forma
Aprovado em 18 de março de 2013
regular. Não há estudos no Brasil sobre a prática de atividade física entre pacientes com
AR inicial.
Palavras-chave:
Objetivo: Investigar a prática de atividade física entre pacientes com AR inicial e a possível
Artrite reumatoide
relação entre atividade física, atividade da doença e incapacidade funcional.
Atividade física
Métodos: Estudo transversal incluindo pacientes da Coorte Brasília de AR inicial. Foram ana-
Exercícios físicos
lisados dados demográficos (sexo, idade e escolaridade), prática de atividade física, índice
Sedentarismo
de atividade da doença (Disease Activity Score 28 – DAS 28), incapacidade funcional (Health
Assessment Questionnaire - HAQ), além de dados sobre tabagismo, etilismo, presença de
comorbidades e tratamento da AR.
Resultados: Foram avaliados 72 pacientes, sendo 90,27% do sexo feminino, com média de
idade de 50,2 ± 13,3 anos, média do DAS 28: 3,66 e a do HAQ: 0,69. Estavam regularmente
ativos 43,05%, sendo que a caminhada foi o exercício mais praticado (80,64%). A média de
tempo de exercício físico foi de 48,22 ± 27,18 min, periodicidade de 3,7 ± 1,64 vezes na semana. Não houve associação entre atividade física com sexo, idade, escolaridade, atividade
da doença, incapacidade funcional, tabagismo ou etilismo, presença de comorbidades e
tratamento com drogas modificadoras do curso da doença.
Conclusão: Dada a importância da prática regular de atividade física, há necessidade de
orientação dos pacientes, em especial quanto à prática de atividades resistidas, pouco frequente entre os pacientes do nosso estudo.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (C.R. Silva).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
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395
Physical activity among patients from the Brasília cohort of early
rheumatoid arthritis
abstract
Keywords:
Introduction: The 2012 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology (SBR) for the
Rheumatoid arthritis
treatment of Rheumatoid Arthritis (RA) recommends that patients should regularly per-
Physical activity
form physical exercises. There have been no studies in Brazil on physical activity among
Physical exercises
patients with early RA.
Sedentary life style
Objective: To investigate the physical activity practice among patients with early RA and the
possible association between physical activity, disease activity and functional disability.
Methods: Cross-sectional study of patients from the Brasilia cohort of early RA. Demographic data (sex, age and level of schooling), physical activity practice, Disease Activity
Score 28 (DAS 28), functional disability (Health Assessment Questionnaire - HAQ), as well
as data on smoking status, alcohol consumption, comorbidities and RA treatment were
analyzed.
Results: A total of 72 patients were evaluated, 90.27% females, mean age 50.2 ± 13.3 years,
mean DAS 28: 3.66 and HAQ: 0.69. Of them, 43.05% were regularly active, with walking being the most often practiced exercise (80.64%). The mean duration of exercise was 48.22 ±
27.18 min, with a frequency of 3.7 ± 1.64 times per week. There was no association between
physical activity and gender, age, educational level, disease activity, functional disability,
alcoholism or smoking, presence of comorbidities and treatment with drugs that alter the
course of disease.
Conclusion: Given the importance of regular physical activity practice, it is necessary to
recommend it to patients, especially resistance physical activities, which are not frequent
among the patients in our study.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
A artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica, crônica e
inflamatória, que acomete preferencialmente a sinóvia das
articulações periféricas, com grande impacto na qualidade
de vida, nos aspectos social, econômico e psicológico.1 A denominação AR inicial compreende as primeiras semanas ou
meses de sinais ou sintomas articulares (em geral, menos de
12 meses), destacando-se como período crítico as primeiras
doze semanas de manifestações.2 Na última década, além do
desenvolvimento de novas medicações e estratégias terapêuticas,3 a atividade física passou a ser um componente importante no tratamento.4
A maior parte dos programas de exercícios dinâmicos para
pacientes com AR segue as recomendações do Americam College of Medicine Sports (ACMS).5 Recomenda-se para indivíduos
saudáveis, inclusive para pacientes com AR que o exercício
tenha duração de 20 minutos ou mais, que seja realizado no
mínimo duas vezes por semana e leve a um aumento de 60%
da frequência cardíaca prevista para a idade, para apresentar efeitos clínicos positivos e sem detrimento à doença, ou
seja, sem piora da atividade da AR e sem causar dor.3 Quando
comparado o exercício dinâmico ao programa de reabilitação
articular convencional, observa-se melhora significativa da
qualidade de vida dos pacientes com AR.6,7
Atividades aeróbicas como; caminhada, corrida, bicicleta,
hidroginástica e natação possibilitam melhor condicionamento cardiovascular e podem auxiliar na prevenção da limitação relacionada à AR.8
Entre os pacientes com diagnóstico de AR, de acordo com
Stenström et al., 20-30% têm capacidade aeróbica reduzida e
consequente redução dos índices de força e massa muscular
pela dor, fadiga e limitação funcional das articulações ocasionada pela doença.4 As limitações físicas apresentadas pelos
pacientes com AR podem levar a uma redução na prática de
exercícios e risco elevado de eventos cardiovasculares.9 Embora a prática de atividade física seja um importante fator no
tratamento dos pacientes com AR, não há estudos brasileiros
sobre a prevalência de atividade física entre pacientes com
AR inicial.
O objetivo do presente estudo foi investigar o percentual de pacientes com AR inicial que praticam algum tipo de
atividade física estruturada de forma regular, bem como determinar o tipo de atividade física mais praticada. Secundariamente, objetivou-se avaliar a possível associação entre a
prática de atividade física e parâmetros demográficos (sexo,
idade, nível de escolaridade), atividade da doença, incapacidade funcional, dados clínicos (tabagismo, etilismo, presença
de comorbidades) e tratamento medicamentoso da AR, incluindo o uso de drogas modificadoras do curso da doença
(DMCD) sintéticas e biológicas.
Pacientes e métodos
Foram avaliados pacientes da Coorte Brasília de AR Inicial,10,11
que é uma coorte incidente de pacientes com diagnóstico de
AR inicial, acompanhada no ambulatório de Reumatologia
do Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasí-
396
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9
lia. Para a inclusão nessa coorte, AR inicial é definida como
a ocorrência de sintomas articulares compatíveis com dor e
edema articular de padrão inflamatório, com ou sem rigidez
matinal ou outras manifestações sugestivas de doença inflamatória articular, avaliadas por um único observador12,13 com
duração superior a 6 semanas e inferior a 12 meses, independente de satisfazer os critérios do American College of Rheumatology (ACR).14 Todos os pacientes selecionados preenchiam
restrospectivamente os critérios EULAR/ACR 2010.15
Os pacientes receberam o esquema terapêutico padrão utilizado no serviço, incluindo as DMCD sintéticas ou biológicas,
de acordo com a necessidade. O estudo foi realizado no período de março a maio de 2012, com entrevista direta e revisão
de prontuário. A cada paciente foi aplicado um questionário
estruturado, obtendo-se informações sobre sexo, idade, anos
de educação formal, prática de atividade física, índice de atividade da doença (Disease Activity Score 28 - DAS28),16 questionário de incapacidade funcional (Health Assessment Questionnaire – HAQ),17 hábitos de vida como tabagismo ou etilismo,
presença de comorbidades e tratamento medicamentoso.
Para a identificação do tipo de exercício, regularidade e duração da atividade física, foi aplicado um questionário adaptado do estudo de Valkeinen et al., que consiste em três perguntas18:
1) Nos últimos seis meses, que tipo de exercício físico você
faz regularmente, durante uma semana?
2) Com que frequência semanal você realiza este exercício
mencionado previamente?
3) Qual a duração média, em minutos, de uma única sessão
de exercício físico?
Os pacientes selecionados de forma consecutiva na Coorte
participaram voluntariamente do estudo, após esclarecimentos sobre o teor da pesquisa e depois de assinarem o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina
da Universidade de Brasília (CEP-FM 074/2005).
A análise estatística descritiva foi utilizada para avaliação
das características gerais da população em estudo. Os testes
t de Student ou Mann-Whitney foram usados para a análise
das variáveis contínuas. Para avaliar a relação entre atividade física e escolaridade, tabagismo, etilismo, presença de comorbidades e tratamento foram utilizados os testes do qui-quadrado ou exato de Fischer quando apropriado. O nível de
significância de 5% (P < 0,05) foi utilizado em todos os testes
estatísticos.
Resultados
No período de março a maio de 2012 foram entrevistados no
HUB 72 pacientes da Coorte Brasília de AR inicial, sendo 90,27%
do sexo feminino (n = 65). A média de idade foi de 50,2 ± 13,3
anos, o período médio de acompanhamento (após o diagnóstico da AR) foi de 4,2 ± 2,7 anos, a média do DAS28 foi de 3,66
e a do HAQ foi de 0,69. As características gerais da população
avaliada, com relação aos dados demográficos (sexo, idade e
escolaridade), hábitos de vida como tabagismo e etilismo e
tratamento medicamentoso estão descritas na tabela 1. A ta-
bela 2 mostra as características comparativas entre o grupos
fisicamente ativo e os sedentários com relação a atividade da
doença, incapacidade funcional, comorbidades e o tratamento
medicamentoso das drogas sintéticas e biológicas.
Tabela 1 – Características gerais dos pacientes com
diagnóstico de artrite reumatoide inicial (n = 72)
Características gerais
n (%) ou média ± desvio
padrão (n=72)
Sexo feminino
Idade média
Escolaridade
Analfabeto
Ensino fundamental
Ensino médio
Superior Completo
Superior Incompleto
Tabagismo
Tabagismo atual
Ex-tabagismo
Nunca fumou
Etilismo
Etilismo atual
Ex-etilismo
Nunca bebeu
Tratamento DMCD Sintéticas
Tratamento DMCD Biológicas
65 (90,27%)
50,2 ± 13,3
3 (4,16%)
27 ( 37,5%)
23 (31,9%)
6 (8,33%)
5 (6,94%)
8 (11,1%)
19 (26,3%)
45 (62,5%)
5 (6,9%)
3 (4,1%)
64 (88,8%)
71 (98,6%)
15 (20,8%)
Tabela 2 – Características comparativas entre os grupos
de pacientes fisicamente ativos e sedentários
Atividade Sedentários
física
n = 41
n = 31
DAS-28
HAQ
Comorbidades
HAS
Diabetes
Fibromialgia
Osteoartrite
Osteoporose
Dislipidemia
Síndrome de Sjögren
Depressão
Ansiedade
Hipotireodismo
Neoplasias
Tratamento DMCD sintéticas
Metotrexato
Antimaláricos
Leflunomida
Sulfassalazina
Tratamento DMCD biológicas
Infliximabe
Etanercepte
Adalimumabe
Rituximabe
Tocilizumabe
Abatacepte
Prednisona
P
3,51
0,60
14
1
15
0
1
7
1
5
3
4
0
3,78
0,75
19
4
10
3
4
10
1
6
8
4
1
0,32
0,27
0,88
0,38
0,062
0,25
0,38
0,91
1,0
1,0
0,33
0,7
1,0
30
24
8
9
3
5
2
0
1
2
0
0
6
41
34
9
8
5
10
3
1
3
1
0
2
9
0,4
0,77
0,9
0,5
1,0
0,5
1,0
1,0
0,6
0,5
0,5
0,9
HAS, hipertensão arterial sistêmica; DMCD, drogas modificadoras do
curso da doença.
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9
Do total de pacientes, 43,05% (31/72) estavam regularmente
ativos, segundo a resposta ao questionário. Entre os pacientes
que realizam exercícios regularmente, 25 indivíduos (80,64%)
praticavam caminhadas, sendo essa a atividade física mais
frequente neste estudo. A prática de outras modalidades de
atividade física foi menos frequente, incluindo a de pilates
(2/31-6,4%), a de hidroginástica (3/31- 9,6%) e a de ginástica
localizada e de musculação (1/31- 3,22%) foram semelhantes.
No grupo fisicamente ativo, a média de tempo de exercício
físico foi de 48,22 ± 27,18 minutos, com uma frequência de 3,7
± 1,64 dias/semana. A média da idade no grupo que realiza
exercício físico foi de 49,12 anos, a média do DAS 28 foi de 3,51
e a média do HAQ de 0,60.
Nos indivíduos sedentários, a média de idade foi de 51
anos, a média do DAS foi de 3,78 e a do HAQ de 0,75.
Não houve associação entre a prática de atividade física e
dados demográficos (sexo, idade, classe social e escolaridade),
tempo de acompanhamento (após o diagnóstico da AR), atividade da doença, incapacidade funcional e outros hábitos de
vida, como tabagismo e etilismo (P > 0,05). Da mesma forma,
não se observou diferença entre os grupos com relação à frequência de comorbidades, incluindo aquelas que pudessem
influenciar a realização de exercícios, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, osteoatrose e osteoporose. Entretanto,
houve uma tendência a maior prática de atividade física entre
os pacientes com fibromialgia (32% vs. 48%, P = 0,06). Também
não houve associação entre a prática de atividade física e o
tratamento medicamentoso (DMCD sintéticas e biológicas).
Discussão
A atividade física pode ser considerada um dos componentes
de reabilitação no tratamento da AR inicial.3,4
Em nosso estudo, 43% dos pacientes da Coorte Brasília de
AR Inicial pode ser definida como fisicamente ativa, porcentagem essa superior a observada em outros estudos envolvendo
pacientes com AR19 ou até mesmo em levantamentos epidemiológicos realizados na população saudável.20,21
Em um estudo internacional de pacientes com diagnóstico
de AR realizado no período de janeiro de 2005 a abril de 2007,
em 28 cidades de 21 países com um total de 5235 pacientes,
apenas 13,8% praticam atividade física mais de três vezes na
semana.19 Nessa avaliação, segundo Sokka et al., mais de 80%
dos indivíduos em sete países e entre 60% e 80% em outros 12
países não praticavam atividade física regular, demonstrando
uma elevada prevalência de indivíduos sedentários, de forma
diversa ao que encontramos em nossa população.
A prática de atividade física entre os pacientes de nossa
Coorte também parece ser superior ao relatado na população
saudável. O sedentarismo foi verificado num levantamento
epidemiológico da prática de atividade física na cidade de São
Paulo em que foram entrevistados mil indivíduos, e somente
31,3% dos entrevistados estavam engajados em algum tipo de
atividade física.20
Dados do IBGE mostram que a prática de atividade física
entre os brasileiros é variável de acordo com a faixa etária, região demográfica e o nível socioeconômico da população.21 Em
2008, o convênio firmado entre o IBGE e o Ministério da Saúde, abordado pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de
397
Domicílios), realizou um levantamento suplementar de saúde.
Essa avaliação consistiu em 163 questões, de diversos aspectos, entre os quais a prática de atividade física foi analisada
em indivíduos maiores que 14 anos e nos seguintes domínios:
deslocamento para o trabalho, atividade laboral, realização de
faxina no ambiente doméstico e atividades físicas no lazer.
O número de indivíduos correspondeu a 142.533.480. A prevalência de indivíduos classificados como ativos no lazer foi
exatamente a mesma daqueles considerados ativos no deslocamento, correspondendo a 10,5% da população. Aproximadamente um quinto da população (20,2%) relatou não praticar
nenhuma atividade física no trabalho, lazer, deslocamento ou
domicílio.21
Embora a metodologia utilizada na pesquisa do IBGE tenha
sido diferente da empregada em nosso estudo, as diferenças
entre os resultados sugerem que a população com AR inicial
acompanhada em nossa Coorte seja fisicamente mais ativa do
que a população brasileira como um todo, fato que possivelmente decorre da orientação médica repetida sobre a importância da prática de exercícios físicos para redução de morbimortalidade da doença.
A prática de atividade física na Coorte Brasília de AR inicial
foi igualmente prevalente entre os dois sexos, resultado semelhante ao de Brodim et al. que também analisou pacientes com
AR inicial.22 Entretanto, no estudo internacional em pacientes
com AR realizado por Sokka et al.,19 o sexo feminino estava
mais associado ao sedentarismo. Considerando a população
brasileira em geral, os estudos de prevalência de atividade física nos indivíduos saudáveis demonstram que a prática de
atividade física no deslocamento e no lazer é mais prevalente
no sexo masculino, segundo os dados do IBGE.22
A idade média dos pacientes da Coorte Brasília que praticam atividade física foi de 49,2 anos, sendo um pouco inferior
à media de idade do estudo de AR estabelecida realizado por
Sokka et al. (média de idade de 57 anos)19 e do estudo de AR
inicial realizado por Brodin et al. (média de idade de 55 anos).22
Segundos os dados do IBGE, os indivíduos com maior escolaridade tendem a praticar mais atividade física, observação essa que remete a um aspecto social e econômico, em que
atividade física no lazer, por muitas vezes, encontra-se ligada
a entidades privadas e classes sociais mais altas.21 Em nosso
estudo, não observamos associação entre a prática de atividade física e a classificação social ou nível de escolaridade, o que
pode ter sido decorrente do limitado número de indivíduos
avaliados, sobretudo quando consideramos aqueles pertencentes aos estratos sociais mais elevados em nossa amostra.
De acordo com o Americam Heart Association (AHA), recomenda-se para a população geral saudável entre 18 e 65 anos
de idade, a prática de no mínimo 30 minutos de atividade física moderada pelo menos cinco vezes na semana ou 20 minutos de atividade mais vigorosa pelo menos três vezes na semana ou combinação das duas modalidades.23 As recomendações
da ACMS já foram citadas anteriormente e está indicada para
a população saudável e para os pacientes com diagnóstico de
AR. Em nosso estudo, no grupo fisicamente ativo, a média de
tempo de exercício físico foi de 48,22 ± 27,18 minutos, com
uma frequência de 3,7 ± 1,64 dias/semana.
Entre os pacientes da Coorte Brasília de AR inicial, a atividade física mais relatada foi a caminhada, dado semelhante
ao observado no levantamento epidemiológico realizado pela
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VIGITEL (Vigilância e Fatores de Risco e Proteção para Doenças
Crônicas por Inquérito Telefônico),24 talvez pela praticidade e
fácil exequibilidade dessa modalidade de atividade física. A
caminhada é uma atividade aeróbica que pode proporcionar
condicionamento físico e cardiovascular,25 entretanto, nos pacientes com AR e com inflamação ativa nas articulações de
membros inferiores, ou com comorbidades como osteoartrite
de joelhos, pode haver contraindicações relativas a essa prática.26 Assim, a prática de atividade física, incluindo a caminhada, deve ser orientada individualmente e de acordo com a condição física, atividade de doença e presença de comorbidades
de cada paciente.26
Na nossa coorte não observamos associação significativa
entre a prática de atividade física com atividade da doença
(DAS-28) ou incapacidade funcional (HAQ), resultado semelhante ao estudo de Brodim et al. em pacientes com AR inicial.
Entretanto, Hakkinen et al.27 observaram resultado diferente
em um estudo randomizado prospectivo com 62 pacientes
com diagnóstico de AR inicial.27 Nesse estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos. Um grupo realizou treinamento
de força com enfoque em todos os grupos musculares, com
50-70% de repetição máxima e o outro foi treinado somente
para amplitude de movimento sem resistência muscular, com
uma frequência de 2-3 vezes por semana. Foi observada uma
melhora significativa no DAS-28 e no HAQ no grupo que foi
submetido a um aumento da resistência muscular em relação
ao grupo de amplitude de movimento.27
Segundo Ende et al.,28 o treinamento dinâmico intenso
controlado é mais efetivo em aumentar a capacidade aeróbica, mobilidade articular e força muscular em pacientes com
AR bem controlada, porém, na Coorte Brasília de AR inicial
foi verificada uma baixa prevalência da prática de exercícios
resistidos, incluindo musculação ou qualquer outra atividade
de treino de força, como pilates (apenas três pacientes). Uma
hipótese para explicar esse fato é o custo implicado na prática
de exercícios resistidos (usualmente realizados em academias
ou centros e estúdios privados) e a ausência de um programa
de reabilitação formal no HUB, onde os pacientes poderiam ser
orientados em relação aos exercícios de resistência muscular.
De uma forma geral, na AR, é possível obter capacidade
aeróbica e força muscular sem efeitos negativos sobre o quadro de dor e atividade da doença.29 Em alguns estudos, também se observa melhora do quadro de força e mobilidade
das articulações.30
Em nosso estudo, não evidenciamos associação entre os
hábitos de tabagismo ou etilismo com a prática de atividade
física, mas é importante ressaltar que a prevalência de tabagistas e etilistas em nossa coorte foi consideravelmente baixa.
O exercício físico está bem indicado para pacientes com
aumento do risco cardiovascular, como hipertensos e diabéticos.31 Nos pacientes com AR e alguma destas comorbidades, a
atividade física ganha maior importância, pois o risco cardiovascular pode ser ainda maior nesse subgrupo de pacientes.
Entretanto, em nosso estudo, não observamos que os pacientes com diagnóstico de comorbidades (como hipertensão e
diabetes mellitus) pratiquem mais atividade física.
A atividade física também é indicada em pacientes com
outras doenças reumáticas como osteoartrite e osteoporose,
visando, entre outros fatores, o fortalecimento muscular e a
proteção articular.26 Por outro lado, estas condições podem di-
ficultar a realização dos exercícios, pois determinadas atividades e modalidade podem acarretar dor articular nos pacientes
com osteoartrite, e maior risco de fraturas, naqueles com osteoporose. No nosso estudo, não observamos influência dessas
condições na realização de atividade física em pacientes com
AR inicial. A tendência de maior prática de atividade física nos
pacientes com fibromialgia pode ser consequência da maior
orientação dada a estes pacientes, pois a atividade física tem
papel importante no tratamento da fibromialgia.32
O tratamento medicamentoso na AR inicial tem grande
importância em controlar o processo inflamatório presente
nas articulações, com o objetivo de reduzir o quadro de dor,
inflamação e consequente deformidades.33 Segundo Reid
et al., o tratamento medicamentoso na AR com biológicos,
quando associado com a atividade física proporciona melhor
qualidade de vida para o paciente.33 No nosso estudo, não
foi verificado associação entre a prática de atividade física
com o tratamento medicamentoso (DMCD sintéticas e biológicas), o que pode ter sido decorrente do pequeno número
de pacientes avaliados.
Nosso estudo apresenta algumas limitações: 1) esse foi um
estudo descritivo transversal, ou seja, não viabiliza a hipotetização de relação de causa e efeito; 2) o estudo foi realizado em
apenas um centro hospitalar; portanto, a generalização dos
nossos resultados para a população geral de indivíduos com
AR inicial deve ser feita com a devida cautela. Apesar das limitações metodológicas, no entanto, esse é o primeiro estudo sobre prática de atividade física entre pacientes com AR inicial,
e os resultados observados podem embasar futuros estudos e
intervenções na área.
Conclusão
Na Coorte Brasília de AR inicial, há maior prevalência de indivíduos sedentários em relação aos que praticam algum tipo
de atividade física regular. Entretanto, comparativamente aos
estudos internacionais e os dados do IBGE, a prevalência de
atividade física nesse estudo foi considerada alta (43%); a prática de caminhada foi a atividade física mais frequente. Nesse
estudo, não houve associação entre a prática de atividade física e atividade de doença e/ou incapacidade funcional.
Considerando os resultados observados, sugerimos que o
incentivo à prática regular de atividade física por parte dos
pacientes com diagnóstico de AR inicial (incluindo atividades
resistidas) deva fazer parte dos cuidados de rotina do reumatologista, dentro das limitações e peculiaridades de cada caso,
com a finalidade de reduzir a morbi-mortalidade cardiovascular e melhorar a qualidade de vida desses pacientes.
Agradecimentos
Agradecemos às residentes que nos ajudaram na coleta de dados: Meliane Cardoso e Gabriela Jardim.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Avaliação da agregação plaquetária em presença de
anticorpos antifosfolípides: anti-β2GP1 e anticardiolipina
Harleson Lopes de Mesquitaa,*, Giuliano Reder de Carvalhoa, Fernando Monteiro Aarestrupb,
José Otávio do Amaral Corrêac, Maria Regina Andrade Azevedod
a
Departamento de Análises Clínicas, Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil
Centro em Biologia da Reprodução, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
c
Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
d
Departamento de Análises Clínicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Introdução: A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma condição autoimune que apresenta fe-
Recebido em 23 de julho de 2012
nômenos trombóticos arteriais e venosos de repetição além de complicações obstétricas.
Aprovado em 14 de maio de 2013
Sua patogênese está associada à presença de anticorpos antifosfolípides e/ou anti-β2 glicoproteína I (β2GPI) que aparentemente modificam o efeito anticoagulante da β2GPI. A dime-
Palavras-chave:
rização da β2GPI induzida por anticorpos parece estar relacionada à indução da agregação
Síndrome antifosfolípide
plaquetária contribuindo para o estado trombofílico na SAF.
Anticorpos antifosfolípides
Objetivos: O presente trabalho objetiva demonstrar a influencia dos anticorpos antifosfolí-
Agregação plaquetária
pides em testes de agregação plaquetária com diferentes agonistas (ADP, colágeno e adrenalina).
Métodos: Foram analisados testes de agregação de plaquetas normais com diferentes agonistas (ADP, colágeno, adrenalina) na presença de soro contendo anticorpos antifosfolípides em diferentes concentrações.
Resultados: As análises obtidas mostraram uma inibição significativa (P < 0,05) nas curvas de
agregação plaquetária induzidas por ADP e adrenalina quando comparadas ao controle. O
paradoxo entre o estado protrombótico e a presença de autoanticorpos que in vitro apresentam atividade anticoagulante foi demonstrado na literatura, dificultando o entendimento
patofisiológico da síndrome antifosfolípide.
Conclusão: Os resultados obtidos demonstraram que o soro rico em anticorpos anticardiolipina e anti-β2GPI, ambas da classe IgG, interferem em testes de curvas de agregação plaquetária.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (H.L. Mesquita).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
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401
Evaluation of platelet aggregation in the presence of antiphospholipid
antibodies: anti-β2GP1 and anticardiolipin
abstract
Keywords:
Introduction: The antiphospholipid syndrome (APS) is an autoimmune condition charac-
Antiphospholipid syndrome
terized by recurrent arterial and venous thrombosis, besides obstetric complications. The
Antiphospholipid antibodies
pathogenesis is associated with the presence of antiphospholipid and/or anti-b2-glicopro-
Platelet agreggation
tein I (anti-b2GPI) antibodies that appear to change the anticoagulant activity of b2GPI.
Antibody-induced dimerization of b2GPI seems to be related to the induction of platelet
aggregation, contributing to the development of thrombosis in APS.
Objectives: The objective of the present study is to demonstrate the influence of antiphospholipid antibodies in platelet aggregation tests with different agonists (ADP, collagen, and
adrenaline).
Methods: We analyzed platelet aggregation tests with different agonists (ADP, collagen,
adrenalin) when normal platelets were exposed to serum with different concentrations of
antiphospholipid antibodies.
Results: Results demonstrated a significant inhibition in adrenalin- and ADP-induced platelet aggregation curves (P < 0.05) in all antibody concentrations tested when compared to the
control. The paradox between the prothrombotic state and the presence of autoantibodies
that show anticoagulant activity in vitro was demonstrated in the literature, making it difficult to understand the pathophysiologic mechanism of the antiphospholipid syndrome.
