Paulo Correia e Daniel Pereira da Silva
1. INTRODUÇÃO
São múltiplas as condições clínicas que podem envolver a vulva, podendo ser congénitas ou adquiridas, benignas ou malignas.
Dentro das lesões benignas serão abordadas
as lesões traumáticas, os abcessos e quistos
da glândula de Bartholin, a imperfuração himenial e a hipertrofia dos pequenos lábios.
O cancro da vulva é uma neoplasia relativamente rara, representando 3-5% dos cancros
ginecológicos, e tem maior incidência na sétima década da vida1. Actualmente, assistese a um aumento do número de casos em
mulheres mais jovens, principalmente de
lesões pré-invasivas. No que concerne às
lesões malignas, cujo tratamento foi já mencionado no capítulo 20 do volume I, serão referidos princípios gerais e aspectos práticos
das técnicas cirúrgicas.
2. TRATAMENTO CIRÚRGICO
DE LESÕES BENIGNAS
2.1. LESÕES TRAUMÁTICAS DA VULVA
As lesões traumáticas da vulva são relativamente comuns. Podem ter causas variadas
como o coito, traumatismos do parto e póscirurgia (correcção de prolapsos vaginais,
drenagem de abcessos da glândula de Bartholin, após cirurgia laser e vulvectomia).
As lacerações devem ser reparadas respeitando a anatomia, os pequenos hematomas poderão ser alvo de tratamento con-
servador com repouso e aplicação de gelo
local. Os grandes hematomas devem ser
drenados cirurgicamente. Lesões da bexiga, uretra, esfíncter anal e recto exigem reparação cirúrgica2.
O tratamento da estenose do intróito vaginal
poderá passar por uma perineotomia mediana, ou nos casos mais graves, habitualmente
após vulvectomia, com plastias em «Z».
A perineotomia mediana pode realizar-se
sob anestesia locorregional, epidural ou
anestesia geral. A incisão mediana estendese do anel himenial até à pele do períneo e
profundamente até ao corpo perineal. Em
seguida procede-se à dissecção da parede
vaginal e pele do períneo. Após correcta
hemostase encerra-se a incisão longitudinal em sutura transversa, usando fio reabsorvível 3 zeros (Fig. 1)3. Aconselha-se tratamento com estrogénios nas doentes na
menopausa.
A Z plastia é frequentemente usada na correcção de estenoses circulares com bons resultados. Uma incisão com cerca de 2,5 cm é
realizada na abertura do intróito vaginal, as
outras duas incisões com a mesma dimensão e formando ângulos de 60°, uma em
direcção à pele do períneo e a outra em direcção ao intróito3 (Fig. 2)2. Os retalhos assim
desenhados são dissecados, devendo ser
usados ganchos cutâneos para os manipular
de forma a evitar lesão dos mesmos. Após
transposição, os retalhos são suturados. A Z
plastia pode ser uni ou bilateral, às 3 e às 9
h2,4,5. Aconselha-se aplicação de tampão vaginal e introdução de sonda vesical.
433
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46 Cirurgia vulvar
d
b
c
Figura 1. Perineotomia mediana.
2.2. ABCESSOS E QUISTOS
DA GLÂNDULA DE BARTHOLIN
Os quistos da glândula de Bartholin são,
na realidade, pseudoquistos, porque resultam da retenção de secreção ou pus
no canal de drenagem da glândula. Com
tratamento médico apropriado a infecção
(abcesso) pode resolver, embora a recidiva
seja frequente. O quisto de retenção geralmente necessita de tratamento cirúrgico
– excisão ou marsupialização. O resultado funcional e cosmético é melhor com a
marsupialização.
Na marsupialização o abcesso ou quisto é
aberto com uma pequena incisão, 1-2 cm,
na zona de abertura do canal da glândula
– face interna do pequeno lábio. A parede
do quisto é suturada à pele do vestíbulo
com pontos separados (Fig. 3)2, deixando
uma abertura que irá reduzir de dimensão
nas semanas seguintes. A recidiva, quando
ocorre, deve-se geralmente a uma incisão
demasiado pequena ou à não correcta sutura da parede do quisto2. Uma técnica alternativa, que oferece óptimos resultados,
é a utilização do laser para a incisão, seguida de vaporização dos bordos e inversão da
parede do quisto para evitar recidiva.
434
a
b
Figura 2. Z plastia para estenose do intróito. A: incisões.
