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CAPÍTULO
Noções sobre Coleta de Sangue e de
Urina para a Realização dos Exames
Bioquímicos de Rotina
Regina Helena Saramago Peralta
Introdução
Conceito de Coleta
A coleta de um material para exame bioquímico não se restringe ao simples ato de coletar,
isto é, ao exato momento em que a amostra a
ser examinada é obtida. Trata-se de processo
muito mais abrangente, que perpassa vários
fatores anteriores à coleta propriamente dita,
como, por exemplo, o uso de medicamentos,
o estado emocional do paciente etc., passando pelo momento de obtenção da amostra e
levando-se em conta o tempo e todas as alterações possíveis de ocorrer na amostra obtida
até o momento em que ela será processada,
isto é, quando o exame for realizado.
Preenchimento Correto de Requisições
O médico, ao solicitar exames, deve preen­­
cher a requisição deles de modo completo
(nome, sexo, idade do paciente etc.) e, inclusive, fornecer ao laboratório dados que permitam ao mesmo avaliar os resultados obtidos.
De posse de tais informações, o laboratório
poderá até julgar a necessidade de repetir o
exame ou prosseguir com a investigação, apro-
veitando o material já colhido para não impor
posteriores sacrifícios ao paciente.
De modo ideal, deve haver perfeita integração clinicolaboratorial, e esta deve ser cultivada já nos períodos de internato e residência
dentro de um hospital universitário.
Coleta de Sangue
Aspectos a Serem Considerados Antes
da Coleta
Relativos ao Preparo do Paciente
Uso de medicamentos
O uso de medicamentos pode modificar o
verdadeiro resultado de um exame bioquímico
realizado no sangue. Algumas drogas elevam e
outras diminuem o valor real do exame.
Distinguem-se duas modalidades de atuação dos medicamentos em relação ao referido
anteriormente:
n
a. Atuação in vivo
Trata-se de medicamentos que alteram os
valores dos exames por influenciarem o metabolismo do paciente que os está usando.
2 Bioquímica Clínica
Exemplo clássico é o efeito hiperglicemiante dos glicocorticoides – indivíduos em uso
desses hormônios apresentam concentrações
de glicose no sangue superiores as que teriam
caso não os estivessem usando.
b. Atuação in vitro
Neste caso, os medicamentos exercem influência, já fora do organismo, durante a realização do exame. O sangue de um indivíduo
em uso de uma droga, obviamente, contém a
droga ou um metabólico dela, e esta ou estas
substâncias “estranhas” ao sangue podem, por
exemplo, reagir igualmente à substância que
está sendo analisada. A título de exemplo, o
uso de acido ascórbico (vitamina C), por possuir propriedade redutora, interfere nos métodos que usam a referida propriedade para
dosar glicose. No caso, o resultado estaria fal­
samente elevado. Há medicamentos cuja ação
leva a resultados falsamente baixos.
É claro que a magnitude do efeito de medicamentos é dose-dependente e varia também
com a velocidade de excreção dos mesmos; as
duas variáveis são determinantes da concentração da droga na circulação.
De modo ideal, os exames laboratoriais deveriam ser executados em indivíduos que não
estivessem fazendo uso de qualquer medicação,
e como, na maioria das vezes, isso não é viável
e por ser grande o número de medicamentos,
cabe ao médico inteirar-se não só da possível
interferência dos fármacos por ele receitados
sobre os exames de laboratório, mas também
da ordem de grandeza dessa interferência.
Dieta prévia
A ingestão predominante de certos alimentos influi nos resultados de exames de laboratório. Exemplificando: indivíduos com dieta
rica em proteínas apresentam concentrações
maiores de ureia no sangue. Pessoas obesas,
ao fazerem dieta hipocalórica, podem reduzir
a concentração de triglicerídios no soro em até
40%.
Depreende-se que ao interpretar certos
exames é necessário ter conhecimento da dieta
prévia a que vinha se submetendo o indivíduo
n
em questão, e até, em certos casos, imprescindível é modificar ou padronizar a dieta ante­
riormente à solicitação do exame. Caso típico
é o da realização do TOTG (teste oral de tolerância à glicose), também conhecido como
curva glicêmica. Para ser submetido a ele, o paciente deve, nos três dias que antecedem a prova, ingerir dieta contendo 150 g de glicídeos.
