Pró-Reitoria de Graduação
Curso de (Direito)
Trabalho de Conclusão de Curso
RESOLUÇÃO/REVISÃO DOS CONTRATOS POR FATO
SUPERVENIENTE A SUA FORMAÇÃO COM BASE NO
CÓDIGO CIVIL: A POSSIBILIDADE OU NÃO DE APLICAÇÃO
DA RESOLUÇÃO/REVISÃO AOS CONTRATOS ALEATÓRIOS.
Autor: Arthur Bruno Vieira Carvalho
Orientador: Renato M. Duarte Costa
Brasília - DF
2010
ARTHUR BRUNO VIEIRA CARVALHO
RESOLUÇÃO/REVISÃO DOS CONTRATOS POR FATO SUPERVENIENTE A SUA
FORMAÇÃO COM BASE NO CÓDIGO CIVIL: A POSSIBILIDADE OU NÃO DE
APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO/REVISÃO AOS CONTRATOS ALEATÓRIOS.
Monografia apresentada no curso de
graduação em direito na Universidade Católica
de Brasília como requisito parcial para a
obtenção do titulo de Bacharel em Direito.
Orientador: Renato Manuel Duarte Costa
Brasília
2010
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
Monografia
de
autoria
de
Arthur
Bruno
Vieira
Carvalho,
intitulada
“RESOLUÇÃO/REVISÃO DOS CONTRATOS POR FATO SUPERVENIENTE A SUA
FORMAÇÃO COM BASE NO CÓDIGO CIVIL: A POSSIBILIDADE OU NÃO DE
APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO/REVISÃO AOS CONTRATOS ALEATÓRIOS.”,
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da
Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e aprovada pela banca
examinadora abaixo assinada:
__________________________________________________
Prof. Renato M. Duarte Costa
Orientador
Direito – UCB
_________________________________________________
Prof.
___________________________________________________
Prof.
Brasília
2010
Dedico esse trabalho a minha família que
sempre esteve ao meu lado; aos meus amigos
pelo apoio e incentivo; a Carolina que estava
sempre comigo, dando-me força para fazer o
meu melhor, dedicando-me ao máximo a este
trabalho.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer primeiramente a Deus, quem sempre esta comigo, me fortalecendo,
me guiando no melhor caminho a seguir.
Em segundo lugar ao meu complemento, minha outra metade, minha família, que
sempre esta comigo nas horas difíceis, me apoiando e me incentivando a ter força e garra para
conseguir conquistar meus objetivos; principalmente a minha mãe, meu anjo, minha protetora,
que está sempre com a palavra certa, na hora certa, para me ajudar.
Aos meus mestres, que me encheram de conhecimento nesses cinco anos de
graduação. Alguns em especial, os que além de mestres são amigos, procurando nos orientar e
nos encantar com a magia do direito.
RESUMO
Referência: CARVALHO, Arthur Bruno Vieira. Resolução/revisão dos contratos por fato
superveniente a sua formação com base no código civil: a possibilidade ou não de aplicação
da resolução/revisão aos contratos aleatórios. Trabalho de conclusão de curso (Direito) –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2º semestre de 2010.
O Código Civil brasileiro de 2002 possibilita a revisão/resolução do contrato por fato
superveniente a sua formação que altere o equilíbrio do contrato. O código civil adotou a
teoria da onerosidade excessiva para justificar a possibilidade de mudanças no contrato. A
teoria da onerosidade excessiva surgiu no código civil italiano de 1942, quando este código a
adotou nos seus artigos 1467 e 1468, possibilitando a resolução do contrato quando um fato
imprevisível e superveniente a formação do contrato vier a alterar o equilíbrio existente no
contrato quando da sua formação, onerando excessivamente uma da partes. Baseados nesses
artigos do código civil italiano surgiram as hipóteses de revisão/resolução do código civil
brasileiro de 2002. Existem dois momentos distintos no código civil brasileiro quando se trata
desse assunto, o primeiro esta previsto no artigo 317 que possibilita a revisão do contrato
quando por motivo imprevisível sobrevier desproporção entre o valor devido e o valor do
momento de sua execução. A segunda hipótese se compreende pelos artigos 478, 479 e 480
que possibilita tanto a revisão quanto a resolução, quando a prestação se torna excessivamente
onerosa para uma das partes com extrema vantagem para a outra em virtude de fato
imprevisível e extraordinário. Uma das grandes divergências existentes na doutrina quando se
fala sobre esse assunto e a possibilidade ou não de aplicação da resolução/revisão existentes
nos código civil brasileiro de 2002 aos contratos aleatórios. A problemática se dá pelas
características do contrato aleatório, por contrato aleatório se entende como um contrato de
risco, visto que a natureza jurídica da execução ser consequência de um fato futuro e incerto,
sendo assim, incerta de qual maneira se dará essa execução, podendo desta forma dar lucros
ou prejuízo para as partes. Como o contrato aleatório trata-se de um contrato que tem riscos
implícitos a sua natureza, parte da doutrina entende que os prejuízos que esse tipo de contrato
pode acarretar deve ser suportado pela parte que sabia de que tipo de contrato se tratava. A
dissidência doutrinária entende que é possível a aplicação da revisão/resolução aos contratos
aleatórios, desde que, o fato que venha a afetar tal contrato ultrapasse a álea normal do
contrato, não sendo assim possível se exigir das partes que pudessem prever tal fato.
Palavras-chave: Contrato, Revisão contratual, Resolução contratual, rebus sic stantibus,
Contratos aleatórios, Álea, Onerosidade excessiva, Fato imprevisível, Fato extraordinário.
ABSTRACT
Referência: CARVALHO, Arthur Bruno Vieira. Resolução/revisão dos contratos por fato
superveniente a sua formação com base no código civil: a possibilidade ou não de aplicação
da resolução/revisão aos contratos aleatórios. Trabalho de conclusão de curso (Direito) –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
The Brazilian Civil Code of 2002 allows for the revision / cancellation of the contract by
supervening fact their training to change the balance of the contract. The Civil Code adopted
the theory of excessive burden to justify the possibility of changes in the contract. The theory
arose from excessive burden on the Italian Civil Code of 1942, when this code was adopted in
Articles 1467 and 1468, allowing the resolution of contract where a supervening fact
unpredictable and the formation of the contract were to alter the balance of the contract when
its formation, an overly burdening the parties. Based on these articles of the Italian Civil Code
came the chance to review / resolution of the Brazilian Civil Code of 2002. There are two
distinct moments in the Brazilian Civil Code when it comes to this subject, the first is laid
down in Article 317 that enables the revision of the contract when due survive unpredictable
disparity between the amount owed and the value of the moment of his execution. The second
hypothesis is understood by Articles 478, 479 and 480 that allow both to review for the
resolution, when the supply becomes too expensive for a party with great advantage to
another due to unforeseen and extraordinary fact. One of the great divergences in doctrine
when talking about this and whether or not the application of resolution / review existing in
the Brazilian Civil Code of 2002 contracts random. The issue of whether the random features
of the contract, since contract is considered as a random risk contract, since it has a future
performance based on fact and was therefore uncertain how such implementation will occur
and may thus give profit or loss for the parties. Since the random contract it is an implicit
contract that has risks of its nature, some scholars believe that the damage that this type of
contract may cause to be borne by the party, since it knew that it was kind of contract. In turn
means that other possible and review the implementation of resolution / contracts provided
that the random fact that may affect such a contract exceeds the alley normal contract and is
therefore not possible to require the parties which could provide such a fact.
Keyword: Contract, Contract review, Resolution of contract, rebus sic stantibus, Contracts
random, Alea, Excessive burden, Unpredictable fact, Fact extraordinary.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
1 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CLÁUSULA REBUS SIC
STANTIBUS. .............................................................................................................13
1.1 EVOLUÇÃO DA CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS” NO BRASIL. .............17
1.2 TEORIAS DERIVADAS DA CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS”. .................22
2 TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA ...........................................................24
2.1 CONTRATOS DE DURAÇÃO. ............................................................................25
2.2 A EXCESSIVA ONEROSIDADE SUPERVENIENTE DA PRESTAÇÃO. ............25
2.3 EXTRAORDINARIEDADE E IMPREVISIBILIDADE DO EVENTO CAUSADOR
DA EXCESSIVA ONEROSIDADE DA PRESTAÇÃO. ...............................................26
2.4 DESVALORIZAÇÃO MONETÁRIA. ....................................................................27
2.5 MODIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES CONTRATUAIS DE ACORDO COM A
EQUIDADE. ...............................................................................................................28
2.6 INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AOS
CONTRATOS ALEATÓRIOS, NOS TERMOS DO ART. 1469 DO “CODICE”. .........29
3. A REVISÃO E A RESOLUÇÃO CONTRATUAL COM BASE NA ONEROSIDADE
EXCESSIVA DO CÓDIGO CIVIL ..............................................................................31
3.1 DOS PRESSUPOSTOS DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. ..............................32
3.2 DOS REQUISITOS COMUNS À APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 478 E 317 DO
CÓDIGO CIVIL ..........................................................................................................33
3.2.1 O desequilíbrio das prestações ....................................................................33
3.2.2 Imprevisibilidade ............................................................................................35
3.2.3 Inexistência de Mora. .....................................................................................37
3.2.4 Não-imputabilidade ........................................................................................38
3.3 DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS.....................................................................38
3.3.1 Artigo 317: Prestação Pecuniária..................................................................39
3.3.2 Artigo 478: Extrema vantagem para a outra parte contratante ..................39
3.4 REVISÃO E RESOLUÇÃO NO CÓDIGO CIVIL. .................................................39
3.4.1 Artigo 317: Revisão Contratual. ....................................................................40
3.4.2 Artigos 478, 479 e 480: Da Resolução por Onerosidade Excessiva. .........41
3.4.2.1 Artigo 478: Da Resolução..............................................................................41
3.4.2.2 Artigo 479: Da possibilidade de Revisão do Contrato. ..................................44
3.4.2.3 Artigo. 480: Redução da prestação nos contratos em que as obrigações
cabem a apenas um das partes. ...............................................................................45
4. RESOLUÇÃO E REVISÃO NOS CONTRATOS ALEATÓRIOS ..........................47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................61
REFERÊNCIAS .........................................................................................................62
10
INTRODUÇÃO
O trabalho que irá ser desenvolvido nas linhas abaixo abordará as causas
supervenientes à formação do contrato, podendo ensejar a sua revisão, com base
no Código Civil, mas essa não era a idéia inicial do projeto.
No início, tinha-se a intenção de falar sobre revisão contratual de
financiamentos, mais especificamente das revisões dos contratos de financiamento
veicular, todavia, no decorrer da pesquisa e, depois na elaboração do projeto
deparou-se com inúmeras dificuldades e várias descobertas. As dificuldades são
referentes à falta de material específico de pesquisa sobre o tema, pois apesar do
assunto não ser algo novo, nem mesmo no Brasil, há uma grande dificuldade em
encontrar estudos específicos sobre o tema. A revisão contratual, guardando suas
raízes em codificações existentes antes de Cristo, pois nesta época já se
encontravam vestígios da cláusula rebus sic stantibus, cláusula que dá origem a
revisão contratual.
Apesar de ter sido muito pouco abordado na universidade, o tema me
despertou interesse pelo amplo comércio que vem sendo praticado em torno dele,
pela prática de revisões contratuais de financiamento veicular, porém, apesar da
falta de material, consegui notar que a aplicação deste instituto, revisão contratual,
aos contratos de financiamento veicular é bem analógica aos princípios que
inspiraram a redação do atual Código Civil brasileiro, deixando ainda mais complexo
o seu estudo, pois se encontram diversas dificuldades para a justificativa da
utilização do tema.
Acontece que, através de vários estudos, acabei conhecendo a Teoria
da Onerosidade Excessiva, tratada pelo Código Civil de 2002 em seus artigos 317,
478, 479 e 480. A onerosidade excessiva que, além de ser fator determinante para a
revisão contratual é também para a resolução, um instituto bem interessante e muito
pouco abordado.
Essa descoberta foi a maior contribuição para o aprimoramento dos
meus conhecimentos acadêmicos, porque amplio o meu horizonte de conhecimento
sobre a natureza jurídica do contrato civil e comercial.
11
A abordagem do tema revisão contratual no Brasil começou através de artigos
publicados por doutrinadores logo após a promulgação do Código Civil de 1916, que
foi omisso quanto a essa questão.
A teoria da onerosidade excessiva nasce no Código Civil Italiano de 1942, na
tentativa de desafogar um pouco a economia que encontrava sérias dificuldades
derivadas da segunda guerra mundial, pois vários contratos teriam se tornado
extremamente desproporcionais em razão das conseqüências geradas pela guerra.
Com escopo no Código Civil italiano de 1942, o nosso Código Civil de 2002,
criou artigos que possibilitaram a resolução contratual, todavia com algumas
mudanças que vieram a permitir também a revisão contratual.
A revisão contratual, na época da promulgação do nosso Código Civil, já
havia sido abordada no ordenamento jurídico, primeiramente pela jurisprudência e
doutrina, e em segundo período pelo nosso Código de Defesa do Consumidor, mas
possuindo uma abordagem diferente, se comparada ao Código Civil vigente, porque
até então, não tinham sido abordadas as causas supervenientes à formação do
contrato, mas apenas a revisão por vícios existentes nele.
O estudo começará fazendo uma abordagem da cláusula rebus sic stantibus,
que é de onde deriva a teoria da onerosidade excessiva, tratada no Código Civil.
Numa primeira análise, verificaremos o surgimento da cláusula rebus sic stantibus,
chegando até o surgimento da onerosidade excessiva no Código Civil Italiano, e
daremos continuidade ao estudo abordando a revisão contratual no Brasil, até
chegar ao Código Civil atual.
Após uma apreciação preliminar, vamos estudar as peculiaridades da
onerosidade excessiva no Código Civil Italiano, estudo extremamente necessário
para entendermos melhor a sua aplicação no Código Civil Brasileiro.
A onerosidade excessiva, que é tratada no Código Civil Brasileiro, é uma
mitigação da criada pelo Código Civil Italiano, possui algumas diferenças, pois foi
adaptada para suprir os interesses brasileiros.
Dando seqüência ao estudo, faremos uma análise da onerosidade excessiva
existente no Código Civil Brasileiro, apresentando as suas peculiaridades, os seus
requisitos, demonstrando a sua aplicação.
Por fim, chegaremos a parte mais densa do trabalho, que será estudar a
possibilidade ou não de aplicação da onerosidade excessiva aos contratos
aleatórios. Na doutrina, há uma divergência sobre o tema, dessa maneira
12
demonstraremos os dois pontos de vista e concluiremos o trabalho demonstrando se
é possível ou não a utilização da onerosidade excessiva nesses contratos,
justificando com jurisprudências recentes sobre o assunto.
13
1 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CLÁUSULA REBUS SIC
STANTIBUS.