Conclusion: Results showed that anticardiolipin and anti-b2GPI antibodies-rich serum, both
of which belonging to the IgG class, can interfere with platelet aggregation curves.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
A síndrome antifosfolípide primária (SAF) é uma condição clínica caracterizada por fenômenos trombóticos venosos e arteriais recorrentes, mortalidade fetal com abortos repetidos
associados à presença de anticorpos antifosfolípides (aFL).1,2
Como testes laboratoriais para caracterização da SAF, inclui-se o ensaio imunoenzimático para anticorpos IgM e IgG
anticardiolipina (aCL), anti-β2 glicoproteína 1 e testes de coagulação para pesquisa do anticoagulante lúpico (LA). A confirmação da presença desses anticorpos após 12 semanas de sua
identificação no soro do paciente permite excluir os quadros
transitórios e classificar os pacientes de acordo com os critérios do XI Congresso Internacional de anticorpos antifosfolípides de Sydney, Austrália, 2006.3-5
A β2GPI, conhecida também como apoliproteína H, é um
cofator fosfolipídico com características anticoagulantes.
Apresenta papel importante na preservação da superfície do
endotélio vascular, formando um complexo com os fosfolípides e a protrombina. Tem ação inibitória na ativação do fator
XII da coagulação e parece contribuir para ativação da proteína
C. Na superfície das plaquetas, a β2GPI inibe a geração de fator
Xa, além de bloquear a agregação plaquetária e a conversão da
protrombina em trombina.6
A patogênese da SAF é ainda incerta, porém acredita-se que
interação dos autoanticorpos contra fosfolípides aniônicos ou
contra a β2GPI nas plaquetas, estaria associada à liberação de
constituintes trombogênicos. Os aFL ocupariam os espaços do
complexo β2GPI-protrombina, com a consequente ativação endotelial e plaquetária.7
Uma análise sucinta das diversas formas clínicas da SAF,
dos elementos tidos como participantes do processo fisiopato-
lógico da doença como as plaquetas, trombina e β2GPI torna-se
necessária para o entendimento da fisiopatologia desta síndrome. A busca das principais razões para esse fenômeno proporcionará no futuro melhores opções terapêuticas para esses
pacientes. Nesse sentido, faz-se relevante o estudo dos testes
laboratoriais empregados no diagnóstico desta síndrome.
Material e métodos
Paciente portadora de SAF
Para obtenção do soro contendo aFL foi selecionada uma paciente portadora de SAF de acordo com os critérios do XI Congresso Internacional de anticorpos antifosfolípides de Sydney,
Austrália, 2006.3 O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética
em pesquisa da Universidade Santo Amaro com parecer número 069/2011 e a paciente assinou o TCLE.
A paciente, de 24 anos, residente em Volta Redonda, RJ,
apresentou quadro de aborto espontâneo ocorrido em novembro de 2000 na 12ª semana de gestação com recorrência
em março de 2002 em sua segunda gestação, por volta de 18
semanas. O resultado histopatológico da segunda perda gestacional demonstrou autólise parcial de feto e placenta devido
a infartos isquêmicos extensos sugestivos de trombose venosa profunda de origem materna. Logo após a segunda perda
gestacional (maio de 2002), a paciente passou a apresentar
hipertensão arterial e a experimentar episódios de ausências
que foram relacionados à provável quadro de isquemia cerebral, levando ao clínico que a acompanhava a suspeita de
distúrbios protrombóticos e circulatórios.
Os testes solicitados para triagem pelo clínico em maio
de 2002 demonstraram: TTPa 28s com valores normais (VN)
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25-35s e RNI 1,0; fator antinuclear (FAN) e fator reumatoide: não reagentes; VDRL positivo título 1:4; FTA – ABS IgM e
IgG negativos; Coombs direto positivo; anticorpos aCL IgG 65
GPL (negativo < 10 GPL); anticorpos aCL IgM 15 MPL (VN < 10
MPL). O hemograma demonstrou leucometria global de 6.500/
mm3 (VN = 4.500-11.000) com diferencial sem particularidades; série vermelha em discreta anemia com hematócrito
35% (VN = 37-47%); hemoglobina 11,8 g/dL (VN = 12-16 g/dL);
hematimetria 3,5 milhões/mm3 (VN = 4-5,5 milhões/mm3) e
trombocitopenia discreta com 135.000 plaquetas/mm3 (VN =
150.000-400.000 plaquetas/mm3). Os testes bioquímicos não
demonstraram alterações de glicemia e em marcadores de lesão hepática (AST, ALT, bilirrubinas) e a paciente apresentou
discreta alteração do clearence de creatinina no valor de 85
mL/min (VN = 97-130 mL/min).
Os anticorpos aCL se mostraram positivos em outras duas
dosagens acompanhando testes de rotina da paciente em setembro de 2002 (aCL IgG 73 GPL e IgM 13,5 MPL) e em outubro
de 2002 (aCL IgG 63 GPL e IgM 11,5 MPL). A persistência de
positividade dos aCL em intervalos maiores que 12 semanas
entre suas dosagens (maio, setembro, outubro) associados aos
critérios clínicos de abortos de repetição da paciente permitiram caracterizá-la como portadora de síndrome antifosfolípide primária, segundo critérios estabelecidos em Sydney,
2006.3 Houve a instituição de terapia anticoagulante acompanhada por resultados periódicos de TAP e RNI.
Anticorpos aFL
Foram coletadas da paciente, por meio de punção venosa em
tubo sem anticoagulante, uma amostra por mês de sangue
total, por um período de três meses. As amostras foram centrifugadas a 3.000 rotações por minuto (rpm) durante 10 minutos, e o soro denominado, seguindo a ordem de obtenção
como amostra 1 (A1), amostra 2 (A2) e amostra 3 (A3). Como
a paciente fazia uso contínuo de anticoagulantes orais, sob
supervisão do clínico responsável e com avaliação severa de
possíveis riscos para a paciente, houve suspensão completa
desses medicamentos nos sete dias anteriores às datas de
cada coleta, no sentido de evitar interferência medicamentosa no procedimento.8
A pesquisa de LA realizada por meio do teste do veneno da
víbora de Russell (Dade Behring®) foi negativa (teste automatizado integrado que inclui teste de triagem e confirmatório) e
confirmado em teste de TTPa com ativador em sílica.9
A quantificação dos aFL para aCL e anti anti-β2-GPI foi
realizada utilizando a técnica de imunoensaio EliA IgG/
IgM (ImmunoCAP 250, Phadia, Pharmacia Diagnostics®),
com sensibilidade e especificidade similar a outros métodos imunoenzimáticos como o ELISA para pesquisa de anticorpos antifosfolípides.10 Os resultados foram relatados em
unidades fosfolipídicas IgG (GPL) e unidades fosfolipídicas
IgM (MPL), onde 1 unidade é igual a 1 mg/mL de IgG ou IgM
(tabelas 1 e 2).
Teste de agregação plaquetária
O pool de plasma rico em plaquetas (PRP) foi obtido de 20 voluntários sadios com idades entre 28 e 43 anos, sem histórico
de distúrbios de coagulação, com TP e TTPa normais. Após ob-
tenção do pool, o mesmo foi submetido à pesquisa de aFL (anticorpos anticardiolipina IgM e IgG e anti – β2 – GPI IgM e IgG)
pela mesma metodologia que as amostras ricas em aFL com
resultados negativos (inferior a 10 MPL para aCL IgM e inferior
a 10 GPL para aCL IgG). As amostras de sangue total foram
coletadas em tubo contendo anticoagulante citrato de sódio
na proporção 1:9 e submetidas à centrifugação de 1.000 rpm
por 15 minutos. O pool de plasma obtido foi utilizado como
controle para as curvas de agregação. Um plasma pobre em
plaquetas (PPP) foi obtido desses pacientes para calibração do
agregômetro após centrifugação a 2.500 rpm por 10 minutos.
Os agonistas utilizados foram: ADP (1 mL -1 nM), colágeno (0,5
mL - 1 mg/mL) e adrenalina (0,5 mL – 1 mg/mL) (Chrono-par®,
Chrono-log Corporation, USA) e os testes de agregação plaquetária realizados em agregômetro Chrono-log modelo 530
(Biomédica S/C Ltda).
As amostras de soro contendo anticorpos aFL, A1, A2 e A3
foram adicionadas ao PRP com volume final de 500 mL (tabela 3) e submetidas a agregação. O número de plaquetas nas
amostras foi verificado e padronizado em 300.000 plaquetas/
mm3 em todas as amostras, número adequado para testes de
agregação no equipamento utilizado.11 A análise dos resultados foi realizada utilizando o teste estatístico de Mann-Whitney adotando como índice de significância P < 0,05.
Tabela 1 – Resultados de anticorpos aFL das amostras
A1, A2 e A3
ACL,
anticorpos IgM
A1
A2
A3
Valores de
referênciaa
12,3 MPL
10,5 MPL
10,8 MPL
IgM:
Negativo → Inferior
a 10 MPL
Indeterminado →
10-19 MPL
Moderada reatividade
→ 20-80 MPL
Forte reatividade →
Acima de 80 MPL
ACL,
anticorpos IgG
71,1 GPL
71,9 GPL
72,4 GPL
IgG:
Negativo → Inferior
a 10 GPL
Indeterminado →
10-19 GPL
Moderada
reatividade → 2080 GPL
Forte reatividade →
Acima de 80 GPL
a
Valores de referência para a metodologia EliA IgG/IgM (ImmunoCAP
250, Phadia, Pharmacia Diagnostics®).
Tabela 2 – Resultados de anticorpos anti-β2 GPI das
amostras A1, A2 e A3
β2 GPI,
anticorpos IgM
A1
A2
A3
Valores de referência
Menor que 5 U/mL
Menor que 5 U/mL
Menor que 5 U/mL
IgM:
Negativo → Inferior
a 5 U/mL
Indeterminado →
5-8 U/mL
Positivo → Acima de
8 U/mL
β2 GPI,
anticorpos IgG
Maior que 100 U/mL
Maior que 100 U/mL
Maior que 100 U/mL
IgG:
Negativo → Inferior
a 5 U/mL
Indeterminado →
5-8 U/mL
Positivo →Acima de
8 U/mL
403
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4
Tabela 3 – Volume de adição de amostras A1, A2 e
A3 em plasma rico em plaquetas para agregação
plaquetária
Amostra
Volume
adicionado
Volume
PRP
Volume e
concentração da
solução agregante
adicionada
A1/A2/A3
50 μL
450 μL
ADP (1 μL – 1 nM)
A1/A2/A3
100 μL
400 μL
ADP (1 μL – 1 nM)
A1/A2/A3
150 μL
350 μL
A1/A2/A3
50 μL
450 μL
A1/A2/A3
100 μL
400 μL
A1/A2/A3
150 μL
350 μL
ADP (1 μL – 1 nM)
Colágeno
(0,5 μL – 1 mg/mL)
Colágeno
(0,5 μL – 1 mg/mL)
Colágeno
(0,5 μL – 1 mg/mL)
A1/A2/A3
50 μL
450
Adrenalina (1 μL – 5 nM)
A1/A2/A3
100 μL
400
Adrenalina (1 μL – 5 nM)
A1/A2/A3
150 μL
350
Adrenalina (1 μL – 5 nM)
Resultados
As tabelas 4, 5 e 6 apresentam a média e o desvio padrão
(M±DP) dos resultados da agregação plaquetária expressos
em % após 5 minutos utilizando o pool de PRP controle e após
a adição dos aFL nas diferentes concentrações A1, A2, A3.
A tabela 4 para o agregante adrenalina demonstra queda
estatisticamente significante (P < 0,05) nos valores de agregação plaquetária em presença soro rico em anti-β2GP1 IgG
e aCL IgG.
Em relação ao agonista ADP demonstrado na tabela 5 houve também inibição estatisticamente significativa nas duas
maiores concentrações de anti-β2GP1 IgG e aCL IgG (P < 0,05).
Tabela 4 – Média do % agregação A1, A2, A3 após 5
minutos de agregação com adrenalina
Controle
A1 = 70%
A2 = 70%
A3 = 70%
Média = 70%
50 μL
100 μL
150 μL
A1 = 59%
A2 = 61%
A3 = 56 %
Média = 59%
P = 0,016
A1 = 56%
A2 = 60%
A3 = 52%
Média = 56%
P = 0,026
A1 = 53%
A2 = 57%
A3 = 50%
Média = 53%
P = 0,014
Houve inibição significativa no teste Mann-Whitney com P < 0,05
para amostras A1, A2 e A3 para o agonista adrenalina.
Tabela 5 – Média do % agregação A1, A2, A3 após 5
minutos de agregação com ADP
Controle
A1 = 74%
A2 = 74%
A3 = 74%
Média = 74%
50 μL
100 μL
150 μL
A1 = 74%
A2 = 58%
A3 = 58%
Média = 63%
P = 0,184
A1 = 59%
A2 = 63%
A3 = 58%
Média = 60%
P = 0,012
A1 = 58%
A2 = 56%
A3 = 51%
Média = 55%
P = 0,012
Houve inibição significativa no teste Mann-Whitney com P < 0,05
para amostras A1, A2 e A3 para o agonista ADP nos volumes de 100
μL e 150 μL.
Para o agonista colágeno, cujos valores estão demonstrados na tabela 6, não houve influência estatisticamente significante de anti-β2GP1 IgG e aCL IgG (P > 0,05).
Discussão
A SAF tem como característica a associação de diversos aspectos clínicos, incluindo eventos trombóticos de origem arterial
ou venosa e morbidade na gravidez (perda fetal recorrente,
pré-eclâmpsia, eclâmpsia e abortos espontâneos) associada à
presença de aFL.12
O termo SAF parece incorreto devido à descoberta de que
algumas classes de aFL não são direcionados contra fosfolípides, mas contra proteínas em complexos com fosfolípides,
como β2GPI, protrombina e anexina V.5,13-15 Estudos anteriores
sugerem que anticorpos anti-β2GPI em complexos com β2GPI
ativam plaquetas, contribuindo potencialmente para tendência trombótica do paciente portador da SAF. Todavia, a presença de aFL não implica diretamente no desenvolvimento da SAF,
podendo estar presente em até 1% da população normal e em
3% de indivíduos idosos.16-18
Com o objetivo de verificar se os indícios de hiperatividade plaquetária in vivo se reproduziriam in vitro foi realizada a
análise das curvas de agregação plaquetária com diferentes
agonistas na presença de soro humano rico em aFL de paciente portador da SAF primária diagnosticada segundo critérios
do XI Congresso Internacional de anticorpos antifosfolípides
occorido em Sydney no ano de 2006. As amostras coletadas
da paciente em diferentes intervalos apresentaram valores
elevados de aCL da classe IgG, apontados pela literatura com
maior relevância em relação a aCL da classe IgM em relação a
fenômenos trombóticos.19 Os anticorpos anti-β2-GPI também
apresentaram alta concentração para IgG nas três amostras coletadas (> 100 U/mL). Esses anticorpos são primordiais para os
aspectos clínicos da SAF, pois, a proteína plasmática β2-GPI na
qual se ligam apresenta grande afinidade por fosfolípides aniônicos, servindo como cofator para o desenvolvimento da SAF.20
Os resultados demonstraram para os agregantes adrenalina
em todas as concentrações de anticorpo e para o ADP nas duas
maiores concentrações de anticorpo uma inibição na agregação plaquetária estatisticamente significativa (P < 0,05). Para o
agregante colágeno a inibição não foi significativa.
Esse aparente paradoxo entre aFL e inibição de agregação
plaquetária também foi demonstrado em trabalho recente,
onde níveis elevados de anticorpos anti-β2GPI reduziram significativamente a agregação de plaquetas (inibição esta, pro-
Tabela 6 – Tabela Média do % agregação A1, A2, A3 após
5 minutos de agregação com colágeno
Controle
A1 = 70%
A2 = 67%
A3 = 67%
Média = 68%
50 μL
100 μL
150 μL
A1 = 69%
A2 = 65%
A3 = 65%
Média = 66%
P = 0,378
A1 = 69%
A2 = 63%
A3 = 60%
Média = 64%
P = 0,267
A1 = 68%
A2 = 62%
A3 = 53%
Média = 61%
P = 0,246
Não houve inibição significativa no teste Mann-Whitney com
P > 0,05 para amostras A1, A2 e A3 para o agonista colágeno.
404
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4
porcional a concentração desses anticorpos) em presença dos
agregantes ADP e colágeno.21
A inibição da agregação após adição de soro com aCL e anticorpos anti-β2GPI in vitro sugere que outros fatores estejam implicados no fenômeno trombótico que ocorre in vivo. A ativação
de células endoteliais, lesão vascular do endotélio mediada por
oxidantes, interferência nas proteínas ligantes de fosfolípides
aniônicos responsáveis pela regulação hemostática, interação
desses anticorpos com monócitos ou anticoagulantes naturais
como as proteínas S e C também podem justificar os fenômenos de vaso-oclusão.22 Outra possibilidade sugerida seria que
os anticorpos anti-β2GP1 possam inibir a liberação de grânulos
densos plaquetários e ainda inibir a via metabólica do ácido
araquidônico.21
Em uma seleção de trabalhos clínicos realizados com aFL
apenas AL foram relacionados de forma consistente como fator
de risco para fenômenos clínicos de trombose. Entretanto, estudos com aCL e anticorpos anti-β2GP1 foram inconclusivos e em
parte controversos. Os aCL IgG e anti-β2GP1 IgG demonstraram
maior relação em processos trombóticos (aCL relacionados a
situações mais específicas de derrame cerebral e lesões miocárdicas) que os respectivos da classe IgM, mas não apresentaram
a relação estreita que AL tem com esses fenômenos.23
Os dados citados anteriormente parecem importantes para
a interpretação dos nossos resultados de inibição de agregação
plaquetária já que a dosagem de AL da paciente portadora de
SAF primária se mostrou negativa em seu soro nas amostras
utilizadas para teste e esses anticorpos estão mais relacionados aos quadros clínicos de trombose.
Além disso, outros autores demonstraram em pacientes
com complicações trombo-embólicas a presença de autoanticorpos que, in vitro, apresentaram atividade anticoagulante e
provocaram alongamento em testes de coagulação.20
Os resultados deste trabalho sugerem que efeito trombótico
de aFL in vivo pode estar associado ao tipo de anticorpo presente no paciente portador de SAF e a outros fatores que não se
apresentaram no teste de agregação in vitro. A utilização desses
testes de agregação para diagnóstico podem levar a equívocos
de interpretação e o não encaminhamento do paciente a pesquisa de aFL mesmo que apresentem sintomatologia compatível com SAF.
Agradecimentos
Agradecemos aos profissionais dos laboratórios de Análises
Clínicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), do Hospital Samaritano (SP) e a Universidade de Santo Amaro (SP).
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Sintomas de doença e adaptação psicológica em pacientes
brasileiros com esclerodermia
Catarina Correia Leite, Ângela Costa Maia*
Centro de Investigação em Psicologia, Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Portugal
informações
resumo
Histórico do artigo:
Objetivo: Caracterizar a prevalência e o impacto dos sintomas de esclerodermia em pa-
Recebido em 5 de agosto de 2012
cientes brasileiros e descrever sua satisfação com o atendimento médico e sintomas psi-
Aceito em 20 de maio de 2013
cológicos.
Métodos: Cento e vinte e oito pacientes brasileiros com esclerodermia participaram em uma
Palavras-chave:
pesquisa online preenchendo a versão portuguesa do Canadian Scleroderma Patient Sur-
Atendimento médico
vey of Health Concerns and Research Priorities. A média de idade dos participantes foi 38
Esclerodermia
anos (DP = 12,33) e a maioria dos participantes era constituída por mulheres (n = 108, 88%).
Sintomas psicológicos
Resultados: Endurecimento/retesamento da pele, coceira na pele e dor articular foram sintomas informados como mais freqüentes, enquanto que dor muscular e dificuldade para
subir escadas foram sintomas informados como tendo maior impacto. Os participantes
informaram insatisfação em relação ao atendimento médico. As avaliações psicológicas
sugeriram que o percentual de participantes com pontuação acima dos valores clínicos
para depressão foi significativamente elevado (90%; n = 77). Além disso, 48% (n = 42) dos
participantes se enquadravam nos critérios clínicos para transtorno da ansiedade e 40% (n
= 35) dos participantes se enquadravam nos critérios clínicos de fobia social. Finalmente,
69% (n = 88) dos participantes informaram transtornos da imagem corporal.
Conclusões: Os sintomas físicos e psicológicos associados com esclerodermia têm impacto
significativo na qualidade de vida dos pacientes. Na presente amostra, os pacientes brasileiros informam níveis mais altos de insatisfação com o atendimento médico, em comparação com pacientes do Canadá e de países europeus. Esses pacientes brasileiros também
informam mais casos de psicopatologia, particularmente sintomas de depressão. Nossos
resultados sugerem que há necessidade que os profissionais levem em consideração os
problemas individuais dos pacientes com esclerodermia e cuidem desses problemas.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (A.C. Maia).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
406
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Symptoms of disease and psychological adaptation in Brazilian
scleroderma patients
abstract
Keywords:
Objective: To characterize the prevalence and impact of symptoms of scleroderma in Brazil-
Medical care
ian patients and to describe their satisfaction with medical care and psychological symp-
Scleroderma
toms.
Psychological symptoms
Methods: One-hundred and twenty eight Brazilian scleroderma patients participated in an
online survey by filling out a Portuguese version of the Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities. The mean age of participants was 38 years
old (SD = 12.33), and most of the participants were females (n = 108, 88%).
Results: Hardening/tightening of skin, itchy skin and joint pain were symptoms reported
as being most frequent, whereas muscle pain and difficulty climbing stairs were symptoms reported as having a higher impact. Participants reported dissatisfaction regarding
the medical care. Psychological evaluations suggested that participants who scored above
clinical values for depression was significantly high (90%; n = 77). In addition, 48% (n = 42)
of participants fit the clinical criteria for anxiety disorder, and 40% (n = 35) of participants
fit the clinical criteria of social phobia. Finally, body image disturbance was reported by 69%
(n = 88) of participants.
Conclusions: The physical and psychological symptoms associated with scleroderma have
a significant impact on patient quality of life. The Brazilian patients in the current sample
report higher levels of dissatisfaction with medical care than patients from Canada and European countries. These Brazilian patients also report more psychopathology, particularly
symptoms of depression. The current results suggest that there is a need for professionals
to consider and attend to the individual problems of scleroderma patients.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
Esclerodermia, ou esclerose sistêmica, é uma doença do tecido conjuntivo causadora de disfunção vascular, inflamatória e
fibrótica de sistemas do organismo.1 A etiologia dessa doença
crônica permanece desconhecida. As características da esclerodermia são: lesão microvascular, excessiva deposição de
colágeno na pele e em órgãos, fenômeno de Raynaud e endurecimento da pele.2 A esclerodermia pode danificar o funcionamento dos sistemas respiratório, gastrintestinal e cardíaco,
além de prejudicar a função renal. Em consequência, a esclerodermia causa intensa morbidez, estando associada a altos
percentuais de mortalidade.1 Outros sintomas de esclerodermia são os transtornos musculoesqueléticos, como dor articular, artrite, contraturas por flexão das articulações e astenia
muscular.3 Considerando que a esclerodermia é uma doença
rara com inúmeros sintomas, pode ser difícil diagnosticar e
fazer um prognóstico preciso com base na sintomatologia.4
As doenças reumáticas envolvem alterações físicas que
têm correlação com a progressão da doença; contudo, a esclerodermia envolve alterações físicas que são ainda mais
visíveis5 e que tendem a piorar com o passar do tempo.6 Na
maioria dos casos, essas desfigurações físicas tendem a se localizar no rosto e nas mãos. Nos estágios iniciais da doença,
as alterações físicas são: inchaço dos dedos das mãos, perda
das pregas cutâneas naturais, avivamento do tono cutâneo,
hipo- ou hiperpigmentação e alterações faciais, que podem
incluir uma alteração no aspecto dos olhos e nariz, perda da
flexibilidade dos lábios, perda da capacidade de abrir completamente a boca e dificuldade no fechamento completo dos
lábios.5 A insatisfação com a imagem corporal é mais prevalente em pacientes mais jovens com sintomas graves, estando associada com idade e incapacitação.7 Os resultados de
um estudo canadense sugerem que mais de três quartos dos
pacientes informaram preocupação com relação à imagem
corporal por causa da esclerodermia.6
Com relação aos sintomas depressivos, o mesmo estudo
canadense constatou que aproximadamente metade dos participantes informaram que se sentiam “abatidos, deprimidos
ou desanimados” pelo menos por alguns dias durante as duas
últimas semanas. É digno de nota que sintomas depressivos são muito comuns em pacientes com esclerodermia8 e
os resultados clínicos são negativamente influenciados pela
presença de sintomas depressivos. Estudos demonstram que
pacientes mulheres informam insatisfação com sua imagem
corporal e a depressão parece estar moderando essa relação.7
Sintomas de ansiedade também são muito freqüentes em pacientes com esclerodermia.9
Ademais, os pacientes com esclerodermia exibem grande morbidade física e psicológica, e há custos associados ao
uso regular do atendimento médico, com longos períodos de
morbidade.10 A Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities sugere que pacientes com
esclerodermia ficam mais insatisfeitos com o atendimento
médico em comparação com outros pacientes cronicamente
enfermos.6
Entretanto, até agora a frequência e o impacto dos sintomas de esclerodermia e os sintomas psicológicos exibidos por
pacientes com esclerodermia foram estudados apenas no Canadá e na Europa. Esse estudo pretende deter-se mais nessa
407
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1
pesquisa, investigando o impacto psicossocial em pacientes
de esclerodermia vivendo em condições geográficas e culturais diferentes. Especificamente, esse estudo se concentra em
pacientes com esclerodermia vivendo no Brasil, um país no
qual as características climáticas e culturais diferem significativamente dos países europeus e do Canadá. Exemplificando, evidências sugerem que o clima frio exacerba os sintomas
de esclerodermia, por causar o fenômeno de Raynaud e dor
em articulações e músculos. Contudo, não está claro como os
pacientes no Brasil, onde o clima é quente, se saem com relação aos pacientes vivendo no Canadá e em países europeus.
Outra diferença cultural relevante entre esses países está
relacionada à imagem corporal. Especificamente, pacientes
brasileiros podem ficar mais preocupados com sua imagem
corporal porque, graças ao clima quente, seus corpos ficam
mais expostos ao longo do ano. Além disso, em geral a imagem
corporal é importante no Brasil; e visto que a enfermidade afeta principalmente as mulheres, esperamos percentuais mais
elevados de insatisfação com a imagem corporal na amostra
brasileira. Finalmente, considerando que a esclerodermia é
doença rara, isso pode estar relacionado às dificuldades específicas ao acesso a um atendimento apropriado, o que pode
diminuir a satisfação dos pacientes com os serviços médicos
e afetar seu bem-estar global. Portanto, o presente estudo teve
por objetivo explorar os percentuais de satisfação com o atendimento médico entre pacientes com esclerodermia.