Jejum
Toda vez que um exame bioquímico de
sangue for solicitado em caráter de não ur­
gência, digamos que quando for programado,
é bastante aconselhável e muitas vezes indispensável que o paciente faça jejum, isto é,
que suspenda totalmente a ingestão de todo e
qualquer tipo de alimento por um determinado período de tempo, cerca de 12 a 14 horas,
durante o qual não há, em geral, necessidade
de restrição de água.
As razões para o jejum prendem-se a motivos diferentes:
n
a. Possibilidade de comparação
Os resultados encontrados nos exames podem ser comparados com os dos valores de
referência (previamente denominados valores
normais); a possibilidade de comparação decorre do fato de que os valores de referência
existentes foram estabelecidos em jejum.
Por valores de referência entendemos uma
faixa de valores de concentração abrangendo
95% da população se ± 2 sd, que vai da menor para a maior concentração encontrada na
população não doente quando, na referida população, uma substância é dosada. É claro que
o método empregado para avaliar o parâmetro
em causa, na população citada, tem que ser o
mesmo, e a quantidade de indivíduos da população ter significado estatístico.
b. Obtenção de soro ou plasma límpidos
Tecnicamente, é imprescindível no trabalho
laboratorial operar com soro ou plasma límpidos, e a falta de jejum leva com intensidade
maior ou menor a soros ou plasmas turvos.
Esse inconveniente é devido ao fato da permanência de quilomícrons (triglicerídios exóge-
capítulo 1 n Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina nos) no sangue de indivíduos que não fizeram
um jejum adequado.
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Horário
a. Padronização em relação ao ritmo circadiano
Sabe-se que a secreção de certos hormônios não é contínua, mas obedece a um ritmo
que varia nas 24 horas (ritmo circadiano). Decorrentemente, produzem-se alterações metabólicas que influenciam as concentrações de
substâncias analisadas no laboratório de bioquímica.
As coletas de sangue realizadas na parte
de manhã, após o jejum (este é, em sua maior
parte, noturno), introduzem uma certa padronização em relação ao ritmo circadiano.
b. Padronização em relação à atividade física
Uma outra vantagem seria ainda a de estabelecer de algum modo uma padronização relativa
à atividade física (adiante este tópico será abordado). Coletas efetuadas matinalmente seguemse a uma noite de repouso (excetuando-se,
obviamente, os que para chegar ao local de coleta tenham que enfrentar grandes distâncias).
Estado emocional
Pacientes submetidos ao estresse irão, certamente, ter os resultados de certos exames modificados em função de secreção hormonal alterada,
e até de variação da ventilação pulmonar.
O estado emocional deve ser levado em
conta quando há solicitação de certos exames
pelo facultativo, sendo que o pedido de alguns
exames deve até ser adiado para ocasião mais
apropriada.
Exemplos de exames invalidados por estresse:
• TOTG (curva glicêmica) – o resultado
desse exame com o paciente estressado
não permitirá firmar o diagnóstico de
diabetes mellitus; portanto, esse exame
não deverá ser pedido;
• gasometria arterial em uma criança cho­­
rando – haverá hiperventilação que levará a resultados não fidedignos.
n
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A propósito, é bom lembrar que, em geral,
a pessoa que vai fazer um exame laboratorial
já está preocupada com o próprio estado de
saúde e, além disso, temerosa quanto à coleta de sangue, sem contar o incômodo jejum.
Portanto, é de boa prática que tanto o médico
que fez a requisição quanto o pessoal do setor
de coleta do laboratório tentem tranquilizar o
paciente.
Postura do paciente
Há relatos antigos que descrevem, para diferentes posturas do paciente (deitado, em pé),
diferentes concentrações das mesmas substâncias no sangue.
O fato é devido ao fenômeno da passagem
de água e de pequenos solutos do líquido intravascular para o líquido intersticial quando o
indivíduo muda sua posição de decúbito para o
ortostatismo (posição em pé), em decorrência
de variações na pressão hidrostática. Já que as
dosagens bioquímicas de que se está tratando
neste capítulo são realizadas no líquido vascular, qualquer saída de água, dele para o interstício, acarretará elevação da concentração das
macromoléculas (proteínas) que não seguem a
água, e as substâncias de peso molecular baixo
(pequenos solutos) terão uma diminuição da
concentração. O médico deve ter conhecimento disso como mais uma fonte de variação de
resultados, e caberia aos laboratórios tentar padronizar a posição para as coletas.