A cláusula rebus sic stantibus guarda suas raízes nas mais antigas
codificações mesopotâmicas. Na antiguidade oriental existiam três grandes
codificações: o Código de Ur-Nammu (aproximadamente 2040 A.C.), as leis de
Esnunna (aproximadamente 1930 A.C.) e o Código de Hamurabi (aproximadamente
1694 A.C.).
Segundo estudiosos, na época do Código de Hamurabi existia um grande
desenvolvimento das operações mercantis, como por exemplo, os contratos de
financiamentos e suas respectivas formas de resolução, que ficaram muito
conhecidos na Mesopotâmia. Como exemplo podemos ver a citação da Lei 48 do
Código de Hamurabi de Otavio Luiz Rodrigues Junior:
Se alguém tem um debito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou
destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não
devera nesse ano dar trigo ao credor, devera modificar sua tábua de
contrato e não pagar juros por esse ano.1
Esse fragmento do Código de Hamurabi deixa claro que a revisão do contrato
guarda suas raízes nas codificações mais antigas existentes antes de Cristo.
Existe certa polêmica quanto à existência da cláusula rebus sic stantibus no
direito romano. Alguns doutrinadores se recusam a aceitar que o direito Romano
tenha sido o precursor da cláusula rebus sic stantibus. O direito Romano, apesar de
não ser o criador da cláusula rebus sic stantibus, deixa clara a sua contribuição para
a criação da cláusula e sua configuração nos contratos sociais. Para se chegar a
essa conclusão basta observar os escritos de três juristas da época: Cícero, Sêneca
e Polybios.
De Cícero, Marco Tulio Cícero, deixa clara essa idéia em seu trabalho “De
Officiis ad Marcus filium”, quando ensina a seu filho que se ele recebesse uma
espada de alguém com o dever de depositário, e posteriormente descobrisse que
esse alguém está louco, não seria ilegal não devolvê-la, pois, entregar a arma a um
homem louco seria um ato de insanidade.
1
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 33.
14
“Portanto, nem sempre é bom cumprir as promessas ou devolver deposito.
Se alguém que te confiou a espada quando são pedi-la quando insano,
entregá-la seria insensatez e retê-la, um dever. Se aquele que te confiou o
dinheiro fizer guerra contra a pátria, devolverás o deposito? Não, penso eu,
pois assim agirias contra a republica, que deve constituir a principal afeição.
Assim, muitas coisas que parecem honestas por natureza tornam-se,
conforme as circunstancias, desonestas. Cumprir as promessas, aferrar-se
aos acordos e devolver os depósitos deixam de ser ações honestas quando
já não são úteis.
Mas sucedem com freqüência casos em que ações aparentemente dignas
de um homem justo - a quem chamamos de homem bom - transformam-se
em seu contrário, como devolver um deposito a um furioso ou cumprir
determinada promessa. Algumas ações pertinentes à verdade e à fé, è
justo, às vezes evitá-las e não realizá-las. Convém recorrer aos
fundamentos da justiça que propus no começo: primeiro, a ninguém
prejudicar, depois servir à utilidade comum. Considerando-se que tais
coisas mudam conforme a ocasião, o dever também muda e nem sempre é
o mesmo.”2
Logo se vê que é de Cícero a idéia de que com a mudança dos tempos e das
circunstâncias pode haver mudanças que venham a justificar e tornar justa a
mudança no contrato ou mesmo na palavra dada.
Outro indício de que houve colaboração do direito Romano para a criação da
cláusula rebus sic stantibus fica por conta de Sêneca em seu “De Beneficiis”. Ele
propõe que a ruptura de um contrato pode ser considerada lícita havendo alteração
das circunstancias.
“A menor mudança deixa-me inteiramente livre para modificar minha
determinação, desobrigando-me da promessa. Prometi-vos minha
assistência de advogado: porém, verifiquei que sua pretendida ação era
contra meu pai. Prometí-vos acompanhar em viagem: certifiquei-me, ao
depois, que ladrões infestavam a estrada; prometi-vos patrocínio: no
entanto meu filho adoeceu ou minha mulher é acometida de dores de parto.
Todas essas coisas devem estar na mesma situação que a do momento em
que vos prometi, para que possais reclamar essa promessa como
obrigatória. Ora, que maior mudança pode advir do que a certeza adquirida
por mim desde que vos tornastes um homem maldoso e ingrato? O que vos
prometi como a uma pessoa que o merecesse, recusar-vos-ei por indigno, e
3
ainda poderei me lastimar de ter sido enganado.”
Na idade média, por volta dos séculos XII a XVI a revisão dos contratos
ganha importante aprofundamento sendo estudado por Santo Agostinho e São
Tomás de Aquino.
2
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 34.
3
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 35.
15
São Tomás de Aquino, em sua obra, concebe a idéia de uma compatibilidade
entre o respeito à palavra empenhada e o desempenho das promessas com as
causas de escusa. Assim ele diz:
Pois como diz Sêneca, para estarmos obrigados a fazer o que prometemos
é necessário que todas as circunstancias permaneçam as mesmas. Do
contrário, não mentimos quando prometemos, pois prometemos o que
tínhamos em mente, subentendidas as condições devidas. Nem somos
infiéis à promessa por não cumpri-la, pois, já as condições não eram as
4
mesmas.
Na mesma época, na Escola de Direito de Bolonha, mais conhecida como
Escola dos Glosadores, onde se aprendia sobre Direito Romano, um dos seus
professores, chamado Graciano, autor das Decretais, publicadas em meados do
século XII, e um dos precursores da cláusula rebus sic stantibus, afirma que é
possível se descumprir uma promessa para praticar o bem.
[...] se alguém recebe uma espada e promete restituir quando solicitado por
aquele que fez a entrega dela; se porventura aquele que reclama sua
espada veio a enlouquecer, está claro que se não deve restituí-la para que
se não mate a si ou aos outros, até que recupere a sanidade mental.5
Já no século XIII, surge a Escola dos Pós-Glosadores, uma evolução da sua
antecessora. Liderada por Bártolo de Saxoferraro essa escola foi inspirada no direito
canônico e teve primazia na elaboração da cláusula rebus sic stantibus. Foi nessa
escola, com o trabalho de Bártolo e Baldo que a cláusula rebus sic stantibus surgiu
efetivamente.
Baldo de Ubaldis deu sucessivas contribuições à cláusula, expandindo sua
aplicação e afirmando que todas as promessas obrigacionais teriam uma limitação
decorrente da eventual mudança no estado do fato, chegando, assim, a oferecer-lhe
a seguinte construção: “quia rebus sic se habentibus loquimur, et sic promissiones
intelliguntur rebus sic habentibus”.
Na Idade Moderna, por volta do século XVI, aparece a figura de um jurista
chamado Alciato, o primeiro a formular concretamente a cláusula rebus sic stantibus,
diminuindo seu campo de aplicação, dando-lhe uma conotação de excepcionalidade,
ou seja, a cláusula passa a ter caráter de exceção, só podendo ser utilizada como
4
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 38.
5
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 39.
16
forma de legitimar, depois de firmado o pacto, se um fato inesperado, imprevisto e
estranho ao contrato alterar a situação de uma das partes.
Explicando essas mudanças de conceito introduzidas por Alciato, encontra-se
Renato José de Morais dizendo:
Enquanto os pós-glosadores faziam da noção do rebus sic stantibus um
instrumento para chegar a soluções justas, Alciato a aceita apenas para
casos especiais, além de colocar em primeiro plano a vontade manifesta das
partes. Nota-se ai a influencia do voluntarismo, marca indelével do estoicismo
humano baseado em Cícero. Efetivamente, a cláusula rebus sic stantibus não
parece se encaixar bem, como regra geral, na mentalidade que esta por trás
do direito humanista.6
Em 1756, com o Codex Maxinilianus Bavaricus (Código Civil da Baviera),
surge a primeira norma legislativa a acolher expressamente a cláusula rebus sic
stantibus. Essa citação expressa estava contida no Título IV, capítulo 15, § 12 do
referido código.
Segundo Anísio José de Oliveira7, no Código Bávaro existiam três requisitos
para a sua utilização, como ele descreve a seguir:
a) alteração de circunstâncias que não proviessem nem de mora, nem de fato
ou culpa do devedor; b) de tal natureza que não fosse fácil prevê-la; c) e de
tal gravidade que, segundo a opinião desinteressada e honesta de uma
pessoa inteligente, o devedor não teria consentido em obrigar-se, se
suspeitasse de tal superveniência.
Outra importante codificação à qual se incorporou a cláusula rebus sic
stantibus foi o Allgemeines Landrecht (Direito da Terra Prusiano), de 1794, em seu
Título 1º, Capítulo 5º, § 377 e 378 que dizem:
Exceto o caso de efetiva impossibilidade, o cumprimento de um contrato,
em regra, não pode ser recusado por mudança de circunstância.
Contudo, se por imprevisível mudança se tornou impossível atingir o escopo
final de ambas as partes, expressamente declarado ou resultante da
natureza do ato, pode qualquer delas desistir, desde que esse ato não
tenha sido executado.8
Posteriormente, por volta do século XVIII e século XIX, a cláusula rebus sic
stantibus entra em crise, em um forte declínio derivado do intenso individualismo
jurídico dominante na época, que derivava, entre outros, do Código Civil de
6
MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. São Paulo:
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1999. p. 54.
7
1968 apud FARAH, 2006, p. 72.
8
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 41.
17
Napoleão. O Código Napoleônico, em seu art. 1.134, dizia que “As convenções
legalmente formadas equivalem a lei para aqueles que a fizeram”. 9
O código Francês e Italiano da época enalteceram o princípio da autonomia
da vontade e a força obrigatória dos pactos.
Apesar dessa crise, a cláusula rebus sic stantibus passa a ter papel
fundamental no direito mundial. Isso acontece com o advento da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que fez ressurgir a
necessidade de se discutir a força obrigacional dos contratos anteriormente
firmados, ressurgindo, assim, a cláusula rebus sic stantibus. Esses dois eventos
(guerras) alteraram de tal modo a economia que causou um grande impacto nos
contratos de longo prazo.
1.1 EVOLUÇÃO DA CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS” NO BRASIL.
Na segunda década do século XX, a idéia de revisão contratual foi
amplamente discutida e utilizada na Europa, justamente pelas conseqüências
trazidas pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Nessa época, surgiu a primeira
codificação nacional, porém omissa em relação à cláusula resbus sic stantibus.
No Brasil a questão da Revisão começou a ser citada primeiramente pela
doutrina, que procurou encontrar justificativas na codificação então vigente para a
sua utilização.
Rapidamente, após a promulgação do Código Civil de 1916, começaram a
surgir artigos onde eram abordados a cláusula rebus sic stantibus. O primeiro do
qual se tem conhecimento é um parecer de José de Castro Magalhães, de 25 de
setembro de 1919, que, apesar de deixar claro que repudiava a sua aplicação no
direito brasileiro, começa a discutir o tema. Segue uma parte de seu texto:
Logo, a conclusão se impõe: a cláusula rebus sic stantibus, tal como
vulgarmente a conceituam ( resolução do contrato pela simples alteração de
facto existente na ocasião em que o contrato teve início), não se
9
Disponível em:
<http://www.enfasepraetorium.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=62:
evolucao-historica-da-clausula-rebus-sic-stantibus&catid=36:doutrinario&Itemid=15> Acesso
em 15 de Out. 2010.
18
subentende. A dificuldade na execução do contrato, oriunda da alteração de
circunstancias coetâneas á sua estipulação, só será causa resolutiva
quando constituir impossibilidade absoluta e permanente. No nosso direito,
não conheço traço da cl. r. sic st.10
Algum tempo depois, Jair Lins escreve um artigo (Fevereiro de 1923) onde
tenta justificar a aplicação da rebus sic stantibus, invocando o principio da “Boa Fé”
existente no ordenamento então vigente.
[..] não é, porém qualquer alteração nas condições normais do mercado,
que faz operar tal cláusula. É necessário, como dissemos, que essa
alteração seja profunda, radical, de modo que o contrato se torne
relativamente impossível para uma das partes, isto é: de modo que, si fosse
prevista, nenhum homem normal e honesto o firmaria porque o seu
cumprimento importaria, para um, no suicídio econômico e, para o outro em
11
um enriquecimento ilícito, imoral.
Muitos outros estudos abordavam o tema, o que dava ainda mais força à
Ação Revisional. A falta de previsão da cláusula rebus sic stantibus no direito
brasileiro, pelo menos expressamente, fazia com que fossem negadas as tentativas
de revisão baseadas nela, apesar de a revisão contratual já ser aceita por outros
motivos. Como exemplo da denegação de tais ações, temos uma decisão:
Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo. 2ª Câmara Cível. AC nº
21.464.j. 11-4-1944,v.u., não provido,, rel. o Sr. Des. Percival de Oliveira,
RT 90/643.
Cláusula rebus sic stantibus - Teoria da imprevisão. Argüição em
defesa, em caso de inadimplemento contratual. Carência do argumento.
Matéria ainda não agasalhada pelo nosso direito. Aplicação deixada ao
prudente arbítrio do juiz visando a amenizar apenas o rigorismo contratual,
12
quando baseada tal doutrina nos princípios da boa fé e da equidade.
Com a evolução do tema no Brasil, começou-se a fazer interpretações de
alguns artigos do código vigente na tentativa de justificar a recepção da cláusula
rebus sic stantibus. Para fundamentar tal acolhimento, foram usados do Código Civil
de 1916 os artigos 85, 401, 762 I e II, 924, 1.058, 1.060, 1.092, 1.131, 1.190, 1.205,
1.246, 1.250, 1.399, e 1499.
Favorável a essa corrente que interpretava esses artigos com o intuito de
aplicar a cláusula “rebus sic stantibus” no ordenamento brasileiro, o então ministro
Costa Manso, em 1938, deu seu parecer no RE nº 2.675. Assim disse:
10
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 151.
11
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 151.
12
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 151.
19
A construção de doutrinas jurídicas não reguladas na lei positivada jamais
poderá ferir a letra da lei, para dar lugar ao recurso extraordinário. A
admissão daquele recurso, por diversidade de interpretação da lei,
pressupõe espécies que se ajustem perfeitamente. A regra rebus sic
stantibus não é contrária a texto expresso da lei federal.13
Fica claro o seu posicionamento de que uma interpretação diferente da lei,
desde que não contrarie lei expressa, é valida. Logo, se não existia lei expressa que
proibisse a aplicação da cláusula, era válida a sua utilização.
Apesar de grande parte da doutrina da época apoiar a utilização da teoria da
imprevisão, e existir algumas jurisprudências a esse respeito, a maioria esmagadora
das jurisprudências é contra a utilização da cláusula, justamente pelo fato de não
existir previsão expressa da mesma no ordenamento jurídico brasileiro, como mostra
pesquisa realizada por amostragem, entre os períodos de 1919 a 2001, apresentada
por Otavio Luiz Rodrigues Junior, em seu livro Revisão Judicial dos Contratos.