À luz dos problemas mencionados acima, os objetivos do
presente estudo foram: (1) caracterizar os principais sintomas
de esclerodermia e seu impacto em pacientes com esclerodermia no Brasil; (2) avaliar quem firmou os diagnósticos e
como os pacientes avaliaram sua satisfação com o atendimento médico em termos de satisfação geral, qualidade
técnica, conduta interpessoal, comunicação, despesas financeiras, tempo gasto com o médico, acessibilidade e conveniência; (3) descrever os sintomas psicológicos, inclusive sintomas depressivos, de ansiedade e de fobia social; (4) avaliar
o impacto da aparência física no funcionamento social; e (5)
avaliar os preditores de depressão, ansiedade, fobia social e
imagem corporal em pacientes brasileiros com esclerodermia, com controle para nível educacional, uma variável que
sabidamente influencia o ajuste psicológico.
Instrumentos
Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities.11 O questionário foi entregue a nós pelos
autores originais; tivemos a devida autorização para traduzir o questionário. O questionário foi traduzido, passou por
tradução reversa e foi validado para o idioma português europeu. Esse questionário avalia os aspectos mais importantes
da vida com esclerodermia, contendo as 11 seções a seguir:
dados demográficos, diagnóstico e doença, utilização dos serviços de saúde, reembolso de serviços de saúde, necessidades de reembolso de serviços de saúde, tipo de atendimento
médico, sintomas, ocupação, sensibilidade, aspecto físico e
comentários. Para as finalidades do presente estudo, foi analisado apenas um subgrupo dessas seções. As seções estão
descritas na tabela 1.
Tabela 1 – Seções e objetivos/conteúdo de cada seção da
Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns
and Research Priorities (Taillefer SS, Bernstein J, Schieir
O, Buzza R, Hudson M, Scleroderma Society of Canada
et al. Canadian Scleroderma Survey of Health Concerns
and Research Priorities. 2010, Portuguese version, Leite
C, Maia A, 2011. Escola de Psicologia, Universidade do
Minho), conforme foram utilizados no estudo
Seções
Diagnóstico e
doença
Atendimento
médico
Satisfação com
o atendimento
médico
Pacientes e métodos
Participantes
Sintomas
A amostra consistiu de 128 pacientes brasileiros com esclerodermia. A média de idade dos participantes foi 38 anos (DP =
12,33) e a maior parte da amostra estava constituída por mulheres (n = 108, 88%) e brancos (n = 99, 81%). Em sua maioria,
os participantes eram casados ou viviam em estado marital (n
= 71,60%). Apenas dois participantes viviam sozinhos. Vinte e
sete por cento (n = 31) da amostra tinham trabalho em tempo
integral. 39% (n = 24) dos participantes tinham grau universitário, 16% (n = 10) completaram o curso secundário e 26% (n =
16) tinham nível primário de educação.
Em sua maioria, os participantes informaram ter sido diagnosticados com esclerodermia difusa (n = 51,46%) ou com esclerodermia limitada (n = 18,16%).
Ocupação
Objetivos/conteúdo
Descrever o quadro clínico dos participantes.
Avaliar como os pacientes com esclerodermia
se sentem com relação ao atendimento
médico oferecido.
Esta parte está organizada de acordo
com os sete domínios a seguir: satisfação
geral, qualidade técnica do atendimento,
conduta interpessoal, comunicação,
aspectos financeiros, tempo gasto com o
médico, e acessibilidade e conveniência do
atendimento. As opções de resposta variaram
de 1 (concorda enfaticamente) até
5 (discorda enfaticamente) e os itens foram
pontuados de forma que os escores mais
altos refletiam satisfação com o atendimento
médico. Essa seção se baseia em uma
pesquisa publicada: The Patient Satisfaction
Questionnaire (Marshall GN, Hays RD. The
patient satisfaction questionnaire shortform (PSQ-18). Santa Monica, CA: Rand
Corporation; 1994).
As perguntas tomam por base o instrumento
The Scleroderma Assessment Questionnaire
(SAQ) (Ostojic PS, Damjanov NS., The
scleroderma assessment questionnaire
(SAQ). Z Reumatol. 2006;65:168-175) e
diversos artigos com o objetivo de listar
a frequência e o impacto de 69 sintomas.
As opções de resposta para “frequência do
sintoma” são: jamais, raramente, algumas
vezes, a maioria das vezes, e sempre.
As opções de resposta para “impacto
do sintoma” são: sem impacto, mínimo,
moderado, grave, e extremamente grave.
Emprego dos pacientes.
(continua na próxima página)
408
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1
Tabela 1 – Seções e objetivos/conteúdo de cada seção da
Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns
and Research Priorities (Taillefer SS, Bernstein J, Schieir
O, Buzza R, Hudson M, Scleroderma Society of Canada
et al. Canadian Scleroderma Survey of Health Concerns
and Research Priorities. 2010, Portuguese version, Leite
C, Maia A, 2011. Escola de Psicologia, Universidade
do Minho), conforme foram utilizados no estudo
(continuação)
Seções
Sensibilidade
Aparência física
Objetivos/conteúdo
Objetiva avaliar os níveis de depressão,
ansiedade e fobia social. Depressão foi
avaliada com o instrumento Patient
Health Questionnaire (PHQ-2) (Kroenke K,
Spitzer RL. The PHQ-9, a new depression
diagnostic and severity measure. Psychiatric
Annals. 2002;32:1-7). O ponto de virada
desse instrumento de dois itens é 3; igual
ou superior a 3 significa sensibilidade à
depressão grave. O primeiro item avalie
anedonia, e o segundo avalia disforia.
O somatório dos dois itens chega a um
máximo de 6. Ansiedade foi avaliada com o
instrumento Generalized Anxiety Disorder
(GAD) (Kroenke K, Spitzer RL, Williems JBW,
Monahan PO, Lowe B. Anxiety disorders
in primary care: prevalence, impairment,
comorbidity, and detection. Annals of
Internal Medicine. 2007;146:317-25). Esse
instrumento inclui dois itens e seu ponto
de virada é 3; igual ou superior a 3 significa
transtorno geral de ansiedade. O somatório
dos dois itens chega a um máximo de 6.
Finalmente, fobia social foi avaliada com
o instrumento Mini SPIN (Social Phobia
Inventory) (Connor KM, Kobak KA, Churchill
LE, Katzelnick D, Davidson JRT. Mini-SPIN: a
brief screening assessment for generalized
social anxiety disorder. Depression and
Anxiety. 2001;14:137-40). O ponto de virada
dos itens desse instrumento é 6. Igual ou
superior a seis significa transtorno geral de
ansiedade social. O somatório dos itens varia
entre 0 e um máximo de 12.
Avaliar as preocupações ligadas à imagem
corporal. As três perguntas utilizadas nessa
seção foram derivadas do instrumento The
Body Image Disturbance Questionnaire
(Cash TF, Phillips KA, Santos MT, Hrabosky JI.
Measuring “negative body image”: validation
of the body image disturbance questionnaire
in a nonclinical population. Body Image.
2004;1:363-72).
Procedimento
Contactamos a Associação Brasileira de Pacientes com Esclerose Sistêmica (ABRAPES), que divulgou o estudo para seus
associados. Os pacientes foram convidados a preencher a
pesquisa online, utilizando Survey Monkey.
Os participantes tiveram assegurada sua confidencialidade e anonimato. Os participantes não forneceram qualquer
tipo de informação pessoal, inclusive nome, data de nascimento ou número de telefone. Os dados foram coletados entre dezembro de 2010 e julho de 2011.
Análise estatística
A análise dos dados foi realizada com o uso do programa estatístico SPSS 18 (para Windows). Fizemos uma análise exploratória dos dados para verificar a normalidade e homogeneidade da distribuição das variáveis; contudo, isso não se verificou
em nossa amostra. Assim, aplicamos testes paramétricos e
não paramétricos, tendo constatado que os resultados foram
equivalentes. Finalmente, optamos por informar os resultados dos testes paramétricos, por serem mais robustos.12
Lançamos mão da estatística descritiva para descrever os
dados, e usamos estatística inferencial para testar relações
entre as variáveis. Fizemos uma análise de regressão múltipla para avaliar os preditores de depressão, ansiedade, fobia
social e imagem corporal. Nesse modelo, as variáveis que demonstraram correlações significativas com as variáveis previstas foram introduzidas como preditores. Em todas as nossas análises, estabelecemos o nível de significância em P <
0,05 e o nível de significância marginal em P < 0,1.
Resultados
A frequência e o impacto dos sintomas estão resumidos na
tabela 2. Com relação à frequência dos sintomas, os cinco sintomas mais comuns informados pelos pacientes foram: dor
articular (96%), endurecimento/retesamento da pele (90%),
azia (89%), dificuldade de concentração (88%) e dificuldade de
lembrar coisas (88%). Os cinco sintomas com o maior impacto
foram: dor muscular (91%), dor articular (84%), fenômeno de
Raynaud (84%), fadiga (83%) e dificuldade para dormir (82%).
Alguns participantes não responderam aos itens relacionados à frequência de ocorrência dos sintomas; mas todos os
participantes responderam aos itens de sondagem do impacto desses sintomas.
Quase todos os participantes informaram terem sido diagnosticados com esclerodermia por um reumatologista (n = 70,
65%). Apenas 17% (n = 18) dos participantes receberam seu
diagnóstico do primeiro médico consultado. Finalmente, 27%
(n = 29) dos participantes consultaram mais de 5 médicos antes de receber seu diagnóstico.
Os resultados derivados da seção “satisfação com o atendimento médico” estão resumidos na tabela 3. Em geral, os
participantes informaram avaliações negativas em relação ao
atendimento médico oferecido. A área de menor satisfação tinha relação com os custos financeiros da doença.
Em sua maioria, os participantes (69%, n = 75) informaram
que a esclerodermia afetou sua capacidade de trabalho. Além
disso, 90% (n = 77) dos participantes tiveram pontuação acima dos critérios clínicos para depressão, enquanto que 48%
(n = 42) e 40% (n = 35) dos participantes tiveram pontuação
acima dos critérios clínicos para ansiedade e fobia social, respectivamente. Transtorno da imagem corporal foi informado
por 69% (n = 88) dos participantes e 50% desses participantes
informaram que estavam “muito” ou “extremamente” preocupados com a aparência de algumas partes do corpo, que
consideravam especialmente pouco atraentes por causa da
esclerodermia.
A correlação entre idade, nível educacional, anos transcorridos desde o diagnóstico, frequência dos sintomas e va-
409
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1
riáveis psicossociais está apresentada na tabela 4. Conforme
ficou demonstrado, existe uma correlação significativa entre
frequência e impacto dos sintomas e entre as variáveis psicológicas. O nível educacional dos participantes não está correlacionado com outras variáveis.
O modelo de regressão múltipla utilizado para testar preditores de depressão explicou 18% da variância relacionada
aos sintomas de depressão (R2aj = 0,11, P < 0,05; F(6,69) = 2,57,
P < 0,05). A variável “impacto dos sintomas” (t = 0,31, P < 0,05)
foi o único preditor significativo nesse modelo (tabela 5). Com
relação à ansiedade, o presente modelo explicou 22% de vari-
Tabela 2 – Frequência e impacto (informado como
moderado ou extremamente grave) dos sintomas mais
informados em pacientes brasileiros com esclerodermia
Frequência n (%) Impacto n (%)
Endurecimento/
retesamento da pele
Coceira na pele
Dor articular
Dor muscular
Azia
Diarreia
Fadiga
Dificuldade para dormir
Dificuldade de
concentração
Dificuldade em lembrar
coisas
Fenômeno de Raynaud
Mudanças na cor da pele
Articulações inchadas
Dormência nos pés ou
pernas
Síndrome do túnel cárpico
Enxaquecas
Dificuldade em subir
escadas
Rigidez nas mãos
Efeitos colaterais da
medicação
Dor cutânea
Dificuldade de engolir
Dificuldade em andar
Falta de ar
Dor no peito
Ressecamento vaginal
Boca seca
Hipersensibilidade ao sol
Gosto ruim na boca à
noite
Dificuldade em abrir/
fechar torneiras
Náusea
Dificuldade em se vestir
Dificuldade em entrar/sair
do carro
Dificuldade em segurar
objetos
Olhos ressecados
Dificuldade em se lavar
Dificuldade em abrir a
boca
Dificuldade em abrir
completamente a mão
88 (90%)
97 (76%)
82 (87%)
92 (96%)
83 (87%)
89 (89%)
81 (84%)
83 (86%)
83 (80%)
85 (88%)
92 (72%)
108 (84%)
116 (91%)
102 (80%)
88 (67%)
106 (83%)
105 (82%)
93 (73%)
82 (88%)
100 (78%)
84 (86%)
81 (81%)
79 (81%)
78 (81%)
108 (84%)
88 (69%)
104 (81%)
104 (81%)
79 (81%)
76 (79%)
74 (76%)
106 (83%)
96 (75%)
110 (86%)
72 (76%)
73 (75%)
109 (85%)
105 (82%)
72 (75%)
73 (75%)
70 (74%)
70 (74%)
73 (74%)
54 (74%)
71 (73%)
70 (73%)
72 (73%)
109 (85%)
94 (73%)
107 (84%)
104 (81%)
96 (75%)
101 (79%)
94 (73%)
102 (80%)
95 (74%)
69 (73%)
104 (81%)
69 (72%)
68 (71%)
69 (70%)
95 (74%)
101 (79%)
103 (81%)
68 (70%)
102 (80%)
67 (70%)
66 (70%)
66 (68%)
109 (85%)
97 (76%)
105 (82%)
64 (66%)
97 (76%)
Tabela 3 – Satisfação com o atendimento médico em
pacientes brasileiros com esclerodermia
Média (DP)
Satisfação geral
Qualidade técnica do atendimento
Conduta interpessoal
Comunicação
Aspectos financeiros
Tempo gasto com o médico
Acessibilidade e conveniência
2,24 (1,49)
2,30 (1,40)
2,59 (1,70)
2,40 (1,58)
1,93 (1,41)
2,29 (1,56)
2,17 (1,45)
ância nos sintomas de ansiedade (R2aj = 0,16, P < 0,01; F(5,70)
= 3,85, P < 0,01). As variáveis “frequência dos sintomas” (t =
-2,53, P < 0,05) e “imagem corporal” (t = 1,82, P < 0,1) foram
os dois preditores significativos nesse modelo. Com relação
aos sintomas de fobia social, o presente modelo explicou 34%
de variância relacionada à fobia social (R2aj = 0,28, P < 0,001)
(F(6,69) = 5,96, P < 0,001), em que a variável “imagem corporal”
(t = 4,45, P < 0,001) foi o único preditor significativo de fobia
social. Finalmente, com relação à imagem corporal, o presente modelo explicou 28% da variância relacionada à imagem
corporal (R2aj = 0,23, P < 0,001) (F(4,65) = 6,19, P < 0,001). Nesse
modelo, “anos de diagnóstico” (t = 1,82, P < 0,1) e “fobia social”
(t = 3,76, P < 0,001) foram os dois preditores significativos de
variabilidade para “imagem corporal”.
Discussão
Em nosso estudo, pretendemos avaliar os sintomas mais
freqüentes vivenciados por pacientes brasileiros com esclerodermia e o impacto desses sintomas no cotidiano dos pacientes. Além disso, objetivamos avaliar o nível de satisfação
dos participantes com seu atendimento médico e avaliar também os níveis de depressão, ansiedade, fobia social e imagem
corporal dos participantes. Finalmente, pretendemos avaliar
os preditores de depressão, ansiedade, fobia social e imagem
corporal.
No que tange à frequência dos sintomas, nossos resultados
foram similares aos achados de uma amostra canadense e de
amostras europeias.6,13 Curiosamente, embora as evidências
sugiram que o fenômeno de Raynaud fica exacerbado pelo
clima frio, observamos níveis similares de prevalência desse
sintoma no Brasil (i.e, 86% dos pacientes, em comparação com
94% em uma amostra canadense e com 90% em uma amostra
europeia6,13). Vale a pena notar que o estresse pode piorar o fenômeno de Raynaud, e que existem outros fatores que podem
contribuir para o atual padrão de resultados. Dentro dessa linha, sintomas como dor articular também tendem a piorar nos
climas frios; contudo, esse sintoma foi altamente prevalente
em nossa amostra do Brasil; 96% (em comparação com 94% no
Canadá e na Europa6,13). Conforme foi mencionado, esse padrão
de resultados pode ser decorrente de outros fatores, inclusive
depressão, cuja contribuição para a doença ou para o relato de
sintomas deve ser mais bem explorada em futuros estudos.
A esclerodermia permanece sendo desconhecida por muitos profissionais da saúde e durante longos períodos os sintomas tendem a ser confundidos com sintomas de outras doenças. Isso poderia explicar porque apenas 17% dos pacientes
foram diagnosticados com esclerodermia pelo primeiro médi-
410
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1
Tabela 4 – Correlações de Pearson entre as variáveis da doença e as variáveis psicossociais em pacientes brasileiros com
esclerodermia
Variável
1. Idade
2. Anos desde o diagnóstico
3. Frequência dos sintomas
4. Impacto dos sintomas
5. Imagem corporal
6. Depressão
7. Ansiedade
8. Fobia social
9. Nível educacional
1
2
3
4
5
6
7
8
0,17a
-0,15a
-0,16a
0,10
0,22a
0,24b
0,25b
-0,18
0,02
0,02
0,23b
0,17
0,12
0,10
-0,10
0,95d
-0,04
-0,19a
-0,27b
-0,28c
-0,02
-0,09
-0,20a
-0,27*
-0,32c
-0,04
0,42d
0,31c
0,47d
-0,07
0,63d
0,35c
-0,18
0,22b
0,08
-0,15
a
P < 0,1.
P < 0,05.
c
P < 0,01.
d
P < 0,001
b
Tabela 5 – Resultados da análise de regressão múltipla
para testar preditores de Depressão, ansiedade, fobia
social e imagem corporal in em pacientes brasileiros
com esclerodermia
Depressão R2(R2aj) = 0,18 (0,11); F(6,69) = 2,57b
Idade
Frequência dos sintomas
Impacto dos sintomas
Imagem corporal
Ansiedade
Fobia social
β
t
0,11
0,1
0,31
0,11
0,14
0,02
0,96
0,78
2,55b
0,84
1,15
0,12
Ansiedade: R2(R2aj) = 0,22(0,16); F(5,70) = 3,85c
Idade
Frequência dos sintomas
Imagem corporal
Depressão
Fobia social
0,16
-0,28
0,23
0,13
-0,05
1,45
-2,53b
1,82a
1,15
-0,39
Fobia social: R2(R2aj) = 0,34(0,28); F(6,69) = 5,96d
Idade
Frequência dos sintomas
Impacto dos sintomas
Imagem corporal
Depressão
Ansiedade
0,14
-0,13
0,15
0,46
0,01
-0,04
1,32
-1,19
1,34
4,45d
0,12
-0,35
Imagem corporal: R2(R2aj) = 0,28(0,23);F(6,69) = 6,19d
Anos de diagnóstico
Fobia social
0,2
0,41
1,82a
3,76d
a
P < 0,1.
P < 0,05.
c
P < 0,01.
d
P < 0,001
b
co consultado. Com base nisso, no Brasil é baixa a satisfação
com o atendimento médico dos pacientes, sendo consideravelmente mais baixa do que os níveis de satisfação informados por pacientes canadenses e europeus. Exemplificando,
em uma escala de 1 a 5, que indica “pouca” até “muita satisfação”, respectivamente, os pacientes brasileiros classificaram “aspectos financeiros” em 1,93, enquanto os pacientes
europeus e canadenses classificaram esse item no nível de
3,2. Esses resultados foram confirmados, quando compara-
mos a satisfação informada com o atendimento médico no
Canadá, Europa e Brasil, verificando que os níveis de satisfação foram mais altos tanto no Canadá como na Europa, em
comparação com o Brasil. Essas diferenças em satisfação
com o atendimento médico podem ter sua origem das diferentes condições econômicas das populações, ou da organização e/ou disponibilidade de acesso ao Serviço Nacional
de Saúde no Brasil.
Finalmente, nossos resultados demonstram que 90% dos
participantes informaram sintomas que estão acima do
ponto de virada para depressão, um achado que corrobora evidências prévias sugerindo que a depressão é comum
entre pacientes com esclerodermia.8 Esses resultados são
bem mais robustos, quando comparados com dados derivados do estudo canadense, em que 48%6 dos pacientes se
enquadram em um diagnóstico para depressão, uma diferença que levanta graves preocupações. Na presente amostra, a depressão estava associada com as variáveis de idade
e “frequência” e “impacto” dos sintomas, ansiedade e fobia
social, sugerindo que a doença está afetando os mais idosos
e aqueles pacientes exibindo mais sintomas. Nessa amostra, o sintoma “impacto” foi o principal preditor, revelando
os custos, em termos de saúde mental, das limitações associadas aos sintomas no cotidiano dos pacientes.
Com relação aos sintomas de ansiedade, os resultados
indicam que aproximadamente metade dos participantes
(48%) informaram sintomas de ansiedade. Esse resultado é
consistente com a idéia de que a ansiedade é muito prevalente em pessoas com algum tipo de desfiguração física14
e que a ansiedade é comum em pacientes com esclerodermia.9 Na presente amostra, ansiedade estava associada com
idade, frequência dos sintomas, imagem corporal, depressão e fobia social. A análise de regressão demonstrou que
“frequência de sintomas” e “imagem corporal” foram os
preditores mais significativos de ansiedade. Tendo em vista
que a esclerodermia se caracteriza por um conjunto complexo de sintomas (inclusive aqueles que contribuem para a
mudança na imagem corporal), seu tratamento é uma meta
que deve ser levada em consideração, para que a ansiedade
seja reduzida.
Com relação à fobia social, 40% dos participantes informaram esse problema. Apenas parte dos pacientes com
esclerodermia sofre desfiguração do rosto, mas mudanças
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1
nas mãos e em outras partes visíveis podem se constituir
em verdadeiro desafio para aqueles que estão afetados. A
literatura publicada sugere que pessoas com desfiguração
tendem a evitar situações sociais14 e a variável “imagem
corporal” foi o principal preditor de fobia social em nossa
amostra – um resultado que pode ser compreendido na dinâmica entre imagem corporal negativa e a atitude de evitar
situações sociais.
Finalmente, com relação ao transtorno da imagem corporal, 69% dos participantes informaram essa perturbação
em nossa amostra. Esse achado complementa o fato que
esclerodermia envolve muitas mudanças físicas em partes
visíveis do corpo.14 Mas os resultados em nossa amostra são
significativamente mais expressivos do que os derivados de
uma amostra canadense (23%).6 Essa diferença pode ser decorrente das condições climáticas específicas do Brasil, exigindo maior exposição do corpo durante a maior parte do
ano, e a conseqüente dificuldade em disfarçar as desfigurações físicas.
Conclusões
Nosso estudo oferece diversos resultados desafiadores, inclusive fortalecendo as idéias de um grave impacto da esclerodermia no funcionamento cotidiano de pacientes brasileiros
e de um percentual muito elevado de sofrimento psicológico
entre esses pacientes. A população total no Brasil é superior
a 194 milhões de habitantes e a esclerodermia afeta aproximadamente 44 em cada 100.000 pessoas.15 Esses dados estatísticos sugerem que 83.600 pessoas no Brasil podem padecer
de esclerodermia. À luz dessa estimativa, uma importante
limitação do estudo é o número relativamente pequeno de
participantes utilizados na amostra.
Uma segunda limitação importante do estudo é o método
de recrutamento dos participantes. Especificamente, a coleta de dados foi realizada mediante a colaboração de uma
associação de pacientes (ABRAPES); com isso, esse estudo
envolveu apenas pacientes que estavam de alguma forma
conectados a essa associação. Esses participantes podem
ter características que não são representativas de pacientes brasileiros com esclerodermia na população geral. Além
disso, o fato que o questionário deveria ser preenchido online pode ter limitado significativamente a abrangência de
nossa amostra. Ainda assim, é digno de nota que, mesmo
no caso de nossa amostra refletir uma parte da população
com situação socioeconômica mais favorável e com funcionamento social mais intenso, ainda é baixa sua satisfação
informada com o atendimento médico, em comparação com
a satisfação informada por pacientes de outros países, e que
os sintomas psicológicos ainda tiveram impacto negativo na
maioria dos pacientes brasileiros. Assim, em geral os dados
apresentados sugerem que os médicos precisam ficar mais
preparados para o atendimento de pacientes com esclerodermia, e que seja oferecida ajuda especializada a esses pacientes. Esperamos que o presente estudo possa motivar novas pesquisas envolvendo pacientes com esclerodermia no
Brasil, com destaque para as áreas de interesse enfatizadas
por nossos dados.
411
Agradecimentos
Associação Brasileira de Pacientes de Esclerose Sistêmica
(ABRAPES).
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Utilidade da triagem dos anticorpos anti-dsDNA por
quimioluminescência, seguida de confirmação por
imunofluorescência indireta
Maria Roseli Monteiro Calladoa,*, José Rubens Costa Limab,
Maria Nancy de Alencar Barrosoc, Antonio Tiago Mota Pinheirod,
Moisés Francisco da Cruz Netod, Maria Arenilda de Lima Abreuc, Walber Pinto Vieirae,f
a
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Célula de Vigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil
c
Laboratório de Patologia Clínica, Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil
d
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
e
Serviço de Reumatologia, Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil
f
Faculdade de Medicina, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Objetivo: Avaliar o desempenho de um imunoensaio quimioluminescente (CLIA) para os
Recebido em 28 de maio de 2012
anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta
Aprovado em 23 de abril de 2013
(IFI) sobre Crithidia luciliae.
Métodos: O sistema de automação foi previamente aprovado com 81% de eficiência, 100%
Palavras-chave:
de sensibilidade e 82% de especificidade, por processo de validação intrínseca em 179
Anti-dsDNA
amostras consecutivas de 169 pacientes no início de 2011. A seguir, esses pacientes foram
Doenças autoimunes
subdivididos em três grupos de acordo com os resultados da pesquisa dos anticorpos anti-
Lúpus eritematoso sistêmico
-dsDNA nas duas metodologias (reagentes, não reagentes e resultados discrepantes).
Quimioluminescência
Resultados: Na análise dos dados: 1) 77% (129/169) dos exames haviam sido solicitados por
Imunofluorescência indireta
médicos reumatologistas; 2) 57% (97/169) das amostras eram de pacientes lúpicos; 3) Os
resultados de CLIA, reagentes e não reagentes, estavam bem definidos e padronizados; 4)
A automação reduziu em 70% as passagens pela técnica manual com segurança e qualidade; 5) A alta prevalência de pacientes lúpicos e com nefrite entre os resultados de CLIA
falso-positivos corrobora a hipótese de que o índice real de falsa positividade do CLIA seja
menor que o encontrado inicialmente neste estudo.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Trabalho realizado no Serviço de Reumatologia e Patologia Clínica do Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (M.R.M. Callado).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
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413
Usefulness of anti-dsDNA antibody screening with
chemiluminescence followed by confirmation by indirect
immunofluorescence
abstract
Keywords:
Objective: The purpose of this study was to evaluate the performance of a chemilumines-
Anti-dsDNA
cent immunoassay (CLIA) to detect anti-dsDNA antibodies, using the indirect immunofluo-
Autoimmune diseases
rescence test (IIF) on Crithidia luciliae as a reference.