B: após transposição.
Excisão: incisão na pele do pequeno lábio,
com dissecção do quisto, que deve ser removido íntegro. O pedículo é suturado e
seccionado. Verificação da hemostase e
encerramento em dois planos, com pontos
descontínuos na pele (Fig. 4)2. Eventualmente deixar dreno na loca antes do encerramento.
Capítulo 46
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a
Figura 3. Marsupialização.
Figura 5. Incisão cruciforme.
2.4. HIPERTROFIA DOS PEQUENOS LÁBIOS
Figura 4. Excisão de quisto da glândula de Bartholin.
2.3. IMPERFURAÇÃO HIMENIAL
Resulta da ausência de reabsorção da membrana himenial, parte da membrana cloacal.
Clinicamente pode apresentar-se sob duas
formas, em função da idade da doente:
hidrocolpos do recém-nascido e hematocolCirurgia vulvar
A hipertrofia dos pequenos lábios corresponde a um desenvolvimento anormal e não
a uma malformação congénita, aparecendo
sempre após a puberdade. Pode ser uni ou
bilateral, simétrica ou assimétrica. Geralmente é assintomática, quando o não é, a queixa
principal é de natureza estética, em alguns
casos as doentes referem desconforto com o
uso de determinada indumentária ou com o
exercício físico e dispareunia superficial3,7.
A redução pode ser realizada através de três
procedimentos cirúrgicos:
— Ninfectomia completa: incisão na face
externa do pequeno lábio desde a zona
de bifurcação anterior do pequeno lábio
até à sua extremidade posterior ao longo
435
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pos na adolescência com as primeiras menstruações6. O tratamento é idêntico nas duas
situações6. Sob anestesia geral, procede-se à
abertura do hímen com uma incisão cruciforme (Fig. 5)2.
a
bio, em linha curva, deixando cerca de 1
cm de largura máxima do lábio. O lábio
é suturado com fio reabsorvível 4 zeros,
com pontos separados3,8.
— Ninfoplastia de redução: técnica com melhor resultado estético, dado preservar os
bordos pigmentados dos pequenos lábios.
Nesta técnica é excisado um segmento de
forma triangular, colocando-se uma pinça
ao longo da base do pequeno lábio e uma
outra fazendo um ângulo de aproximadamente 90°. Os bordos são suturados em
três planos com fio 4 zeros (Fig. 7)3.
b
c
d
Figura 6. Ninfectomia completa.
a
b
c
Figura 7. Ninfoplastia de redução.
436
Capítulo 46
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do sulco interlabial. A incisão na face interna pode ser um pouco mais superficial
que a da face externa, de forma a facilitar
a inversão da sutura. Termina-se a amputação do pequeno lábio com a secção do
tecido fibroelástico restante, unindo as
duas incisões. Após hemostase, os dois
bordos são suturados com fio reabsorvível 3 ou 4 zeros, em sutura contínua ou
pontos separados (Fig. 6)3.
— Ninfectomia subtotal: a incisão estendese desde a zona de bifurcação anterior à
extremidade posterior do pequeno lá-
O tratamento das lesões malignas da vulva é
preferencialmente cirúrgico, complementado ou não pela radioterapia.
A cirurgia radical foi durante muitos anos o
tratamento padrão do cancro da vulva, apesar da elevada morbilidade. Contudo, nos
últimos 20 anos, o tratamento cirúrgico do
cancro da vulva tornou-se mais conservador,
de forma a reduzir as complicações, particularmente nos casos de doença limitada. Esta
atitude mais conservadora não influenciou
a sobrevivência, mas permitiu uma redução
da morbilidade e melhoria significativa da
qualidade de vida das doentes9. A cirurgia
conservadora, também conhecida como radical modificada, implica incisões separadas
– vulvectomia e linfadenectomia inguinofemoral, sendo recomendado cirurgia reconstrutiva simultânea sempre que necessário10.
Nos casos de tumores localmente avançados, a redução tumoral obtida pela quimiorradioterapia concomitante pode permitir
uma cirurgia conservadora evitando a cirurgia exenterativa11,12.
O estadiamento do carcinoma está em constante evolução, pois tem de se adaptar aos
avanços científicos decorrentes da investigação. O estadiamento dos cancros do tracto
genital feminino é cirúrgico, com as excepções do cancro do colo, que é clínico, e da
doença maligna do trofoblasto que combina
aspectos clínicos e biológicos13. Recentemente a classificação da FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) foi revista para o carcinoma da vulva14 (Quadro 1)13.
