A aprendizagem vista pela ótica elementarista
MARIA APPARECIDA MAMEDE-NEVES
O Associacionismo não é uma posição teórica restrita aos postulados das teorias de
Pavlov ou Skinner, como muitos pensam. Associacionismo é o termo usado para
caracterizar, dentro da Psicologia, qualquer teoria que defenda, como base de explicação
teórica dos fenômenos psíquicos, a determinação dos elementos básicos que o
determinam, elementos esses que seriam irredutíveis, seguindo, assim, a influência da
Física da época que via o átomo como elemento irredutível, indivisível. Daí esses teóricos
serem também chamados de elementaristas ou atomistas.
Para essas teorias associacionistas, “o processo de aprendizagem consiste em combinar
os elementos considerados fundamentais, ligando idéias ou ações na memória,
pensamento ou comportamento, simplesmente porque foram reunidas em nossas
experiências anteriores. O método de estudo dos seres humanos, dentro do quadro de
referência associacionista é, por conseqüência, analítico ou redutivo."1
Na verdade, o Associacionismo dentro do campo teórico da aprendizagem encontra suas
raízes no século XIX, com a obra de Herbart, filósofo alemão e também grande professor,
que viveu de 1776 a 1841, sucedendo Emmanuel Kant na mais famosa cátedra de
Filosofia em Königsberg na Alemanha. Herbart desenvolveu a primeira posição teórica
moderna e sistemática em Psicologia sobre aprendizagem, ambicionando construir uma
ciência da mente humana que se harmonizasse com as idéias de Locke e que fosse
paralela às ciências físicas e biológicas consideradas, na época, o padrão de cientificidade.
Entretanto, esse autor acabou lidando com um conceito altamente subjetivo - o conceito
de idéia e, em função disso, foi muito criticado por autores posteriores, mesmo dentro de
sua própria linha teórica de pensamento, ou seja, entre os elementaristas.
A influência de Herbart sobre o processo pedagógico chegou ao final do século XIX e
século XX, através de quatro estudantes que levaram suas idéias para os Estados Unidos.
Sua influência à Didática foi muito significativa e, até hoje, está presente, ainda que não
admitido, em muitas das propostas vigentes nas escolas.
1
BIGGE, M. Teorias da aprendizagem para professores, São Paulo: EPU, 1977 p.35
[1]
A idéia de Herbart, no que se refere ao processo da aprendizagem, está ligada à noção da
mente como um agregado de estados mentais que, tomados num determinado
momento, constituem a massa aperceptiva. Os estados mentais seriam de três ordens:
impressões sensoriais; imagens ou cópias de impressões sensoriais anteriores; elementos
afetivos de prazer e dor. Para Herbart, sentimento e vontade acompanham os estados
mentais, mas não podem ser considerados fonte de atividade mental. Assim sendo, não
considerava o afetivo como elemento estrutural da mente e, neste ponto, é um pouco
semelhante a outros estudiosos, inclusive os autores que hoje se reúnem sob o título de
cognitivistas. Entretanto, autores como Kurt Lewin e a escola psicanalítica refutam
sabiamente esse radicalismo, como podemos verificar quando estudamos a contribuição
desses teóricos.
Ainda dentro da sua concepção de aprendizagem, Herbart considerava que novas idéias
são apreendidas somente na medida em que estão relacionadas ao que já se encontra na
massa aperceptiva, trabalhando sempre com o conceito de associação de idéias, além da
idéia de freqüência. Este princípio significa que quanto maior for a freqüência em que
uma idéia ou conceito for trazido à consciência, mais facilmente retornará à mesma.