Systemic lupus erythematosus
Methods: The automation system demonstrated 81% efficiency, 100% sensitivity and 82%
Chemiluminescence
specificity according to the intrinsic validation process performed using 179 consecutive
Indirect immunofluorescence
samples from 169 patients in the beginning of 2011. These patients were subsequently divided into 3 groups according to the co-reactivity of anti-dsDNA results using the 2 methods (reactive, non-reactive and discrepant results).
Results: Upon data analysis, 77% (129/169) of the tests were requested by rheumatologists,
and 57% (97/169) of the samples were from lupus patients. Both the reactive and non-reactive results of the CLIA were well defined and standardised, and automation reduced the
manual labor required by 70% in a safe and high-quality manner. Furthermore, the high
prevalence of patients with lupus and nephritis among the CLIA false-positive results corroborates the hypothesis that the actual index of CLIA false positivity is lower than that
initially found in this study.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
A pesquisa dos autoanticorpos anti-DNA de dupla hélice
(anti-dsDNA) é útil para o diagnóstico e seguimento do lúpus
eritematoso sistêmico (LES),1 principalmente nos pacientes
com nefrite lúpica.2 Ensaios automatizados vêm sendo propostos como uma alternativa mais rápida para triagem de
anticorpos anti-dsDNA nos grandes laboratórios.3 Os exames pela técnica de radioimunoensaio são reconhecidos
como métodos mais específicos, porém, são cada vez menos
usados porque requerem o uso de material radioativo.4 Ensaios automatizados processam grandes volumes de amostras clínicas de maneira rápida e com menor custo que os
métodos tradicionais.5,6
Implantar um exame sorológico em laboratório de patologia clínica requer um processo de validação intrínseca
para avaliar o desempenho do teste quando comparado a
um método de referência, pelos parâmetros de sensibilidade, especificidade e eficiência. Essas são características do
novo teste e não da população na qual está sendo aplicado,
portanto fornecem resultados consistentes, independentes
da prevalência da doença.7 Esse novo método de processamento do exame em questão pode ser aprovado para substituição de técnicas (mudança de fornecedor de reagentes),
melhorar a qualidade (adição à técnica em uso) e/ou diminuir os custos operacionais do laboratório. Essa rotina não
necessita de aprovação de comitê de ética, pois a origem da
amostra biológica não deve ser revelada.
A prevalência de resultados positivos do teste FAN Hep2 na comunidade do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) foi
estudada no período de 2002 a 2006, em seis mil amostras,
obtendo-se 84% de resultados negativos,8 justificando o interesse de realizar a triagem dos exames de autoimunidade
por método automatizado que reduziria o tempo e as chan-
ces de erros humanos pelo interfaciamento do equipamento
na liberação dos resultados negativos.
O objetivo deste estudo é analisar o desempenho de um
imunoensaio quimioluminescente para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta (IFI) sobre Crithidia luciliae. Após a
aprovação de um protocolo interno do Laboratório de Patologia Clínica do HGF para validação intrínseca do sistema de
automação na triagem de anticorpos antinucleares (FAN) e
anti-DNA nativo (anti-dsDNA), foi elaborado um projeto para
análise de prontuário da amostra clínica envolvida. Referido
estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do
HGF sob o número 060705/11. Os autores assinaram o termo
de fiel depositário e declararam a inexistência de conflitos
de interesse.
Material e métodos
Casuística
No período de fevereiro a março de 2011, as amostras sorológicas com solicitação de detecção de anticorpos anti-dsDNA
encaminhadas para o laboratório do HGF foram examinadas
no setor de imunofluorescência que, posteriormente, encaminhou o material para o setor de automação, registrando-se
que os exames foram realizados de forma independente pelas
duas equipes técnicas. Os resultados de IFI foram liberados
em tempo hábil, sem prejuízo para os pacientes. A validação
intrínseca do sistema de automação foi aprovada com 81% de
eficiência (resultados concordantes com a IFI), 100% de sensibilidade e 82% de especificidade do método. As informações
demográficas (sexo e idade), epidemiológicas e clínicas (justificativa da solicitação, diagnósticos, duração dos sintomas
e resultados laboratoriais) dos pacientes (n = 169) envolvidos
414
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8
neste estudo foram obtidas no banco de dados do laboratório
e nos prontuários, após aprovação do CEP.
As pesquisas de anticorpos anti-dsDNA, solicitadas em
consultas posteriores, nos pacientes que apresentaram resultados discrepantes nas duas metodologias, no período de
validação da CLIA, foram monitoradas por um ano (março/11
a março/12), sem interferência dos autores deste estudo.
Investigação laboratorial
Ensaio de quimioluminescência (CLIA): LIAISON_dsDNA
(DiaSorin, Saluggia, Itália) é um imunoensaio de CLIA que
utiliza partículas magnéticas revestidas com um oligonucleotídeo sintético de dsDNA, o qual assegura a ausência de
contaminação com histonas e outras proteínas nucleares.
Um anticorpo monoclonal, marcado com um derivado do
isoluminol, é usado como anticorpo conjugado para detectar IgG anti-dsDNA.5 Todos os procedimentos do ensaio foram realizados automaticamente, em amostra primária no
Sistema LIAISON®. O padrão de reatividade foi definido pelo
fabricante como não reagente (< 20 UI/mL), zona cinza (20-25
UI/mL) e reagente (> 25 UI/mL).
Ensaio de imunofluorescência indireta (IFI): Os exames
foram realizados por método disponível comercialmente
(Euroimmun, Lubeck, Alemanha), seguindo as recomendações técnicas do fabricante. Os soros foram diluídos 1/10 em
solução salina tamponada com fosfatos e incubados sobre
lâminas com o substrato antigênico (Crithidia luciliae), onde
os anticorpos anti-dsDNA presentes ligam-se ao cinetoplasto, sendo revelados por uma antigamaglobulina específica
marcada com isotiocianato de fluoresceína. Em cada rotina
de testes foram realizados controles internos positivos e negativos. A coloração celular foi examinada em microscópio
de fluorescência, modelo Nikon YS2H, sob o aumento de 400
vezes. Os soros com resultados positivos na triagem 1/10 foram apresentados em títulos semiquantitativos.
Análise estatística
Os dados foram compilados em planilha Excel® da Microsoft. Foram realizados os testes de sensibilidade, especificidade e eficiência para validação de um teste sorológico,
usando a pesquisa de anticorpos anti-dsDNA por IFI como
teste de referência.
Resultados
A avaliação intrínseca foi realizada com 179 amostras sorológicas analisadas pelas duas técnicas. O ensaio quimioluminescente foi positivo em 41 (23%) amostras, negativo em
132 (74%) e indeterminado (zona cinza) em seis soros (3%).
Os seis soros indeterminados foram agrupados aos positivos
para a avaliação de sensibilidade, especificidade e eficiência do método em relação à IFI. A comparação entre as duas
metodologias revelou: 15 amostras (8,4%) positivas nas duas
técnicas, 132 (73,7%) duplamente negativas, 32 (17,9%) com
resultados falso-positivos e nenhum resultado falso-negativo na CLIA, revelando sensibilidade de 100%, especificidade
de 82% e uma eficiência da CLIA de 81%. Após essa análise, o
laboratório implantou a triagem dos anticorpos anti-dsDNA
por automação, na qual os resultados positivos passaram a
ser reavaliados para confirmação em IFI. Nesse novo processo de triagem, a fase manual foi reduzida em 74% (132/179)
do esforço total de bancada, limitando a necessidade para
um exame manual em cada quatro testes anteriormente realizados pelo método de IFI.
A amostra clínica da avaliação intrínseca (179 amostras
sorológicas) entre os métodos CLIA e IFI envolvia 169 pacientes, com oito soros duplicados e um triplicado. Os resultados
de CLIA das amostras múltiplas foram negativos em sete pacientes com soros duplos, discrepante em um paciente (32
e 13,8 UI/mL) e positivo no paciente com três solicitações
de pesquisa de anticorpos anti-dsDNA no período de dois
meses (154,6, 46 e 37,5 UI/mL); todos esses soros foram negativos pelo método de IFI. Uma análise desses resultados será
apresentada posteriormente.
As características demográficas e epidemiológicas desta casuística estão demonstradas na tabela 1. Os pacientes
Tabela 1 – Características epidemiológicas da casuística
(n = 169)
Características da amostra clínica
Sexo
Masculino
Feminino
Faixas etárias (anos)
Crianças (< 11 )
Adolescentes (12 a 19)
Adultos
20-29
30-39
40-49
50-59
60-69
Clínica solicitante do exame
Reumatologia
Clinica Médica
Nefrologia
Ginecologia/Obstetrícia
Reumatologia pediátrica
Outras clínicasb
Diagnóstico dos pacientes
LES
Síndrome de superposição com LES
Investigação de doença autoimunec
Outras doenças autoimunes
SAAF primária
Artrite reumatoide
Vasculite
Doença de Devic
Doença mista do tecido conjuntivo
Síndrome de Sjögren
Espondilite anquilosante
Esclerose sistêmica linear
Tireoidite autoimune
Esclerose múltipla
n (%)
16 (9)
153 (91)
(n = 166)a
3 (2%)
20 (12%)
54 (33%)
43 (26%)
28 (17%)
12 (7%)
6 (4%)
123 (73%)
19 (11%)
7 (4%)
7 (4%)
6 (4%)
7 (4%)
92(54%)
5 (3%)
55 (33%)
17 (10%)
4
3
2
2
1
1
1
1
1
1
LES, lúpus eritemetoso sistêmico; SAAF, síndrome do anticorpo
antifosfolípide.
a
Três pacientes não tinham prontuários e as idades não estavam
referidas no laboratório.
b
Emergência, endocrinologia, neurologia e UTI).
c
Os pacientes sem prontuários (três) foram incluídos neste grupo.
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foram classificados pelos diagnósticos firmados em prontuário; 1/3 da casuística (55 pacientes) foi referido como pacientes sob investigação diagnóstica, mediante suspeitas
clínicas, com as solicitações dos exames justificadas pela
presença de diversos sinais ou sintomas (ex: artralgias, artrites, insuficiência renal, anemia hemolítica, púrpura, Raynaud e parestesias etc.) relacionados ou presentes na doença lúpica.
Os pacientes foram subdivididos em três grupos definidos na tabela 2, de acordo com os resultados encontrados
na pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA pelas duas metodologias. Os soros do Grupo I pertenciam a 15 pacientes
lúpicos (12 com diagnóstico anterior de nefrite lúpica; um
com serosite; outro com LES há sete meses, apresentando provas de atividade inflamatória positivas, linfopenia
e consumo das frações C3 e C4 do complemento; e o último paciente, portador de ARJ, em tratamento há dois anos,
apresentou nesta reavaliação laboratorial os exames de
FAN e anti-dsDNA positivos, nove meses antes de preencher os critérios para o diagnóstico de LES). Os resultados
da triagem do anticorpo anti-dsDNA na técnica de CLIA nos
15 soros permaneceram no intervalo entre 240 UI/mL e 32,6
UI/mL, com média de 167 UI/mL, mediana de 198 UI/mL e
moda de 240 UI/mL; e os títulos na IFI variaram de 1/640
a 1/20; onze soros apresentaram leituras maiores que 125
UI/mL na CLIA e título na IFI de 1/320 ou 1/640; os valores
encontrados nos quatro soros restantes (63, 39, 36 e 32,6 UI/
mL) revelaram títulos de 1/320, 1/20, 1/160 e 1/320, respectivamente.
As informações relevantes registradas nos prontuários
de cada paciente do Grupo II (quadro clínico e alterações
laboratoriais, com as justificativas para solicitação dos exames de anti-dsDNA) podem ser vistas na tabela 3, onde se
evidencia que 87% (26/30) dos casos rotulados como falsopositivos na CLIA eram portadores de LES e 65% (17/26) desses pacientes tinham diagnóstico anterior de nefrite lúpica,
com descrição de sinais e/ou sintomas de atividade da doença na evolução médica em 50% (13 casos); alterações laboratoriais isoladas, compatíveis com doença em atividade
Tabela 2 – Definição de estratos para análise (n = 169)
Grupo
I
II
III
Definição
Estrato
Amostras positivas
LES
nas duas técnicas
(CLIA e IFI)
Amostras positivas
LES
na CLIA e negativas
Síndrome de
na IFI (falsossuperposição com LES
positivos)
Tireoidite autoimune
Investigação de
doenças autoimunes
Amostras negativas
LES
nas duas técnicas
Síndrome de
(CLIA e IFI)
superposição com LES
Outras patologias
autoimunes
Investigação de
doenças autoimunes
n
Total
15
15
24
2
30
1
3
53
3
124
16
52
CLIA, imunoensaio quimioluminescente; IFI, imunofluorescência
indireta; LES, lúpus eritemetoso sistêmico.
415
estavam presentes em 23% (6/26) dos pacientes (casos 5, 8,
11, 19, 25 e 29).
Os resultados da pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA
pela CLIA, no Grupo II (tabela 4), ficou no intervalo de 184-20
UI/mL, com média de 59 UI/mL e mediana 45 UI/mL; quatro
soros (casos 1 a 4) foram positivos com valores cinco vezes
maiores do que o ponto de corte indicado pelo fabricante.
Os soros classificados como zona cinza representaram 3,5%
(6/169) da casuística estudada.
A situação clínica de cada paciente do Grupo II (tabela 4)
foi pareada com o histórico da presença dos autoanticorpos
e a evolução da detecção dos anticorpos anti-dsDNA nos soros desde o início da doença. Os resultados de FAN estavam
disponíveis e eram positivos em 97% (29/30) dos pacientes.
Anticorpos anti-Sm foram detectados em 38% (10/26) dos
pacientes com LES deste grupo. A reatividade pregressa ao
dsDNA (anti-dsDNA por IFI) ocorreu em 50% (13/26) dos pacientes com lúpus, porém, esta informação não estava disponível em dois pacientes provenientes de outros serviços
(casos 25 e 26); os quatro pacientes em investigação diagnóstica estavam realizando os exames pela primeira vez (casos
1, 4, 12 e 21).
Avaliações posteriores dos anticorpos anti-dsDNA foram
solicitadas em 77% (23/30) dos pacientes no prazo máximo
de um ano; dentre os sete pacientes restantes, três não eram
portadores de LES (casos 1,12 e 21), três eram lúpicos em remissão clínica e laboratorial (3,10 e 18) e o caso número 5,
com remissão clínica, apresentava hematúria por ocasião da
validação intrínseca.
Dois pacientes (casos 2 e 17) foram estudados por soros
múltiplos; o caso 2, com tripla avaliação positiva na CLIA
(154,6, 46 e 37,5 UI/mL) é portador de LES e nefrite há quatro
anos e no início da doença (2007) apresentou um resultado
positivo para os anticorpos anti-dsDNA por ELISA (80 U), não
confirmado em IFI em três pesquisas realizadas no período
de 2009 a 2010; porém, após um mês do quadro convulsivo
o exame por IFI foi positivo; e o caso 17, com resultados discrepantes na CLIA (32 e 13,8 UI/mL), recebeu o diagnóstico de
LES e nefrite há dois meses, permanecendo com a pesquisa
para anticorpos anti-dsDNA por CLIA e IFI negativos após
seis meses.
Dez pacientes tornaram-se reagentes pela IFI após um
ano da primeira avaliação (casos 2, 9, 23 e 26 até três meses;
caso 29 após cinco meses; casos 14 e 15 após nove meses; e
os casos 7, 20 e 22 no intervalo de 12 meses).
O restante da casuística (Grupo III) era constituída por
58% (56/97) do total de pacientes com LES, 95% (52/55) do
total de pacientes em investigação de doenças autoimunes e
pela maioria, 94% (16/17) dos pacientes acometidos com outras doenças autoimunes. Sete amostras duplicadas na avaliação intrínseca, pertencentes a cinco pacientes com LES,
um sob investigação diagnóstica e outro com doença reumatoide permaneceram neste grupo. Os resultados de CLIA
no Grupo III revelaram valores no intervalo de 19 a 0,5 UI/
mL (figura 1), com média de 5,5 UI/mL, mediana de 4 UI/mL
e moda de 0,5 UI/mL.
A história prévia de reatividade ao dsDNA por IFI em todos os pacientes com LES envolvidos no estudo (n = 97) foi
pesquisada no prontuário e/ou nos arquivos do laboratório
(tabela 5), constatando-se que 48% (47/97) desta casuística
416
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8
Tabela 3 – Informações relevantes dos pacientes do Grupo II (n = 30)
Pac.
Sx
Id
Justificativas para solicitação de
anti-dsDNA
Tempo
Quadro atual
Clínico
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
M
F
F
35
25
60
34
33
21
24
57
28
18
49
49
33
22
13
43
34
Artralgia a/e
LES + nefrite
LES
Poliartrite aditiva
LES + nefrite
LES + nefrite
LES mucocutâneo
LES
LES + nefrite
LES + nefrite
LES
Tireoidite autoimune
LES + nefrite
LES
LES
LES + nefrite
LES + nefrite
1a
4a
15 a
2a
11 a
7m
2m
22 a
5a
2a
5a
3a
8a
10 m
2m
5a
2m
18
19
20
21
22
23
24
25
26
F
F
F
F
F
F
F
F
M
27
14
27
49
22
23
28
19
34
LES + DM/PM
LES mucocutâneo
LES + nefrite
Insuficiência renal a/e
LES + nefrite
LES + nefrite
LES + nefrite
LES + nefrite
LES + nefrite
4a
5m
6a
1m
4a
7a
3a
5a
3a
27
28
29
30
F
F
F
F
46
29
61
22
LES + nefrite
LES + nefrite
LES + ES
LES + nefrite
5a
18 m
10 a
3a
Alterações laboratoriais
Em investigação
Atividade (convulsão)
Remissão
Em investigação
Remissão
Atividade
Remissão
Remissão
Atividade
Remissãoa
Remissão
Artralgia
Atividade
Remissão
Atividade
Atividade
Atividade
ANA reagente
linfopenia, ↓C', proteinúria
sem alterações
ANA reagente
hematúria ++
↓C', hematúria, proteinúria
sem alterações
linfopenia
anemia, ↓C', proteinúria
sem alterações
PCR+, ↓C3
hematúria +
linfopenia, ↓C', hematúria
sem alterações
↓C'
linfopenia, hematúria, proteinúria
linfopenia, ↓C', VHS e PCR, hematúria,
proteinúria
Remissão
PCR
Remissão
↓C'
Atividade
↓C', proteinúria
Em investigação
proteinúria
hematúria, proteinúria
Atividadea
proteinúria
Atividadea
hematúria, proteinúria
Atividadea
Remissão
linfopenia
Atividadea, hemodiálise
↓C', hematúria, proteinúria,
creatinina
leucocitúria
Atividadea
Atividade, hemodiáliseb
↓C3, proteinúria, leucocitúria
Remissão
linfopenia, ↓C',
Avaliação após gravidez
sem alterações
Pac, paciente; Sx, sexo; Id, idade; F, feminino; a/e, a esclarecer; a, ano; ANA, autoanticorpo antinúcleo; LES, lúpus eritematoso sistêmico;
C’, complemento; m, mês; PCR, proteína C-reativa; M, masculino; VHS, velocidade de hemosedimentação; DM/DP, dermatomiosite/
dermatopolimiosite; ES, esclerose sistêmica.
a
Em vigência de pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida.
b
Uso de rituximabe no ano anterior.
eram reagentes, com cinco pacientes do Grupo I (positivo
nas duas metodologias) realizando a pesquisa de anticorpos
anti-dsDNA pela primeira vez. A atividade clínica através do
Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index (SLEDAI)
não estava disponível em todos os prontuários no período
da solicitação do exame o que impediu o estudo de evolução
clínica (períodos de atividade ou remissão da doença) relacionada com a presença de anticorpos anti-dsDNA.
Discussão
Atualmente, as técnicas mais comumente usadas para a
detecção de anticorpos anti-dsDNA são os ensaios imunoenzimáticos e a IFI, sendo esta última mais específica, detectando anticorpos de moderada e alta afinidade que se
relacionam com atividade do LES.9 Os ensaios de ELISA, apesar de serem quantitativos, reprodutíveis e automatizados
apresentam menor precisão em termos de desempenho clínico, porque detectam autoanticorpos anti-dsDNA de baixa
avidez, que geralmente apresentam pouca relevância clínica
e podem estar presentes em outras doenças do tecido conjuntivo, doenças inflamatórias ou infecciosas e em indivíduos normais.10 Nos últimos anos, uma nova geração de ELISA
para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA foi introduzida no
mercado. Estes novos reagentes caracterizam-se por uma
maior purificação dos antígenos, tornando-se mais seletivos, com uma melhor capacidade de detectar anticorpos de
avidez intermediária e alta.5 O método CLIA avaliado neste
estudo está inserido neste grupo.
O desempenho do ensaio CLIA-LIAISON nesta avaliação
intrínseca foi satisfatório, apresentando 100% de sensibilidade, 82% de especificidade e 81% de eficiência na comparação com a IFI. Este mesmo reagente de CLIA foi testado
pelo Grupo de Estudos de Doenças Autoimunes da Sociedade
Italiana de Medicina Laboratorial5 em uma avaliação extrínseca,7 com uma amostra clínica de 52 pacientes com LES, 28
doentes com outras doenças do tecido conjuntivo, 36 portadores de hepatite pelo vírus C (HCV) e 24 pacientes com
outras doenças virais agudas. Os autores encontraram 84,6%
de sensibilidade, 82,9% de especificidade e 83,6% de eficiência do método, resultados semelhantes aos obtidos no pre-
417
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Tabela 4 – Presença de autoanticorpos no soro dos pacientes do Grupo II (n = 30)
Pac.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Situação clínica atual
Investigação
Atividade
Remissão
Investigação
Remissão
Atividade
Remissão
Remissão
Atividade
Remissãoa
Remissão
Investigação
Atividade
Remissão
Atividade
Atividade
Atividade
Remissão
Remissão
Atividade
Investigação
Atividadea
Atividadea
Atividadea
Remissão
Atividadea
Atividadea
Atividade
Remissão
Remissão
História prévia de outros
autoanticorpos
Histórico de anti-dsDNA
ANA
ANA
ANA
ANA, Cardio G e M
ANA, Sm, Cardio G e M
ANA, Sm, RNP
ANA
ANA
ANA, Ro, La
ANA
ANA, Sm
ANA, Ro
ANA, Sm
ANA
ANA, Sm, Ro
ANA, Ro, La
ANA
ANA
ANA, Sm, Cardio G
ANA, Sm, RNP
anr
ANA
ANA
ANA, Sm, RNP, anti-p
ad
ANA, Ro, Cardio G
ANA, RNP
ANA, Sm, Cardio G
ANA, Sm, RNP
ANA
Anterior
Atual
Avaliações posteriores
(IFI)
CLIA (UI/mL)
CLIA (UI/mL)
IFI (título)
(intervalo)
anr
NR
R
anr
R
NR
NR
R
NR
R
R
anr
NR
NR
NR
R
NR
R
anr
R
anr
R
R
NR
ad
ad
R
NR
R
R
183,5
154,6
134,1
125,5
111,1
92,5
92,1
85,6
84,6
68,6
51,5
50,9
49,5
45,2
44,9
36,1
32,0
31,4
31,1
30,2
28,7
26,6
26,5
25,4
22,7
22,1
22,0
20,9
20,6
20,3
anr
49,0
anr
anr
anr
199,9
54,1
19,0
189,3
anr
96 e 15,2
anr
38,2 e 52
45,1
26,7
4,75
12,5
anr
28,4
45,7
anr
33,6
34,4
anr
22,2
56,3
45,6
8,33
32,5
18,3
anr
1:80
anr
NR
anr
NR
1:80
anr
1:320
anr
NR
anr
NR
1:160
1:80
anr
NR
anr
NR
1:80
anr
1:40
1:160
NR
NR
1:40
NR
anr
1:40
anr
1m
5m
10 m
12 m
5m
3m
2e6m
3 e 12 m
9m
9m
12 m
6m
3m
12 m
12 m
1m
2m
10 m
2m
2m
10 m
5m
11 m
Pac, paciente; IFI, imunofluorescência indireta; CLIA, imunoensaio quimioluminescente; ANA, autoanticorpo antinúcleo; anr, avaliação não
realizada; NR, não reagente; m, mês; R, reagente; Cardio G, anticardiolipina G; Cardio M, anticardiolipina M; Sm, anti-Sm; RNP, anti-RNP; Ro,
anti-SSa(Ro); La, anti-SSB(La); ad, avaliação desconhecida; anti-p, anti-p ribossomal.
a
Em vigência de pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida; anti-p ribossomal.
sente estudo. A diferença de sensibilidade pode ser atribuída
à amostra clínica examinada. O trabalho em foco permitiu
analisar o desempenho do teste de automação para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, segundo a realidade vivenciada pela população local, onde a maioria (57%) dos pacientes
que realizam este exame são portadores de LES. A pesquisa
UI/mL
18
16
italiana envolveu pacientes com HVC, que, eventualmente,
apresentam o teste de CLIA positivo para anticorpos anti-dsDNA.5
O desempenho do teste CLIA para afirmar uma reação
negativa foi adequado neste estudo, com as medidas de tendência central no Grupo III convergentes em valores inferiores a três vezes o valor máximo de negatividade sugerido
pelo fabricante (até 19 UI/mL). A baixa frequência (3,5%) de
resultados em zona cinza permitiu uma clara definição de
positividade do método. A identificação dos pacientes que
constituíram o Grupo III demonstra a especificidade para o
14
12
10
Tabela 5 – História prévia de anti-dsDNA (IFI) nos
pacientes lúpicos (n = 97)
8
6
Grupo
4
2
0
0
5
10
15
20
25
Figura 1 – Frequência dos resultados de CLIA (UI/mL) no
Grupo III (n = 124).
n
I
II
III
Total
Reagente
Não
reagente
1ª vez
ad
Total
10
13
19
42
0
10
32
42
5
1
5
11
0
2
0
2
15
26
56
97
ad, avaliação desconhecida.
418
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8
anti-dsDNA utilizado no ensaio; dos 45 soros reagentes em
CLIA, 91% (41/45) eram de pacientes lúpicos.
A disponibilização da amostra clínica permitiu ainda uma
análise qualitativa do tipo de paciente que realiza o exame de
anticorpo anti-dsDNA no hospital, identificando-se um perfil
clínico e epidemiológico semelhante ao encontrado na patologia lúpica onde este autoanticorpo é prevalente.11 A grande
maioria dos pacientes era do sexo feminino, na faixa etária
dos adultos jovens (20-39 anos), com o Serviço de Reumatologia sendo responsável por mais de 70% das solicitações
dos exames. A baixa prevalência de crianças e adolescentes
é justificada pelo foco do hospital no atendimento terciário
de adultos.
Após a instituição da triagem por automação na pesquisa
de anticorpos anti-dsDNA, as amostras positivas e com resultados em zona cinza na CLIA são testadas por IFI, usando
a Crithidia luciliae como substrato. A implantação desta rotina gerou a otimização de tempo e de pessoal operacional
de laboratório,6 reduzindo em mais de 70% a necessidade de
técnica manual antes da liberação de resultados e diminuiu
também a chance de erros de procedimentos e aleatórios que
comprometem a qualidade e fidelidade dos exames liberados.
A possibilidade de redução dos custos será analisada posteriormente, em outro estudo.