Para ter-se idéia da ordem de grandeza das
variações que podem ocorrer com as mudanças de postura do paciente, citam-se as observadas nas dosagens de proteínas e de lipídios
(colesterol e triglicerídios), que são em torno
de 10%.
n
Relativos à Amostra a Ser Obtida
Material para a punção (tubos a vácuo,
seringas etc.)
Há alguns anos, a coleta de sangue era rea­
lizada com seringas de vidro e, naturalmente, agulhas. Essa prática exigia que o sangue
obtido durante a coleta fosse transferido para
n
4 Bioquímica Clínica
outro recipiente. Posteriormente, houve a introdução de tubos providos de vácuo e vedados com rolhas de borracha.
A coleta de sangue com um tubo a vácuo
processa-se pelo acoplamento do tubo a um
dispositivo provido de duas agulhas. Esse dispositivo assemelha-se ao mandril (parte externa) de uma seringa comum, portanto é oco, e as
duas agulhas estão fixadas em direções opostas
na parte que corresponde à extremidade da seringa (“bico” da seringa). No momento da coleta, uma das agulhas é introduzida na veia que
vai ser puncionada e a outra perfura a tampa
de borracha do tubo provido de vácuo e que
funciona como se fosse o êmbolo da seringa.
Com o vácuo, o sangue, uma vez puncionada
a veia, fluirá para dentro do tubo. Atualmente, a maior parte das coletas de sangue é feita
com os tubos descritos, porque apresentam as
seguintes vantagens:
• dispensam a preparação de seringas e
de recipientes para a coleta (já existem
prontos à venda no comércio); eles funcionam simultaneamente como seringa
e recipiente para receber o sangue. A
eliminação da etapa de preparação referida representa um alívio da sobrecarga
de trabalho para o laboratório;
• ao ser evitada a transferência do sangue
de uma seringa para outro recipiente, são
reduzidas as possibilidades de hemólise
e de contaminação do operador quando
este manipula o material sem luvas.
um líquido límpido de cor amarela característica que se denomina soro. O soro não contém
as proteínas da coagulação que ficaram retidas
no coágulo; menciona-se sempre que o soro
não tem fibrinogênio.
b. Obtenção de sangue total e de plasma
O sangue colhido com uma substância que
impeça sua coagulação, um anticoagulante,
permanece líquido e recebe o nome de sangue
total (células + parte líquida).
Se o sangue total for centrifugado, as células sedimentarão e aparecerá um líquido
so­­brenadante que é denominado plasma. Diferentemente do soro, o plasma contém as
proteínas da coagulação.
Anticoagulantes
Os anticoagulantes mais comumente usados na coleta de sangue para exames bioquímicos são:
Heparina
Tem ação antitrombina. É o melhor anticoagulante para exames bioquímicos por ser
o que menos interfere neles. Entretanto, pelo
elevado custo, não é empregado rotineiramente. Na coleta de sangue para a determinação
da gasometria arterial, a heparina é o único
anticoagulante utilizado.
Oxalatos
São os anticoagulantes mais usados em
bioquímica por serem de custo razoável e interferirem pouco nas análises bioquímicas.
Recipientes para receber o sangue
Antes da coleta, o técnico já sabe, pelos
exames solicitados, se vai necessitar obter
soro, plasma e/ou sangue total.
Citratos e EDTA (etileno diamino tetraacetato)
a. Obtenção de soro
É obtido a partir de um sangue colhido sem
qualquer material que impeça a coagulação,
isto é, sem um anticoagulante. Dentro de minutos, a coagulação ocorrerá espontaneamente.
Repete-se e, para conseguir soro, basta retirar sangue e deixá-lo coagular. Após determinado tempo (20 a 30 minutos), ocorrerá o
fenômeno da retração do coágulo, e deste sairá
São os anticoagulantes menos usados na
bioquímica do sangue. Têm uso em banco de
sangue e em hematologia, respectivamente.
A ação anticoagulante dos oxalatos, citrato
e EDTA deve-se à retirada do cálcio (fator IV
da coagulação); o cálcio é retirado ou porque
é precipitado ou por sua quelação.
Os tubos a vácuo existentes no comércio
são vedados com rolhas de cores diferentes.
n
capítulo 1 n Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina Cada cor indica ou está relacionada ao anticoagulante contido no tubo, isto é, empregado
universalmente. Todos os tubos com EDTA
têm tampa de cor lilás. O vermelho ficou reservado para indicar a ausência de anticoagulante, isto é, para obtenção de soro.