Acórdãos rejeitando a imprevisão: RT 150/643; RT163/224; RT 257/254; RT
271/280; RT 286/767; RT 288/299; RT 303/694; RT 382/153; RT 387/177;
RT 388/134; RT 391/256; RT 399/255; RT 399/233; RT 399/247; RT
404/145; RT 406/180; RT 407/340; RT 409/421; RT 414/380; RT 437/233;
RT 478/212; RT 479/194; RT 593/252; RT 613/137; RT 619/87; RT 642/110;
RT 624/177; RT 631/121; RT 632/117; RT 634/83; RT 635/266; RT 636/100;
RT 638/233; RT 643/87; RT 646/57; RT 654/157; RT 664/127; 669/175;
697/125; RT 700/80; RT 707/102; RF 123/509; RF 57/44; RF 68/95; RF
117/323; RF 134/187; RF 150/248; RF 156/321; RF 218/187; RF 220/235;
RF 229/52; RF 233/130; RF 233/153; Lex-JSTJ/TRF 74/208; Lex-JTACSP
105/97; Lex-JTACSP 119/65; Lex-JTACSP 120/80; Lex-JTACSP 120/86;
Lex-JTAXSP 120/242; Lex-JTACSP 121/108; Lex-JTACSP 121/182; LexJTASP 122/86; Lex-JTACSP 123/68; Lex-JTACSP 123/78; Lex-JTACSP
123/122; Lex-JTACSP 124/60; Lex-JTACSP 126/126; Lex-JTACSP
128/109; Lex-JTACSP 131/130; Lex-JTACSP 150/439; Lex-JTACSP
161/118; Lex-JTJ 117/86; Lex-JTJ 169/32; Lex-JTJ 178/47; Lex-JTJ 187/17;
Lex-JTJ 187/20; RTJ 51/187(1); Bol. 2.011/221.
Acórdãos admitindo a imprevisão: RT 156/654; RT 191/169; RT 228/554;
RT 254/213; RT 305/847;
RT 308/811; RT 355/193; RT 377/298; RT
616/89; RT 620/204; RT 630/176; RF 77/79; RF 92/722; RF 95/334; RF
97/111; RF 98/97; RF 104/269; RF 113/92; RF 171/240; RF 239/147; RSTJ
23/329; Lex-JSTJ-TRF 78/288; Lex-JSTJ-TRF 86/185; Lex-JTACSP
150/417; Lex-JTACSP 151/342; Lex-JTACSP 151/479; Lex-JTACSP
153/343; Lex-JTJ 164/32; Lex-JTJ 165/108; RTJ- 66/56(1); Bol. AASP,
1.500:219.14
Em 1941, foi apresentado um projeto, elaborado pelos professores Orozimbo
Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães. Era chamado de Código
13
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 152.
14
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 153.
20
das Obrigações e continha expressamente a cláusula “rebus sic stantibus” no seu
art. 322.
Art. 322. Quando, por força de acontecimentos excepcionais e imprevistos
ao tempo da conclusão do ato, opõe ao cumprimento exato desta
dificuldade extrema, com prejuízo exorbitante para uma das partes, pode o
juiz, a requerimento do interessado e considerado com equanimidade a
situação dos contraentes, modificar o cumprimento da obrigação,
prorrogando-lhe o termo, ou reduzindo-lhe a importância.15
Esse projeto recebeu severas criticas e acabou por não ser aprovado no
Congresso Nacional.
Em mais uma tentativa de renovar o direito civil brasileiro, no dia 12 de
outubro de 1965 foi encaminhada ao Congresso Nacional a mensagem de nº 804,
que continha os projetos do Novo Código Civil e Código das Obrigações. O novo
projeto do Código das Obrigações continha mais uma vez expressamente a cláusula
“rebus sic stantibus” que foi abordada nos seus artigos 358 a 361.
Art. 358. Nos contratos de execução diferida ou sucessiva quando, por força
de acontecimento excepcional e imprevisto ao tempo de sua celebração, a
prestação de uma das partes a torna-se excessivamente onerosa, capaz de
gerar para ela grande prejuízo e para a outra parte lucro exagerado, pode o
juiz, a requerimento do interessado, declarar a resolução do contrato.16
A sentença, então proferida, retroagiria os seus efeitos à data da citação da
outra parte.
Art. 359. A resolução do contrato poderá ser evitada, oferecendo-se o réu,
dentro do prazo de contestação, a modificar com equanimidade o esquema
de cumprimento do contrato.
Art. 360. Aos contratos aleatórios não tem aplicação a faculdade de
resolução por onerosidade excessiva.
Art. 361. Não se dará, igualmente, esta resolução nos contratos em que
uma só das partes tenha assumido obrigação, limitando-se o juiz, nesse
17
caso, a reduzir-lhe a prestação.
Mais uma vez foram rejeitados no Congresso os projetos do Novo Código
Civil e do Código das Obrigações.
15
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 154.
16
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 156.
17
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 156.
21
A formulação do Código Civil de 2002, o código vigente, começou em 1972,
quando foi apresentado o seu anteprojeto. Por indicação do então Ministro de
Estado de Justiça, Alfredo Buzaid, formou-se uma nova comissão, que continha a
seguinte composição: José Carlos Morreira Alves (Parte Geral), Agostinho de Arruda
Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes (Direito de Empresarial), Ebert
Vianna Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis Verissimo do Couto e Silva (Direito de
Família), Torquato Castro (Direito das Sucessões), sob a supervisão geral de Miguel
Reale.
Em 1973, o anteprojeto foi revisado e enviado à Câmara dos Deputados
como o Projeto de Lei nº 634. Neste, a teoria da imprevisão estava prevista nos
artigos 474, 475, 476, já com a redação final, ou seja, do código civil de 2002.
Apesar de ter sido enviado em 1973, o projeto só foi aprovado na Câmara
Federal em 1983, por conta de uma longa paralisação legislativa. Em 1984, houve a
alteração dos artigos 474, 475, 476 para respectivamente 477, 478 e 479, e
remetida ao Senado, onde recebeu o nome de projeto nº 118. Foi então designada
comissão especial para analisá-lo, mas só foi aprovado em 1995, após um intervalo
de mais de 10 anos no Senado Federal.
Em dezembro de 1997, foi aprovado na Casa Alta do Congresso, e
posteriormente remetido novamente à Câmara dos Deputados. Finalmente o projeto
é aprovado em 15 de agosto de 2001.
Por final, a revisão contratual foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro
pelo seguinte texto:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua
execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que
18
assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
eqüitativamente as condições do contrato.
18
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 160.
22
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,
poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo
de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.19
1.2 TEORIAS DERIVADAS DA CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS”.
A partir da cláusula rebus sic stantibus, derivaram três teorias, sendo elas:
Teoria da Imprevisão; França
Teoria da Quebra da Base do Negócio Jurídico de Karl Larenz; Alemanha
Teoria da Onerosidade Excessiva; Itália
No Brasil, foram aplicadas as três teorias, sendo cada uma delas utilizada em
determinado período. A primeira a ser utilizada no ordenamento jurídico brasileiro foi
a teoria da imprevisão, que influenciou fortemente a jurisprudência e a doutrina em
um primeiro momento. Em um segundo período, foi a teoria da quebra da base do
negócio jurídico de Karl Larenz, que influenciou a Revisão prevista no Código de
Defesa do Consumidor. Por último, a teoria da onerosidade excessiva, que
influenciou a Revisão/Resolução do contrato com base nas causas supervenientes a
contratação.
Laura Coradine, descrevendo sobre o tema, diz que:
[...] teoria da imprevisão, a primeira a entrar para o ordenamento jurídico
brasileiro, por meio da doutrina e da jurisprudência. Posteriormente, será
examinada a teoria da quebra da base do negócio jurídico de Karl Larenz,
que ingressou em nosso ordenamento por intermédio do modelo
jurisprudencial, desenvolvido pioneiramente por Ruy Rosado de Aguiar, em
sua atividade como magistrado no TJRS e no STJ, e, depois, por via do
modelo legislativo de revisão dos contratos do Código de Defesa do
Consumidor, baseado na teoria da quebra da base objetiva do negocio
jurídico. Por fim, a teoria da excessiva onerosidade da prestação, com
grande influência sobre o novo Código Civil brasileiro, por meio da
formulação do modelo jurídico da resolução dos contratos por excessiva
onerosidade superveniente da prestação.20
19
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
20
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.7-8
23
Este estudo visa enfatizar as causas de Revisão/Resolução do contrato por
fatos supervenientes à sua formação com base no Código Civil, particularmente os
artigos 317, e 478-480, todos do código civil.
O artigo 317 do Código Civil segue a teoria da onerosidade excessiva, mas
com algumas diferenças, com algumas peculiaridades. Esse pensamento é
ensinado por Judith Martins-Costa, explicando, ainda, quais as peculiaridades
existentes, dizendo que:
O modelo escolhido não é exatamente igual à sua raiz italiana: em primeiro
lugar porque se trata de revisão contratual, e não resolução; em segundo
lugar, como é habitual na circulação de modelos entre diversos sistemas, a
teoria matriz recebeu influências culturais próximas ao local da recepção.21
Os artigos 478-480 estão inseridos no titulo V, capitulo II, sessão IV do
Código Civil, Da Resolução por Onerosidade Excessiva, ficando claro assim a
utilização da teoria da onerosidade excessiva para sua elaboração. Esse fato fica
ainda mais claro quando observada à maneira pela qual os artigos 478-480 foram
criados, pois os mesmo foram baseados nos artigos 1.467 e 1.468 do Código Civil
Italiano de 1942, artigos esses que foram os precursores da teoria da imprevisão.
Eros Berlim ensina que:
A outra hipótese prevista pela nova codificação brasileira para revisão do
contrato por fatores supervenientes é a chamada teoria da onerosidade
excessiva, prevista nos artigos 478 a 480. Como já referido, tais dispositivos
foram baseados nos artigos 1.467 e 1.468 do Código Civil italiano, e nesse
sentido cabe a análise com base na doutrina italiana [...]22
A Teoria da Onerosidade Excessiva, como demonstrado acima, foi utilizada
para a formação dos artigos que estudaremos, tornando-se assim essencial o seu
estudo.
21
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
144.
22
CORDEIRO, Eros Berlin de Moura. Da revisão dos contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.
255-256.
24
2 TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA.
A teoria da excessiva onerosidade foi criada na Itália, sendo introduzida no
ordenamento jurídico italiano por meio do Código Civil italiano de 1942.
Ao contrário do que ocorreu em outros ordenamentos jurídicos, que tiveram a
cláusula rebus sic stantibus por meio da jurisprudência ou da doutrina, na Itália essa
introdução ocorreu pela da legislação. Mesmo no imediato pós-guerra europeu que
afetou duramente a economia, o posicionamento da doutrina e da jurisprudência era
de não admissão da cláusula rebus sic stantibus, aceitando para a revisão contratual
apenas o caso fortuito, obrigando dessa maneira o legislador a intervir para ajudar a
economia que passava por dificuldades.
Logo, o Código Civil de 1942 passou a acolher a cláusula rebus sic stantibus
nos seus artigos 1.467 e 1.468, restringindo a sua utilização aos casos em que
houve uma superveniente e excessiva onerosidade da prestação, criando assim
uma nova teoria derivada da cláusula rebus sic stantibus.
Ressalta-se que apesar de ser uma nova teoria, a onerosidade excessiva tem
caráter excepcional, não é necessária apenas a onerosidade excessiva para
caracterizar a sua utilização. Assim explica Laura Coradine:
A doutrina pondera, todavia, que o instituto da resolução do contrato por
excessiva onerosidade acolhida na codificação de 1942 apresenta natureza
excepcional, pois, se assim não fosse, atentar-se-ia contra os ainda
indispensáveis princípios da autonomia privada e conseqüente
obrigatoriedade dos contratos, bem como da segurança no tráfico jurídico.
Por isso, para que se possa configurar o instituto da excessiva onerosidade
sem ferir princípio basilar do direito, que é a segurança jurídica, é
imprescindível uma notável alteração entre as prestações, devido a
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que modifiquem o valor de
uma prestação em relação a outra.23
Para a aplicação da teoria da onerosidade excessiva, nos termos dos artigos
1.476 e 1.468 do Código Civil italiano de 1942, deve-se antes analisar se esta
incidira apenas nos contratos de prestações recíprocas, onde exista uma prestação
e uma contraprestação. No entanto, possuindo uma única exceção, como ocorre no
caso de o contrato possuir prestações para apenas uma das partes, e a prestação
passe a ser excessivamente onerosa, possibilitando nesse caso que seja diminuída
a prestação do mesmo.
23
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 68.
25
Laura Coradini diz que:
Essa relação de reciprocidade dependência entre as prestações subsiste
não somente no momento da formação do vínculo contratual – sinalagma
genético-, mas também durante o desenvolvimento da relação contratual –
sinalagma funcional. As prestações das partes permanecem conectadas
durante a vida do contrato, sendo a excessiva onerosidade um rompimento
da reciprocidade das prestações, o que elimina a justificativa causa que une
as prestações e legítima a parte prejudicada a ser liberada do vínculo.24
2.1 CONTRATOS DE DURAÇÃO.
A onerosidade excessiva apenas incide nos contratos de prestação contínua,
aqueles contratos que se estendem no tempo. Não é necessário que a totalidade do
contrato se estenda no tempo, mais apenas uma parte do mesmo já serviria.
Além do fato da onerosidade excessiva apenas incidir nos contratos de
prestação continuada, a onerosidade excessiva só poderá ser alegada se a mesma
ocorrer durante a execução do contrato, não podendo se caracterizar se incidir após
seu término.
Laura Coradini citando Orlando Gomes explica que:
Orlando Gomes contrapõe a noção de contrato instantâneo à de contrato de
duração para designar aqueles contratos cujas prestações se protraem no
tempo. Tal espécie contratual é também conhecida como contrato de trato
sucessivo, e outros ainda a designam por contrato de execução continuada.
Acrescenta-se que também são regidos por essas regras de resolução
contratual os contratos de execução instantânea de trato diferido.25
2.2 A EXCESSIVA ONEROSIDADE SUPERVENIENTE DA PRESTAÇÃO.
A excessiva onerosidade se configura quando há uma relevante mudança na
equidade das prestações, uma mudança na relação de correspondência. Assim, a
excessiva onerosidade se caracteriza quando a prestação passa a ser um sacrifício
24
25
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 70-71.
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 71-72.
26
para uma das partes, tornando-se extremamente onerosa, e quebrando o equilíbrio
do contrato.
Existem dois critérios para a avaliação da excessiva onerosidade, o subjetivo
e o objetivo. O critério subjetivo busca avaliar a excessiva onerosidade da prestação
para uma das partes, avaliando o sacrifício que o mesmo tem que fazer para cumprila, sendo comparado ao esforço que contratante tinha que fazer inicialmente para
cumprir com o contrato e o esforço que tinha que realizar após o fato superveniente
que onerou excessivamente a sua prestação.
O critério objetivo e utilizado para a avaliação da excessiva onerosidade, a
comparação entre prestação e contraprestação, fazendo referência ao equilíbrio
inicial do contrato quebrado pelo fato superveniente. Esse critério é o mais defendido
pela doutrina.
Para consideração da excessiva onerosidade é importante saber o conceito
de álea, pois apenas se caracteriza a excessiva onerosidade se a desvantagem
auferida a uma das partes ultrapassar a álea normal do contrato.
Explicando a álea normal ou risco normal Laura Coradini explica que:
Dessa forma, o risco normal previsto pelo art. 1.467 § 2º, do Codice constitui
o limite além do qual a onerosidade se torna excessiva, não possuindo
nenhuma relação com o risco inerente aos contratos aleatórios. Não se
admitirá a resolução do contrato se a oscilação da prestação estiver dentro
do risco normal de cada tipo negocial, que deve ser avaliado e esperado
pelas partes (lembre-se que não se trata da pessoa ordinária, do homem
médio, mas da pessoa concreta, inserida em determinado ambiente
socioeconômico e cultural).