Ensaios internacionais recomendam o uso de reagentes
automatizados para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA,3,12-15
porém, o método de excelência na prática clínica e laboratorial
para a pesquisa deste autoanticorpo permanece sendo a IFI.12,16
Considerando que o painel de métodos laboratoriais para
a detecção dos anticorpos anti-dsDNA é continuamente crescente, ensaios tradicionalmente utilizados na rotina de trabalho ainda estão longe de ser padronizados e amplamente
aceitos. Os médicos devem estar cientes que os índices de
concordância entre laboratórios, a interpretação dos resultados e a precisão do diagnóstico são dependentes da variabilidade analítica e da população de pacientes analisados.17 No
presente estudo, as condições técnicas do laboratório e o encaminhamento das amostras sorológicas dos pacientes foram
mantidos na rotina normal de trabalho da instituição.
Este trabalho demonstrou que a triagem dos autoanticorpos anti-dsDNA por CLIA é um método seguro (100% de sensibilidade) e rápido, que melhora a qualidade dos exames ofertados aos pacientes. Entre seus achados, observou-se também
que a maioria dos resultados de CLIA rotulados como falso-positivos pertencia a pacientes lúpicos em atividade clínica
e/ou laboratorial de doença, alguns dos quais vieram a se confirmar meses depois como positivos por IFI.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
16.
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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Adalimumabe no tratamento da artrite reumatoide:
uma revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos
randomizados
Marina Amaral de Ávila Machadoa,*, Alessandra Almeida Maciela,
Lívia Lovato Pires de Lemosb, Juliana Oliveira Costaa, Adriana Maria Kakehasic,
Eli Iola Gurgel Andrade d, Mariangela Leal Cherchigliae, Francisco de Assis Acurcio f
a
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Programa de Pós-graduação em Medicamentos e Assistência Farmacêutica, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, MG, Brasil
c
Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
d
Programa de Pós-graduação em Demografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
e
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
f
Programa de Pós-graduação em Ciência Animal, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Desde a descoberta do papel do fator de necrose tumoral no processo fisiopatológico da artri-
Recebido em 6 de setembro de 2012
te reumatoide, cinco medicamentos bloqueadores dessa citocina têm sido empregados como
Aprovado em 23 de abril de 2013
opção terapêutica. Para avaliar a eficácia e a segurança do adalimumabe no tratamento da artrite reumatoide foi conduzida uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos
Palavras-chave:
controlados e randomizados. Foi realizada busca de estudos relevantes nas bases de dados
Artrite reumatoide
Medline (via PubMed) e LILACS em junho de 2011. A seleção dos estudos, coleta e análise de
Adalimumabe
dados foram realizadas de forma pareada e independente por dois revisores e por um ter-
Fator de necrose tumoral
ceiro revisor em casos de discordância. A metanálise foi conduzida no software Review Ma-
Revisão sistemática
nager® 5.1 usando o modelo de efeitos aleatórios. Onze artigos referentes ao adalimumabe
Metanálise
foram incluídos e contemplaram nove estudos com 3461 pacientes. Dez estudos mostraram
baixo risco de viés quanto ao cegamento dos participantes e pessoal e cegamento de avaliação de resultados. Os pacientes que receberam tratamento da associação de adalimumabe
e metotrexato apresentam melhores resultados de eficácia e menor progressão radiográfica
quando comparados ao grupo placebo + metotrexato em 24 a 104 semanas. Os pacientes que
utilizaram adalimumabe em monoterapia apresentaram melhores resultados de eficácia em
relação ao placebo em 24 e 26 semanas. Os resultados das metanálises de eventos adversos
não foram estatisticamente significantes, exceto para reações no local de aplicação, na qual
favoreceu o grupo controle. A eficácia do adalimumabe foi demonstrada em monoterapia e
associado a algum MMCD, porém as evidências para o uso combinado são mais robustas.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Estudo desenvolvido no Departamento de Farmácia Social, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais e no Departamento de
Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (M.A.A. Machado).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
420
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
Adalimumab in rheumatoid arthritis treatment: a systematic review and
meta-analysis of randomized clinical trials
abstract
Keywords:
Since the discovery of the role of tumor necrosis factor in the physiopathological process
Rheumatoid arthritis
of rheumatoid arthritis, five drugs that block this cytokine have been used as therapeutic
Adalimumab
options. To evaluate the efficacy and safety of adalimumab in the treatment of rheuma-
Tumor necrosis factor
toid arthritis we performed a systematic review and meta-analysis of randomized con-
Systematic review
trolled trials. A search of relevant studies in Medline (through PubMed) and LILACS in June
Meta-analysis
2011 was carried out. Study selection, data collection and analysis were performed in pairs
and independently by two reviewers and by a third reviewer in cases of disagreement. The
meta-analysis was performed using the software Review Manager® 5.1 using the random
effects model. Eleven articles related to adalimumab were included and considered nine
studies with 3461 patients. Ten studies showed low risk of bias regarding the blinding of
participants and personnel and blinding of outcome assessment. Patients who received
the combination treatment of adalimumab and methotrexate showed better efficacy results and lower radiographic progression when compared to placebo + methotrexate in
24-104 weeks. Patients who received adalimumab as monotherapy showed better efficacy
outcomes when compared to placebo in 24 and 26 weeks. The results of the meta-analyses
of adverse events were not statistically significant, except for reactions at the injection site,
which favored the control group. Adalimumab efficacy was demonstrated in monotherapy
and when associated to a DMARD, but the evidence for combined use is more robust.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
A medicina baseada em evidências é o uso consciencioso, explícito e judicioso das melhores evidências para a tomada de
decisão no cuidado de pacientes. A prática da medicina baseada em evidências integra a experiência individual do médico com a melhor evidência disponível por meio de pesquisas
sistemáticas.1 As revisões sistemáticas são consideradas o
nível I de evidências e têm métodos rigorosos que diminuem
a ocorrência de vieses quando comparadas às revisões narrativas.2 Os benefícios do anticorpo monoclonal adalimumabe
no controle da artrite reumatoide (AR) são amplamente demonstrados na literatura e, no Brasil, esse é o segundo medicamento mais utilizado para essa doença da classe dos agentes biológicos.3-5 O custo anual desse tratamento é elevado e
foi estimado no Brasil em R$ 71.117,00 e com uma razão de
custo-efetividade incremental por AVAQ (anos de vida ajustados por qualidade) em relação à terapia com metotrexato
(MTX) de R$ 628.124,00.6 Esse alto custo reforça a importância
da sistematização de todas as evidências disponíveis para auxiliar a tomada de decisão em saúde.
A AR é uma doença inflamatória sistêmica, crônica e progressiva de etiologia desconhecida, que acomete a membrana
sinovial das articulações, podendo levar à destruição óssea e
cartilaginosa. Essa desordem autoimune afeta as articulações,
geralmente das mãos e dos pés, em ambos os lados de forma
igual e simétrica.3,7 A prevalência é estimada em 0,5-1,0% da
população, sendo mais frequente em mulheres, de acordo com
estudos realizados nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil.8,9
O cuidado do paciente com AR inclui o uso de medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD), anti-inflamatórios não esteroidais e corticoides, além de tratamento
não farmacológico, como terapia ocupacional e fisioterapia.10
Os MMCD biológicos representam um avanço na terapia da
AR e têm sido indicados nos casos em que os pacientes não
respondem ao tratamento convencional. Os bloqueadores do
fator de necrose tumoral (TNF) adalimumabe, etanercepte, infliximabe, certolizumabe e golimumabe estão contemplados
nessa classe.3,10,11
Com o intuito de contribuir para a prática da medicina baseada em evidência, foi conduzida uma revisão sistemática
com metanálise de ensaios clínicos controlados e randomizados para avaliar a eficácia e a segurança do adalimumabe no
tratamento da AR.
Métodos
Esse estudo é parte integrante de uma revisão sistemática de
ensaios clínicos controlados e randomizados sobre a eficácia
e segurança dos medicamentos adalimumabe, etanercepte,
infliximabe e rituximabe no tratamento da AR.
Critérios de elegibilidade
Foram selecionados ensaios clínicos controlados e randomizados nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram consideradas as comparações do adalimumabe 40 mg uma vez a
cada 15 dias em monoterapia ou associado a MMCD vs. grupo
controle em pacientes com diagnóstico de AR segundo os critérios revisados do American College of Rheumatology (ACR) e
doença ativa.12
Busca de artigos
A busca de estudos foi realizada nas bases de dados Medline
(via Pubmed) e LILACS em junho de 2011 e complementada
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
por busca manual em referências de revisões sistemáticas e
dos estudos encontrados. A estratégia de busca foi composta
pelas seguintes palavras: rheumatoid arthritis; monoclonal antibodies; D2E7 antibody; Humira®. A busca na Pubmed foi estruturada a partir de termos Mesh (Medical Subject Headings) e
uma busca sensível foi realizada para ensaios clínicos controlados e randomizados.
Seleção de estudos e coleta de dados
A seleção de estudos foi feita por análise dos títulos e resumos dos estudos selecionados pela busca. Os dados foram
coletados utilizando-se um formulário padronizado. Dois
revisores independentemente avaliaram e coletaram os
dados de cada estudo e as discordâncias foram resolvidas
por consenso ou por um terceiro revisor. Para cada ensaio
foram coletados características do desenho do estudo e da
população, duração da doença, uso prévio ou concomitante
de MMCD, intervenção e desfechos.
O principal desfecho considerado foi a resposta ACR20
definida pelo ACR. Resposta ACR20 ocorre quando há diminuição em 20% na contagem de articulações com dor e
edema e melhora em 3 das 5 variáveis: avaliação global pelo
paciente e pelo médico; dor; escala Health Assessment Questionnaire (HAQ) e provas inflamatórias de fase aguda (proteína C-reativa ou velocidade de hemossedimentação).13 Os
desfechos secundários foram as respostas ACR50 e ACR70,
em que há 50% e 70% de melhora nos mesmos parâmetros,
além de funcionalidade medida pela escala HAQ, desfechos
radiológicos, perda de acompanhamento e segurança. Os
autores, quando necessário, foram contactados para fornecer informações adicionais.
421
Resultados
A busca de estudos para os quatro medicamentos (adalimumabe, etanercepte, infliximabe e rituximabe) resultou em
3620 artigos do Pubmed e 84 do LILACS, além de nove artigos
encontrados pela busca manual. Onze artigos referentes ao
adalimumabe foram incluídos e contemplaram nove estudos
com 3461 pacientes (fig. 1).
Características dos estudos
Sete estudos avaliaram grupos de pacientes em uso de adalimumabe (ADA) 40 mg a cada duas semanas associado a algum
MMCD vs. MMCD em monoterapia (mais placebo): em seis estudos os pacientes usaram MTX, e no estudo STAR os indivíduos
receberam algum MMCD dentre MTX, cloroquina, hidroxicloroquina, leflunomida, ouro parenteral, ouro oral, sulfasalazina ou
qualquer combinação destes.17 A maioria dos pacientes (82,1%
grupo ADA + MMCD e 84,9% grupo placebo + MMCD) usou um
ou mais MMCD durante o estudo e o MTX foi o mais comum
(56,0% grupo ADA + MMCD e 62,6% grupo placebo + MMCD). Dois
ensaios foram conduzidos com grupos em uso de ADA 40 mg
a cada duas semanas em monoterapia comparado ao placebo.
Qualidade metodológica e risco de viés
A avaliação da qualidade metodológica e do risco de viés
foi realizada de maneira independente por dois revisores
com acesso ao nome do autor, da instituição e do jornal
que publicou o estudo e as discordâncias foram resolvidas
por consenso. Foram adotadas a avaliação da qualidade
pela escala de Jadad modificada e a avaliação do risco de
viés proposta pela Colaboração Cochrane. Essas ferramentas aspectos metodológicos, como por exemplo, randomização, mascaramento e perda de participantes. A escala
de Jadad modificada pontua os ensaios clínicos de 0 a 6 e
quanto maior a pontuação melhor a qualidade metodológica.14,15
Metanálise
A metanálise foi realizada no software Review Manager® 5.1.
Foi utilizada a diferença da média ponderada para os desfechos contínuos e o risco relativo para dados dicotômicos, ambos considerando intervalo de confiança de 95%.
A presença de heterogeneidade entre os estudos foi considerada uma premissa e por isso foi aplicado o modelo de
efeitos aleatórios. Heterogeneidade estatística foi considerada se P < 0,10 para o teste Qui-quadrado e estatística I2 > 40%
e nesses casos os potenciais fatores que influenciaram esse
fenômeno foram investigados.16
Figura 1 – Diagrama do processo de seleção para a inclusão
de ensaios clínicos controlados e randomizados na revisão
sistemática.
422
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
Apenas o estudo PREMIER incluiu braços de comparação entre
monoterapia de ADA vs. monoterapia de MTX. 18
Em todos os estudos, os pacientes apresentaram AR ativa. O
estudo GUEPARD definiu doença ativa por DAS 28 (Disease Activity Score) ≥ 5,1.19 Os outros estudos definiram pela contagem
de articulações comprometidas, variando de 9-12 articulações
dolorosas e 6-10 articulações edemaciadas. Além disso, os estudos PREMIER e DE019 incluíram pacientes com fator reumatóide positivo ou pelo menos uma articulação com erosão.18,20-22
Os estudos GUEPARD e PREMIER avaliaram pacientes virgens de tratamento com MTX.18-20 O estudo STAR incluiu pacientes virgens de tratamento ou que já haviam falhado a MTX,
enquanto os outros mostraram dados de indivíduos com uso
prévio ou falha terapêutica com MMCD.17 Os estudos GUEPARD
e PREMIER consideraram pacientes com curta duração da doença, média variando de 4-8 meses dentre os grupos randomizados, enquanto que no restante a média variou de 7-11
anos.18-20 O número de articulações edemaciadas e dolorosas na
linha de base foi semelhante dentre os ensaios, com exceção
do estudo GUEPARD, que apresentou valores mais baixos para
essas medidas (tabela 1). 19
Nenhum autor declarou isenção de conflitos de interesse.
O estudo GUEPARD foi financiado pela Sociedade Francesa de
Reumatologia e o tratamento com adalimumabe foi fornecido
pelo laboratório Abbott.19 Chen et al. não relataram fonte de
financiamento e todos os outros estudos declararam apoio da
indústria farmacêutica Abbott.23
Qualidade metodológica e risco de viés
O estudo GUEPARD apresentou valor na escala de Jadad modificada igual a 3 (baixa qualidade) por não ser duplo-cego, dois
(11,1%) apresentaram valor igual a 4 (qualidade apropriada),
enquanto cinco estudos (55,6%) mostraram valor 5 e um estudo, van de Putte et al. valor 6, indicando alta qualidade.19,24 A
média da pontuação foi de 4,66 (tabela 2).
Apenas no estudo de van de Putte et al. os métodos para
a randomização e para o sigilo de alocação das intervenções
após a aleatoração foram narrados, apesar de todos os estudos
terem sido descritos como randomizados.24 Dessa forma, como
esses métodos foram considerados adequados, apenas aquele
estudo apresentou baixo de risco de viés no sigilo de alocação
(viés de seleção) e na geração aleatória da sequência de alocação (viés de seleção). O sigilo de alocação é um aspecto importante no delineamento de um estudo, pois quando esse procedimento é realizado adequadamente é possível evitar viés de
seleção na atribuição de intervenção, ao proteger a sequência
de alocação até que as intervenções sejam alocadas (tabela 2).15
O estudo de van de Putte et al. apresentou alto risco de viés
em relação ao relato de desfechos incompletos, pois a perda de
acompanhamento foi substancialmente diferente entre os grupos (56,4% no grupo placebo e 28,3% no grupo ADA).24 O estudo
GUEPARD, por não ser duplo-cego, apresentou alto risco de viés
nos critérios de cegamento dos participantes e pessoal (viés de
desempenho) e cegamento de avaliação de resultados (viés de
detecção).19 Os outros estudos mostraram baixo risco de viés
nesses dois itens (tabela 2).
O nível de concordância inter-examinador demonstrou
concordância quase perfeita (kappa = 0,831, DP = 0,675) na avaliação da qualidade metodológica pela escala de Jadad modi-
ficada e substancial (kappa = 0,654, DP = 0,571) na análise de
risco de viés.25
Eficácia
Adalimumabe 40 mg + MMCD versus placebo + MMCD
Os pacientes que usaram ADA + MMCD apresentaram maior
chance de alcançar respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em 24
semanas comparados aos pacientes do grupo placebo +
MMCD (fig. 2). O risco relativo (RR) com intervalo de confiança
(IC) de 95% para atingir resposta ACR20 foi de 1,92 (1,50; 2,47)
com heterogeneidade alta (I2 = 66% e P = 0,01). Foi realizada
exclusão de estudos para examinar qual ou quais estariam influenciando a heterogeneidade e verificou-se que após retirar
o estudo ARMADA26 o RR (IC 95%) passou para 1,73 (1,48; 2,02)
com heterogeneidade estatística não importante (I2 = 24% e P
= 0,26) (fig. 2).17,19,21,23,27
Em até 24 semanas, a resposta ACR50 apresentou RR (IC
95%) de 2,91 (2,00; 4,24), com heterogeneidade alta (I2 = 59%
e P = 0,03). A exclusão do estudo de Chen et al.23 elevou o RR
(IC 95%) para 3,23 (2,35; 4,44) e a heterogeneidade estatística
pode não ser importante (I2 = 41% e P = 0,15).17,19,21,26,27 Em até
24 semanas, a resposta ACR70 foi de 4,02 (2,77; 5,96), sem
heterogeneidade estatística significante (I2 = 3% e P = 0,40)
(figura 2).17,19,21,23,26,27
As fontes de heterogeneidade para os estudos Chen et al. e
ARMADA não estão claras.23,26 A exclusão do estudo GUEPARD,
o único ensaio não duplo-cego, nas três metanálises não alterou o nível de heterogeneidade e de significância estatística
dos resultados.19
Em 52 semanas de tratamento, os resultados das metanálises não mostraram significância estatística e apresentaram
alta heterogeneidade (I2 de 90-96% e P ≤ 0,001).18,21 Os estudos
isolados indicaram diferenças estatisticamente significantes
entre os grupos de comparação, favorecendo o tratamento
ADA + MTX. A magnitude da resposta foi maior no estudo
DE019, quando comparado ao PREMIER. Essa diferença, assim
como a alta heterogeneidade encontrada nas metanálises,
pode ser explicada pelo fato do estudo PREMIER incluir pacientes com doença precoce (até um de ano de diagnóstico)
e pacientes virgens de tratamento com MTX, enquanto o estudo DE019 avalia pacientes com média de 11 anos de doença e com falha a tratamento com MMCD.18,21 Jamal et al., em
uma continuação do estudo DE019, observaram que pacientes
com doença precoce (≤ 3 anos) e com doença estabelecida (>
3 anos) mostraram mesmo perfil de resposta, sempre a favor
do grupo intervenção.22
Na análise de 104 semanas, foi incluído somente o estudo
PREMIER.18 O RR (IC 95%) para ACR20 foi de 1,23 (1,08; 1,41),
ACR50 de 1,36 (1,15; 1,62) e ACR70 de 1,68 (1,33; 2,12), favorecendo o grupo ADA + MTX.
A comparação de monoterapia ADA vs. MTX foi realizada
apenas pelo estudo PREMIER que mostrou que há diferença
estatística, favorecendo o grupo MTX, somente para resposta ACR20 em 52 semanas, ainda que com intervalo de confiança limítrofe (RR 0,86 IC 95% 0,74; 0,99). Respostas ACR50
e ACR70 em 52 semanas e respostas ACR20, ACR50 e ACR70
em 104 semanas não foram estatisticamente significantes.
Esse também foi o único estudo que comparou a combinação ADA+MTX com ADA em monoterapia e o primeiro grupo
55,0(12,8)
55,8(12,4)
57,2(11,4)
569(10,8)
56,1(13,5)
56,1(12,0
49,7
52,6
57
56,3
48,5(10,2)
49,8(10,5)
51,9(14,0)
52,1(13,5)
52,0(13,1)
318
271
67
62
619
207
200
407
41
37
166
163
128
65
63
799
268
274
257
636
STAR (Furst et al.,
2003) - 24 semanas17
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MMCD
MMCD
ARMADA (Weinblatt
et al., 2003) - 24
semanas26
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX
MTX
DE019 (Keystone et al.,
2004) - 52 semanas21
ADA 40 mg a cada
2 semanas + MTX
MTX
DE019 (Jamal et
al.,2009) - 52
semanas22
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX ≤
3anos
MTX ≤ 3 anos
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX >
3 anos
MTX > 3 anos
Kim et al. (2007) - 24
semanas27
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX
MTX
PREMIER (Breedveld
et al., 2006) - 104
semanas18
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX
ADA 40 mg a cada 2
semanas
MTX
Idade (anos)
média (DP)
318
Pacientes
(n)
Estudo (tempo de
acompanhamento)
0,8(0,9)
0,7(0,8)
0,7(0,8)
6,9(4,5)
6,8(4,2)
12,9
1,9
13,3
1,8
10,9(8,8)
11(9,2)
11,1(8,0)
12,2(11,1)
11,5(9,7)
9,3(8,8)
81(31,5)
91(33,2)
87(32,5)
63(100)
65(100)
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
295(92,8)
292(91,8)
Tempo de duração Pacientes que
doença (anos)
usaram MMCD
média (DP)
prévio n (%)
22,1 (11,7)
21,8 (10,5)
21,1 (11,2)
12,8(5,8)
12,2(5,6)
19,1
19,2
18,7
22,1
19,0(9,5)
19,3(9,8)
16,9(9,5)
17,3(8,6)
21,3(11,2)
20,9(11,0)
Articulações
edemaciadas
média (DP)
Tabela 1 – Características da linha de base dos estudos incluídos na revisão sistemática
32,3 (14,3)
31,8 (13,6)
30,7 (14,2)
20,3(8,6)
19,2(9,2)
28
30,1
26,9
29,5
28,1(13,8)
27,3(12,7)
28,7(15,2)
28,0(12,7)
27,6(13,8)
27,3(13,0)
Articulações
dolorosas
média (DP)
91(35,4)
100(36,5)
96(35,8)
SI
SI
58(35,6)
13(35,1)
74(44,6)
23(56,1)
99(49,5)
SI
36(58,1)
SI
173(54,4)
162(50,9)
Pacientes em
uso de esteroides
n (%)
1,5(0,6)
1,6(0,6)
1,5(0,6)
1,3(0,6)
1,4(0,6)
1,5
1,5
1,4
1,5
1,48(0,59)
1,45(0,63)
1,64(0,63)
1,55(0,61)
1,43(0,60)
1,37(0,62)
HAQ média
(DP)
(continua na próxima página)
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
SI
203(63,8)
198(62,3)
Pacientes em
uso de AINES
n (%)
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
423
51,9(14,0)
52,0(13,1)
53,0(29,0-75,0)≠
53(35,0-73,0)≠
46,3(16,3)
49,3(15,2)
52,7(13,3)
53,5(13,2)
56,9(10,3)
53,4(12,8)
257
47
35
12
65
33
32
544
113
110
352
91
87
Idade (anos)
média (DP)
268
Pacientes
(n)
8,4(8,2)
9,9(7,9)
11,6(9,3)
10,6(6,9)
0,4(0,3-0,4)±
0,4(0,2-0,5)±
8,3(1,3-15,6)≠
6,2(0,3-19,1)≠
0,8(0,9)
0,7(0,8)
87(100)
91(100)
SI
SI
SI
SI
12(100)
35(100)
81(31,5)
87(32,5)
Tempo de duração Pacientes que
doença (anos)
usaram MMCD
média (DP)
prévio n (%)
19,3(7,0)
19,1(7,3)
19,8(9,3)
20,5(10,6)
10,8
9,5
24,1
21,9
22,1 (11,7)
21,1 (11,2)
Articulações
edemaciadas
média (DP)
23,7(8,8)
24,4(10,7)
35,5(14,2)
33,7(15,9)
14,1
13,8
37,2
32,5
32,3 (14,3)
30,7 (14,2)
Articulações
dolorosas
média (DP)
SI
SI
74(67,3)
77(68,1)
SI
SI
SI
SI
91(35,4)
96(35,8)
Pacientes em
uso de esteroides
n (%)
SI
SI
92(83,6)
93(82,3)
10(31,3)
10(30,3)
SI
SI
SI
SI
Pacientes em
uso de AINES
n (%)
1,39(0,75)
1,64(0,70)
1,88(0,64)
1,83(0,59)
1,41(0,74)
1,69(0,59)
1,8(1,5-2,1)≠
1,7(1,5-1,9)≠
1,5(0,6)
1,6(0,6)
HAQ média
(DP)
ADA, adalimumabe; AINE, anti-inflamatórios não esteroidais; DP, desvio padrão; HAQ, Health Assessment Questionnaire; MMCD, medicamentos modificadores do curso da doença; MTX, metotrexato;
SI, sem informação.
± mediana (intervalo interquartil).
≠ mediana (amplitude)
PREMIER (Kimel et al.,
2008) - 104 semanas20
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX
MTX
Chen et al. (2009) - 12
semanas26
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX
MTX
GUEPARD (Soubrier
et al., 2009) - 52
semanas19
ADA 40 mg a cada 2
semanas + MTX
MTX
Van de Putte et al.