Identificação Correta e Imediata do
Material Colhido
As estatísticas mostram que mesmo em
paí­ses desenvolvidos grande parte de erros laboratoriais decorrem da troca de material, pois
coletas e exames de vários doentes estão sendo
executados na mesma ocasião.
Parece ser óbvio, mas é sempre bom lembrar a importância dos cuidados nessa fase.
Os recipientes que vão receber as amostras
colhidas devem ser identificados com o nome
completo do paciente, e devem ser anotadas a
data e a hora da coleta. Anotar a hora da coleta é importante, pois o tempo decorrido até
a realização do exame propriamente dito pode
influir nos resultados.
Volume de sangue necessário
O volume de sangue a ser colhido dependerá do número de exames a ser executado.
Sempre que possível, é de boa prática coletar-se um volume de sangue que até permita
repetir o exame, armazenar se necessário.
n
Aspectos a Serem Considerados
Durante a Coleta
Escolha do Local a Ser Puncionado: Uso de
Sangue Venoso, Capilar ou Arterial
Por ser, geralmente, de fácil obtenção, o
sangue venoso é o mais comumente empregado para exames bioquímicos. As veias da fossa
cubital são de modo geral as melhores para a flebotomia (punção venosa). Outras poderão ser
utilizadas em situações especiais. Em pacientes
diabéticos (diabetes mellitus) é contraindicada a
coleta de sangue em veias do membro inferior.
O sangue capilar pode substituir o venoso
em certos casos, isto é, em recém-nascidos e
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crianças pequenas, ou em adultos com veias
muito difíceis. É também prática corrente o
uso de sangue capilar para a determinação da
glicemia no controle de pacientes diabéticos. A
composição do sangue capilar é considerada
idêntica ao do sangue venoso, exceção feita, na
prática, à concentração da glicose, que é superior no sangue capilar. A obtenção do sangue
capilar é feita com o auxílio de uma lanceta
pelo que atualmente se chama punção de pele.
Os locais mais usados, no adulto e em crianças
maiores, são a polpa digital e o lobo da orelha.
Em recém-nascidos e em crianças menores, o
local de escolha é o calcanhar. Neles deve-se
ter o cuidado para que a lanceta não atinja o
calcâneo (há uma conduta especial para isto);
essa precaução evita risco de osteomielite. Na
coleta de um sangue capilar, a primeira gota
deve ser desprezada, assim como manobras
para espremer a pele não devem ser praticadas
para evitar a mistura do sangue capilar com o
líquido intersticial.
O uso de sangue arterial é praticamente
reservado à gasometria arterial. A punção da
artéria é mais dolorosa e requer pessoal mais
habilitado. Realiza-se sem o uso do garrote, e a
artéria é identificada pela pulsação e espessura da parede. As artérias preferidas devem ser
escolhidas nessa ordem: radial, braquial e femoral. A possibilidade de ocorrer sangramento
é maior com a punção da femoral. Após uma
punção arterial, deve ser aplicada uma pressão
firme no local durante pelo menos 5 minutos
para minimizar o sangramento. A coleta de
sangue para gasometria arterial não deve ser
feita com seringas de plástico.
Antissepsia
Deve ser feita antes de qualquer coleta de
sangue, quer seja venoso, quer seja capilar ou
arterial.
O operador deve, após ter lavado as mãos,
limpar rigorosamente o local a ser puncionado
com álcool iodado. No caso de flebotomia, a
veia a ser puncionada deve apenas ser palpada
antes da assepsia, e o local a ser puncionado
deve ficar seco (o álcool deve ter evaporado).
6 Bioquímica Clínica
A literatura americana cita o uso de álcool
isopropílico a 70% com a mesma finalidade do
álcool iodado.
Garroteamento
Esse tópico foi destacado porque o garroteamento é usado na obtenção de sangue para
a maior parte dos exames bioquímicos, uma
vez que se trabalha principalmente com sangue
venoso e a coleta deste exige o emprego dessa
prática, com o objetivo de, ao distender as veias,
facilitar ou mesmo possibilitar a punção.
O garroteamento não deve ser feito por
tempo superior a um minuto.