O risco normal é uma noção econômica pela qual se deve entender a
regular mutação de valor que a prestação pode sofrer, dada a sua natureza
e o tipo de relação a que pertence.26
2.3 EXTRAORDINARIEDADE E IMPREVISIBILIDADE DO EVENTO CAUSADOR
DA EXCESSIVA ONEROSIDADE DA PRESTAÇÃO.
Para a caracterização da onerosidade excessiva o artigo 1.467 do Código
Civil italiano de 1942 diz que é necessário que o fato causador da onerosidade
excessiva seja imprevisível e extraordinário.
26
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 75.
27
Esse critério deriva do fato de que, se a onerosidade excessiva resulta de um
fato previsível pelas partes, logo esse fato estaria inserido na álea normal do
contrato, devendo dessa maneira a parte prejudicada suporta os prejuízos, já que
estes provieram de riscos normais inerentes ao contrato.
Logo temos que fato imprevisível de acordo com o artigo 1.467, é que não
está ao alcance da previsibilidade quando da formação do contrato, não tendo as
partes como prever e se precaver.
Além de imprevisível o fato deve ser extraordinário. No entanto existe certa
divergência na doutrina, pois, uma parte com o intuito de aumentar o alcance do
instituto afirma que o conceito de imprevisão e extraordinariedade se coincidem.
Outra lado parte da doutrina entende que cada um desses requisitos são
independentes um em relação a outra.
Laura Coradine diz que:
O art. 1467 do Codice dispõe que o evento causador da excessiva
onerosidade, além de imprevisível, deve ser extraordinário. No entanto, a
fim de possibilitar uma aplicação mais larga do instituto, parte da doutrina
entende que os conceitos de imprevisibilidade e extraordinariedade
coincidiriam, porque a característica fundamental que irá diferenciar o
evento ordinário do extraordinário é o grau de probabilidade em que é
permitido prever que algo aconteça, pelo menos em determinado período de
tempo, e que, em conseqüência, a previsibilidade do evento extraordinário
superveniente deve ser valorizada de acordo com os critérios de homem
comum, de normal diligência.
Outros autores entendem, contudo, que os conceitos de imprevisibilidade e
extraordinariedade mantêm sua autonomia, caracterizando-se a primeira
por um juízo subjetivo e relativo, e a segunda, por um juízo objetivo.27
A jurisprudência italiana mais atual referente ao artigo 1.467 do Código Civil
italiano não impõe a imprevisibilidade e a extraordinariedade do fato como sendo
algo absoluto, pois, se tem o entendimento de que na verdade o que é
necessariamente imprescindível para a caracterização da onerosidade excessiva
seria a imprevisibilidade da desproporção, ou seja, mesmo que o fato seja previsível,
mas a maneira como ele afetou o contrato seja tão danosa, que não se podia prever,
já seria suficiente para caracterizar a onerosidade excessiva.
2.4 DESVALORIZAÇÃO MONETÁRIA.
27
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 77
28
A doutrina e a jurisprudência aderiram diversas maneiras para que a
gravidade dos efeitos da desvalorização não fossem tão desastrosos. A
desvalorização monetária está agregada à excessiva onerosidade com base no
debate de que, quando pactuado um contrato, é admissível que possa acontecer
fatos inerentes e extraordinários à vontade alheia.
Deve ser observado que é previsível e esperado alguma taxa de inflação,
assim sendo, ressalta-se que é passível de evento imprevisível àquela taxa que é
desmedida, exagerada. No contrato não poderá constar que taxa excessiva poderá
descaracterizar a imprevisibilidade de um agravamento da taxa de desvalorização
monetária.
Em casos onde há desvalorização monetária, a linha de demarcação da
onerosidade excessiva é dada pela sorte do contrato.
Quando em um contrato não está explícito o risco contratual a excessiva
onerosidade é determinada com algo imprevisível e extraordinário, entretanto, em
um contrato onde a sorte é prevista não há o que se falar em riscos implícitos.
Portanto, cabe ao magistrado a análise do caso concreto para verificar se
existe a real desvalorização monetária.
2.5 MODIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES CONTRATUAIS DE ACORDO COM A
EQUIDADE.
Pode ser intentada alteração contratual pela parte que não está de acordo
com o que está sendo pleiteado a uma apreciação por onerosidade excessiva, para
que o contrato ataque uma avaliação de justa relação de troca. Assim sendo, o juiz
deve basear a sua decisão no equilíbrio econômico, visando benfeitoria a ambas as
partes.
É importante definir os poderes que o magistrado tem em relação ao termo
equidade no que se refere ao art. 1.467, § 3º, do Códice e de acordo com este, o juiz
deve agir de maneira vinculada, buscando a satisfação bilateral.
29
A proposta feita pela parte deve abranger a ambas, pois o objetivo deve ser o
equilíbrio bilateral, para que o pacto feito mediante contratos retome o seu efeito.
Não é fundamental que a prestação se funde em adição de dinheiro, o que é
importante é que ela seja correta.
O objetivo da alteração contratual é o de demonstrar que há um risco. Aquele
que propõe a demanda apresentará um quid que o sujeito passivo da demanda
poderá ou não aceitar. A decisão do juiz se restringirá a emendar a inconstância do
valor da prestação.
O juiz não utilizará apenas de pressupostos objetivos, porque a finalidade é
que seja estabelecida novamente e na mesma proporção a obrigação pactuada
anteriormente. Entretanto, deve-se observar que a alteração do contrato será
submetida à avaliação subjetiva.
Percebe-se que aqui está presente o princípio da conservação dos contratos.
2.6 INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AOS
CONTRATOS ALEATÓRIOS, NOS TERMOS DO ART. 1469 DO “CODICE”.
Nos contratos aleatórios não é possível utilizar a excessiva onerosidade e a
diminuição do valor da prestação com base na eqüidade, de acordo com o que está
exposto no art. 1469 do Códice.
A excessiva onerosidade restringe-se aos contratos onerosos e comutativos,
não podendo ser aplicada aos contratos aleatórios. Laura Coradini citando Rodolfo
Sacco28, explica que “quando as partes aceitam suportar ou especular em
determinada álea, não podem considerar o contrato lesionário ou oneroso”.
Nos contratos aleatórios é necessário que os eventos incertos sejam
examinados para que a prestação seja estabelecida. Em contrapartida, nos
contratos cumulativos a possibilidade de prejuízo simultaneamente com a de lucro é
um fator a ser observado para que se possa conferir a adequação da excessiva
onerosidade à situação fática. Contudo, o risco é elemento essencial aos contratos
28
1996 apud FRANTZ, 2007. p.83.
30
aleatórios diferentemente do contrato cumulativo, pois neste o risco é importante
para que seja verificada a incidência da excessiva onerosidade.
A aleatoriedade pode concernir a real adequação da prestação, e a medida
da contraprestação. Nestas situações o risco em questão é bilateral, pois ele deve
ser tolerado pelas duas partes.
O risco normal é aquele descrito e previsto pelas duas partes, é aquele
presente em todo contrato que o suporta. A álea normal está presente em todas as
operações econômicas.
Na álea normal admite-se uma relação de risco e a origem constitutiva do
contrato, que pode ser apto a produzir efeitos.
O ordenamento jurídico intervirá nas relações jurídicas apenas quando o risco
sobreviesse no contrato de maneira ilimitada consoante com o tipo contratual.
Percebe-se, então, que cada contrato tem uma esfera indubitável.
Estando o contrato na álea normal é importante descartar a onerosidade.
31
3. A REVISÃO E A RESOLUÇÃO CONTRATUAL COM BASE NA ONEROSIDADE
EXCESSIVA DO CÓDIGO CIVIL.
O Código Civil brasileiro de 2002, trata de hipóteses de revisão/resolução
contratual por fato superveniente à sua contratação, ou seja, uma revisão contratual
baseada na mudança de circunstâncias inexistentes à época da assinatura do
contrato, mais conhecida como onerosidade excessiva.
São duas as hipóteses de incidência da onerosidade excessiva. A primeira
está contida no art. 317 que possibilita a revisão contratual por conseqüência de
desproporção do valor devido no momento da contratação e o valor devido no
momento do cumprimento da obrigação, como por exemplo, os contratos baseados
em moeda estrangeira, que por motivo “imprevisível” haja demasiada valorização ou
depreciação da moeda. A outra hipótese fica por conta dos artigos 478 a 480 que
tratam dos casos de revisão ou resolução contratual (extinção do contrato) por
onerosidade excessiva de uma das partes contratantes em detrimento de extrema
vantagem da parte oposta por conseqüência de fato inesperado e imprevisível.
O art. 317 está localizado no Código Civil na parte referente ao objeto do
pagamento e sua prova, com a seguinte redação:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua
execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que
29
assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
O art. 478, por sua vez, está especificado em sessão própria, denominada
“Da resolução por onerosidade excessiva” onde está contido também os art. 479 e
480 que vem complementá-lo. Os artigos citados possuem a seguinte redação:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
eqüitativamente as condições do
contrato.
29
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 160.
32
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,
poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo
de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.30
3.1 DOS PRESSUPOSTOS DA ONEROSIDADE EXCESSIVA.
A onerosidade excessiva é aplicada nos contratos bilaterais ou unilaterais
onerosos. Para dar ensejo à revisão contratual deve haver desproporcionalidade
entre as prestações, onerando uma das partes, o que remete ao contrato bilateral
(em que existe prestações recíprocas, ou seja, ambos tem obrigações e direitos),
mas o Código Civil em seu artigo 480 prevê uma exceção a essa regra.
Em seu artigo 480, o Código Civil descreve a possibilidade de revisão dos
contratos unilaterais onerosos, porém possibilitando apenas a diminuição das
prestações, não sendo possível assim a sua resolução.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das
partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou
alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade
excessiva.31
Para um contrato sofrer incidência da teoria da onerosidade excessiva sua
execução deve ser sucessiva. Os contratos são divididos pela execução em
instantâneos e sucessivos. Os contratos sucessivos são caracterizados pela sua
execução no tempo, ou seja, levará um determinado tempo para ser concluído. Já
os contratos de execução instantânea são também os de execução única, como por
exemplo, a compra de um objeto à vista. Nesses contratos de execução instantânea
não incide a onerosidade excessiva, haja vista que o contrato se conclui de imediato,
não havendo assim a possibilidade de alteração das condições por algum fato no
decorrer do tempo.
Outro fato de suma importância é quanto à temporalidade da ação, sendo que
esta só pode ser argüida antes da resolução do contrato.
30
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
31
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
33
Quanto ao ônus da prova na revisão com base na onerosidade excessiva, fica
por conta de quem alega, que deverá provar que aquele fato imprevisível tornou a
obrigação excessivamente onerosa.
A legitimidade para propor a ação é tanto do credor quanto do devedor,
enquadrando-se ambos na possibilidade de figurar como pólo ativo da ação.
3.2 DOS REQUISITOS COMUNS À APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 478 E 317 DO
CÓDIGO CIVIL.
Conforme já dito anteriormente, existem duas possibilidades no Código Civil
quanto à argüição da teoria da imprevisão. Essas duas possibilidades têm requisitos
em comum, como também possuem requisitos específicos de cada uma delas.
.
3.2.1 O desequilíbrio das prestações.
Inicialmente vale ressaltar que apesar de as duas possibilidades de aplicação
da teoria da imprevisão no código civil tenham como requisito o desequilíbrio entre
as prestações, os mesmos vislumbram sob prismas diferentes.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua
execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que
32
assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Para os efeitos do art. 317, o desequilíbrio entre as prestações ocorre quando
há uma diferença entre o valor devido e quando da assinatura do contrato e o valor
devido no momento da execução do contrato. Na realidade, esse artigo era usado
exclusivamente para isso, mas houve uma mudança em seu texto para que pudesse
haver um alcançasse maior, aumentando o número de possibilidades, retirando de
seu corpo a expressão “desvalorização monetária”.
32
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 160.
34
Em suma, esse artigo pode ser usado tanto para a defesa do credor como
para a defesa do devedor. Na defesa do credor pode ser usado quando por
desvalorização da moeda, motivada por inflação, de maneira que passa a haver uma
desproporção entre o valor da assinatura do contrato e o da sua execução. Já em
favor do réu poderia ser usado quando houvesse uma supervalorização da
prestação a ser paga, guardando um desequilíbrio com o valor devido da época da
assinatura do contrato, como por exemplo, em contratos com pagamento em moeda
estrangeira e há uma supervalorização da moeda estrangeira em relação à
brasileira, esse fato é mais conhecido como “maxidesvalorização”. Em 1999 esse
artigo foi muito utilizado, quando na época existiam muito contratos com pagamento
em moeda estrangeira, mais especificamente dólar, e houve a chamada
“maxidesvalorização”do real em relação ao dólar, que ocasionou um aumento
excepcional do valor pecuniário da prestação.
Já em relação ao art. 478, o desequilíbrio entre as prestações deve ser
observada de maneira diferente. A desproporção de que trata o art. 317 passa a
existir entre o momento da assinatura do contrato e o momento de sua execução, já
no art. 478 o desequilíbrio é entre a prestação e a contra prestação, ou seja, no caso
a desproporção é derivada da obrigação gerada para o devedor e o que ele recebeu
em troca.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se
a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa,
com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução
do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data
da citação.33
O desequilíbrio referente ao art. 478 é o desequilíbrio que colocaria um dos
pólos do contrato, credor ou devedor, em desvantagem, onerando excessivamente
esse pólo.
Laura Coradini explica que:
A excessiva onerosidade da prestação é aquela que comporta uma notável
alteração da relação originaria entre as prestações, determinando uma
situação de desequilíbrio dos respectivos valores, com um conseqüente
agravo patrimonial que modifique a originaria relação a outra, o que faz com
que diminua ou cesse a utilidade da contraprestação.34
33
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
34
FRANTZ, Laura Coradini. Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.112.
35
Esse desequilíbrio fica evidente na seguinte situação: Uma distribuidora firma
contrato com um produtor de café, que se compromete a lhe vender 100 sacas a um
valor de R$ 50,00 reais cada. Posteriormente, por motivo da estiagem, que nunca
ocorria naquela região, o produtor veio a ter um custo de produção desse café
elevado, além de só conseguir produzir apenas 50 sacas de café. No mercado, o
valor do café devido à falta do produto e ao alto custo de sua produção, o valor da
saca teve uma elevação em torno de 200%. Nesse caso, fica visível que houve uma
desproporção entre o valor recebido pelo devedor e a contraprestação (entrega das
100 sacas ao um valor mais baixo que e da sua produção), encaixando-se, assim,
no art. 478.
Logo, levando em consideração o exemplo dado acima, a prestação do
produtor seria a entrega de 100 sacas, recebendo apenas R$ 50,00 reais por saca
(contraprestação), gerando um desequilíbrio, já que o custo de produção foi de R$
100,00 reais por unidade.
3.2.2 Imprevisibilidade.
Aqui, como no item supracitado, apesar de a imprevisibilidade do fato gerador
do desequilíbrio ser requisito tanto para o art. 317 quanto para o art. 478 eles a
abordam de maneiras diferentes.
O art. 478 exige, além da imprevisibilidade do fato, que este seja
extraordinário, só tendo relevância jurídica para a admissibilidade da onerosidade
excessiva quando decorrer de extraordinária e imprevisível oscilação do risco. O
objetivo é conferir um caráter excepcional ao instituto da resolução. Já o art. 317,
exige apenas que o efeito gerador da desproporção seja imprevisível, não exigindo a
presença de extraordinariedade.