(2004) - 26 semanas24
ADA 40 mg a cada 2
semanas
Placebo
CHANGE (Miyasaka
et al., 2008) - 24
semanas28
ADA 40 mg a cada
2 semanas
Placebo
Estudo (tempo de
acompanhamento)
Tabela 1 – Características da linha de base dos estudos incluídos na revisão sistemática (continuação)
424
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
425
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
Tabela 2 – Risco de viés proposta pela Colaboração Cochrane11 e pontuação da escala Jadad10 modificado de qualidade
metodológica dos estudos incluídos na revisão sistemática
Estudo
Van de Putte et al.,
200424
PREMIER
(Breedveld 2006;
Kimel 2008)18,20
DE019 (Keystone
et al., 2004; Jamal
et al.,2009)21,22
Kim et al., 200727
ARMADA
(Weinblatt et al.,
2003)16
CHANGE
(Miyasaka et al.,
2008)28
Chen et al., 200923
STAR (Furst et al.,
2003)17
GUEPARD
(Soubrier et al.,
2009)19
Geração
aleatória da
sequência de
alocação (viés
de seleção)
Sigilo da
alocação
(viés de
seleção)
Cegamento dos Cegamento
participantes e de avaliação
pessoal (viés de de resultados
desempenho)
(viés de
detecção)
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Alto risco
Incerto
6
Incerto
Incerto
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
5
Incerto
Incerto
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
5
Incerto
Incerto
Incerto
Incerto
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
5
5
Incerto
Incerto
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
5
Incerto
Incerto
Incerto
Incerto
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Baixo risco
Incerto
4
4
Incerto
Incerto
Alto risco
Alto risco
Baixo risco
Baixo risco
3
apresentou melhores respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em 52
e 104 semanas. 18
Os pacientes da terapia combinada (ADA+MMCD) mostraram maior redução na escala HAQ. A diferença de média
entre os grupos em 24 semanas foi de -0,32 (-0,40; -0,24) e em
52 semanas de -0,32 (-0,39; -0,24).18,19,21,26,27 Não foi encontrada
heterogeneidade significante (I2 = 0% e P = 0,99 e 0,60 para 24
e 52 semanas, respectivamente) (tabela 3). Apenas o estudo
PREMIER relatou desfecho de HAQ em 104 semanas e a diferença de média (IC 95%) foi de -0,10 com IC 95% não significante (-0,21; 0,01).18
A comparação ADA vs. MTX foi realizada apenas pelo PREMIER que mostrou diferença na escala HAQ igual a zero entre
os grupos, em 52 e 104 semanas. Esse também foi o único estudo que comparou a combinação ADA + MTX com ADA em
monoterapia. Em 52 semanas, o primeiro grupo apresentou
maior redução na escala HAQ (diferença de média de -0,30 IC
95% -0,41; -0,19), por outro lado esse resultado não se manteve em 104 semanas (diferença de média de -0,10 IC 95% -0,22;
0,02).18
Jamal et al. mostraram que a diferença entre ADA+MTX e
placebo+MTX em relação a escala HAQ foi maior no grupo de
pacientes com até três anos de doença comparado com pacientes com AR estabelecida, mas não significante (P > 0,05).22
Kimel et al. usou os dados do estudo PREMIER e relataram
que os pacientes com AR tratados com ADA+MTX e com monoterapia com MTX apresentaram menores pontuações no
componente físico resumido do SF-36 comparados com a população referência dos Estados Unidos em 12 semanas. Em
104 semanas de tratamento, houve diferença apenas para o
grupo MTX.20
Não foi possível realizar a metanálise para os desfechos
radiológicos, pois os artigos não indicavam desvio padrão ou
Dados de
desfechos
incompletos
Relato seletivo
Jadad
dos desfechos modificado
outra medida de variabilidade que permitissem a combinação
de dados. Keystone et al. mostraram que em 52 semanas os
pacientes que receberam ADA + MTX apresentaram melhor
progressão radiográfica medida pelo índice de Sharp modificado comparado com o grupo placebo + MTX (aumento de
0,8 vs. 2,7, P ≤ 0,001). Melhoras também foram verificadas nos
escores para erosão (aumento de 0,4 vs. 1,6, P ≤ 0,001) e estreitamento do espaço articular (aumento de 0,1 vs. 1,0, P ≤ 0,01).21
No estudo PREMIER, em 26 semanas, o aumento do índice de Sharp modificado foi de 0,8, 2,1 e 3,5 para os pacientes
da terapia combinada, ADA e MTX, respectivamente (P < 0,05
para todas as comparações). Com 52 e 104 semanas de tratamento, esses valores foram 1,3 e 1,9 (ADA + MTX), 3,0 e 5,5
(ADA) e 5,7 e 10,4 (MTX, P < 0,05 para todas as comparações).18
A metanálise mostrou um risco maior de perda de acompanhamento por falta de eficácia para o grupo placebo +
MMCD em até 104 semanas (RR 0,31; IC 95% 0,21; 0,45) sem
heterogeneidade estatística, I2 = 0% e P = 0,80.17,18,21,27 A perda
de acompanhamento por reações adversas apresentou RR de
1,55 (IC 95% 1,08; 2,21) em até 104 semanas, favorecendo o
grupo placebo + MMCD e sem heterogeneidade estatística, I2 =
0% e P = 0,61 (tabela 3).17,18,21,23,26,27
O estudo PREMIER mostrou que não houve diferença no risco de perda de acompanhamento por falta de eficácia e por
reações adversas entre os grupos ADA e MTX. Por outro lado,
quando se compara o grupo ADA + MTX com ADA monoterapia, observa-se RR (IC 95%) de 3,91 (2,18; 7,02) para perda de
acompanhamento por falta de eficácia, favorecendo a combinação.18
Adalimuabe 40 mg vs. placebo
Os resultados dessa comparação são mostrados para o período de 24/26 semanas. A combinação dos estudos resultou
426
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
Figura 2 – Metanálise de respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em até 24 semanas. Adalimumabe 40 mg a cada duas semanas +
MMCD vs. placebo + MMCD.
MMCD, medicamentos modificadores do curso da doença; MTX, metotrexato; ADA, adalimumabe
Estatística I2 >40% indica heterogeneidade estatísticas entre os estudos. Valor P < 0,10 do teste Qui-quadrado indica
heterogeneidade.
em RR (IC 95%) de 2,67 (1,89; 3,77), 3,19 (1,81; 5,62) e 7,90 (2,42;
25,80) para respostas ACR20, ACR50 e ACR70, respectivamente, favorecendo o grupo ADA. Não foi encontrada heterogeneidade estatística (I2 = 0% e P = 0,45, 0,46 e 0,73 para ACR20,
ACR50 e ACR70, respectivamente) (tabela 3).24,28
A diferença da média (IC 95%) na escala HAQ entre os grupos ADA e placebo foi de -0,31 (-0,42; -0,19), I2 = 0% e P = 0,93,
favorecendo o grupo ADA. O RR (IC 95%) para perda de acompanhamento por eventos adversos foi de 3,34 (1,27; 8,80), favorecendo o placebo e sem heterogeneidade significativa (I2 =
0% e P = 0,55, tabela 3).24,28
Segurança
Adalimumabe 40 mg + MMCD vs. placebo + MMCD
Os resultados das metanálises de eventos adversos mostraram-se sem significância estatística, exceto em relação
à reação no local de aplicação em até 52 semanas, que favoreceu o grupo placebo + MMCD, porém com intervalo de
confiança limítrofe (RR 1,32 IC95% 1,02; 1,71).17,21,23,26 Todas
metanálises apresentaram baixa heterogeneidade estatística (tabela 3).
Adalimuabe 40 mg vs. placebo
Apenas reação no local de aplicação mostrou resultado estatisticamente significante com RR (IC 95%) de 12,45 (3,92;
39,52), em 24/26 semanas, sem heterogeneidade estatística (I2
= 0% e P = 0,86). O RR (IC 95%) para reações adversas graves foi
1,24 (0,49; 3,13), com heterogeneidade substancial (I2 = 68% e
P = 0,08, tabela 3).24,28
van de Putte et al. em 26 semanas, relataram que mais pacientes que usaram ADA em relação ao grupo placebo relataram cefaleia (18,6% vs. 10,9%), erupção cutânea (20,4% vs.
5,5%) e prurido (11,5% vs. 0,9%, P < 0,05 para todas comparações). Infecções graves ocorreram em frequências semelhantes entre os grupos (2,3% ADA vs. 0,0% placebo).24
No estudo CHANGE, em 24 semanas, as frequências de infecções (45,1% vs. 36,8%) e infecções graves (6,6% vs. 1,1%)
427
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
Tabela 3 – Resultados das metanálises para HAQ, eventos adversos e perda de acompanhamento para as comparações
ADA 40 mg a cada duas semanas + MMCD vs. placebo + MMCD e ADA 40 mg a cada duas semanas vs. placebo
Desfecho
Período
(semanas)
ADA 40 mg + MMCD vs. placebo + MMCD
HAQ
Até 24
HAQ
52
Perda por falta de
Até 104
eficácia
Perda por reação
Até 104
adversa
Reações adversas
Até 104
Reações adversas
Até 24
graves
Infecções
Até 24
Infecções graves
Até 104
Reação no local
Até 52
de aplicação
Tuberculose
Até 104
Câncer
Até 104
Morte
Até 104
ADA 40 mg vs. placebo
ACR20
24/26
HAQ
24/26
Perda por reação
24/26
adversa
Reações adversas
24/26
graves
Reação no local
24/26
de aplicação
Estudos
Participantes
Medida de efeito
(IC 95%)*
I2 (%)a
Valor Pb
419,21,26,27
218,21
417,18,21,27
729
932
1696
-0,32 (-0,40; -0,24)
-0,32 (-0,39; -0,24)
0,31 (0,21; 0,45)
0
0
0
0,99
0,60
0,80
617,18,21,23,26,27
1872
1,55 (1,08; 2,21)
0
0,61
517,18,21,23,27
317,23,27
1955
811
1,03 (1,00; 1,05)
0,84 (0,58; 1,20)
0
0
0,67
0,54
317,23,27
617,18,21,23,26,27
417,21,23,26
1171
2014
1219
1,07 (0,93; 1,24)
1,73 (0,72; 4,14)
1,32 (1,02; 1,71)
0
27
2
0,59
0,23
0,38
517,18,21,23,27
617,18,21,23,26,27
517,18,21,23,27
1743
2226
1743
2,25 (0,46; 11,02)
1,02 (0,30; 3,47)
2,38 (0,52; 10,84)
0
0
0
0,96
0,53
0,88
224,28
224,28
224,28
401
401
401
2,67 (1,89; 3,77)
-0,31 (-0,42; -0,19)
3,34 (1,27; 8,80)
0
0
0
0,45
0,93
0,55
224,28
401
1,24 (0,49; 3,13)
68
0,08
224,28
401
12,45 (3,92; 39,52)
0
0,68
ACR, American College of Rheumatology; ADA, adalimumabe; MMCD, medicamentos modificadores do curso da doença; HAQ, Health Assessment
Questionnaire.
* Dados em risco relativo para desfechos dicotômicos e diferença de médias paras desfechos contínuos com intervalo de confiança de 95%.
a
Estatística I2 >40% indica heterogeneidade estatísticas entre os estudos.
b
Valor P <0,10 do teste Qui-quadrado indica heterogeneidade estatísticas entre os estudos. Números sobrescritos indicam os estudos usados
nas metanálises.
não mostraram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos ADA e placebo.28
Discussão
Os resultados da revisão sistemática e das metanálises demonstraram que os pacientes que receberam tratamento de
ADA 40 mg a cada duas semanas associado ao MTX apresentam melhores resultados de eficácia e menor progressão radiográfica quando comparados pacientes do grupo placebo +
MTX. O risco de ocorrer perda de acompanhamento por falta
de eficácia foi maior no grupo placebo + MTX, enquanto a perda por reação adversa foi maior no grupo ADA+MTX. Entretanto, esses resultados são mais robustos para acompanhamento por 24 semanas, uma vez que somente dois estudos
avaliaram os pacientes por 52 semanas e um, por 104.
Não foi verificada diferença estatisticamente significante quanto à eficácia e perda de acompanhamento por falta
de eficácia entre os grupos em monoterapia com ADA 40 mg
a cada duas semanas e monoterapia com MTX, enquanto
que para progressão radiográfica o grupo que utilizou ADA
apresentou melhor resultado. A combinação de ADA 40 mg
a cada duas semanas e MTX quando comparada ao ADA 40
mg a cada duas semanas em monoterapia apresentou me-
lhores desfechos na resposta ACR e progressão radiográfica,
enquanto que na escala HAQ o resultado foi estatisticamente significante apenas em 52 semanas e também favorável a
combinação. O risco de perda de acompanhamento por falta
de eficácia foi maior para a monoterapia. Essas comparações
foram avaliadas somente por um ensaio.18
Os pacientes que utilizaram ADA 40 mg a cada duas semanas em monoterapia apresentaram melhores desfechos de
eficácia em relação ao placebo em 24/26 semanas e a perda
por reações adversas favoreceu o grupo placebo.
As metanálises de eventos adversos não mostraram resultados estatisticamente significantes nas comparações “ADA
40 mg a cada duas semanas + MTX vs. placebo + MTX” e “ADA
40 mg a cada duas semanas vs. placebo”, com exceção das
reações no local de aplicação, que é esperado que seja maior
no grupo que utilizou o agente anti-TNF. Ressalta-se que o RR
na comparação “ADA 40 mg a cada duas semanas + MTX vs.
placebo + MTX” apresentou intervalo de confiança limítrofe
para esse evento.
Uma característica inerente de estudos clínicos é que eles
são conduzidos com uma população criteriosamente selecionada e que, portanto, não representa a população real. Além
disso, a maioria dos estudos incluídos foi realizada por curto
período de tempo (apenas um estudo de dois anos). Dessa forma, os resultados de ensaios clínicos possuem baixa validade
428
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
externa e devem ser extrapolados para a prática clínica com
ressalvas, sobretudo os desfechos de segurança, pois eventos
adversos raros muitas vezes são notificados em estudos pós-comercialização.
Portanto, é importante considerar resultados de eventos
adversos provenientes de estudos com maior tempo de acompanhamento. Uma extensão open label de cinco anos de duração do estudo PREMIER mostrou que a taxa de infecções sérias foi de 3,3 eventos por 100 pacientes-ano e que ocorreram
dois casos de tuberculose (0,1/100 pacientes-ano), um caso de
linfoma (< 0,1/100 pacientes-ano) e um de câncer de pele não
melanoma (< 0,1/100 pacientes-ano), além de outros 11 relatos de tumores malignos.29 A fase open label do estudo DE019,
também de cinco anos, relatou taxa de infecções graves de 4,4
por 100 pacientes-ano e dois casos de tuberculose. A taxa de
câncer de pele não melanoma foi de 1,1/100 pacientes-ano e
de outros cânceres, de 1,5/100 pacientes/ano.30 No início da
etapa open label dos dois estudos todos os pacientes passaram
a utilizar ADA 40 mg uma vez a cada 15 dias.
Uma metanálise de coortes indicou que os pacientes
com AR que utilizaram antagonistas TNF apresentaram aumento de 40% no risco de ocorrência de infecções graves
comparados com pacientes que usaram MMCD (RR 1,37, IC
95% 1,18; 1,60).31
Nos ensaios clínicos com bloqueadores de TNF, é comum
a realização de triagem para infecção latente de tuberculose e tratamento profilático nos casos positivos. Isso também
é recomendado pelas diretrizes de tratamento e ocorre na
prática clínica.11 Apesar disso, verificam-se casos de tuberculose relacionados ao uso desses medicamentos. O registro
espanhol de eventos adversos da terapia de biológicos em
doenças reumáticas relatou que a incidência de tuberculose
antes de 2002 foi de 472 por 100.000 pacientes-ano e que,
de 2002 a janeiro de 2006, quando as recomendações para
triagem e tratamento profilático de pacientes com tuberculose latente começaram a ser divulgadas, essa incidência
reduziu para 172 casos por 100.000 pacientes/ano.32 A Sociedade Britânica de Reumatologia divulgou em 2008 que o
risco de tuberculose em pacientes em uso de adalimumabe
foi de 217/100.000 pessoas-ano, enquanto que a incidência
anual média da população do Reino Unido foi de 13,2 eventos/100.000 pessoas-ano. Quase metade dos casos foi diagnosticada após o término do tratamento, indicando que a
vigilância para ocorrência de tuberculose deve continuar
mesmo após a interrupção da terapia.33
Uma revisão sistemática de ensaios clínicos e coortes
mostra que a associação de adalimumabe (ou outro biológico, como etanercepte, infliximabe e rituximabe) com MTX
alcança melhores respostas clínicas que a monoterapia com
o biológico.34 Os ensaios clínicos que mostraram benefício da
monoterapia do ADA compararam o biológico com placebo
e o no PREMIER, de forma geral, não foi verificada diferença
entre os grupo ADA e MTX.18,24,28 O estudo GUEPARD mostrou
que embora a combinação de ADA + MTX forneça respostas
mais rápidas, não apresenta melhores resultados de eficácia
e índices radiológicos após um ano quando comparada com
pacientes que iniciaram o tratamento com monoterapia com
MTX, o que não justificaria iniciar o tratamento da AR com
o biológico.19
Comparações com outras revisões sistemáticas
Outras revisões sistemáticas corroboram com os resultados
apresentados, mostrando maior eficácia do ADA em relação
ao controle em curto e longo prazo. Entretanto é preciso cautela na interpretação dos resultados de longo prazo, pois estudos com mais de 52 semanas são escassos e, geralmente, as
metanálises apresentam alta heterogeneidade.4,35-37
Wiens et al. mostraram que o resultado da metanálise para
respostas ACR em 52 semanas é estatisticamente significante
e favorável ao grupo que usou ADA, o que difere do resultado
encontrado na presente revisão.38 Essa diferença na direção
dos resultados pode estar relacionada ao método usado pelos autores, que utilizam os dois braços com ADA do estudo
DE019, contabilizando os resultados do grupo placebo duas
vezes, além de combinar grupos com posologias distintas do
ADA, o que pode ter enviesado o resultado.21
Jamal et al. mostraram que não há diferença na resposta
ACR quando se compara pacientes com doença precoce e estabelecida.22 Por outro lado, revisões sistemáticas de bloqueadores de TNF verificaram que a resposta ACR foi melhor em
pacientes com mais de dois anos de doença e melhores resultados em indivíduos com uso prévio de MTX.33,37
Limitações
O viés de publicação é uma preocupação em qualquer revisão
sistemática. É possível que estudos que sugerem benefícios
da intervenção de interesse sejam publicados, enquanto que
aqueles que apontam resultados em outra direção permaneçam não publicados. Nesta situação, uma revisão sistemática
de estudos publicados pode identificar um benefício espúrio
de um importante efeito ou falhar em indicar eventos adversos importantes.39
De forma geral, a evidência pode ser considerada forte,
pois os estudos incluídos nessa revisão apresentaram boa
qualidade metodológica e baixo risco de viés, com exceção
do estudo GUEPARD cujo delineamento não foi duplo-cego.19
Verificou-se que os resultados mantêm-se semelhantes com
a exclusão desse estudo.
Implicações para pesquisa e prática clínica
Não foram encontrados estudos que comparam o adalimumabe com outro biológico, evidenciando-se uma lacuna do
conhecimento, pois seria relevante para a prática clínica conhecer os perfis de eficácia e segurança comparativos entre os
biológicos, dado que em relação ao placebo e ao MTX já estão
bem estabelecidos.
Esse estudo mostrou que o adalimumabe na dose de 40 mg
a cada duas semanas é eficaz no tratamento da AR e bem tolerado a curto prazo. A eficácia do adalimumabe foi demonstrada em monoterapia e associado a algum MMCD, principalmente ao MTX, porém as evidências para o uso combinado
são mais robustas. As evidências científicas disponíveis corroboram as recomendações de tratamento da AR da Sociedade
Brasileira de Reumatologia: o uso de agentes biológicos está
indicado para os pacientes que persistam com atividade da
doença, apesar do tratamento com pelo menos dois esque-
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0
mas de MMCD, dos quais pelo menos um deles é combinação
de MMCD. O uso de agentes biológicos deve ser feito associado a algum MMCD, preferencialmente o MTX.3
Conflitos de interesse
13.
14.
A.M.K declara ter recebido grant educacional da Abbott. Os outros autores declaram não haver conflitos de interesse.
15.
Apoio financeiro
CNPq.
16.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Artigo original
Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus
eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos últimos
10 anos
Nadja Maria Jorge Asano a,*, Maria das Graças Wanderley de Sales Coriolano b,
Breno Jorge Asano c, Otávio Gomes Lins d
a
Departamento de Medicina Clínica, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Departamento de Anatomia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
c
Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
c
Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
Objetivo: Verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eri-
Recebido em 23 de agosto de 2012
tematoso sistêmico (LES), a partir do método da revisão sistemática.
Aprovado em 14 de maio de 2013
Métodos: Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período entre abril e julho de
2011, nos portais BIREME, PubMed e banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos
Palavras-chave:
publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades
Lúpus eritematoso sistêmico
psiquiátricas em pacientes com LES.
Psiquiatria
Resultados: De 314 artigos publicados em periódicos científicos (PubMed) e 29 artigos
Transtornos mentais
(BIREME) previamente identificados e selecionados, foram selecionados 13 artigos sobre
transtornos psiquiátricos e LES para submissão à abordagem metodológica de uma revisão
sistemática. Os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas, principalmente transtornos do humor e de ansiedade . Não há um consenso entre a atividade da
doença e os transtornos psiquiátricos. Pacientes com atividade da doença apresentaram
um risco maior de desenvolver transtorno do humor do que pacientes com doença inativa.
Pacientes com LES apresentaram mais risco de suicídio do que a população em geral.
Conclusão: Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico, genético, mecanismos
autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade são necessários.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected], [email protected] (N.M.J. Asano).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
432
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Psychiatric comorbities in patients with systemic lupus erythematosus:
a systematic review of the last 10 years
abstract
Keywords:
Objective: To analyze the frequency of psychiatric comorbidities in patients with systemic
Systemic lupus erythematosus
lupus erythematosus (SLE) using the systematic review method.
Psychiatry
Methods: A systematic literature search was performed between April and July 2011 in the
Mental disorders
following databases: BIREME, PubMed and CAPES thesis database. This search prioritized
studies published over the last ten years (2001-2011), involving the presence of psychiatric
comorbidities in patients with SLE.
Results: Out of 314 articles published in scientific journals (PubMed) and 29 (BIREME), previously identified ones, 13 articles on psychiatric disorders and SLE were selected so they could
be submitted to the systematic review methodological approach. The articles indicated high
frequency of psychiatric comorbidities, especially mood and anxiety disorders. There is no
consensus between the disease activity and psychiatric disorders. Patients with active SLE
showed a higher risk of developing mood disorders than patients with inactive SLE.
Conclusion: Patients with SLE had a higher suicide risk than the general population. More
thorough studies to evaluate the psychological and genetic role, specific and non-specific
autoimmune inflammatory mechanisms in mood and anxiety disorders are needed.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
Material e métodos
Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória
crônica, de natureza autoimune e etiologia multifatorial, podendo acometer diversos órgãos e sistemas.1 Os estudos revelam uma predominância no sexo feminino (cerca de 90% dos
casos), principalmente durante a idade fértil, ou seja, entre 15
e 45 anos de idade; mais frequente em mulheres negras do
que em brancas, numa proporção 3:1, podendo, no entanto,
ocorrer em todas as etnias e regiões geográficas.2
O sistema nervoso central é atingido frequentemente por
essa doença, acarretando sintomas neurológicos e/ou psiquiátricos.1-3 A prevalência de transtornos neuropsiquiátricos
no LES relatada na literatura é variável (14-75%), refletindo a
variação dos critérios diagnósticos e a seleção da população
estudada, podendo se manifestar em qualquer momento da
evolução da doença com diferentes formas clínicas, desde
quadros leves até graves.4 Estresse psicológico é considerado, por muitos estudiosos, como de particular importância
no desencadeamento da doença e de suas agudizações.5-7 As
síndromes psiquiátricas em pacientes com LES incluem uma
variedade de achados psiquiátricos, causando incapacidades
crônicas.8
O American College of Rheumatology (ACR) classificou 19
síndromes neuropsiquiátricas relacionadas ao LES, descrevendo como manifestações psiquiátricas: psicose, transtornos do humor, transtornos de ansiedade e estado confusional agudo.1
Dessa forma, no tratamento clínico dos pacientes, além da
necessidade de se considerar a condição lúpica, seria oportuno observar as manifestações psiquiátricas especificamente e
determinar o quanto essas comorbidades implicam em limitações nas atividades diárias, comprometendo a qualidade de
vida do indivíduo.9
O objetivo desta revisão é verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES.
Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período
entre abril e julho de 2011, nos portais BIREME, PubMed e no
banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES.
A finalidade deste estudo foi reunir e sintetizar resultados
de pesquisas de forma sistemática. Para isso, nossa pergunta
condutora foi: qual é a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES? Com isso, o desfecho primário
esperado é que as comorbidades psiquiátricas sejam frequentes e identificadas em algum nível de atividade do LES. Como
desfecho secundário, é provável que a depressão seja a mais
frequente entre os pacientes, dentre os quadros de comorbidades psiquiátricas observadas
Com o objetivo de definir claramente a adequação da literatura encontrada para esse estudo de revisão, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: a) artigos com
seres humanos; b) artigos publicados nos últimos 10 anos; c)
pacientes de ambos os sexos; d) idade a partir dos 19 anos; e)
artigos publicados em inglês, português e espanhol; f) estudos
prospectivos.
Os critérios de exclusão foram desenvolvidos para eliminar artigos que não utilizassem em sua metodologia os parâmetros acima listados: a) estudos de revisão; b) short communication; c) estudos qualitativos; d) publicações nos demais
idiomas, mesmo com resumos em língua inglesa; e) estudos
de intervenção; f) relato de casos.
A pesquisa foi realizada por três pesquisadores. Dois pesquisadores (NMJA e MGWS) foram responsáveis, inicialmente,
pelas buscas que ocorreram de forma independente e cega.
Um terceiro pesquisador (OGL), revisor, foi consultado nos
casos de discordância para estabelecer um consenso. Os formulários de coleta de dados foram padronizados e elaborados
antes do início da busca.
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7
Os descritores foram escolhidos de acordo com a lista do
DeCS/MeSH. Pela lista do DeCS, os descritores foram os seguintes: Lúpus eritematoso sistêmico e Psiquiatria. Pela lista
do MeSH os descritores foram os seguintes: Lupus Erythematosus, Systemic e Psychiatry (tabela 1). As referências dos artigos selecionados também foram revisadas para identificar
outros estudos relevantes que pudessem ter sido omitidos na
busca eletrônica.
A pesquisa foi feita em mais de um portal e várias bases de
dados incluindo as bases de dados de teses e dissertações. A
estratégia de busca utilizada seguiu recomendações de Castro
et al.,10 Dickersin et al.11 e a Cochrane Collaboration.
Todos os artigos obtidos na busca foram organizados em
tabelas e avaliados quanto à condição de incluído ou excluído com base nos critérios de elegibilidade. Para avaliação dos
artigos incluídos, aplicou-se a Escala de Jadad, 12 na qual cada
resposta positiva gera 1 ponto na escala, que resulta na avaliação de 0-5 pontos:
1 a. O estudo foi descrito como randomizado?
1 b. O método foi adequado?
2 a. O estudo foi descrito como duplo-cego?
2 b. O método foi adequado?
3. Houve descrição das perdas e exclusões?
Resultados
i) estudos com outras doenças autoimunes (97). Permaneceram na análise sistemática 11 artigos.
No portal BIREME, dentre os 5.179 artigos foram selecionados 29 artigos, sendo que 4 artigos foram idênticos aos encontrados no portal PubMed, permanecendo 25 artigos, onde
apenas 1 artigo foi incluído nesta revisão por preencher os
critérios de inclusão.
No banco de teses da CAPES foram encontradas duas teses, porém apenas uma tese foi selecionada, contudo não foi
possível a obtenção na íntegra. A outra tese foi excluída pela
leitura do título.
As referências bibliográficas dos 11 artigos (PubMed) e de 1
artigo (BIREME) incluídos foram analisadas e apenas 1 artigo
preencheu os critérios de inclusão, sendo selecionado. Portanto para o estudo desta análise sistemática foram incluídos
13 artigos (fig. 1).
Nesta revisão sistemática, 11 artigos preencheram a pontuação máxima (5) na escala de Jadad.12 O número de sujeitos
variou de 46-1206. A idade estudada apresentou uma ampla
variedade (16-83 anos). As médias das idades situaram-se entre 32-48 anos. A maioria dos sujeitos nos diversos estudos
(87-100%) era do sexo feminino (tabela 2). Apenas três estudos
avaliaram a idade do diagnóstico que foi em torno de 30 anos.
A duração da doença variou entre alguns meses no estudo de
Hanly et al.24 até 47 anos, Bachen et al.22 As médias da duração
de doença variaram em torno de 9 anos.