Quadro 1. Classificação da FIGO/200913
Estádio
Achados clínicos
Estádio 0
Carcinoma in situ, intra-epitelial
Estádio I
Tumor confinado à vulva
IA
Lesão de dimensão ≤ 2 cm, confinada à vulva ou períneo com invasão do estroma ≤ 1 mm,
sem metástases ganglionares
IB
Lesão de dimensão > 2 cm ou invasão do estroma > 1 mm, confinada à vulva ou períneo,
sem metástases ganglionares
Estádio II
Tumor de qualquer dimensão com extensão às estruturas adjacentes (1/3 inferior da uretra,
1/3 inferior da vagina, ânus) sem metástases ganglionares
Estádio III
Tumor de qualquer dimensão com ou sem invasão das estruturas adjacentes (1/3 inferior da
uretra, 1/3 inferior da vagina, ânus) com metástases ganglionares inguinofemorais
IIIA
– Com 1 metástase ganglionar (≥ 5 mm) ou
– Com 1-2 metástases ganglionares (< 5 mm)
IIIB
– Com 2 ou mais metástases ganglionares (≥ 5 mm) ou
– Três ou mais metástases ganglionares (< 5 mm)
IIIC
Metástases ganglionares com invasão extracapsular
Estádio IV
Tumor invade outras estruturas regionais (2/3 superiores da uretra, 2/3 superiores da vagina)
ou à distância
IVA
– Invade porção superior da uretra e/ou vagina, mucosa da bexiga, mucosa rectal ou fixa ao
osso coxal, ou
– Metástases inguinofemorais fixas ou ulceradas
IVB
Tumor com metástase à distância, incluindo gânglios linfáticos pélvicos
Cirurgia vulvar
437
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3. TRATAMENTO CIRÚRGICO
DE LESÕES MALIGNAS
dicalidade) depende do grau de infiltração
do tumor3 (Quadro 2).
3.1. RESSECÇÃO DO TUMOR PRIMÁRIO
A cirurgia do carcinoma da vulva realiza-se
habitualmente com a doente em decúbito
dorsal com os membros inferiores em abdução e ligeira flexão das coxas (uso de perneiras), de forma a facilitar a linfadenectomia
inguinofemoral e a fase perineal.
Na vulvectomia a radicalidade é definida pela
profundidade da ressecção e pelas margens
laterais. Ressecção superficial – os tecidos
sob a pele vulvar não são removidas, radical
– são excisados (Fig. 8). As excisões radicais
requerem a ressecção até à fáscia inferior do
diafragma urogenital ou membrana perineal, o que inclui a ressecção do músculo bolboesponjoso que recobre o bolbo vestibular
e a glândula de Bartholin3. Nas lesões posteriores devemos ter cuidados com os vasos
pudendos. A incisão deve distar pelo menos
1 cm em torno do tumor (Figs. 9 e 10).
Quadro 2. Cirurgia para lesões vulvares3
Cirurgia
Nomenclatura alternativa
Descrição
Indicação
Excisão local
Vulvectomia parcial simples
Remoção da lesão com margens
livres de 0,5-1 cm
T in situ -T1
Vulvectomia parcial
Vulvectomia anterior, posterior,
lateral, hemivulvectomia ou
vulvectomia radical modificada
Remoção de parte da vulva com
margens livres de 1-2 cm
T1-T2
Vulvectomia total
Vulvectomia radical
Remoção completa da vulva
T2-T4
Vulvectomia cutânea
Só a camada superior da pele
afectada é removida, deixando-se o
tecido celular subcutâneo
T in situ
Toda a vulva é removida com o
tecido celular subcutâneo até à
fáscia superficial
T1 A
Remoção da vulva e tecido
subcutâneo até ao diafragma
urogenital
T1 B - T4
Extensão da pele
Profundidade
Vulvectomia superficial
Vulvectomia simples
Vulvectomia profunda
438
Vulvectomia radical
Capítulo 46
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Na nova classificação os anteriores estádios I e
II foram combinados, porque diferentes estudos demonstraram que a dimensão das lesões
na ausência de invasão ganglionar não modifica o prognóstico. O número e a morfologia
(tamanho e rotura capsular/invasão extracapsular) dos gânglios invadidos evidenciaram
ser importantes factores de prognóstico, pelo
que são considerados na nova classificação da
FIGO. Enquanto a invasão bilateral dos gânglios caiu como critério, os estudos prévios
são controversos e o estudo recente de Fons,
et al. concluiu que a presença de metástases
ganglionares bilaterais não constitui factor de
risco para a sobrevivência, se é feita a correcção para o número de gânglios invadidos14,15.