Para garrotear usam-se tubos de borracha,
mas já existem garrotes práticos à venda no
comércio, que não passam de elásticos adequados e providos de velcro.
Causas e Consequências da Hemólise
Quando a técnica da coleta de sangue, propriamente dita, não é bem conduzida, pode
levar a um inconveniente, o da hemólise, com
passagem do conteúdo das hemácias para o líquido extracelular (vascular).
A separação do soro ou do plasma de um
sangue em que o referido fenômeno tenha
ocorrido mostrará o que se chama soro hemo­
lisado ou plasma hemolisado, visível à simples
inspeção da cor do material; esta, que normalmente seria amarela (ausência de hemólise),
passa a ser rósea (hemólise moderada), indo
até o vermelho (hemólise acentuada).
As seguintes precauções devem ser tomadas para impedir hemólise durante a coleta e
na obtenção de soro e plasma:
• evitar manobras violentas com o sangue,
tais como: sacudir vigorosamente o recipiente que contém o sangue para misturá-lo com o anticoagulante; forçar a
passagem pela agulha ao transfe­rí-lo da
seringa para o recipiente, empurrando
fortemente o êmbolo (o correto é retirar
a agulha para então proceder à transferência, empurrando o êmbolo da seringa com cuidado) quando a coleta for
efetuada com seringa; se for transferir
da seringa para o tubo à vácuo, não se
recomenda a passagem do sangue pela
agulha; a centrifugação do sangue para
obter soro ou plasma deve ser feita cuidadosamente. As medidas citadas visam
evitar hemólise que, no caso, poderia ser
chamada de mecânica;
• não deixar que o sangue entre em contato com líquidos. É preciso deixar secar
bem o local em que foi feita a antissepsia e não usar material molhado (caso se
usem seringas, porque os tubos a vácuo
já são fornecidos secos). A hemólise,
nesses casos, decorreria da passagem de
líquidos para o interior das hemácias e o
consequente rompimento delas.
Uma vez ocorrida a hemólise, ela vai provocar:
• diminuição da concentração de constituintes que existem em menor quantidade nos eritrócitos do que no plasma
(ou soro); há diluição deles por saída de
água das células;
• aumento da concentração das substâncias que são mais abundantes nas hemácias do que no plasma (ou soro); há
saída delas do interior das células;
• modificação da cor do plasma ou soro
por escape da hemoglobina das hemácias; a cor dessa proteína vai interferir
com a realização dos métodos colorimétricos empregados.
Exemplo clássico de um exame que não
pode ser executado em material hemolisado é
o da determinação do potássio sérico. Esse íon
existe em concentração muito superior dentro
das células, e a alteração do resultado em presença de hemólise é grande e imprevisível.
Proteção do Operador
É um item que está na ordem do dia e não
se limita ao técnico que executa a coleta de san-
capítulo 1 n Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a Realização dos Exames Bioquímicos de Rotina gue, mas a toda e qualquer pessoa que manipula amostras potencialmente contaminadas.
Recomenda-se o uso de luvas não só para
a coleta de sangue, mas também para o manuseio dele durante todo o processamento no
laboratório.
Coleta de Urina
Preparação de Paciente
Uso de medicamentos
Os comentários feitos a propósito da influên­­
cia de medicamentos sobre exames realizados
no sangue aplicam-se também aos de urina.
n
Higiene da genitália externa
É importante a higiene da genitália externa
com água e sabão neutro. É necessário enxugar a região. Essa medida visa diminuir a passagem de bactérias para a urina.
n
Coleta de uma Amostra Isolada de Urina
É utilizada para a realização de um EAS,
isto é, para a pesquisa de elementos anormais
e sedimentoscopia.
Por elementos anormais entende-se a presença, na urina, de substâncias que não são
encontradas em indivíduos normais (exemplos: glicose, proteínas) quando as referidas
substâncias são pesquisadas pelos métodos de
rotina. Deve-se entender que esse exame só
vai informar se essas substâncias estão ou não
presentes, sendo uma análise qualitativa e/ou
semi-quantitativa, porque não fornece o resultado em massa/volume (concentração).
A sedimentoscopia é o exame microscópico do sedimento de uma urina; o sedimento é
obtido por centrifugação da amostra e obedece
às normas das boas práticas laboratoriais. O
exame do sedimento urinário exige urina recentemente emitida.