Existem alguns fatos que não podem ser considerados para a utilização dos
referidos artigos, que são os riscos inerentes àquele contrato, ou ramo. Entende-se
que alguns riscos são inerentes a certos contratos, tendo necessariamente o fato
imprevisível que está fora do campo de previsão da parte, que não seja provável
nem previsível.
36
Ruy Rosado explica o que é:
Provável o acontecimento futuro que, presentes as circunstâncias
conhecidas, ocorrerá, certamente, conforme o juízo derivado da experiência,
Não basta que os fatos sejam possíveis (a guerra, a crise econômica
sempre são possíveis), nem mesmo certos (a morte). É preciso que haja
notável probabilidade de que um fato, com seus elementos, atuará
eficientemente sobre o contrato, devendo o conhecimento das partes incidir
sobre os elementos essenciais desse fato e da sua força de atuação sobre o
contrato. (...) A probabilidade, para ter relevância jurídica, deve ter um certo
grau (notável probabilidade), porque o conhecimento deve abranger os
elementos essenciais do fato futuro causador da onerosidade e a força de
35
seus efeitos sobre o contrato.
Para Judith Martins Costa imprevisível é:
[...] o que não poderia ser legitimamente esperado pelos contratantes, de
acordo com a sua justa expectativa, vislumbradas todas as concretas
circunstâncias do negócio, a capacidade de previsão de uma pessoa
razoável e as características do ramo de atividade no qual a prestação
devida está inserida.36
Assim, nota-se que é necessário que o desequilíbrio superveniente supere o
que é considerado normal oscilação do tráfico comercial, pois todo contrato trás
implícito em si riscos, cabendo a lei tutelar apenas os riscos anormais que estão fora
do campo de previsibilidade das partes, não abrangendo, a lei os riscos tipicamente
derivados de cada modalidade de contrato. Não se pode estabelecer com exatidão o
que seriam riscos normal ou anormal para cada tipo de contrato, pois, dependendo
do local de atuação, esse riscos variam, dessa maneira, ficaria definido o que é risco
normal ou anormal pelo fato de ser previsível ou não para as partes.
Um exemplo interessante de riscos normais de contrato, são os da bolsa de
valores que, por mais que um fato imprevisível e extraordinário venha a causar uma
grande variação de valores, esses riscos são implícitos a quem investe nesse
mercado.
Levando em conta a revisão proposta pelo art. 317, que fala sobre
desproporção entre o momento de assinatura do contrato e o momento de sua
execução, também temos um exemplo pertinente. Não se considera para efeitos da
revisão contratual do art. 317 a desvalorização monetária ou até mesmo a
35
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosato. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. 2. ed.
Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 155-156.
36
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.
253.
37
valorização monetária normal de mercado, em índices aceitáveis, seguindo uma
media normal de mercado.
3.2.3 Inexistência de Mora.
A inexistência de mora é outro requisito imprescindível para a argüição da
teoria da imprevisão. Defendendo como requisito fundamental, para a argüição da
Teoria da Imprevisão, a inexistência de mora Laura Coradine Frantz afirma que:
A conduta do devedor da prestação onerosa deve ser pautada pelo principio
da boa-fé objetiva, que determina a lealdade e a cooperação no processo
obrigacional, forçando o devedor a manter adimplidas as suas prestações
para que possa ingressar em juízo, requerendo a revisão ou a resolução do
contrato, afim de impedir abusos. 37
Ainda nesse sentido, Otavio Luiz Rodrigues Junio diz que:
A mora afasta o direito de requerer a incidência da imprevisão, devendo a
alteração das circunstâncias ocorrer independentemente da vontade das
partes. O Código Civil português, em seu art. 438º, é expresso quanto a
esse requisito: “(Mora da parte lesada) A parte lesada não goza do direito
de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento
em que a alteração das circunstancias se verificou.
A imprevisão por conseguinte, não se compatibiliza com a mora, seja do
devedor seja do credor, sendo de todo inaceitável invocá-la quando já se
caracteriza esse estado. 38
Assim, para a argüição da Teoria da Imprevisão, o autor da ação não
poderá estar em mora, mas e quando o adimplemento da prestação onerosa trouxer
danos irreparáveis ao devedor? Na doutrina de Laura Coradini Frantz temos duas
soluções possíveis para o caso, ambas após o ajuizamento da ação. A primeira
seria, após o ajuizamento do processo, fazer o pagamento através de depósito
judicial dos valores não discutidos, ou seja, a parte da dívida, que é inquestionável,
deve ser adimplida. Assim ensina Laura Coradini Frantz quando diz:
Porém, se a manutenção do pagamento da prestação onerosa causar
danos irreparáveis ao devedor, outra alternativa é o depósito judicial do
37
FRANTZ, Laura Coradini. Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.139.
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2006.
2.ed. p.122-123.
38
38
valor que não está sendo discutido, a fim de que a boa-fé e a cooperação
inerentes à relação obrigacional sejam mantidas.39
A segunda hipótese fica por conta do inadimplemento após a propositura da
ação, já que o art. 478 diz que a sentença retroagirá até a data de citação. Assim
explica Laura Coradini Frantz:
Considerando que o art. 478 do código civil determina que os efeitos da
sentença que decrete a excessiva onerosidade da prestação retroagem à
data da citação, é possível que o devedor pare de adimplir as prestações
subseqüentes durante a discussão, sob pena de dano irreparável que o
cumprimento de uma prestação onerosa pode causar devedor. Ressalte-se
que nesse caso estará assumindo o risco da improcedência da ação,
devendo responder pelas conseqüências do inadimplemento.40
Portanto, fica claro que o devedor que passa a ficar inadimplente com a sua
obrigação, após o ajuizamento da ação, corre o risco de perder a demanda e, assim
acontecendo, terá de assumir a total conseqüência do seu inadimplemento, como
por exemplo, a mora.
3.2.4 Não-imputabilidade.
A não-imputabilidade significa que o fato imprevisível, gerador da excessiva
onerosidade, não seja imputado ao réu, que este não seja o culpado de tal fato.
Assim ensina Judith Martins Costa ao afirma que:
É ainda condição de incidência que a causa da excessiva onerosidade não
seja imputável ao comportamento culpável da parte que o invoca: é
necessário, pois, que a causa do evento seja estranha à conduta daquele
41
que o invoca.
3.3 DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS.
39
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.139.
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.139.
41
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v.
5, t. 1, p. 255.
40
39
Além dos requisitos comuns a esses artigos, há também os requisitos
específicos, sendo esses requisitos o que diferencia um do outro, como trataremos a
seguir.
O requisito próprio do art. 317 é a “prestação pecuniária”, já a do art. 478 é a
“extrema vantagem para a outra parte contratante”.
3.3.1 Artigo 317: Prestação Pecuniária.
A prestação de que trata o art. 317 tem obrigatoriedade de ser pecuniária,
levando-se em consideração para essa conclusão a sua localização no Código Civil.
Isso se compreende da explicação de Laura Coradini Frantz:
O art. 317 está inserido no Título III, Seção III, que trata do objeto do
pagamento e de sua prova. Vem Posto como exceção ao art. 315, que trata
especificamente de prestação pecuniária, cuidando de seu valor nominal.
Ressalva o art. 317 que se deve observar, “o quanto possível , o valor real
da prestação”. Ora, somente possui valor real, contraposto a valor nominal,
se consistir em prestações pecuniárias.
Além disso, o art. 318, subseqüente, cuida da proibição do pagamento feito
em moeda estrangeira ou em ouro, que somente faz sentido em se tratando
do pagamento de dívidas em dinheiro. Por isso, o art. 317 somente poderá
ser interpretado adequadamente se observada a estrutura normativa na
qual está integrada.42
3.3.2 Artigo 478: Extrema vantagem para a outra parte contratante
A extrema vantagem, para a outra parte do contrato, se dá como
conseqüência do fato imprevisível. Para utilizar o art. 478 é necessário que uma das
partes esteja com extrema vantagem, extremo ganho, lucro em detrimento da parte
contrária. Sem esse requisito não pode invocar o art. 478.
3.4 REVISÃO E RESOLUÇÃO NO CÓDIGO CIVIL
42
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.140.
40
Nesta
oportunidade,
iremos
abordar
especificadamente
cada
artigo,
detalhando como ocorrerá a revisão ou resolução contratual, baseada na Teoria da
Onerosidade Excessiva.
3.4.1 Artigo 317: Revisão Contratual
A revisão contratual é o remédio encontrado para sanar o desequilíbrio
superveniente do contrato. Por meio da revisão contratual, o “Juiz” tentará fazer com
que o contrato volte a ter um equilíbrio, com base no princípio da manutenção do
contrato. Qualquer uma das partes é legitima para propor a ação, sendo assim tanto
o devedor quanto o credor poderá ser a vitima desse desequilíbrio, ou seja, a parte
autora da ação.
Nas palavras de Laura Coradini:
A revisão do contrato em caso de desequilíbrio busca um retorno ao
programa contratual quebrado em virtude de circunstancias superveniente e
imprevisível, alcançando por meio da interpretação do contrato, que
configure, [...] a fixação e a reconstrução do conteúdo da avença, buscando
sempre seus fins, para que o próprio equilíbrio contratual possa ser
reescrito.43
Logo, o juiz deverá por meio da revisão contratual, esquecer a “autonomia da
vontade”, para fazer com que o contrato retorne ao seu objetivo anterior ao fato
superveniente e imprevisível que onero excessivamente uma das partes, a fim de
fazer com que ele retorne ao seu equilíbrio original, ou seja, o equilíbrio que possuía
quando no ato da assinatura do contrato.
Devemos deixar claro que o poder do juiz de interferir no contrato não é
ilimitado, ele deve reequilibrar o contrato e dividir entre as partes os custos extras
causados pelo fato imprevisível, não devendo criar novas regras para o contrato,
mas apenas modificando as existentes, tornando o contrato equilibrado novamente.
43
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 143
41
3.4.2 Artigos 478, 479 e 480: Da Resolução por Onerosidade Excessiva
O artigo 478, juntamente com os artigos 479 e 480, estão inseridos no
capitulo denominado “da resolução por onerosidade excessiva”. Além da hipótese de
argüição da resolução que está descrita no artigo 478 e no próprio titulo do capitulo,
existindo, ainda, a possibilidade de revisão que será tratada a seguir.
3.4.2.1 Artigo 478: Da Resolução
O artigo 478 na sua redação possibilita a resolução do contrato por
onerosidade excessiva, derivada de fato imprevisível.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.44
A resolução é uma das formas de extinção dos contratos, e tem por objetivo
reconduzir as partes aos estados em que se encontravam antes da formação do
contrato, retroagindo a eficácia do negócio, operando efeito ex tunc.
Pontes de Miranda45, explica que com a resolução “tem-se o negócio jurídico
concluído como se não tivesse sido”, ou seja, “a resolução destrói a celebração (ex
tunc) e tem dois efeitos principais: libera credor e devedor das obrigações
correspectivas e permite a restituição das prestações efetuadas”.
Logo, o termo resolução significa extinguir o contrato, devolvendo às partes no
estado em que se encontravam antes da celebração do contrato. No caso especifico
44
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
45
1971 apud FRANTZ, 2007. p.145.
42
da resolução por onerosidade excessiva essa retroatividade, ou seja, seu efeito ex
tunc, se dará até a data da citação, como deixa claro no texto do artigo 478.
Ocorre que em alguns contratos não é possível retroagir apenas até a data da
citação, como exemplificaremos adiante, lembrando que o artigo 478 trata dos
contratos de execução diferida e dos contratos de execução duradoura ou
continuada.
Primeiramente vamos exemplificar os contratos de execução diferida, como no
caso da alienação fiduciária. Na resolução de um contrato de financiamento veicular,
a prestação passa a ser excessivamente onerosa por conta de um fato imprevisível,
ou seja, encaixando-se, perfeitamente, na hipótese do artigo 478. Acontece que para
que sejam devolvidas as prestações pagas pelo autor, deverá ser devolvido o bem,
logo, o contrato não poderá retroagir apenas até a citação, mas deverá retroagir ate
o momento de sua formação, pois como poderia ser devolvido um bem onde já
foram pagos, por exemplo, 50% das prestações e só receberá as prestações pagas
após a data da citação? Seria incabível, devendo nesse caso ser devolvido o bem e
em conseqüência, serem devolvidas todas as prestações, mas descontados do valor
das prestações a desvalorização do bem.
Laura Coradini Frantz ensina que:
[...] como a compra e venda de um bem por meio de alienação fiduciária
cuja prestação se tornou excessivamente onerosa, a resolução ocasionará a
devolução do bem e das parcelas pagas, descontando o valor de sua
depreciação. Nesse caso, a parte do art. 478 que trata dos efeitos da
resolução, prescrevendo que devem retroagir à data da citação do processo
judicial, ficará prejudicada, pois deverá ocorrer a devolução do bem e das
parcelas que foram adimplidas, desde o momento da contratação.46
É válido acrescentar outro exemplo interessante, que também escapa um
pouco da regra, mencionado por Laura Coradini, para o caso dos contratos de
execução periódica ou duradoura, seria o caso de um seguro veicular, por exemplo.
A parte contratante desse seguro entra com o pedido de resolução contratual nos
termos do artigo 478 do Código Civil, ocorre que é impossível por parte do autor da
ação devolver o bem, pois esse bem não é material e foi utilizado por ele, visto que
se algo acontecesse com o demandante, no período anterior ao da declaração da
resolução pelo juiz, o mesmo estaria amparado por esse serviço, sendo possível
46
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.146.
43
apenas a devolução dos meses não utilizados e já pagos do serviço, caracterizando
mais uma exceção à regra de retroatividade, que seria a retroação até a data da
citação.
Laura Coradini Frantz diz que:
Em sendo o contrato de execução duradoura ou continuada, no qual as
prestações se renovam no tempo, a exemplo da locação de bens, do plano
de saúde, dos contratos de seguro, cuja prestação se tenha tornado
excessivamente onerosa para uma das partes , diz o referido artigo que os
efeitos da resolução se operarão a partir do momento da citação. Isso
significa dizer que a partir de então a relação obrigacional decorrente
daquele contrato se encontra extinta. Mas como ficara, nesse caso, a
restituição das partes ao status quo?
Diante disso, quando se tratar de contratos de execução periódica ou
duradoura, a regra de que os efeitos da resolução serão ex tunc deverá ser
excepcionada, pois os efeitos da resolução somente poderão operar para o
futuro, mantendo-se íntegras as prestações recíprocas já efetivadas.47
Deve-se ainda, lembrar que a devolução da parcelas adimplidas não é
condição para a incidência da ação de resolução, mas apenas efeito, cabendo a
parte, que não tenha a possibilidade de realizar a devolução do bem devolver o
equivalente, quando no caso, por exemplo, de deterioração ou perda do bem,
independente de culpa.
Além da restituição do bem é de bom tom ressaltar que devem ser devolvidos
também os frutos, caso existam. Os frutos são coisas ou utilidades derivadas de
outras preexistentes, móvel ou imóvel, que quando separa da coisa principal não se
destroem.