Assim sendo, a aprendizagem se daria através de uma série ordenada (e correta) de
passos que deveriam ser levados em conta pelos professores para produzir em seu aluno
uma ação correta. Suas idéias apontaram para a concepção de que a tarefa real do ensino
seria não só a implantação de conhecimento, mas também da disciplina e da vontade
interior. Certamente, suas idéias abriram caminho para o desenvolvimento de métodos
instrucionais propostos posteriormente, como, por exemplo, a taxionomia de Bloom. É
fundamental frisarmos a importância que essas colocações tiveram na formação dos
professores e, nesse sentido, continua tendo sua relevância.
A crítica que se pode fazer às colocações dos herbatianos para o ato de ensinar repousa
muito mais no dogmatismo com que se revestiu e na falta de espaço que acarreta para o
sujeito aprendente em relação à construção de sua própria aprendizagem. Dentro da
ótica herbatiana, a aprendizagem do aluno fica sempre à mercê da dominação docente,
dono absoluto do saber. Aliás, essa dominação, se, em princípio, parece cômoda para o
mestre, acaba sendo uma faca de dois gumes, uma vez que faz recair sobre seus ombros,
totalmente, a responsabilidade pelo êxito e, principalmente, pelo fracasso do seu aluno.
[2]
Para entendermos como aconteceu a passagem das idéias de Herbart para o atomismo
que o sucedeu no século XX, é fundamental que tenhamos em mente as transformações
que se deram no movimento associacionista do século XX. Afastando-se dos fenômenos
mentais, eles promulgaram a importância do comportamento do corpo. Infelizmente,
essas idéias acabaram sendo tomadas de forma reducionista o que concorreu para a
Psicologia ser redefinida, em conseqüência desta postura, como a ciência do
comportamento, entendendo-se, porém, comportamento como atividades do corpo,
desprendendo-se, inclusive, até do interesse e da análise dos mecanismos neurológicos
que estão por trás dos comportamentos, como consideravam os reflexologistas, cujo
nome maior é Pavlov.
É assim que começa a hegemonia das teorias chamadas Teorias S-R (estímulo - reação),
nas quais o foco de atenção repousa exatamente nas modificações do comportamento e
nas relações entre essas mudanças e as modificações dos estímulos que geraram os
comportamentos. Novamente, podemos perceber o que já enfatizamos acima, ou seja,
que a intencionalidade (vontade) para os behavioristas e neo-behavioristas não tem
função estruturante no funcionamento mental, mas é apenas o produto de uma
estimulação que vem de fora, na qual certos estímulos são mais potentes que os demais.
Essa é uma explicação mecanicista, característica, aliás, de toda a trama teórica
desenvolvida pelo grupo dos associacionistas e que influiu fortemente no campo
pedagógico.
Um outro lado interessante levantado pela Escola Associacionista é a constatação da
importância do condicionamento ou da formação de hábitos no comportamento
humano. Nesse ponto, devemos ter bem claras as diferenças entre o condicionamento
respondente ou clássico de Pavlov e o condicionamento operante ou instrumental de
Skinner.
"O condicionamento clássico usualmente é associado às experiências de Pavlov com um
cachorro ao qual ensina a salivar ao som de uma campainha. Na experiência do
condicionamento de Pavlov, o som de uma campainha ocorre antes ou simultaneamente à
salivação do cachorro, que foi causada pela presença do alimento. Então, no futuro, o cachorro
irá salivar ao som da campainha, até mesmo quando o alimento não estiver presente. ... A
aprendizagem por condicionamento clássico revela-se no comportamento de um organismo,
pela capacidade crescente de um estímulo previamente neutro para evocar com ensaios de
treino sucessivos uma resposta que em sua origem fora evocada por algum outro estímulo. Um
[3]
‘estímulo neutro’ é aquele cuja primeira ocorrência não faz nada para evocar ou reforçar a
2
resposta que está sendo estudada."
Mais tarde, este novo estímulo (antes neutro) torna-se o estímulo condicionado e a
resposta que se segue a ambos os estímulos é a resposta condicionada.
2
BIGGE, M. Teorias da aprendizagem para professores, São Paulo: EPU, 1977 p. 94.
[4]
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