O EAS é mais comumente realizado com a
coleta da primeira urina da manhã (esta seria
mais concentrada). Pode, entretanto, o EAS ser
feito, aleatoriamente, em qualquer amostra de
urina durante o dia, desde que haja retenção urinária de aproximadamente 4 horas, se possível.
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Coleta de Toda a Urina de 24 horas
(Nictêmero)
Há exames de urina em que se quer determinar a quantidade de uma substância que
é excretada (exemplos hormônios, proteínas).
Como durante o nictêmero há grandes variações de excreção, é importante executar o exame em uma urina obtida por mistura de todas
as urinas de todas as micções das 24 horas.
Para essa coleta, o paciente deve ser instruí­
do a desprezar a primeira urina do dia, anotar
a hora e começar a recoletar todo o volume de
urina de todas as micções até a mesma hora do
dia seguinte. A primeira urina do dia em que
se inicia a coleta é uma urina que já está na
bexiga e representa uma amostra das 24 horas
anteriores, por isto é desprezada. A última urina é coletada.
É indispensável colocar na geladeira toda a
urina que for sendo recolhida ao longo das 24
horas para preservação do material.
Os resultados dos exames realizados em
urina de 24 horas são dados em massa/24h.
Diferentemente da pesquisa de elementos
anormais, é realizada uma dosagem; há uma
quantificação, portanto, trata-se de uma análise quantitativa.
Recipientes para Colocação da Amostra
Os frascos empregados para receber a urina colhida, tanto para um EAS quanto para a
urina de 24 horas, devem ser rigorosamente
limpos.
Identificação do Material Colhido
O que foi dito relativamente à identificação
de amostras na coleta de sangue aplica-se integralmente à de urina.
Aspectos a serem considerados
a. Tempo decorrido entre a coleta e a realização do exame:
De modo ideal, todos os exames devem
ser realizados imediatamente após a co-
8 Bioquímica Clínica
leta. Sendo isso impraticável, cabe reconhecer a que variações pode levar a
demora na execução de cada exame em
particular, bem como as providências
indicadas para minorar essa variação.
Só para citar: quando o exame microscópico do sedimento urinário não é efetuado imediatamente após a emissão da
urina, a amostra deve ser guardada em
geladeira.
b. Transporte, contaminação e decomposição do material a ser analisado:
Muitas amostras têm que ser transportadas do local de coleta até o laboratório, o que deve ser feito em condições
recomendadas para cada exame. Exemplificando, o sangue colhido para gasometria arterial deve ser transportado
em gelo.
A contaminação de uma amostra pode
ser bacteriana ou por substância estranha a ela. Convém sempre manter
tampados os recipientes que contêm o
material a analisar (evita-se também a
evaporação) e, muitas vezes, convém
mantê-los em geladeira. Essas medidas
auxiliam a prevenir contaminação.
A decomposição da substância que se
está querendo dosar pode ocorrer por
uma serie de motivos: exposição ao ar, à
luz, a temperaturas inadequadas etc. Todos estes fatores resultarão em valores
falsos. Como exemplo podemos citar a
decomposição da glicose sanguínea por
glicólise; as hemácias contêm enzimas
da via glicolítica que continuam a agir
in vitro e que vão progressivamente,
com o passar do tempo, diminuindo a
concentração real de glicose da amostra
a dosar. É fundamental separar o mais
rapidamente possível o soro ou plasma,
isto é, não deixá-los entrar em contato
com as hemácias. Como é difícil fazer
um bom controle do tempo em que o
soro e o plasma são obtidos pós-coleta,
mormente, em laboratórios de grande
porte, a conduta mais correta é usar
um inibidor de via glicilítica, pois a
glicólise já pode ter significado clínico
com o passar da primeira hora. O inibidor mais corretamente empregado é
o fluoreto de sódio. Convém lembrar
que ele tem também uma ação anticoagulante, porém fraca, e é utilizado
principalmente como inibidor da glicólise, mais particularmente da enolase
(enzima dessa via).
Bibliografia Consultada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1. Burtis CA, Ashwood ER (eds.). Specimem collection and processing: Sources of biological
variation. Tietz Textbook of Clinical Chemistry.
W.B. Saunders Company, Philadelphia, USA,
1999.
2. Henry JB (ed.). Clinical diagnosis and management by laboratory methods. W.B. Saunders
Company, Philadelphia, USA, 2001.
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Noções sobre Coleta de Sangue e de Urina para a