Os frutos apresentam três requisitos para sua caracterização, que são:
Periodicidade (são produzidos periodicamente pela coisa principal), a não
diminuição da coisa principal e a possibilidade de se separar o fruto da coisa
principal.
Ruy Rosado Aguiar explanando sobre o tema diz:
Os frutos percebidos devem ser devolvidos, in natura ou pelo equivalente,
por ambos os contratantes, descontados os custos de sua produção ou
obtenção. O comprador que recebeu o imóvel e o locou, ou o usou para sua
moradia, e o vendedor que embolsou parte do preço devem restituir as
prestações recebidas: aquele, a quantia correspondente à locação ou ao
uso; este, os juros e a correção monetária. O cálculo do valor da ocupação
do imóvel não deve ser rigorosamente igual ao do aluguel de acordo com o
47
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p.146
44
mercado, pois não se tratava propriamente de locação, mas de uso do
imóvel como seu por quem recebera o bem em razão do contrato; se fosse
o caso de alugá-lo, talvez o contratante não tivesse locado por aquele
48
preço.
Mas, como se vê no texto acima, Ruy Rosado salienta que no caso do bem a
ser devolvido estar sendo utilizado em beneficio do próprio comprador, como no
caso da casa em que produz o aluguel como fruto, mas ao invés de alugar o
comprador morava nela, o valor cobrado pelo fruto não deve ser o mesmo, pois caso
fosse imposto para o comprador aquele valor de aluguel, talvez ele optasse por algo
melhor, ou até mesmo mais barato.
É essencial salientar que, a resolução do contrato cria o dever de devolver o
bem comprado, se já recebido, em detrimento da devolução de sua contraparte,
criando uma eficácia real, mas apenas inter partes, pois deverão ser respeitados os
direitos do terceiro adquirente, como diz o art. 1.360 do Código Civil, restando
apenas ao alienante o direito de exigir o valor proporcional do bem.
Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o
possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será
considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício
houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para
haver a própria coisa ou o seu valor.49
3.4.2.2 Artigo 479: Da possibilidade de Revisão do Contrato
Existe, ainda, no Capitulo IV do Código Civil, Da Resolução por Onerosidade
Excessiva, a possibilidade de revisar o contrato ao invés de haver a resolução. Essa
possibilidade está inclusa no artigo 479, inserido no referido capitulo, que dá a
possibilidade, a parte ré, de oferecer modificação no contrato que possibilite o
retorno às condições iniciais de equilíbrio entre as partes. Este artigo tem notável
inspiração Italiana, na reductio ad aequitatem, necessitando uma incursão na
doutrina e jurisprudência Italiana a fim de interpretá-la.
48
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. 2.
Ed. Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 261.
49
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 209.
45
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
50
eqüitativamente as condições do contrato.
A jurisprudência Italiana do Supremo Collegio decidiu que a natureza da
oferta da reductio ad aequitatem é processual, dessa maneira ela será vista como
uma variação da relação contratual, baseada na aceitação da parte autora da
Resolução Contratual ou na sentença judicial.
A sentença judicial ocorre na possibilidade de o juiz intervir no contrato
fazendo apenas uma revisão dele. A referida hipótese ocorrerá quando o autor da
ação, não aceitando a proposta feita pelo réu, onde visa restabelecer a eqüidade
entre as partes contratadas.
Nesse caso, o juiz achando melhor a revisão do
negócio jurídico, baseado no direito do réu de propor alteração para que seja
mantido o vinculo contratual, e no principio da manutenção do contrato, poderá,
através da sentença, fazer as alterações cabíveis.
Falando sobre a possibilidade de intervenção do juiz, Laura Coradini Frantz
comenta a doutrina de Enrico Gabrielli:
Enrico Gabrielli51 ponderá que a reconstrução do equilíbrio contratual
operado pelo juiz quando o autor da ação não aceita a oferta não poderá
basear-se somente em critérios objetivos, pois o escopo do pronunciamento
judicial é recriar as proporções originalmente pactuada pelas partes,
existindo um parâmetro subjetivo quando o juiz tenta reajustar a proporção
das prestações. Observa-se que esse parâmetro não é subjetivo em relação
aos valores e interesses do juiz; ao contrário, é subjetivo no que se refere
aos interesses das partes quando concluíram o negócio.
3.4.2.3 Artigo. 480: Redução da prestação nos contratos em que as obrigações
cabem a apenas um das partes
Ainda inseridos neste mesmo capitulo IV do Código Civil temos o artigo
480, que prevê a redução da prestação nos contratos em que as obrigações cabem
a apenas uma das partes.
50
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
51
1999 apud FRANTZ, 2007. p. 151.
46
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,
poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo
52
de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Esse artigo tem inspiração Italiana, assemelhada ao artigo 1.468 do Codice
Italiano, sendo necessário novamente recorrer à doutrina e à jurisprudência Italiana
para entendê-lo melhor.
O presente artigo é direcionado para os contratos unilaterais, que são os
contratos que geram obrigações para apenas uma das partes, sendo um pólo
apenas passivo e o outro apenas ativo. No caso do contrato unilateral uma das
partes é credora, sendo a outra devedora, não existindo contraprestação. Já no
contrato bilateral uma das partes é a credora e a outra devedora, mas há ou houve
uma contraprestação, ou comutatividade entre os dois pólos.
Este instituto surgiu para amparar os contratos unilaterais, já que eles não
poderiam ser amparados pelas regras dos bilaterais, pois vejamos, um dos
requisitos dos artigos anteriormente citados e um desequilíbrio entre as prestações,
mas, ora, como esse desequilíbrio iria ocorrer nos contratos unilaterais, pois, se a
prestação só cabe a uma das partes, a prestação iria ser desproporcional com que,
utilizando que parâmetros.
Agora, para a utilização do artigo 480 basta que o pólo ativo prove que a
prestação está sendo onerada excessivamente para si, para que possa haver uma
revisão do contrato.
Explicando muito bem esse artigo Laura Coradini, expressa que:
Deve-se, então, observar, para a aplicação do instituto, que sacrifício
patrimonial não é sinônimo de obrigação (no sentido de prestação).
Portanto, os contratos de comodato e de mútuo apresentam sacrifícios para
uma das partes, porém obrigações para a outra, e é para esses casos que o
art. 480 do Código Civil é destinado, os contratos unilaterais, que via de
regra serão gratuitos. A exceção mais comum a essa regra é o contrato e
mútuo feneratício, contrato unilateral, porque gera deveres apenas para o
mutuário (devolver o capital e os juros), porém oneroso.
O mútuo, mesmo o feneratício, é regulado pela normativa dos contratos
unilaterais, sendo insuscetível de resolução, mas não de revisão, nos
termos do art. 480 do Código Civil.53
52
ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed. São Paulo:
Rideel, 2009. p. 167.
53
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158.
47
4. RESOLUÇÃO E REVISÃO NOS CONTRATOS ALEATÓRIOS.
Contratos aleatórios são aqueles que têm inserido em si um risco, são
contratos em que a contraprestação ou o lucro esperado pela parte depende de
acontecimento futuro, logo, é um contrato onde vantagens ou perdas de cada
contratante são desconhecidas já que dependem de acontecimento futuro, onde não
se tem certeza em que condições irá acontecer.
Silvio Rodrigues ao tratar do contrato aleatório esclarece:
Aleatórios são os contratos em que o montante da prestação de uma ou de
ambas as partes não pode ser desde logo previsto, por depender de um
risco futuro, capaz de provocar sua variação. Com efeito, o contrato
aleatório é aquele em que as prestações oferecem uma possibilidade de
ganho ou de perda para qualquer das partes, por dependerem de um
evento futuro e incerto que pode alterar o seu montante. O objeto do
negócio está ligado à idéia de risco. Isto existe uma álea no negócio,
podendo daí resultar um lucro ou uma perda para qualquer das partes. 54
Laura Coradine, em sua obra cita Francesco Astone, onde este descreve as
seguintes características do contrato aleatório:
[...] caracterizados essencialmente por um específico elemento de risco, isto
é, a relação entre custos e benefícios derivados do negócio são,
55
necessariamente, incerta no momento de sua estipulação [...]
E justamente por conta dessa característica do contrato aleatório, o
risco, que se dá à grande problemática acerca da possibilidade ou não de incidência
da teoria da imprevisão nesses contratos, pois por ser um contrato de risco a
desproporção entre as prestações é algo aceitável, devendo as partes assumir as
desproporções existentes no contrato.
Como citado anteriormente, esses artigos guardam grande inspiração no
Códice Italiano, que veda expressamente a aplicação dessas cláusulas ao contrato
aleatório, não sendo possível a resolução do contrato aleatório com base nesses
artigos. Já o Código Civil brasileiro não possui nenhuma proibição expressa, o que
pressupõe a possibilidade de utilização do mesmo.
54
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Dos contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade, v.
3, Editora Saraiva: Sào Paulo, 2004. p. 122.
55
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 161.
48
Para nos aprofundarmos no estudo da possibilidade de revisão ou resolução,
com base na onerosidade excessiva nos contratos aleatórios, é necessário entender
o que é álea normal do contrato e álea dos contratos aleatórios.
A álea normal do contrato é caracterizada por serem os riscos e estarem
implícitos no contrato, ou seja, a álea normal do contrato seria os riscos do contrato
que devem ser suportados pelos contratantes.
Como exemplo de álea normal pode ser citada a inflação normal de mercado,
que se tem todos os anos, que por ser álea normal, ou risco normal do contrato, não
autoriza revisão nem resolução contratual.
Laura Coradine explica que:
Álea contratual normal caracteriza-se por ser aquele risco que todo contrato
comporta em relação a sua peculiaridade, risco que cada uma das partes
assume implicitamente no contrato. Com diferentes intensidades a álea
normal existe em todas as operações econômicas, cuja veste é dada pelos
contratos, até mesmo nos comutativos, apresentando via de regra, maiores
problemas nos contratos de longa duração, sempre suscetíveis às
influências do mercado, da política (nacional e internacional), de alterações
tecnológicas etc.56
Em contrapartida, a álea dos contratos aleatórios é diferente, pois os
contratos aleatórios possuem uma álea que ultrapassa a normal, a álea dos
contratos aleatórios e a soma da álea normal, que existem em todos os contratos
obrigacionais, com a incerteza das conseqüências do evento ou fato futuro, trazendo
assim um caráter de incerteza e riscos ao contrato aleatório.
Explicando a álea do contrato aleatório Laura Coradine:
O contrato aleatório possui, então, um elemento de probabilidade que
perpassa toda a relação obrigacional, desde o momento de sua formação
até sua execução, período em que as incertezas próprias do contrato
aleatório são cumuladas com os riscos incidentes em qualquer contrato que
apresente sua execução protraída no tempo. Isso faz com que os contratos
aleatórios apresentem um coeficiente de absoluta incerteza.
A aleatoriedade pode referir-se à própria existência de contraprestação
(emptio spei) e à quantidade ou extensão da contraprestação (emptio rei
sperate), suportando o contratante, na primeira hipótese, um risco até
mesmo da existência da coisa e, na segunda, apenas o de sua quantidade.
Nessas espécies contratuais aleatórias, o risco é bilateral, ou seja,
suportado por ambas as partes, na medida em que arrisca o comprador a
pagar o preço ajustado, embora a quantidade resulte inferior à prevista, e o
vendedor a receber sempre o mesmo preço, embora a quantidade seja
superior à prevista.57
56
57
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 162-163.
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 162.
49
Entretanto, voltando à possibilidade ou não da utilização da revisão e
resolução nos contratos aleatórios, encontramos divergências na doutrina. Alguns
acham que devido ao caráter especulativo dos contratos aleatórios, aqueles que se
arriscam, no intuito de ganhar, devem assumir as conseqüências em caso de perder,
logo, não sendo possível a aplicação da resolução e da revisão nos contratos
aleatórios.
Nesse sentido Otavio Luiz Rodrigues Junior cita Enzo Roppo:
Se o fundamento do instituto do qual nos ocupamos consiste na justa e
racional repartição entre os contraentes dos riscos conexos, com a
retificação de circunstancias futuras, é compreensível que o remédio da
resolução deva operar para os contratos que as partes tenham inteiramente
moldado sobre o risco (art. 1.469º Cód. Civ.): são os contratos aleatórios,
onde a medida das prestações recíprocas, ou até a susceptibilidade de as
obter, são confiadas, pelos contraentes, ao acaso, que cada um espere
evolua em sentido favorável para si. São contratos de especulação sobre o
destino: pertence à sua própria função, à sua própria causa, que com eles
se possam ganhar muito, mas também perde muito, ou tudo (é o caso do
seguro, do jogo, da aposta, da renda vitalícia etc.). Aqui não há o problema
da tutela contra um certo nível de risco, porque as partes anuíram em correr
o máximo de risco.58
Outro doutrinador que se posiciona a favor da retirada dos contratos
aleatórios das possibilidades de revisão/resolução do contrato é Otavio Luiz
Rodrigues Junior:
Neste estudo entende-se que os contratos aleatórios devem ser excluídos
do sistema de revisão judicial, por quanto em sua essência encontra-se a
idéia de risco, de ganhado e perdas que se vinculam aos sucessos ou
insucessos de acontecimentos futuros. Em suma, a aleatoriedade tem um
equilíbrio próprio, absolutamente adstrito a fatores imponderáveis e sobre
os quais se contrata com base em expectativas cuja frustração implicará o
êxito de um e a ruína de outrem.59
Por outro lado, há os que defendem a sua aplicação, explicando que existem
nos contratos aleatórios três áleas, sendo: a) álea normal do contrato, explicada
anteriormente, havendo essa que ser suportada pelas partes, pois são riscos do
contrato; b) a álea anormal, sendo essa os fatos imprevisíveis e extraordinários,
lembrando que essa álea é a que possibilitaria a revisão ou a resolução contratual;
c) além dessas duas já conhecidas para o contrato aleatório existe uma terceira, a
qual Laura Coradini chama de álea “estrutural”, essa álea seria a correspondente
58
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos. 2. Ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 119.
59
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos. 2. Ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 120.
50
aos riscos do contrato aleatório, seria essa álea a correspondente ao fato futuro que
caracteriza o contrato aleatório, podendo gerar lucro ou prejuízo para o contratante.
Falando sobre essa terceira álea, existente apenas nos contratos aleatórios, a
estrutural, Nelson Borger diz que “embora marcada pela imprecisão, esta álea
hegemônica de fatos duvidosos, ao contrário do que se pensa, não tem a faculdade
de suprimir aquela outra que existe naturalmente em qualquer convenção". 60
A álea “estrutural” na verdade seria uma vertente da álea normal, mas como
dito anteriormente, existente apenas nos contratos aleatórios. Logo a álea
“estrutural”, marcada pela imprevisão, deve ser suportada pelos contratantes.