A maioria dos artigos utilizou o instrumento SLEDAI 25 para
avaliação da atividade do LES, enquanto para a avaliação psi-
Identificamos na primeira busca, com o uso da expressão do
item 3 (tabela 1), sem os critérios de inclusão, 1.504 artigos no
portal PubMed e 5.179 artigos no portal BIREME.
Dentre os 1.504 artigos no portal PubMed foram eliminados imediatamente 266 artigos por se tratarem de artigos de
revisão, permanecendo 1.238 para estudo. Após uma análise
mais criteriosa, seguindo os critérios de inclusão, dentre os
1.238 artigos, 314 foram selecionados.
Dentre os 314 artigos analisados no portal PubMed, 290 foram excluídos pelos seguintes motivos: a) relato de casos (18);
b) estudo de neuroimagem (33); c) pesquisa de autoanticorpos
(26); d) estudo qualitativo (32); e) estudo experimental (13); f)
avaliação de tratamento medicamentoso (32); g) estudo com
crianças e adolescentes (7); h) análise de déficit cognitivo (32);
Tabela 1 – Expressões usadas para a busca (MeSH)
Expressões
1: lupus erythematosus, systemic
2: psychiatry OR psychiatric OR mental
disorders OR depression OR emotional
disorders OR anxiety disorders OR
mood disorders
3: #1 AND #2
Limites: humanos, inglês, português ou
espanhol, masculino, feminino, idade
maior que 19 anos, publicados nos
últimos 10 anos
Mantidos após critérios de exclusão
Adicionados após consulta das
referências
Adicionado após consulta
Incluídos nesta revisão
Nº artigos (Portal)
49.637 (PubMed)
1.148.148(PubMed)
1.504 (PubMed)
314 (PubMed)
11 (PubMed)
1 (PubMed)
1 BIREME
13
433
Figura 1 – Busca e seleção de estudos para a revisão
sistemática segundo Cochrane Collaboration.
434
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7
Tabela 2 – Características clínicas e demográficas dos 13 artigos da revisão sistemática em pacientes com LES nos
últimos 10 anos
Autor
Ainiala
Ishikura
Brey
Iverson
Appenzeller
Doria
Slattery
Nery
Nery
Bachen
Philip
Hanly
Jarpa
n
Idade (anos)
Sexo
Idade no diagnóstico (anos)
Duração (anos)
IAD
46
84
128
103
40
126
50
71
71
326
154
1206
83
45 ± 13 (20-64)
41 ± 12 (20-68)
43 (21-71)
48 ± 13
32
39 ± 12 (18-65)
42,1 ± 11,1 (20-71)
35 ± 10 (19-65)
35 ± 10 (19-65)
48 ± 11 (18-83)
52 ± 15
35 ± 13
39 (16-72)
39♀, 7♂
84♀
120♀, 8♂
102♀, 1♂
37♀, 3♂
110♀, 16♂
45♀, 5♂
71♀
71♀
326♀
140♀, 14♂
1080♀, 126♂
76♀, 7♂
31± 10 (14-60)
26,8 ± 10,3 (7-60)
33 ± 12 (1-73)
-
14 ± 8 (2-37)
11 ± 7 (1-29)
8 (0,2-37)
10 ± 6 (1-32)
15,3 ± 9,1(1-34)
10 ± 7 (0-29)
10 ± 7 (0-29)
15 ± 10 (1-47)
15 ± 10
5(4) meses
5 (0,1-40)
ECLAN
LACC
SLEDAI SLICC
SLEDAI
ECLAN SLICC
SLEDAI SLICC
SLEDAI SLICC
SLAC
SLEDAI SLICC
SLEDAI-2K
IAD, instrumento de atividade da doença; ECLAN, European Consensus Lupus Activity Measure; LACC, Lupus Activity Criteria Count; SLEDAI,
Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index; SLICC, Systemic Lupus International Collaborating Clinics/ACR Damage Index; SLAC,
Systemic Lupus Activity Questionnaire.
quiátrica, muitos instrumentos foram indicados considerando os termos do DSM-IV.26
As comorbidades psiquiátricas mais frequentes foram
transtorno do humor e transtorno de ansiedade. Episódio
depressivo maior (EDM) foi o transtorno de humor mais frequente que variou de (18,3-75%), enquanto o transtorno de
ansiedade sem outra especificação (TASOE) destacou-se entre
os transtornos de ansiedade, variando de (3,6-74,6%). Em seguida, os transtornos de ansiedade mais encontrados foram:
transtorno de ansiedade generalizada (TAG) 9,9%,21 4,3%22 e
2,4%,8 transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) 8,9%,22 42%19 e
3,6%,8 fobias social e específica (FS e FE) 12,7% e 25,4%,21 15,6%
e 23,9% 22 e 1,2% e 1,2%.8
Entre outras comorbidades psiquiátricas encontradas,
risco de suicídio (RS) foi observado por Ishikura et al. (8,3%)14
e Jarpa et al. (9,6%),8 síndrome psicótica (SP) por Hanly et al.
(5,0%)24 e Jarpa et al. (1,2%),8 transtorno de adaptação (TAD)
por Nery et al.. (8,4%)21 e Jarpa et al. (2,4%)8. A tabela 3 resume
a frequência das comorbidades psiquiátricas e avalia os artigos segundo os critérios de Jadad.12
Discussão
Sintomas psiquiátricos são comumente relatados em pacientes com LES, contribuindo para a morbidade física e funcional.
É o que podemos constatar nos artigos analisados nesta revisão sistemática.8,13-24
Embora o desenho do estudo não representasse um critério
de exclusão, apenas Jarpa et al.8 e Hanly et al.24 descreveram
seu estudo como prospectivo. Porém, nos demais estudos,
pela descrição dos procedimentos, poderíamos afirmar que o
desenho também seria de natureza prospectiva, transversal
ou longitudinal.
Em todos os artigos os critérios de elegibilidade foram
descritos detalhadamente fornecendo subsídios para pesquisas futuras. Critérios de inclusão mais rígidos, reduzindo
substancialmente o número de artigos, permitiram maior
consistência, homogeneidade e confiabilidade dos achados
analisados.
O tamanho das amostras estudadas nos 13 artigos foi amplamente variável dependendo principalmente do objetivo do
estudo e da metodologia empregada. Enquanto Ainiala et al.13
descreveram a prevalência de síndromes neuropsiquiátricas
numa determinada população da Finlândia representada por
46 sujeitos, Hanly et al.24 realizaram um estudo multicêntrico
para determinar a frequência, o acompanhamento de eventos neuropsiquiátricos e o impacto na qualidade de vida nos
primeiros três anos da doença, obtendo uma amostra bem
maior, de 1.206 sujeitos.
As médias de duração de doença foram similares entre
os artigos com duração de aproximadamente 10 anos. As
amostras de sujeitos com LES foram predominantemente
femininas em todos os artigos (87-100%). Sujeitos do sexo
masculino foram analisados em nove artigos; contudo, não
houve características desse grupo registradas separadamente
entre os resultados.8,13,15-19,23,24 Alguns artigos apresentaram
em comum uma avaliação quanto à contribuição de fatores
sociais, principalmente relacionados à etnia em sujeitos
com LES.8,14,15,18,24 Jarpa et al.8 descreveram pela primeira vez
a prevalência de doenças psiquiátricas em pacientes mestiço-chilenos (ameríndios/espanhóis) com o diagnóstico de
LES observando frequências consideravelmente mais altas
do que na população geral e sem associação com a atividade
da doença. Brey et al.15 estudaram uma população predominantemente mexicana-americana, compreendendo grande
parte da região de San Antonio (Texas), onde transtornos
psiquiátricos em pacientes com LES também foram muito
frequentes. Ainiala et al.,13 analisando 46 sujeitos nativos da
Finlândia com o diagnóstico de LES, observaram que 42 pacientes preenchiam pelo menos um critério neuropsiquiátrico
pelo ACR.
Os estudos de Iverson16 e Hanly et al.24 observaram predomínio de caucasianos dentre as diversas etnias estudadas.
Bachen et al.22 descreveram a prevalência de transtornos de
humor e de ansiedade em mulheres caucasianas, e Slattery et
al.,19 analisando a prevalência de TOC em pacientes com LES,
observaram que 71% dos pacientes eram brancos.
O instrumento mais utilizado para avaliação de atividade da doença foi SLEDAI,25 que tem sido utilizado para
435
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7
Tabela 3 – Características clínicas e demográficas dos 13 artigos da revisão sistemática em pacientes com LES nos
últimos 10 anos
Autor
Ano
IAP
Ainiala
2001
BDI
Ishikura
2001
Brey
2002
SDS
STAI
CMI
SCID
Iverson
2002
Appenzeller
2003
Doria
2004
Slattery
Nery
2004
2007
BCMDI
BDI
BPRS
HAD
BECK
HAS
HAM-D
Y-BOCS
SCID
Nery
2008
SCID
Bachen
2009
Philip
Hanly
Jarpa
2009
2010
2011
Transtornos do humor
39,6%
4,4%
40,5%
EDM
TBSOE
TDSOE
28%
19%
4%
39%
Transtornos de ansiedade
Outros
Jadad
13%
TASOE
5
51,2%
TASOE
8,3%
RS
5
EDM
TDSOE
TBSOE
EDM
24%
TASOE
5%
TPSOE
5
75%
EDM
70%
TASOE
3
40,5%
EDM
74,6%
TASOE
5
42%
TOC
22,5%
4,2%
22,5%
18,3%
4,2%
4,2%
EDM
TDSOE
DM
EDM
THCMG TDSOE
5
5
1,4%
12,7%
25,4%
9,9%
12,7%
AG
FS
FE
TAG
TASOE
CIDI
47%
6%
3,3%
EDM
TB I
TD
1,2%
4,3%
8,9%
15,6%
23,9%
15,6%
AG
TAG
TOC
FS
FE
TP
CDS
ACR
MINI- plus
27%
18,2%
21,7%
4,8%
2,4%
EDM
THOSE
EDM
TD
EM
4
3,6%
3,6%
3,6%
2,4%
2,4%
1,2%
1,2%
TASOE
AG
TOC
TAG
TEPT
FS
FE
1,4%
1,4%
8,4%
TS
AA
TAD
5
5
5,0%
11,7%
3,6%
1,2%
9,6%
6,0%
2,4%
SP
TDP
MAD
SP
RS
TDC
TAD
5
5
5
IAP, Instrumento de avaliação psiquiátrica; AA, Abuso de Álcool; AG, Agorafobia; BCMDI, British Columbia Major Depression Inventory; BDI,
Beck Depression Inventory; CDS, Cardiac Depression Scale; CIDI, Composite International Diagnostic Interview; CMI, Cornell Medical Index;
DM, Depressão Maior; DSM-IV, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV; EDM,Episódio Depressivo Maior; EM, Episódio Maníaco;
FE, Fobia Específica; FS, Fobia Social; Y-BOCS, Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale; MAD, Misto de Ansiedade e Depressão; MINI-plus, Mini
International Neuropsychiatric Interview; RS, Risco de Suicídio; SCID, Structured Clinical Interview for Psychiatric Diagnosis; SDS, Self-rating
Depression Scale; SP, Síndrome Psicótica; STAI, State-Trait Anxiety Inventory; TAD, Transtorno de Adaptação; TAG, Transtorno de Ansiedade
Generalizada; TASOE, Transtorno de Ansiedade Sem Outra Especificação; TB I, Transtorno Bipolar I; TBSOE, Transtorno Bipolar Sem Outra
Especificação; TD, Transtorno Distímico; TDC, Transtorno Dismórfico Corpório; TDP, Transtorno Disfórico Premenstrual; TDSOE, Transtorno
Depressivo Sem Outra Especificação; TEPT, Transtorno de Estresse Pós-Traumático; THSOE, Transtorno do Humor Sem Outra Especificação; TOC,
Transtorno Obsessivo-Compulsivo; TP, Transtorno do Pânico; TPSOE, Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação; TS, Transtorno Somatoforme.
a avaliação do LES em vários centros, com bons resultados
quanto à validade e à reprodutibilidade. Em alguns estudos
esse instrumento não contribuiu para a associação entre a
presença de transtornos psiquiátricos e atividade da doença, talvez pela diversidade de transtornos presentes nessa
amostra, incluindo diferentes formas de ansiedade e alcoolismo ou provavelmente porque mecanismos intrínsecos
ao LES possam participar da patogênese de cada transtorno
psiquiátrico.8,21 Por outro lado, o estudo de Nery et al.20 relatou uma tendência de associação entre EDM com atividade
de doença.
Nesta revisão, os estudos de Iverson,16 Slattery et al.19 e Philip et al.23 não aplicaram qualquer instrumento para avaliar
atividade do LES, pois em seus objetivos não havia necessidade de analisar tal atividade.
Os artigos tentando definir a prevalência de transtornos
psiquiátricos demonstraram variações quanto à seleção do
paciente, tipo de estudo e definições clínicas das comorbidades psiquiátricas contribuindo para diferentes resultados.8,13-24
Durante o curso da doença, depressão e ansiedade são
sintomas frequentemente observados por diversos auto-
436
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7
res.8,17,18,21,22 Nesta revisão sistemática, a comorbidade psiquiátrica de maior destaque foi o EDM, variando entre 18,3-75% nos
diferentes estudos.8,13,15-18,20,22,23 A percepção negativa da doença
estaria associada com níveis diferentes de depressão nestes
pacientes.23 Diversos artigos verificaram também prevalência
significativa de transtorno depressivo sem outra especificação.14,15,20,21
Transtornos de ansiedade também foram descritos como
de alta prevalência no LES entre os diversos artigos,8,13-15,17-19,21,22
destacando-se TASOE, fobias, TOC e TAG. Segundo estes autores, o motivo para a alta prevalência dos transtornos de ansiedade ser considerada desconhecida, tem como justificativa o
fato de que a ansiedade não vem sendo muito estudada em
pacientes com LES. Pacientes com transtorno de ansiedade
frequentemente sentem dificuldade para revelar seus sintomas necessitando então de outros métodos de avaliação como
questionários de autopreenchimento para identificação desta
comorbidade.22
O TOC apresenta-se como uma comorbidade frequente em
pacientes com LES, segundo os artigos de Jarpa et al.,8 Bachen
et al.22 e principalmente Slattery et al.19 A proposta deste último estudo seria identificar entre os sintomas psiquiátricos nos
sujeitos com LES, qual a prevalência específica deste transtorno que poderia ser mais alta do que em estudos baseados em
comunidade. Estudos de neuroimagem revelam alterações da
gânglia basal em pacientes com TOC.27,28 Evidências sugerem
uma associação entre estas anormalidades e sintomas psiquiátricos nesta população.29
Outras comorbidades psiquiátricas foram relatadas, como:
RS, transtorno psicótico, TAD, transtorno dismórfico corpóreo.8,14,15,21,24 RS não é avaliado pelos critérios do ACR30 e parece
negligenciado nos estudos desta população. Jarpa et al.8 encontraram alta prevalência (9,6%) comparando com a população
geral. Ideação suicida foi observada em 8,3% no estudo de Ishikura et al.14 e foi correlacionada com relacionamentos problemáticos com os familiares, enfatizando-se a importância da
família no suporte destes pacientes.
Nesta revisão sistemática, os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas em sujeitos com LES,
principalmente transtornos de humor e de ansiedade.
Não há um consenso ainda para a correlação entre a atividade da doença e os diversos problemas mentais, embora
os artigos revelem algumas diferenças metodológicas, principalmente relacionadas à descrição do desenho do estudo,
à caracterização da amostra, aos diferentes instrumentos e
questionários de avaliação. Pacientes com atividade da doença
apresentaram risco maior de desenvolver transtorno do humor
do que pacientes com doença inativa, independente da ocorrência de eventos estressores ou de susceptibilidade a recorrência de transtorno depressivo maior.
O reconhecimento dessas associações pode fornecer mais
manuseios apropriados para estes pacientes e pode também
trazer novos conhecimentos para a compreensão dos mecanismos envolvidos nesta importante apresentação clínica do LES.
Neste estudo de revisão ficaram evidentes as observações
prévias da alta frequência de transtornos depressivos e de
ansiedade no LES sem manifestações neurológicas concomitantes.
A associação entre LES e depressão merece atenção especial, principalmente em relação ao RS, verificando-se que pa-
cientes com LES apresentam mais risco de suicídio do que a
população em geral. Em nossa revisão, o transtorno de ansiedade que mais se destacou foi o TASOE.
Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico,
genético, mecanismos autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade
são necessários.
Apesar dos avanços técnicos e científicos, o LES continua
sendo uma patologia ameaçadora e de evolução crônica, provocando intenso sofrimento físico, psíquico e social.
Constata-se a necessidade de mais estudos com o número
maior de sujeitos com e sem LES utilizando escalas e instrumentos padronizados.
Mesmo médicos não psiquiatras devem ser capazes de reconhecer sintomas suspeitos de transtornos mentais, especialmente nos ambulatórios de LES e fazer o encaminhamento
para tratamento especializado, com o objetivo de diminuir o
sofrimento dessa doença.
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
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Relato de caso
Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso
em gestante: relato de caso☆
Cristiane Engel dos Santosa,*, Pedro Henrique Isaacsson Velhob,
Fabrício Machado Marquesc, Betina Wernerc, Salun Coelho Aragãoa, Acir Rachid Filhoa
a
Serviço de Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Serviço de Clínica Médica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
c
Serviço de Patologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
b
informações
resumo
Histórico do artigo:
O lúpus eritematoso sistêmico pode apresentar inúmeras lesões cutâneas. As lesões bolho-
Recebido em 21 de setembro de 2011
sas específicas do lúpus, apesar de raras, apresentam características clínicas e imunopato-
Aceito em 14 de maio de 2013
lógicas próprias e implicam em diagnóstico diferencial entre inúmeras patologias bolhosas
que podem sobrepor-se ao lúpus eritematoso sistêmico. Apresenta-se um caso de lúpus
Palavras-chave:
eritematoso sistêmico bolhoso em gestante.
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Lúpus eritematoso sistêmico
Dermatopatias vesiculobolhosas
Gestantes
Bullous systemic lupus erythematosus in a pregnant woman: a case report
abstract
Keywords:
Systemic lupus erythematosus (SLE) can cause numerous skin lesions. Despite being rare,
Systemic lupus erythematosus
lupus-specific bullous lesions demonstrate characteristic clinical and immunopathological
vesiculobullous skin diseases
features and require differential diagnosis among numerous bullous conditions that may
Pregnant women
overlap with SLE. The present study presents a case of bullous systemic lupus erythematosus (BSLE) in a pregnant woman.
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Introdução
As lesões cutâneas do lúpus eritematoso sistêmico (LES), tais
como rash malar, úlceras orais, lesões discoides e fotossensibilidade estão entre as manifestações mais comuns da doença. As erupções bolhosas são raras e ocorrem em menos
☆
de 5% dos pacientes.1-4 No contexto dessa colagenose, as lesões vesico-bolhosas que apresentam características clínicas
e imunopatológicas distintas são descritas como lúpus eritematoso sistêmico bolhoso (BLES) e fazem parte do diagnóstico diferencial de inúmeras patologias bolhosas, dentre as
quais estão a dermatite herpetiforme, o penfigoide bolhoso,
a epidermólise bolhosa adquirida e o penfigoide gestacional.
Trabalho realizado no Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (C.E. Santos).
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Apesentamos o caso de uma paciente portadora de LES que
apresentou lesões vesico-bolhosas no terceiro trimestre de
gestação.
Relato de caso
Paciente mulher, 25 anos, com diagnóstico de LES há aproximadamente um ano, de acordo com critérios do American
College of Rheumatology (ACR). Em uso regular de difosfato de
cloroquina 250 mg/dia, prednisona 5 mg/dia e enalapril 40
mg/dia. Há 10 meses, compareceu à consulta de rotina com
gestação confirmada de 12 semanas e surgimento de rash malar. Foi substituído o enalapril por metildopa, a cloroquina por
hidroxicloroquina e aumentada a dose de prednisona para 20
mg/dia. A paciente evoluiu com melhora do rash.
Quatro meses depois, apresentou extensas lesões eritematodescamativas em áreas fotoexpostas, com leve dor e prurido. Foi elevada a dose da prednisona para 60 mg/dia (aproximadamente 1 mg/kg) e agendada reavaliação ambulatorial
precoce com exames laboratoriais. Na consulta de retorno, a
paciente já apresentava lesões bolhosas, hiperemiadas e descamativas, em face, tronco e membros superiores (fig. 1). Não
relatou qualquer associação entre o início das lesões e o uso
concomitante de outros medicamentos ou a algum quadro infeccioso. Não havia hipertensão, dor abdominal ou edema de
membros inferiores.
439
O hemograma evidenciava discreta anemia e linfopenia,
com plaquetas normais. Não havia alterações na análise do
sangue periférico. As enzimas hepáticas e função renal eram
normais. Desidrogenase lática, ácido úrico, C3 e C4 normais.
Anti-DNA: 1:80. Perfil ENA negativo. Parcial de urina sem alterações. Foi realizada uma biópsia de pele, que mostrou necrose de queratinócitos importante na epiderme e fenda subepidérmica, com infiltrado inflamatório linfocitário na interface
derme/epiderme e perivascular da derme (fig. 2). A imunofluorescência direta apresentou IgG positivo em grau moderado,
granular, denso e contínuo na zona da membrana basal.
Evoluiu com quadro febril atribuído a infecção secundária
de pele. Foi mantida prednisona 60 mg/dia e iniciada antibioticoterapia de amplo espectro. Como o feto apresenta grave
restrição do crescimento intrauterino, foi realizada cesariana
de urgência. A cirurgia ocorreu sem intercorrências e a criança não apresentou qualquer complicação.
Durante o internamento, houve discreta progressão das
lesões para membros inferiores e acometimento de mucosa
oral. Mantida a dose alta de corticoide, com melhora gradativa
do quadro cutâneo. Após dois meses, iniciou-se diminuição
gradual da dose da prednisona. A paciente vem sendo acompanhada ambulatorialmente, sem retorno dos sintomas cutâneos, restando apenas cicatrizes hiper- e hipocrômicas em
membros superiores e tronco.
Discussão
O envolvimento cutâneo ocorre em 70-85% de todos os pacientes com lúpus. As manifestações cutâneas podem ser
classificadas em específicas e não específicas de acordo com
avaliação morfológica e histológica.5 O BLES é classificado
como manifestação cutânea específica aguda.5,6
Em 1973, Pedro e Dahl descreveram o primeiro caso de
BLES.4 É uma forma rara de acometimento cutâneo no LES,
com incidência menor que 0,2 caso por milhão/ ano.3,7 O quadro clínico caracteriza-se por vesículas ou bolhas de conteúdo
seroso ou hemorrágico,4,7 tanto em áreas expostas quanto não
expostas ao sol. Podem estar acompanhadas de prurido discre-
Figura 1 – Visão do dorso de paciente gestante, portadora
de lúpus eritematoso sistêmico, apresentando lesões
bolhosas.
Figura 2 – Biópsia da pele do dorso mostrando fenda subepidérmica.
440
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to a grave e afetar as mucosas.4 As bolhas podem evoluir sem
deixar cicatrizes,4 ou com cicatrizes hipo/hiperpigmentadas.7
A histopatologia é caracterizada por bolha subepidérmica
com microabscessos de neutrófilos nas papilas dérmicas, semelhante ao encontrado na dermatite herpetiforme. Ocorre
edema da derme e infiltrado inflamatório perivascular, com
predomínio de linfócitos. Alguns casos apresentam vasculite
leucocitoclástica e extravasamento de hemácias.2,4,6,8,9 A paciente em questão apresentava à biópsia necrose de queratinócitos na epiderme, infiltrado linfocitário na interface derme/epiderme, fenda subepidérmica e infiltrado inflamatório
perivascular na derme. Esses achados podem ser encontrados
no eritema multiforme e na Síndrome de Rowell. Essa síndrome é descrita como uma associação entre lúpus e eritema
multiforme em pacientes portadores de anticorpos anti-Ro/
SS-A e fator reumatoide.1,10 Como nossa paciente apresentava IFD com deposição de IgG em grau moderado na zona da
membrana basal (característico do BLES) e os anticorpos frequentemente presentes na síndrome de Rowell negativos, o
diagnóstico de BLES foi o mais adequado.
Os critérios diagnósticos do BLES propostos por Camisa e
Sharma incluem o LES documentado baseado nos critérios do
ACR; vesículas e bolhas localizadas, principalmente em áreas
fotoexpostas; achados histopatológicos similares à dermatite
herpetiforme; deposição de IgG e/ou IgM e com frequência IgA
na zona da membrana basal.4,8,9 Gammon e Buggaman classificaram o BLES em dois subtipos distintos: o tipo 1, no qual
os pacientes apresentam anticorpos circulantes contra o colágeno VII, e o tipo 2, em que não há presença de anticorpos
específicos.8,9
Acredita-se que a patologia do BLES esteja relacionada
aos anticorpos contra o domínio não colagenoso do colágeno
VII e ainda a outros anticorpos contra diferentes componentes da membrana basal. É proposto que as imunoglobulinas
bloqueiem a ligação entre a membrana basal e as papilas da
derme através da ativação do complemento, recrutamento e
ativação de neutrófilos, levando a formação da bolha subepidérmica.3,8,9,11
Não está claro se há relação entre as erupções bolhosas e
o flare do LES. Lesões vesico-bolhosas podem se desenvolver
sem evidência clínica e/ou laboratorial de piora do LES. Entretanto, em alguns casos, nota-se clara associação entre as
manifestações de pele e atividade renal.2-4,7,9 A paciente descrita não apresentava demais indícios de atividade do LES em
outros órgãos.
O LES ainda tem seu comportamento debatido na gravidez,12,13 mas acredita-se que a maioria das pacientes apresentem exacerbação cutânea durante a gestação, com 60% de
chance de prematuridade e duas a quatro vezes mais chance
de aborto quando a doença está ativa. Um importante diagnóstico diferencial no âmbito das doenças bolhosas na gestação é o penfigoide gestacional, também conhecido como herpes gestacional. A apresentação clínica é muito semelhante
ao BLES, inclusive com a histopatologia mostrando o achado
da bolha subepidérmica (que nesse caso contem inúmeros
eosinófilos). Já a IFD mostra depósito de C3 na membrana basal, de forma linear. Em geral a gravidez não parece ser fator
de risco para o aparecimento de lesões bolhosas, visto que na
literatura não encontramos outros relatos de caso de BLES em
gestantes.
A dapsona é a droga de escolha para o tratamento do
BLES.2,3,9,11 Os pacientes respondem dramaticamente, com interrupção da formação de novas bolhas em um a dois dias
e cicatrização das lesões existentes em poucos dias mesmo
com doses baixas de 25-50 mg/dia.3,9 A dapsona é classificada
como C na gestação. Outras drogas como prednisona, azatioprina, ciclofosfamida, micofenolato de mofetil e antimaláricos também podem ser efetivas.3 Malcangi et al. descreveram
um caso de paciente com BLES e boa resposta ao uso do metotrexato.14 Como a paciente em questão era gestante e já fazia
uso de hidroxicloroquina, optou-se por tratamento com corticoide em doses altas, com resposta satisfatória.