A selecção do tipo de cirurgia a realizar depende de vários factores: uns relacionados
com o tumor (tamanho, profundidade de invasão, localização e multifocalidade), outros
com a doente (idade e comorbilidades). A
extensão de pele removida depende da extensão do tumor e das lesões pré-malignas
associadas; a profundidade da ressecção (ra-
Fossa isquiorectal
Diafragma urogenital
Músculo
isquiocavernoso
Corpo cavernoso
Músculo
bulboesponjoso
Fascia perineal
superficial
Vulvectomia
radical
Vulvectomia
superficial
Figura 8. Corte coronal da pélvis feminina.
Sempre que a lesão envolve ou se encontra
próxima do meato urinário, a excisão deve
incluir a ressecção do terço inferior da uretra
(1-2 cm distais, que permite preservar o esfíncter uretral) junto com a peça16.
Após remoção da lesão, a parede vaginal e a
pele vulvar restante podem ser mobilizadas
de forma a reduzir a tensão. Encerramento
com fio reabsorvível em sutura descontínua
por planos.
Nos procedimentos com remoção de grande
área de pele são necessários retalhos cutâneos ou miocutâneos, devendo a cirurgia reconstrutiva ser efectuada simultaneamente.
3.2. LINFADENECTOMIA
Figura 9. Loca de tumorectomia (com pesquisa de gânglio sentinela).
Alguns autores referem que a margem livre
deve distar 2 cm do tumor, porque constataram que em mais de 50% das doentes tratadas com vulvectomia parcial com margem de
1 cm macroscópica o estudo histológico revelou margens inferiores a 8 mm (p. 33 volume I).
Cirurgia vulvar
A disseminação dos tumores da vulva faz-se
por extensão directa para os órgãos adjacentes (vagina, uretra e ânus) e por via linfática
para os gânglios linfáticos inguinais, femorais e pélvicos (Figs. 11 e 12).
A disseminação hematogénica é rara e tardia. Os vasos linfáticos da vulva terminam
habitualmente nos gânglios inguinais superficiais, em número de 8-10. Estes gânglios
drenam para os femorais profundos
439
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Elevador do ânus
Ilíacos
Obturadores
Profunda
Superficial
Figura 11. Drenagem linfática da vulva.
(2-4), localizados sob a fáscia cribiforme e
adjacentes aos vasos femorais profundos.
A linfa dos gânglios inguinais é conduzida
aos gânglios pélvicos através do anel crural,
do canal inguinal ou do buraco obturador17.
440
Alguns linfáticos do clítoris drenam directamente nos gânglios inguinais profundos ou
nos pélvicos, após atravessarem o anel crural
ou o trajecto inguinal.
A linfadenectomia inguinofemoral com incisões separadas foi introduzida na década de
1960 (Byron, et al., 1962)18. Constatou-se que
a disseminação para os gânglios linfáticos inguinofemorais ocorria por embolização. Com
as incisões separadas, da linfadenectomia e
da vulvectomia, as deiscências da sutura e os
linfedemas dos membros inferiores diminuíram significativamente. Tal como, diminuiu
significativamente o tempo operatório, as
perdas hemáticas e a estadia hospitalar.
A linfadenectomia inguinofemoral actualmente preconizada realiza-se por incisão
separada paralela e situada 1 cm abaixo
da prega inguinal, tendo como referências
a espinha ilíaca ântero-superior e o tubérculo púbico. Através desta incisão procede-se à remoção dos gânglios inguinais
que acompanham o ligamento inguinal e a
veia grande safena, que se tenta preservar.
Capítulo 46
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Figura 10. A: linha de vulvectomia radical modificada. B: aspecto final.
Gânglio inguinal
mais profundo
(Gânglio de
Cloquet)
Grupo da veia
grande safena
Grupo da veia ilíaca
circunflexa superficial
Grupo da veia pudenda
externa superficial
}
Fascia lata
Vasos e nervo femurais
Gânglios inguinais superficiais
Gânglios inguinais profundos
Grupo da veia epigástrica
superficial
Figura 12. Gânglios e vasos linfáticos do períneo – feminino.