Laura Coradini explica ser possível a revisão ou resolução baseada em fato
imprevisível que torne excessivamente oneroso o contrato aleatório, afirmando que:
Se o problema a ser conferido for de excessiva onerosidade superveniente,
deverá ser analisado qual das áleas foi atingida para que houvesse a
desproporção. Se a álea atingida for a normal do negócio, a parte
prejudicada deverá suportá-la, pois o evento era previsível e esperado pelas
partes. Se a álea atingida for a dita “estrutural” ou essencial do contrato
aleatório, também não se pode falar em onerosidade superveniente, pois,
simplesmente, ter-se-ão perfectibilizado os riscos de perdas para uma das
partes que aceita o contrato aleatório, que, nesse caso, terá sido um mau
negócio para quem o celebrou. A onerosidade superveniente poderá, sim,
ser argüida quando a álea que sobreveio sobre o negócio for a anormal ou
extraordinária. Nesse caso, eventos externos, alheios à vontade a vontade
das partes e por elas não esperados, atingem o contrato, tornando-o
desequilibrado. Seria o caso de um contrato de renda vitalícia ser atingido
por uma desvalorização da moeda, tornando as prestações
desproporcionais. Não se pode dizer que a posterior desvalorização da
moeda, não esperada pelas partes, integra a álea normal ou o risco
estrutural de um contrato aleatório, podendo, nesse caso, o contrato
aleatório ser revisado ou resolvido por onerosidade superveniente.61
Confirmando o pensamento de que é aplicável a resolução e a revisão nos
contratos aleatórios, além de Laura Coradini, temos Nelson Borges e Darcy
Bessone. Nelson Borges diz:
[...] estabelecer uma proibição de caráter genérico e indiscriminado como a
da legislação italiana certamente traria também a vedação de seu uso
quando o fato imprevisível não estivesse ligado ao campo da incerteza
desses pactos – como aqui se demonstra –, o que seria profundamente
injusto.62
Darcy Bessone afirma que:
60
BORGES, Nelson. A teoria da Imprevisão e os Contratos Aleatórios. Revista dos Tribunais, v.
89, n. 782, p. 80-81.
61
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 164.
62
BORGES, Nelson. A teoria da Imprevisão e os Contratos Aleatórios. Revista dos Tribunais, v.
89, n. 782, p. 78.
51
O que se deve ter em mente é que, quando se afirma que os contratos
aleatórios não reservam lugar à cláusula rebus sic stantibus, o que se quer
dizer é que não se pode reconhecer direito àquele que assumiu certo risco
de, exatamente com base nesse risco assumido, invocar as benesses da
revisão do contrato. (...) Mesmo assim, dependendo das circunstâncias,
será possível, por princípios de eqüidade a aplicação da cláusula
revisionista, se as conseqüências do risco assumido ultrapassarem os
lindes do razoavelmente aceitável, conduzindo a relação contratual a
63
desequilíbrio insensato e injusto.
Logo, segundo os textos dos doutrinadores acima citados, assevera que é
possível a revisão/resolução nos contratos aleatórios, sendo possível quando a álea
anormal do contrato for atingida.
Por álea anormal ou extraordinária entende por riscos incomuns, não
previsíveis para as partes, são os riscos que extrapolam a álea normal do contrato.
Apesar de existir algumas divergências na doutrina quanto à aplicação ou não
da revisão/resolução nos contratos aleatórios encontra-se na jurisprudência casos
que deixam claro que, se extrapolada a álea normal do contrato, é possível sim a
aplicação da revisão/resolução nos contratos aleatórios. Assim explica Laura
Coradini.
A onerosidade superveniente poderá, sim, ser argüida quando a álea que
sobreveio sobre o negócio for a anormal ou extraordinária. Nesse caso,
eventos externos, alheios à vontade das partes e por elas não esperados,
atingem o contrato, tornando-o desequilibrado.64
Para demonstrar a possibilidade de aplicação da resolução prevista no art.
478 do Código Civil vigente, aos contratos aleatórios, vamos utilizar os contratos de
compra/venda de soja com entrega futura, que são contratos aleatórios, onde ficará
claramente demonstrada, na prática, a álea normal e anormal dos contratos
aleatórios.
Os contratos de compra/venda com entrega futura são contratos aleatórios,
pois a sua conclusão ocorre através um fato futuro e incerto, na medida em que não
se sabe qual o valor que estará valendo o produto anteriormente adquirido, nem
mesmo a suas condições no mercado. Logo, os contratos de compra/venda com
entrega futura possuem um risco implícito em si, que pode vir a dar lucro ou prejuízo
a qualquer uma das partes, visto que se o produto sobe bruscamente de preço no
mercado, o produtor que já havia acertado um preço com o comprador estará tendo
63
64
BESSONE, Darcy. Do contrato: Teoria Geral. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 224.
FRANTZ, Laura Coradini; Revisão dos Contratos. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 164.
52
um prejuízo, mas se esse produto cai de preço no mercado, o comprador obterá
vantagem já que o seu produto no mercado estará valendo menos do que foi
acertado no contrato anteriormente.
Essa simples variação de preço está inclusa na álea normal do contrato,
sendo dessa maneira um risco implícito ao contrato e, conseqüentemente, quando
se tenta a resolução/revisão pelo simples fato do aumento do preço no mercado o
pedido e indeferido, sendo claro que apenas esse fato não justifica, já que o mesmo
pertence à álea normal contrato.
Pode se constatar esse fato ao observar o Resp. 849228 GO 2006/0106591-4
que teve como relator o Ministro Luiz Felipe de Salomão. Em seu voto, o ministro
deixa claro que a simples variação de preço não justifica resolução/revisão do
contrato.
Essencialmente, o autor pretende a rescisão do contrato de venda de soja
futura ao argumento de que, na vigência dos contratos, por fatores diversos,
houve expressiva valorização do produto vendido, sendo que o preço
cobrado pelo autor por saca de 60 kg de soja, acertado em R$ 25,00,
estaria no patamar de até R$ 35,00, segundo notícias de jornais.
Ocorre que para a aplicação da teoria da imprevisão - a qual, de regra,
possui o condão de extinguir ou reformular o contrato por onerosidade
excessiva - é imprescindível a existência, ainda que implícita, da cláusula
rebus sic stantibus, que permite a inexecução de contrato comutativo - de
trato sucessivo ou de execução diferida - se as bases fáticas sobre as quais
se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de
acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à
prestação subjacente.
Tais características não se verificam na hipótese ora examinada.
2.1. Primeiramente, porque o produto vendido - soja -, cuja entrega foi
diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e
a flutuação, até mesmo diária, do preço é inerente ao negócio jurídico
entabulado.
Com efeito, nesse particular, a variação do preço da saca da soja ocorrida
após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento
extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com
65
fundamento em alteração das bases contratuais.
Assim, como demonstrado no trecho do voto acima, para caracterizar a
onerosidade excessiva o fato deve extrapolar a álea normal do contrato, pois, a
simples variação no valor de mercado é risco inerente ao contrato de trato futuro.
Mas existem jurisprudências onde fica demonstrada que mesmo sendo o
contrato aleatório um contrato de risco, quando o fato imprevisível extrapola a álea
65
Resp. 849228 GO 2006/0106591-4. Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Julgamento em:
03/08/2010, publicado no DJ de 12/08/2010. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15814299/recurso-especial-resp-849228-go-2006-01065914-stj. Acesso em 19 Out. de 2010.
53
normal do contrato de maneira a caracterizar a onerosidade excessiva, é possível a
revisão/resolução do contrato.
Como exemplo de tais jurisprudências vamos citar inicialmente a AGR 11299
MS 2007.011299-7/0001.00 que teve como relator o desembargador Des. Julizar
Barbosa Trindade. O agravo em questão trata de ação Revisional com pedido de
resolução por onerosidade excessiva, em contrato de compra de soja com entrega
futura. Acontece que, por conta da forte estiagem que ocorreu na região, a safra do
vendedor ficou prejudicada, fazendo com que o cumprimento do contrato, nos
termos em que foi assinado, traga um grande prejuízo para a parte.
Logo, a decisão do referido agravo foi favorável ao acolhimento da
onerosidade excessiva, considerando a forte estiagem que ocorreu na região como
sendo fator imprevisível e extraordinário que, aliado à extrema vantagem obtida pela
parte contrária, devido ao baixo valor pelo qual o mesmo estaria adquirindo o
produto e o alto valor do mesmo no mercado, estaria caracterizando a onerosidade
excessiva prevista no art. 478 do Código Civil que autoriza a resolução contratual.
A seguir parte do voto do desembargador Julizar Barbosa Trindade no
referido agravo:
A meu juízo, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios
fundamentos. Eis o seu teor, que ora reafirmo:
Decisão
Consta dos autos que o autor, ora apelado, ajuizou ação de rescisão do
contrato contra a empresa ré, ora apelante, dizendo que, em janeiro de
2004, firmou com a requerida contrato de compra e venda, tendo por objeto
a comercialização de 100.000 (cem mil) sacas de soja, equivalente a
6.000.000 (seis milhões) de quilos, a serem colhidas durante a safra de
2003/2004 e entregues no período compreendido entre 10 de março de
2004 e 30 de abril de 2004, sendo que o preço ajustado da saca foi o de
US$ 10,20; que não recebeu valor algum a título de adiantamento; que, em
razão de uma estiagem prolongada, houve uma queda na safra, colhendo
apenas 40% do inicialmente previsto, e um aumento no valor da saca da
soja, passando a valer US$ 16,50; e que diante desses acontecimentos
extraordinários, tornou-se excessivamente oneroso o cumprimento do
contrato. Assim, pediu a procedência da ação, com a extinção de todas as
obrigações constantes no contrato.
Após o regular processamento do feito, o magistrado proferiu sentença,
julgando procedente o pedido formulado, decretando a resolução do
contrato firmado entre as partes. Tendo em vista que o juiz de primeiro grau
muito bem analisou as provas dos autos e com propriedade aplicou o direito
à espécie, não merece qualquer reparo a sentença. E para não incorrer em
repetição desnecessária, utiliza-se dos fundamentos ali expostos como
razões de decidir [1] :
(...)
54
O Código Civil preceitua acerca da resolução do contrato por onerosidade
excessiva: Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a
prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com
extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da
citação.
Como se vê da expressa redação do art. 478, é pressuposto para a
resolução do contrato que a prestação de uma das partes torne-se
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude
de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
No caso concreto, se mostra adequada a aplicação dessa norma, pois a
quebra na produção de soja na propriedade do autor, localizada no
município de Laguna Caarapã/MS, provocada pela intensa estiagem,
impossibilitou a entrega da totalidade de quilos da soja contratada (5º item
de f. 471).
Veja-se que, conforme o contrato de f. 18/22, o autor/vendedor obrigou-se a
entregar à ré a quantia de 6.000.000 quilos de soja, equivalentes a 100.000
sacas do produto. Entretanto, como se vê dos documentos de f. 24/27,
houve um longo período de estiagem na região de Laguna Caarapã/MS,
iniciado em dezembro de 2003 e prolongado até março de 2004,
comprometendo de forma irreversível a safra agrícola de verão, o que
resultou na colheita pelo autor/vendedor de apenas 3.238.200 quilos de
soja, correspondentes a 53.970 sacas do produto (f. 23 e f. 473).
Ora, se o autor/vendedor não tinha todo o produto a ser entregue no prazo
pactuado para o período de 10/03/2004 a 30/04/2004, a saber, 6.000.000
quilos de soja, só havia uma maneira de cumprir com o avençado: adquirir o
produto de terceiros para repassar à ré, o que, na época, se mostrava
inviável, uma vez que em razão da pouca oferta do produto no mercado, a
cotação deste estava muito acima do valor contratado; e não havia soja
suficiente na região para o cumprimento dos inúmeros contratos assinados
por todos os produtores da região.
Extrai-se do contrato de f. 18/22 que o valor da saca de soja, fixado pelas
partes, era de U$ 10,20. Todavia, do documento de f. 28, infere-se que
houve um aumento considerável no valor do produto, que passou a ser
comercializado ao preço de U$ 16,50 por saca (3º item de f. 471).
Ora, não seria razoável exigir que o autor adquirisse o produto de terceiros
para entregá-lo à ré, arcando com a diferença de preço que pagaria por
esse produto e o valor que receberia da ré.
Se tal hipótese ocorresse seria a custo de uma onerosidade excessiva do
autor, como alhures mencionado, e uma extrema vantagem para a ré que
apenas auferiria os lucros advindos do prejuízo do autor. É oportuno
salientar que o autor nada recebeu da ré a título de pagamento antecipado
pela quantidade de produto não entregue.
Assim, conclui-se que a procedência do pedido inicial é medida que se
impõe, sob pena de se afrontar o princípio da função social do contrato e os
demais princípios balizadores das condutas das partes na busca da
proteção dos interesses envolvidos nas relações contratuais, sobretudo o
princípio da eticidade que tem como pressupostos a boa-fé objetiva, a justa
causa e o equilíbrio das relações jurídicas.
Frise-se que a ré em nenhum momento provou que o autor estaria agindo
de má-fé; e a má-fé não se presume, há de ser provada. Ademais, a
conduta do autor de pleitear a resolução do contrato, no caso em tela, não
se mostra contrária à boa-fé, vez que respaldada na legislação civil vigente,
considerando a ocorrência de fato imprevisível que foi a quebra da safra em
razão de estiagem.66
66
AGR 11299 MS 2007.011299-7/0001.00. Relator: Des. Julizar Barbosa Trindade. Julgamento em:
31/03/2009, publicado no DJ de 07/04/2009. Disponível em:
55
Fica evidente, no voto supracitado, que a forte estiagem que ocorreu no local
foge da álea normal do contrato, caracterizando o fato imprevisível e extraordinário,
que ultrapassa a capacidade de previsão das partes, pois, mesmo que seja
previsível uma variação na quantidade de chuva não seria previsível que ela fosse
tão forte a ponto de afetar a plantação de modo expressivo, já que o agricultor veio a
colher pouco mais de 40% do que era previsto inicialmente.
Além de excessivamente oneroso, o cumprimento desse contrato se torna
impossível, pois o produtor, como demonstrado, só colheu cerca de 40% do
inicialmente previsto, sendo insuficiente para cumprir com as suas obrigações
contratuais. Além disso, não seria de bom tom exigir que o produtor comprasse o
produto para cumprir com o contrato, visto que o mesmo estava com um alto preço
no mercado, e dessa maneira traria ainda mais prejuízo para o produtor.
Outra jurisprudência que, confirma a possibilidade de aplicação da
revisão/resolução nos contrato aleatórios, com base na onerosidade excessiva do
art. 478 do Código Civil, desde que ela ultrapasse a álea normal do contrato é a
Apelação Cível nº 2.0000.00.515102-2/000 MG. A apelação citada trata de recurso
contra a sentença que declarou a resolução do contrato por onerosidade excessiva,
pois, a plantações existentes em Uberaba/MG foram atingidas por uma praga
chamada "ferrugem asiática", o que elevou os custos de produção, além de outros
fatores que contribuirá, para que o preço do produto no mercado tivesse uma grande
alta, que chegou a 100%.
Assim, considerou-se que essa alta, somada ao fato da praga que atingiu as
plantações da região, caracterizaram fato imprevisível e extraordinário que
ultrapassa a álea normal do contrato.
A seguir parte do voto do Desembargador José Flávio De Almeida:
A controvérsia é em torno da ocorrência ou não de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis que tenham causado onerosidade excessiva
ao apelado, determinando desequilíbrio contratual.
O artigo 478, Código Civil/2002, dispõe sobre a resolução contratual por
onerosidade excessiva, cumprindo lembrar que em determinadas situações,
a resolução do contrato nem sempre é recomendável, o que leva à hipótese
alternativa de revisão:
"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5720033/agravo-regimental-em-apelacao-civel-agr-11299ms-2007011299-7-000100-tjms. Acesso dia 19 Out. de 2010.