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Relato de caso
Vasculite c-ANCA relacionada em paciente com
retocolite ulcerativa: relato de caso☆
Cristiane Engel dos Santosa,*, Vanessa Irusta Dal Pizzola, Salun Coelho Aragãoa,
Acir Rachid Filhoa, Fabrício Machado Marquesb
a
b
Serviço de Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
informações
resumo
Histórico do artigo:
As manifestações pulmonares da retocolite ulcerativa (RCU) são raras e incluem inflamação
Recebido em 19 de junho de 2011
de pequenas e grandes vias aéreas, doença parenquimatosa e serosite, entre outras. Uma
Aprovado em 14 de maio de 2013
proporção substancial de pacientes com doença inflamatória intestinal, particularmente
aqueles com RCU, apresenta ANCA positivo, a maioria padrão p-ANCA. Apresentamos um
Palavras-chave:
caso de paciente com RCU, com c-ANCA positivo, que evoluiu com hemoptise, associada a
Colite ulcerativa
alterações radiológicas compatíveis com vasculite pulmonar.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Vasculite
Anticorpos anticitoplasma de
neutrófilos
c-ANCA associated vasculitis in patients with ulcerative colitis: case report
abstract
Keywords:
The pulmonary manifestations of ulcerative colitis (UC) are rare and include inflammation
Colitis, ulcerative
of small and large airways, parenchymal disease and serositis among others. A substantial
Vasculitis
proportion of patients with inflammatory bowel disease, particularly those with ulcerative
Anti-neutrophil cytoplasmic
colitis presents positive ANCA, most p-ANCA pattern. We present a case of patient with
antibody-associated vasculitis
ulcerative colitis, with positive c-ANCA, which progressed to hemoptysis associated with
radiological findings consistent with pulmonary vasculitis.
© 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Introdução
Manifestações pulmonares da retocolite ulcerativa (RCU) são raras e incluem infecções pulmonares, bronquiectasias, bronquite
crônica e pneumonia criptogênica em organização (descrita ante-
☆
riormente como BOOP).1 Apesar de pouco reconhecidas, as lesões
pulmonares podem acarretar sintomas persistentes e importantes, com risco de causar lesões destrutivas e irreversíveis nas vias
aéreas. O diagnóstico dessas alterações em pacientes com RCU é
difícil, principalmente porque podem se desenvolver quando a
doença está em fase de remissão ou mesmo após a colectomia.1
Trabalho realizado no Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (C.E. Santos).
0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
442
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 1 – 4 4 3
A presença do anticorpo anticitoplasma de neutrófilo
(ANCA) sugere um distúrbio do sistema imunológico. O ANCA
padrão citoplasmático (ANCA-c) é visto em 70%-80% dos pacientes com granulomatose de Wegener (GW),2 enquanto o
padrão perinuclear (ANCA-p) é detectado principalmente
na poliangiíte microscópica (PAM) e na síndrome de Churg-Strauss, mas também em 60-70% dos pacientes com RCU.3
Isso denota que a fisiopatologia da autoimunidade dessas doenças pode ter pontos em comum.
Os autores descrevem o caso de uma paciente com RCU,
manifestações pulmonares e ANCA-c positivo.
Descrição de caso
Paciente feminina, 22 anos, diagnóstico de RCU há seis anos
(diarreia sanguinolenta e dor abdominal). Apresentou há dois
anos lesões de pele ulceradas em MMII, com biópsia compatível com vasculite leucocitoclástica (fig. 1).
Foi admitida com queixa de tosse, hemoptise de grande
volume e dispneia aos moderados e pequenos esforços com
um dia de duração. Não apresentava febre ou outros sintomas
associados. Não havia relato de sinusites de repetição, complicações oculares ou otológicas.
Fazia uso diário de prednisona 10 mg, azatioprina 200 mg,
amitriptilina 50 mg e omeprazol 20 mg.
Ao exame físico, apresentou hipocorada, taquipnêica (frequência respiratória de 44), ausculta pulmonar com murmúrio vesicular diminuído em hemitórax direito, além de estertores crepitantes difusos.
Exames laboratoriais na admissão: Hb = 7,6 g/dL, VG =
24,7%, 7260 leucócitos/mm3 com 38% bastões, 89000 plaquetas/mm3, creatinina = 0,9 mg/dL e VHS = 100 mm. Eletrólitos
normais. Pesquisa de bacilo ácido álcool resistente em duas
amostras de escarro foram negativas. Pesquisa de ANCA-c foi
positiva (titulação não disponível). Parcial de urina: leucocitúria, hematúria (sem descrição de dismorfismo eritrocitário),
nitrito positivo, bacteriúria e ausência de proteinúria. Urocultura com Escherichia coli 100000 ufc. Proteinúria de 24 horas
foi negativa.
Raio X de tórax mostrou múltiplas condensações alveolares. Tomografia computadorizada de tórax evidenciou áreas
de consolidações confluentes no pulmão direito, nos segmentos basais do lobo inferior esquerdo e na língula, associadas
a áreas de vidro fosco. Segundo a descrição radiológica, os
achados tomográficos sugeriam hemorragia pulmonar difusa.
O quadro clínico multissistêmico sugeria a hipótese de
vasculite, com acometimento predominante de pequenos vasos. As hipóteses de GW, PAM, doença de Churg-Strauss, crioglobulinemia, lúpus eritematoso sistêmico e infecções sistêmicas como leptospirose foram consideradas. A positividade
do ANCA-c sugeria fortemente a hipótese de vasculite primária. Para o tratamento da infecção urinária foi iniciada antibioticoterapia com ceftrixona. Pela gravidade das lesões pulmonares, optou-se por realizar pulso com metilprednisolona
e ciclofosfamida. Houve remissão completa dos sintomas e
melhora dos achados tomográficos. Como a paciente apresentou resposta completa ao tratamento, a biópsia pulmonar não
foi realizada. O tratamento de manutenção foi realizado com
pulsos mensais de ciclofosfamida, com resposta sustentada.
Evolução dos exames laboratoriais
A tabela 1 mostra a evolução dos exames laboratoriais da paciente.
Discussão
As doenças inflamatórias intestinais idiopáticas compreendem a RCU e a doença de Crohn. Ambas estão associadas com
uma variedade de manifestações extraintestinais pulmonares. Na RCU, há relatos de estenose de vias aéreas superiores,
traqueobronquite, bronquiectasia, bronquiolite constritiva,
nódulos, doença intersticial, BOOP, vasculite pulmonar, infiltração eosinofílica, GW e fibrose apical.1,4,5 Os principais sintomas relatados são inespecíficos e incluem tosse, expectoração
purulenta e dispneia.6 Mahadeva et al. estudaram pacientes
com RCU e encontraram como principal anormalidade na TAC
de tórax de alta resolução as bronquiectasias, seguidas por
Tabela 1 – Exames laboratoriais do paciente.
Exames
Hemograma
Hb
Vg
Leucócitos
Pesquisa
BAAR no
escarro
Parcial de
urina
Leucócitos
Hemácias
Proteínas
Bacterioscopia
1º DI
5º DI
9º DI
7,6 g/dL
24,7%
7260 x 103
9,4 g/dL
9,0 g/dL
10 g/dL
29,5%
28,3%
31,7%
11290 x 103 10300 x 103 7370 x 103
1ª amostra
negativa
2ª amostra
negativa
32000/mL
40000/mL
Negativa
Intensa
bacteriúria
c-ANCA
Figura 1 – Vasculite c-ANCA relacionada em paciente com
RCU. Biópsia de pele mostrando vasculite leucocitoclástica.
3º DI
DI, dia de internamento.
12800/mL
6000/mL
Negativa
Ausência de
bactérias
Positivo
R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 1 – 4 4 3
aprisionamento de ar e o padrão de “árvore em brotamento”.
Somente dois pacientes dessa série tinham mudanças sugestivas de fibrose. Não foi encontrada associação entre atividade da doença intestinal e as lesões pulmonares.4
A literatura mostra que 70-80% dos indivíduos com GW
apresentam ANCA-c, e 10%, ANCA-p.2 Quanto mais difuso o
acometimento pela doença, maior a positividade do ANCA.
Na RCU, 60-70% dos casos apresentam ANCA-p positivo.3 Esse
padrão do ANCA está associado à poliangiíte microscópica e à
síndrome de Churg-Strauss. O padrão citoplasmático sugere a
presença sérica do ANCA antiproteinase 3. O padrão perinuclear é definido como qualquer fluorescência perinuclear, sendo a
maioria correspondente ao ANCA antimieloperoxidase.2 O subtipo de ANCA-p encontrado nos indivíduos com RCU não reage
aos mesmos antígenos encontrados na GW.3 O ANCA-p, nesse
contexto, parece direcionado contra uma proteína do envelope
nuclear, de 50 kilodaltons, específica da célula mieloide.7 A importância desse achado ainda não está definida.
Rosa M et al. mostraram que, após um ano de seguimento
de pacientes com RCU ANCA positivos, não havia descrições
de lesão renal. O achado sugere a hipótese de que o potencial
do ANCA em induzir lesão renal, se existir, é dependente de
sua especificidade antigênica, visto que os alvos antigênicos
na GW e na RCU são diferentes. Na paciente apresentada não
foi detectado acometimento renal.8
A coexistência de GW e RCU com confirmação por biópsia
pulmonar sem solicitação de pesquisa ANCA já foi descrito
em relatos de casos. Complicações pulmonares em indivíduos
com RCU com achados semelhantes aos encontrados na GW
também já foram descritos na literatura. Nesses pacientes,
alguns dos exames histopatológicos mostraram BOOP. Áreas
focais de BOOP têm sido encontradas em 44% dos casos de
GW, e é possível que essas manifestações de BOOP-like possam representar uma variante da GW.1
443
Os autores apresentaram um caso de uma paciente portadora de RCU com manifestações pulmonares e exames de
imagem compatíveis com vasculite pulmonar, além de ANCA-c positivo. Houve excelente resposta clínica com o tratamento clássico definido para as vasculites associadas ao ANCA.
O quadro sugere uma superposição de RCU e uma vasculite
ANCA-c isolada aos pulmões, podendo representar uma forma limitada da granulomatose de Wegener.
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Comunicação breve
Perfil lipídico e uso de anti-TNF-α
Antonio Carlos Ferraz Filho, Luize Pereira dos Santos, Marilia B. Silva, Thelma L. Skare*
Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
informações
resumo
Histórico do artigo:
O uso do anti-TNF alfa tem sido associado a várias alterações no perfil lipídico, embora o es-
Recebido em 24 de junho de 2012
tudo dessas alterações tenha gerado resultados que ainda são conflitantes. O conhecimento
Aceito em 30 de novembro de 2012
desse fato é de grande importância quando se observa a associação entre doenças reumáticas e aterogenêse acelerada. Esta pesquisa foi feita com o intuito de verificar alterações no
Palavras-chave:
perfil lipídico de usuários de anti-TNF-α na população do sul do Brasil e sua associação com
Anti-TNF-alfa
tempo de uso, indicações, gênero do paciente e tipo de anti-TNF. Para tanto, analisaram-se os
Artrite reumatoide
perfis de colesterol total (TC), HDL colesterol (HDLc), LDL colesterol (LDLc), índice aterogênico
Espondiloartrites
(IAT) e triglicerídeos (TGs) de 58 pacientes (42 com artrite reumatoide e 16 com espondiloar-
Aterogênese
trites) antes e depois do uso desse medicamento por um tempo mediano de 16,0 meses. Não
se observaram alterações nos níveis de CT, HDLc, LDLc e IAT (P = NS). Todavia, houve um aumento significativo nos níveis de TGs (P = 0,03). A diferença mediana dos valores de TGs entre
primeira e segunda medidas foi de 16 mg/dL, e esse aumento não estava associado ao gênero
do paciente, tempo de uso, indicação de uso ou tipo de anti-TNF-α (P = NS). Concluiu-se que
o uso de anti TNF-α está associado com aumento nos valores de TGs.
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Lipid profile and anti-TNF-α use
abstract
Keywords:
The use of anti-TNF-α has been associated with several changes in lipid profile, although
Anti-TNF-alfa
some study results are conflicting. The knowledge of this fact is of great importance when
Rheumatoid arthritis
one observes at the association between rheumatic diseases and accelerated atherogenesis.
Spondiloarthritis
The aim of this analysis was search for changes in lipid profile in anti TNF-α users in the
Atherogenesis
population of Southern Brazil and its association with duration of use, indications, patient
gender and type of anti-TNF. For this purpose, we studied the profiles of total cholesterol
(TC), HDL cholesterol (HDLc), LDL cholesterol (LDLc), atherogenic index (ATI) and triglycerides
(TGs) of 58 patients (42 with rheumatoid arthritis and 16 with spondyloarthritis) before and
after using this drug for a median of 16.0 months. There were no changes in the levels of TC,
HDLc, LDLc and ATI (P = NS). However, there was a significant increase in TG levels (P = 0.03).
The median difference between first and second TG measurements was 16 mg/dL and this
increase was not associated with gender, time of use, use indication or type of anti TNF-α (P
= NS). It was concluded that the use of anti TNF-α is associated with increased values of TG.
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* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (T.L. Skare)
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Introdução
Métodos
Existe um aumento de risco cardiovascular nas doenças inflamatórias crônicas como as reumáticas.1 Isso fica bem evidente
em pacientes de artrite reumatoide (AR), quando se observa
que os mesmos têm uma chance de apresentar isquemia miocárdica que é 1,7 vezes maior do que a da população em geral,
risco comparável ao apresentado por pacientes com diabetes
mellitus tipo 2.2
Saber que inflamação e aterogênese estão intimamente ligadas tem suscitado uma nova maneira de abordar estes
pacientes do ponto de vista terapêutico, visando controlar a
atividade inflamatória e coibir tais complicações. Assim, o uso
agressivo dos DMARDs tradicionais ou de novos medicamentos, como os biológicos, tem se oferecido como uma opção
atraente.3,4 Em um estudo de 49 pacientes com AR no qual 30
foram tratados de maneira satisfatória com anti-TNF-α por 12
meses, observou-se que a espessura da camada médio-intimal
da carótida nos indivíduos que recebiam este medicamento e
controlavam sua doença era significativamente menor do que
os que não recebiam.4 Tal efeito foi atribuído à melhora do processo inflamatório. Todavia, os anti-TNF-α parecem ter, também, um efeito direto no metabolismo lipídico.5
A administração de TNF-α em roedores é seguida por um
aumento da síntese do colesterol hepático e das concentrações
sanguíneas do mesmo, devido a um aumento na atividade da
HMG-CoA redutase.5 Esse aumento só não é maior porque a
atividade da HMG CoA é parcialmente contrabalançada pela
produção e pela síntese da esqualeno sintetase (também conhecida como farnesil-difosfato farnesiltransferase), que é a primeira enzima a atuar na via do mevalonato.5 Entretanto, em
humanos e em outros primatas, a administração dessa citocina não tem causado alterações nos níveis de colesterol sérico
total (CT) e LDL colesterol (LDLc).5 Já em pacientes com câncer submetidos à infusão de TNF-α por cinco dias, observou-se uma redução de 7% do CT e 43% do HDL colesterol (HDLc).6
Além dessas alterações, o TNF-α eleva os níveis de triglicerídeos (TGs) tanto por uma ação lipolítica em tecido adiposo quanto por aumento da síntese hepática dos mesmos, proporcionada por uma elevação na concentração de seus precursores.5
Essa citocina também promove diminuição da depuração de
lipoproteínas ricas em TGs.5
O estudo do perfil lipídico após a administração dos antiTNF-α em pacientes com espondiloartrite (ES) e com AR tem
resultado em achados conflitantes. Van Eijk et al.,7 estudando
92 pacientes com ES, observaram aumento no CT, HDL-c e apolipoproteína A1, resultando numa relação CT/HDLc melhor.
Castro et al.,8 estudando 15 pacientes com artrite psoriásica,
observaram aumento de níveis de TGs após três meses de uso
de infliximabe. Resultados de uma metanálise9 de outros 32 estudos (13 dos quais prospectivos) mostraram que a inibição do
TNF-α em pacientes com AR estava associada com aumento de
TC e HDLc, enquanto o LDLc e o índice aterogênico permaneciam inalterados. Com o uso prolongado, observou-se aumento
dos níveis de TGs e diminuição da relação Apo B/Apo A.
É nesse contexto que se situa o presente estudo, com o
objetivo principal de verificar a alteração do perfil lipídico
na população local de pacientes com AR e ES tratados com
anti TNF-α .
Este é um estudo retrospectivo devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local. Foram incluídos usuários de
anti-TNF-a (infliximabe, etanercepte e adalimumabe) por mais
de três meses, para tratamento de AR e ES, acima de 18 anos, de
ambos os gêneros, que tivessem uma medida do perfil lipídico
feita imediatamente antes do uso do anti-TNF-α e outra depois de sua introdução, e que durante o período de observação
entre os dois perfis lipídicos não houvessem sofrido mudança
na dose de medicamentos de base (incluindo-se corticoides),
nem introdução ou retirada de agentes com potencial para alterar o perfil lipídico, exceto pelo anti-TNF-α. Foram coletados
dados demográficos, acerca de tempo de uso e indicação do
medicamento, valores de velocidade de hemossedimentação
(VHS) e proteína C-reativa (PCR), de CT, HDLc , LDLc e TG, sendo
feito o cálculo do índice aterogênico (IAT = CT/LDLc). Em nossa
instituição, a dosagem do perfil lipídico é feita em jejum, com
CT, TG, LDLc e HDLc dosados pelos métodos enzimático/colorimétrico. Foram considerados normais os valores de CT até 200
mg/dL; de HDL colesterol acima de 40 mg/dL; de LDL colesterol
até 110 mg/dL e TG até 150 mg/dL.
Os dados obtidos foram coletados em planilhas e submetidos à análise por meio do programa Graph Pad Prism versão
5.0. Para estudos de associação foram usados os testes de t de
Student, Mann-Whitney e Krukall Wallis; para o estudo de correlação utilizou-se o teste de Spearman. O nível de significância adotado foi de 5%.
Resultados
Da análise dos prontuários de 609 pacientes com AR e de 134
pacientes com ES, localizaram-se 125 usuários de anti-TNF-α.
Desses, 58 pacientes preenchiam as exigências descritas para
análise dos dados e constituíram a amostra. Nela havia 31,0%
homens e 68,9% mulheres, com idade média de 47,1 ± 12,9 anos
e tempo médio de doença de 12,7 ± 7,4 anos. A doença de indicação era AR em 72,4% (42/58) e ES em 27,5% (16/58); 50% (29/58)
usavam etanercepte; 6,8% (4/58) usavam adalimumabe e 43,1%
(25/58) usavam infliximabe. O tempo de uso desses medicamentos variou de 8,1-24,6 meses (mediana de 16,04 meses).
A prednisona estava sendo usada em 70,68% (41/58) dos pacientes com uma dose mediana de 10 mg/dia; metotrexato foi
usado em 37,93% (22/58) dos pacientes; leflunomida em 29,31%
(17/58); antimaláricos em 25,86% (15/58); sulfassalazina por
8,62% (5/58) e azatioprina em 3,44% (2/58) dos pacientes.
Os valores do perfil lipídico obtidos antes e depois do uso
do TNF-α podem ser apreciados na tabela 1, na qual se observa um aumento significativo dos valores dos TGs após o uso
destes medicamentos.
A variação mediana dos valores dos TGs (ΔTGs) foi de 16,0
mg/L Estudando-se essa variação em relação ao gênero do paciente, tipo de anti-TNF-α e doença de indicação, não se encontraram diferenças, como pode ser observado na tabela 2.
Estudando-se ainda a variabilidade dos valores de TGs
(ΔTG) em relação a tempo de uso, não se observou correlação
entre essas duas variáveis (R = 0.008; 95% IC de -0,25 a +0,27;
P = 0,94).
446
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Tabela 1 – Variação dos valores de perfil lipídico e de
provas de atividade inflamatória antes e depois do uso
de anti-TNF-α
Antes
Colesterol total
(mg/dL)
HDL colesterol
(mg/dL)
LDL colesterol
(mg/dL)
Índice aterogênico
Triglicerideos
(mg/dL)
VHS
(mm /1ª hora)
Proteína C-reativa
(mg/dL)
Média de
179,1 ± 38,12
Média de
55,7 ± 16,5
Mediana
de 102,4
Mediana
de 3,1
Mediana
de 90,5
Mediana
de 28,5
Mediana
de 1,35
Depois
P
Média de
177,4 ± 32,3
Média de
55,4 ± 14,86
Mediana
de 95,8
Mediana
de 3,2
Mediana
de 105,0
Mediana
de 19,0
Mediana
de 0,12
1,00
0,90
0,31
0,96
0,03
0,02
0,03
Tabela 2 – Variabilidade dos níveis de triglicerídeos
(ΔTG) de acordo com gênero, indicação de uso e tipo de
anti-TNF-α
Gênero
ΔTG mediana no homem
P = 0,46
esse risco.18 Além disso, sabe-se que hipertrigliceridemia está
associada com intolerância à glicose e resistência à insulina.17
Não foi possível demonstrar diferenças entre as várias formas
de inibição do TNF-α no presente estudo no que se refere aos
níveis de TGs. Garcês et al.,19 estudando o efeito de infliximabe e
etanercepte no perfil lipídico em uma amostra de pacientes com
AR, ES e artrite psoriásica, observaram diferenças entre os dois
agentes, sendo o primeiro associado com aumentos no CT e LDLc
e o segundo com aumento do HDLc. Esses autores creditaram
um efeito classe-específico a esses medicamentos, que seria secundário às diferentes capacidades de bloqueio da linfotoxina-α,
a qual teria um efeito pró-aterogênico. Outras variáveis estudadas, como gênero e tempo de uso, não influenciaram nas alterações observadas no presente estudo. É interessante notar que
Jacobsson et al.20 encontraram que o uso de anti-TNF-α aumenta
a sobrevida de mulheres, mas não de homens, com AR.
É bem provável que o fator protetor cardiovascular dos anti-TNF não se deva às suas alterações no perfil lipídico do paciente, dadas as atuações pleomórficas do TNF-α no sistema
cardiovascular. Entretanto, são necessários maiores estudos no
sentido de esclarecer a importância dessas alterações metabólicas, principalmente em casos de uso a longo prazo desse grupo
de medicamentos.
de 10,0 mg/dL
ΔTG mediana na mulher
Conflitos de interesse
de 21,5 mg/dL
Tipo de anti-TNF-α
ΔTG mediana do etanercepte
P = 0,71
de 21 mg/dL
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
ΔTG mediana do infliximabe
de 19,5 mg/dL
REFERÊNCIAS
ΔTG mediana do adalimumabe
de 4,5 mg/dL
Doença de indicação ΔTG mediana na artrite
reumatoide de 20,25 mg/dL
ΔTG mediana nas
espondiloartrites de 10,5 mg/dL
P = 0,34
Discussão
A atuação dos anti-TNF-α no perfil lipídico de seus usuários é
assunto controverso. No presente estudo não se verificaram alterações no perfil do CT, HDLc, LDLc ou índice aterogênico. Paradoxalmente ao que seria esperado pelos mecanismos de ação
conhecidos do TNF-α no perfil lipídico, evidenciou-se aumento
dos TGs . Esses achados estão de acordo com os de Castro et al.,8
Popa et al.,10, Kiortsis et al.,11 e Tam et al.12 Entretanto, em pelo
menos outros dois estudos13-14 não foram detectadas alterações
significativas nos níveis de TGs, enquanto em outros dois15,16
achou-se diminuição em seus valores.
Embora a contribuição da hipertrigliceridemia na doença
aterosclerótica não tenha sido muito valorizada no passado,
sabe-se hoje em dia que o aumento de TGs está associado de
maneira independente com risco cardiovascular, principalmente o coronariano.17 Entretanto, até o momento, não tem
sido possível estabelecer um nexo causal entre essas duas variáveis, uma vez que o acúmulo de TGs em placas ateroscleróticas é muito pequeno quando comparado com acúmulo do
colesterol.17 Apesar dessas dúvidas, um estudo feito em 2007
com 14.000 homens jovens mostrou que hipertrigliceridemia
estava associada com aumento do risco coronariano e que o
aumento dos níveis de TGs entre duas medidas aumentava
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REVISTA BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
www.reumatologia.com.br
Carta aos editores
Uso de ustequinumabe no tratamento refratário da artrite
psoriásica
The use of ustekinumab in refractory treatment of psoriatic arthritis
Aos editores:
Tivemos a oportunidade de ler o artigo de revisão de Goldenstein-Schainberg et al.1 sobre os aspectos mais importantes da
artrite psoriásica (AP) ao longo dos anos. Em relação aos aspectos terapêuticos, concluiu-se que agentes biológicos, especialmente inibidores de TNF (infliximabe, etarnecepte, adalimumabe e golimumabe), são utilizados como medicamentos
de última linha em casos refratários da doença. Então, com
base na literatura existente, demonstramos nossa concordância com essa última posição.2,3
Entretanto, consideramos importante mencionar terapias
alternativas. No estudo clínico de Griffiths et al.,4 os autores estudaram 900 pacientes com AP que não responderam
ao tratamento com um agente biológico. Para que possa ser
obtida uma resposta clínica mais favorável, os autores compararam dois agentes biológicos: ustequinumabe – o último
agente biológico (anticorpo monoclonal) aprovado em 2009 –
e etanercepte. Como resultado, os autores constataram que
pacientes tratados com ustequinumabe tiveram resposta clínica melhor e mais rápida, com melhoras dermatológicas e
articulares.4 Cuchacovich relatou a mesma comparação em
2011 e corroborou os achados de Griffiths com ustequinumabe.2 Além disso, no relato de caso de Cuchacovich, a melhora
clínica foi demonstrada com o uso da combinação dos dois
agentes biológicos mencionados anteriormente: ustequinumabe e etanercepte.3 Acima de tudo, para demonstrar a segurança de ustequinumabe, Cuchacovich informou seu uso em
pacientes que eram refratários à fototerapia, corticosteróides
sistêmicos e terapia biológica (inclusive inibidores de TNF). O
resultado não só foi favorável, mas também melhorou a resposta clínica na área da psoríase e no índice de gravidade.2
Ademais, outro agente biológico recomendado nessa revisão, efalizumabe, foi retirado do mercado norte-americano
em junho de 2009 pela FDA por causa do risco potencial para
a ocorrência de leucoencefalopatia multifocal progressiva
(LMP).5 Essa informação é necessária para enfatizar que tal
agente não deve ser recomendado como tratamento para
manifestações cutâneas em pacientes com AP, como foi sugerido no estudo de Goldenstein-Schainberg et al.1 Com efeito, sabidamente a LMP é uma condição grave, que põe em
risco a vida do paciente, além de ser uma doença neurológica devastadora. Geralmente é causada pelo vírus JC, mas há
alguns anos a LMP emergiu como resultado do tratamento
com agentes biológicos em várias doenças reumáticas.6
Em conclusão, o ustequinumabe deve ser incluído nos
protocolos terapêuticos para tratamento de AP refratária à
medicação biológica. Também é importante não incentivar o
uso de efalizumabe para qualquer tipo de doença reumática.
São necessários novos estudos que demonstrem a segurança
de novos agentes biológicos diferentes de ustequinumabe.
Karen Vega-Villanueva, Nathaly Cortez-Bazán*,
Angela Alvarado-Molina
Faculdade de Medicina, Universidad Peruana de Ciencias Aplicadas,
Lima, Peru
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (N. Cortez-Bazán).
© 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
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