Os gânglios femorais profundos são excisados sem remoção da fascia lata, dado
localizarem-se sempre medianamente em
relação a veia femoral19. Com estes cuidados, preservação da veia grande safena e
da fascia lata, reduz-se significativamente
a morbilidade mantendo o número de gânglios removidos20. O encerramento faz-se
por planos e pontos separados, deixando
um dreno de aspiração (Figs. 5 e 6, p. 342,
volume I) (Fig. 13).
Cirurgia vulvar
Ligamento
inguinal
Figura 13. Vulvectomia radical modificada – tripla incisão.
441
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Ligamento inguinal
(Ligamento de
Poupart)
A linfadenectomia inguinofemoral uni ou
bilateral depende da localização e do tamanho do tumor21.
As estruturas vulvares laterais drenam para
gânglios homolaterais e as estruturas medianas têm drenagem bilateral, dados demonstrados por vários autores, que revelam também que o clítoris, a parte anterior da vulva e
o períneo têm drenagem linfática bilateral.
A definição de lesão mediana/central é controversa; a maioria dos autores considera
que lesões afastadas mais de 1 cm da linha
média são laterais. Portanto, lesões que envolvam o terço superior ou inferior dos pequenos lábios, o clítoris ou a fúrcula são consideradas centrais, e por isso nestes casos a
linfadenectomia deve ser bilateral.
Tendo em consideração a morbilidade associada à linfadenectomia inguinofemoral e o
baixo risco de metástases contralaterais em
tumores T1/T2 com localização lateral, defende-se na actualidade a linfadenectomia homolateral nestes tumores.
A presença de gânglio invadido na linfadenectomia homolateral torna necessário o tratamento contralateral, quer por dissecção ou
por radioterapia. A FIGO recomenda nestes casos a radioterapia inguinal e pélvica bilateral22.
A linfadenectomia pélvica sistemática foi
abandonada após os resultados de um estudo randomizado envolvendo 114 doentes,
que revelaram taxas de sobrevivência mais
elevadas no grupo submetido a radioterapia pélvica, quando comparado com o grupo submetido a linfadenectomia pélvica23.
A radioterapia pélvica passou a tratamento
padrão nas doentes com gânglios inguinais
metastizados, especialmente se fixos e múltiplos. É raro existirem gânglios pélvicos invadidos com gânglios inguinais negativos.
No caso de gânglios pélvicos volumosos (> 2
cm na tomografia computarizada [TC]) a sua
excisão antes da radioterapia poderá melhorar a sobrevivência23,24.
442
3.4. GÂNGLIO SENTINELA
No cancro ginecológico o estado ganglionar
constitui um importante factor de prognóstico, sendo um critério a considerar na decisão terapêutica25. O exame clínico e os exames imagiológicos actualmente disponíveis
revelaram resultados pouco satisfatórios na
avaliação dos gânglios, permanecendo a linfadenectomia como única técnica fiável para
esse propósito25-27.
Contudo, a linfadenectomia não está isenta
de complicações, e a maioria das doentes
com doença em estádios iniciais não beneficiará com o procedimento, pois só uma
pequena percentagem destas doentes terá
gânglios linfáticos invadidos28-30.
A técnica do gânglio sentinela (GS) – identificação do primeiro gânglio que recebe a
drenagem linfática do tumor primário e que
avaliará o estado ganglionar regional31-33,
surge como alternativa à linfadenectomia
sistemática, reduzindo a morbilidade associada ao tratamento cirúrgico, sem todavia
comprometer a sobrevivência25,26,28. A linfadenectomia só se realiza quando o GS está
invadido por células malignas.
Para identificação do GS tem-se recorrido a
duas técnicas, que aparentemente se complementam, a linfocintigrafia e o uso de um
corante vital – o blue dye25,26,34.
Os estudos publicados referem taxas de detecção de 92% e um valor preditivo positivo
de 99% (Quadro 3)3.
Este «novo» conceito – gânglio sentinela – é
actualmente aceite no tratamento do melanoma e do cancro da mama29,30. A sua aplicabilidade continua em investigação em outros tipos de cancro, como o caso da vulva.