56
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação".
A referida norma assegura o justo equilíbrio entre as partes, priorizando a
função social dos contratos e traz preceitos já comumente aplicados ainda
na vigência do Código Civil de 1916, como a teoria da imprevisão que
permite a revisão contratual em hipóteses em que fato superveniente à
celebração do contrato traz excessiva onerosidade para uma das partes.
Pela mencionada teoria, o contrato deve prevalecer enquanto as condições
técnicas e econômicas da época da contratação subsistam, podendo
considerar, como causa que modifique ou desestabilize o equilíbrio
contratual: mudanças bruscas na economia, calamidades, guerras.
Sílvio de Salvo Venosa ensina que se aplica a Teoria da Imprevisão:
"quando um elemento surpresa, uma circunstância nova, surja no curso do
contrato, colocando em situação de extrema dificuldade um dos
contratantes, isto é, ocasionando uma excessiva onerosidade em sua
prestação" (in Direito Civil: Teoria Geral da Obrigações e Teoria Geral dos
Contratos, 3. ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 463).
É o que se colhe, também, da lição de Orlando Gomes:
"(...) quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração
no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando
conseqüências imprevisíveis das quais decorre excessiva onerosidade no
cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a
requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato,
restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo
anormalidade da álea que todo contrato dependente do futuro encerra,
pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações." (in Contratos,
3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 43).
In casu, verifica-se o desequilíbrio do contrato firmado entre as partes, a
ensejar a proteção advinda da teoria da imprevisão e do artigo 478, do
Código Civil/2002.
Não tratam os autos de simples critério subjetivo do apelado, que
obviamente seria insuficiente a fundamentar uma resolução contratual, ou
mesmo uma revisão, mas sim, de acontecimento de vulto significativo
representado pela elevação considerável do preço da soja no mercado
internacional, que foi agravado pela incidência de uma praga devastadora
na região de Uberaba/MG, onde se localizam as plantações de soja do
apelado, fato extraordinário e imprevisível que, conforme informa o juiz a
quo em decisão de f. 21/23, foi amplamente divulgado na imprensa, o que
elimina a incerteza quanto a sua ocorrência.
A elevação abrupta do valor da soja atingiu patamares superiores a 100%
(cem por cento) e a incidência da "ferrugem asiática" nas plantações trouxe
prejuízo a grande parte dos produtores rurais da região, o que refletiu
diretamente na prestação do apelado que, com o grave risco de perda de
rendimento e de qualidade da soja plantada, teve maiores despesas em
função do efetivo cumprimento do contrato, aumentando, portanto, o preço
de custo do produto.
Deste modo, não há que se falar em violação do princípio da
obrigatoriedade dos contratos com fundamento em pequenas dificuldades
do produtor ou mesmo a ocorrência comum de variações climáticas ou
outros fatores que interferem no valor da soja. A situação dos autos era
imprevisível e alterou substancialmente as condições nas quais o contrato
foi firmado, de forma a tornar o cumprimento pelo apelado extremamente
oneroso.
Certamente que se houvesse a possibilidade de mera cogitação pelo
apelado da situação enfrentada seria suficiente para dissuadi-lo de prestar a
declaração de vontade expressa no contrato firmado entre as partes.
A esse respeito, preleciona o i. Professor Miguel Maria de Serpa Lopes:
"a imprevisão consiste, assim, no desequilíbrio das prestações sucessivas
ou diferidas, em conseqüência de acontecimentos ulteriores à formação do
contrato, independentemente da vontade das partes, de tal forma
57
extraordinários e anormais que impossível se tornava prevê-los razoável e
antecedentemente. São acontecimentos supervenientes que alteram
profundamente a economia do contrato, por tal forma perturbando o seu
equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que se torna certo que as partes
jamais contratariam se pudessem ter podido antes antever esses fatos. Se,
em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num
enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um
empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor.
Conseqüentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força
obrigatória dos contratos." (in Curso de Direito Civil, Vol. III. 5. 6d. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2001). (grifos nossos).
Cumpre salientar, que a argumentação da apelante de que o contrato de
hedge controla as oscilações do mercado evitando prejuízos para as partes,
por si só, não elide a pretensão do apelado.
Ë que, apesar deste tipo de contrato realmente exercer importante papel no
funcionamento de vendas antecipadas, seus efeitos devem ser analisados
caso a caso, considerando-se as peculiaridades envolvidas em cada
situação.
Na hipótese dos autos o hedge não afastou os riscos e prejuízos
enfrentados pelo apelado.
A garantia oferecida pelo contrato é de que os produtores rurais receberão a
sua parte na avença, mesmo na hipótese do preço cair significativamente,
anulando, assim, os efeitos de uma variação cambial.
Todavia, observe-se que a situação dos autos é outra. Restou clara que a
onerosidade excessiva arcada pelo apelado foi decorrente do aumento no
valor de mercado da soja e da elevação nos custos de produção. Desta
forma, não há dúvida de que as conseqüências sofridas pelo recorrido não
foram amenizadas pelo contrato de hedge.
Portanto, configurado no caso o desequilíbrio contratual ocasionado por
acontecimentos imprevisíveis, faz-se necessária a revisão do contrato.
DIANTE DO EXPOSTO, nego provimento ao recurso para manter
integralmente a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos
fundamentos.67
Nota-se, observando as duas jurisprudências acima, que é totalmente
possível a revisão/resolução nos contratos aleatórios. O que acontece realmente
com jurisprudência brasileira é um excesso de rigor na aplicação dos artigos do
Código Civil que trata da revisão/resolução por fato superveniente que a torne
excessivamente onerosa, como ficará demonstrado a seguir através de outras
jurisprudências, as quais, apesar de o caso seguir a mesma linha dos casos supra
citados, tiveram seu pedidos de revisão/resolução negados.
É importante, também, salientar que, apesar de negados os pedidos de
revisão/resolução das jurisprudências demonstradas a seguir, nos votos fica claro
que existe a possibilidade dessas revisões/resoluções ocorrerem nos contratos
aleatórios, mas os argumentos usados são considerados insuficientes para a sua
argüição.
67
Apelação Cível nº 2.0000.00.515102-2/000 MG. Relator: Desembargador José Flávio De Almeida.
Julgamento em: 18/10/2005, publicado no DJ em 26/10/2005. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5857512/200000051510220001-mg-2000000515102-2000-1-tjmg/inteiro-teor. Acesso dia 19 Out. de 2010.
58
A jurisprudência a seguir trata de venda de soja com entrega futura, que por
ocorrência da praga denominada “ferrugem asiática” houve uma excessiva
onerosidade do vendedor no cumprimento do contrato. Acontece que, fica evidente
na jurisprudência que irá ser exposta, que é possível a utilização do art. 478 do
Código Civil nos contratos aleatórios, afirmando apenas que a incidência da praga
“ferrugem asiática” não é suficiente para caracterizar a resolução, sendo risco
inerente ao contrato, indo assim, contra as decisões citadas acima.
A seguir parte do voto da ministra Nancy Andrighi no RECURSO ESPECIAL STJ: REsp 977007 GO:
Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de
safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como
'ferrugem asiática'. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de
se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a
cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos
contratos. Impossibilidade.
- A soja é uma 'commodity', ou seja, um bem básico com qualidades
uniformes. É natural que tal produto seja comercializado a prazo diferido,
pois no ato da contratação, o agricultor é motivado pela expectativa de alta
produtividade do setor, o que, em tese, conduz à queda dos preços; e, em
contrapartida, ele sabe da possibilidade de alta na cotação do dólar,
circunstância que é absolutamente previsível neste ramo e leva à alta do
valor da saca. Em suma, trata-se de um contrato cuja finalidade econômica
é minimizar o risco de prejuízo das partes, tendo como contrapeso um
estreitamento das margens de lucro.
- Apesar de tais expectativas de natureza subjetiva, em essência tal
contrato é comutativo, nos termos dos precedentes do STJ. A negociação é
influenciada pelas leituras que as partes fazem acerca dos riscos futuros,
mas as prestações são certas. Assim, o fundamento para a constatação,
ainda que em tese, da ocorrência de onerosidade excessiva deve estar
fundado na alteração inaceitável da comutatividade e não na quebra das
expectativas pré-contratuais meramente subjetivas. As prestações são
sempre definidas pelo exercício da autonomia de vontade das partes, de
modo que a álea a considerar é aquela baseada nos limites aceitáveis do
equilíbrio contratual e não nas valorações de interesses precedentes à
contratação.
- Não obstante a literalidade do art. 478, do CC/02 - que indica apenas a
possibilidade de rescisão contratual - é possível reconhecer onerosidade
excessiva também para revisar a avença, como determina o CDC, desde
que respeitados, obviamente, os requisitos específicos estipulados na Lei
civil. Há que se dar valor ao princípio da conservação dos negócios jurídicos
que foi expressamente adotado em diversos outros dispositivos do CC/02,
como no parágrafo único do art. 157 e no art. 170.
- Na presente hipótese, porém, mesmo admitida a revisão, o pedido
formulado não guarda qualquer relação com a ocorrência de onerosidade
excessiva. O recorrente não pretende retomar o equilíbrio das prestações,
mas transformar o contrato de compra e venda futura em um contrato à
59
vista e com isso suprir eventuais discrepâncias entre suas expectativas
subjetivas e o resultado apresentado em termos de lucratividade.
- Ademais, nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de 'ferrugem
asiática' não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art.
478 do CC/02. Recurso especial ao qual se nega provimento. 68
Como dito anteriormente, um excesso de rigor nas exigências do
cumprimento do fato imprevisível e extraordinário no caso dos contratos aleatórios.
Sabe-se que nesses contratos, como explicado no inicio deste capitulo, é
necessário que estes fatos, para gerarem a possibilidade de revisão/resolução,
extrapolem a álea normal do contrato. Acontece que esse excesso de rigor acaba
por impossibilitar o cumprimento de tal requisito.
Vejamos que, um fato apesar de previsível, às vezes é impossível prever as
sua conseqüências, ou melhor dizendo, a sua magnitude. É evidente que,
principalmente em um contrato de risco como os aleatórios, é previsível uma
possível perda, que pode ser proveniente de estiagem, pragas, entres outros
eventos, mas é claro que uma estiagem que venha a fazer com que o produtor perca
60% de sua plantação como o mostrado no caso da segunda jurisprudência e
imprevisível, ultrapassando a álea normal do contrato; primeiramente porque não é
possível prever com mais de um ano de antecedência, como no caso demonstrado,
de que maneira se darão as chuvas; em segundo por que nenhum produtor faria o
plantio em sua terra sabendo que iria perde 60% de sua produtividade.
Trecho do voto Relator Ministro Fernando Gonçalves no julgamento do STJ
sobre o REsp 762145.
Contudo, quanto ao tema onerosidade excessiva e desequilíbrio
contratual, nos termos do art. 478 do Código Civil, o entendimento adotado
pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás diverge do posicionamento de
ambas as Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte, no sentido
de que o contrato de safra de grãos é de risco e que a oscilação do preço
das mercadorias - por enchentes, estiagem, pragas, falta do produto no
mercado ou excesso de oferta - não pode ser considerada fato imprevisível
69
ou extraordinário.
68
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 977007 GO 2007/0189135-0. Relator: Ministra Nancy Andrighi.
Julgamento em: 24/11/2009, publicado no DJ em 02/12/2009. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8636187/recurso-especial-resp-977007-go-20070189135-0-stj. Acesso dia 19 Out. de 2010.
69
STJ - REsp 762145. Relator: Relator Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em: 19/11/2009,
publicado no Dje em 20/11/2009. Disponivel em:
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6694416/peticao-de-recurso-especial-resp-762145stj. Acesso dia 19 Out. de 2010.
60
Nesse outro julgado do STJ, o que se vê no voto é uma generalização, o que
não pode ocorrer, pois como cada caso é um caso, cada um possui um grau de
prejuízo diferente, um nível de interferência, sendo assim necessário observar as
peculiaridades de ação.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste trabalho, e de muito estudo, chegou-se a conclusão que ainda
há muitos aspectos a serem tratados sobre as causas supervenientes a formação do
contrato que possam ensejar a revisão/resolução contratual, levando em
consideração que o tema ainda é pouco abordado e tratado pela doutrina.
Por certo este fato ocorre, justamente, pela pouca visibilidade deste instituto e
por ser pouco utilizado, apesar de ser uma solução adequada e pertinente para os
contratos que padeçam de desequilibrados causados por fatos supervenientes a sua
formação.
Quanto à problemática principal do trabalho, à aplicação da revisão/resolução
aos contratos aleatórios, acreditamos que, por ora, ela está resolvida, em virtude da
jurisprudência estar aceitando a aplicação destes institutos aos contratos aleatórios,
sendo discutidos nos tribunais apenas se caberia ou não sua aplicação a cada caso
específico. Os contratos aleatórios são contratos de risco que é implícito em si, e
ultrapassa a álea normal, mas que mesmo sendo contratos de risco estes possuem
um limite subentendido em si, de maneira que quando estes riscos atingirem a
chamada
álea
anormal
do
contrato
possibilitaria,
sim,
a
utilização
da
revisão/resolução.
De acordo com o exposto no decorrer do trabalho, a principal dificuldade
encontrada hoje para a utilização da revisão/resolução dos contratos com base no
Código Civil decorre do excesso de rigor exigido para a sua utilização. Esse excesso
de rigor, que pode ser observado em algumas jurisprudências mostradas no 4º
capítulo, é conseqüência do caráter de extrema exceção que se impõe a
revisão/resolução, mas que deve ser ponderada, pois poderá acarretar a
9inviabilização a utilização destes institutos, que apesar de pouco utilizados têm
grande importância no ordenamento jurídico brasileiro.
Até mesmo o fato da pouca visibilidade dada a revisão/resolução dos
contratos com base no Código Civil talvez seja derivada desse excesso de rigor com
o qual a cláusula e tratada, devendo desta maneira haver uma discussão em torno
desta problemática, para que a revisão/resolução do contrato não acabe caindo em
desuso.
62
REFERÊNCIAS
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Paulo: Atlas, 2006.
2 MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro.
São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1999.
3 FARAH, José Henrique. Intervenção estatal e onerosidade excessiva. 2006.
124 f. Disertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
metodista de Piracicaba – UNIMEP, 2006.
4 ANGHE, Anne Joyce (Org.), Vade Mecum Universitário de Direito Rideel. 7.ed.
São Paulo: Rideel, 2009.
5 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
6 CORDEIRO, Eros Berlin de Moura. Da revisão dos contratos. Rio de Janeiro:
Forense, 2009.
7 FRANTZ, Laura Coradini. Revisão dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2007.
8 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosato. Extinção dos Contratos por Incumprimento do
Devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 2003.
9 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Dos contratos e das Declarações Unilaterais
de Vontade, v. 3, Editora Saraiva: São Paulo, 2004.
10 BORGES, Nelson. A teoria da Imprevisão e os Contratos Aleatórios. Revista
dos Tribunais, v. 89, n. 782.
63
11 BESSONE, Darcy. Do contrato: Teoria Geral. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 224.
12 Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br. Acesso em: 19 Out. de 2010.
13 Disponível em: http://www.enfasepraetorium.com.br. Acesso em: 15 de Out. de
2010.
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Arthur Bruno Vieira Carvalho - Universidade Católica de Brasília