A pesquisa do GS inicia-se com a realização
de uma linfocintigrafia, sendo habitualmente usadas nanopartículas coloidais de albumina humana (50-80 nm), marcadas com
tecnécio (Tc99m). A doente é posicionada
na câmara gama, em decúbito dorsal, procedendo-se à injecção peritumoral com agulha fina (25 G), de nanocoloides de albumina
Capítulo 46
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3.3. LINFADENECTOMIA
HOMOLATERAL OU BILATERAL
Autor (ano)
N.o doentes
Técnica
Taxa
identificação (%)
Casos falsos
negativos
51
37
59
52
26
21
26
17
20
B
R
C
B
C
C
C
C
C
56
100
100
88
100
00
96
100
100
2
0
0
0
0
0
0
0 (+3)
1 (+1)
Ansink, et al. (1999)
De Cicco, et al. (2000)
De Hullu, et al. (2000)
Levenback, et al. (2001)
Sliutz, et al. (2002)
Moore, et al. (2003)
Puig-Tintoré, et al. (2003)
Louis-Sylvestre, et al. (2006)
Merisio, et al. (2005)
B: blue dye; R: radiofármaco; C: combinada.
(radiofármaco). Seguidamente dá-se início à
aquisição de imagens (Fig. 14). Após a aquisição da última imagem assinala-se na pele o
local onde se encontrou o(s) gânglio(s) sentinela (Fig. 15)34.
No dia da cirurgia, com a doente em decúbito dorsal com ligeira flexão e abdução
das coxas e sob anestesia geral, antes de
qualquer incisão e com o auxílio da sonda
de detecção de raios gama, procede-se à
confirmação da(s) área(s) emissora(s) de
radiação (Fig. 16). Em seguida, procede-se
à injecção peri-tumoral de 2 cc do corante
vital blue dye usando agulha de 2 mCi (Fig.
17). Aquece-se o local de injecção durante
alguns minutos para facilitar a difusão do
corante e na sequência procede-se à incisão
para a pesquisa do gânglio. Pesquisam-se
os vasos corados de azul (Fig. 18), passando
cuidadosamente a sonda de detecção de
raios gama (inserida em manga esterilizada), com o objectivo de identificar e localizar o(s) GS. Após a identificação e excisão
do gânglio faz-se uma nova pesquisa de radioactividade com a sonda na loca cirúrgica
e no fragmento excisado, de modo a excluir
outros focos emissores de radiação. Todos
os gânglios assim identificados são removidos e assinalados como GS.
Cirurgia vulvar
Figura 14. Linfocintigrafia de carcinoma vulvar, onde se
identifica um gânglio radioactivo.
Esta técnica comporta baixa morbilidade, risco de anafilaxia, mas tem algumas limitações:
nem sempre se identifica o GS, exige uma
curva de aprendizagem e execução continuada da técnica. Além disso, não se recomenda
nas doentes com doença multifocal e nas que
têm gânglios inguinais suspeitos à palpação,
por haver o risco dos gânglios volumosos invadidos poderem bloquear o fluxo linfático e,
subsequentemente, não permitir a detecção
do blue dye ou do radiofármaco30.
443
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Quadro 3. Estudos sobre identificação do GS
Figura 18. identificação do GS.
Apesar de, neste momento, não ser considerada técnica padrão no tratamento do
cancro da vulva, a pesquisa do GS tem-se revelado uma técnica promissora, sendo usada por vários grupos. Com a sua aplicação o
problema da linfadenectomia inguinofemoral, homolateral ou bilateral coloca-se em
padrões de maior rigor, com claro benefício
para as doentes.
Figura 16. Detecção dos raios gama com sonda.
3.5. COMPLICAÇÕES
Figura 17. Injecção de blue dye nos 4 quadrantes.
444
As principais complicações da cirurgia vulvar
oncológica são: a deiscência e infecção da
sutura, linfocelos, celulite e linfangite, edema dos membros inferiores e região vulvar,
infecções urinárias e redução do desejo e
prazer sexual.
De forma a evitar algumas destas complicações após a cirurgia recomenda-se: continuar a administração de heparina de baixo peso molecular e/ou compressão dos
membros inferiores; manter a antibioterapia
profiláctica durante 48 h (preconiza-se a administração de ciprofloxacina 400 mg ev. +
metronidazol 500 mg ev. antes da indução
anestésica ou cefoxitina 1-2 g ev.); uso de
sonda de Foley; e manter a área vulvar seca.
Capítulo 46
Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010
Figura 15. Marcação pela medicina nuclear.
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Capitulo XLVI