Fauna Neotropical - Viçosa, Vol. 1 Nº 1| 01-04 | Jun 2014
Acesso: www.ipefan.com.br/publicacoes
Arraias de Água Doce: Potamotrygon (Myliobatiformes:
Potamotrygonidade)
Wagner Martins Santana Sampaio¹ ²
[email protected]
¹ Universidade Federal de Viçosa – Departamento de Biologia Geral
² Instituto de Pesquisa em Fauna Neotropical
Os peixes da ordem Rajiformes
espécies sendo grande maioria marinha.
apresentam em geral o corpo fortemente
Um pequeno grupo de Rajiformes de água
achatado,
As
doce sul Americano são representados pela
nadadeiras peitorais são expandidas ao
subordem Myliobatiformes, nas quais se
redor de todo o corpo unindo à da abertura
encontram as famosas arraias de água doce
das brânquias. Apresentam esqueletos
todas
cartilaginosos, ainda é característica a
Potamotrygonidae (Santos et al., 2004). A
ausência da nadadeira anal e nadadeira
família
caudal longa e normalmente com espinhos.
estritamente em águas continentais da
A boca e a abertura branquial são
América do Sul, na maioria dos sistemas
localizadas na porção ventral (Fig. 01),
de rios, com exceção daqueles que drenam
enquanto os olhos e espiráculos na porção
para o Pacífico; na bacia do rio São
superior da cabeça (Santos et al., 2004)
Francisco; nos rios costeiros que drenam a
(Fig.
partir da Mata Atlântica; na bacia do
em
02).
forma
de
Fecundação
disco.
normalmente
vivípara (Araújo et al., 2005).
Paraná
pertencentes
à
família
Potamotrygonidae
superior
ocorre
(colonizado
após
represamento das Sete Quedas) e rios ao
sul do rio da Prata, Argentina (Rosa,
1985). Os Potamotrygonideos apresentam
cerca de 20 espécies distribuídas em três
gêneros
(Paratrygon,
Potamotrigon)
diversidade
e
na
Plesiotrygon
atingem
região
e
maior
Amazônica
(Carvalho et al., 2003). Vivem comumente
no fundo arenoso ou lamacento muitas
Figura 1: Espécie de Potamotrygonidae
A ordem apresenta 4 subordens, 14 família, 62 gêneros e 456
vezes parcialmente encobertas, embora
raro podem ser vistas na superfície na
época reprodutiva, são preferencialmente
1
Fauna Neotropical - Viçosa, Vol. 1 Nº 1| 01-04 | Jun 2014
Acesso: www.ipefan.com.br/publicacoes
carnívoras (peixes e crustáceos). As raias
ancestral marinho. Os Potamotrigonideos
têm uma grande participação na pesca
são
comercial, principalmente a baixo de
antrópicos primeiro por limitações da sua
Tucurui, na região sob influência das
biologia
marés, onde alcançam cerca de 2,5% da
maturação sexual tardia e fecundidade
produção
gênero
baixa e as restrições naturais do ambiente
Potamotrygon é representado por 16
de água doce. As principais ameaças a
espécies. No entanto algumas espécies com
conservação deste grupo são: a pesca de
ampla distribuição geográfica podem ser
subsistência,
subdivididas
espécies
finalidade ornamental, pesca esportiva e
(Potamotrygon motoro e P. orbignyi). O
pesca de “caça” ou negativa com objetivo
trabalho de taxonomia da família é ainda
de eliminação e mutilação por conta do
bastante incompleto, com ao menos cinco
ferrão; A destruição de habitats por
novas espécies descobertas aguardando
dragagem para garimpos) (Araújo et al.,
descrição formal (Carvalho et al., 2003).
2004)
pesqueira.
em
O
novas
mais
suscetíveis
como
a
o
aos
lento
pesca
impactos
crescimento,
artesanal
com
Esse trabalho é dificultado, pois muitas
espécies
da
família
são
pobremente
descritas; além da grande variação intraespecíficas de morfométricos e no padrão
de coloração. Existem aproximadamente
1000 espécies de Condrycties descritos,
somente 29 são adaptadas exclusivamente
Figura 2: Potamotrygonidae capturada por
à água doce e 20 fazem parte de uma única
pescadores amadores no rio Araguaia.
família (Carvalho et al., 2003). A família
Potamotrygonidae
é
um
táxon
extremamente específico dentro dos peixes
cartilaginosos onde todas suas espécies são
adaptadas exclusivamente à água doce,
possuem especializações morfofisiológicas
que os permitiram sobreviver na água doce
(ambiente mais instável que a água
marinha), tais como modificação na amola
de
Lorenzini
e
um
conjunto
de
características biológicas herdadas de seu
As
arraias
de
água
doce
possuem um ferrão venenoso e ferroam
quando pisadas no dorso. Representam
cerca de 9% dos acidentes com animais
aquáticos de água doce. A ferida causada
pela arraia é muito dolorosa e por isso é
muito temidas pelos ribeirinhos, o fato é
que o medo da comunidade ribeirinha e de
pescadores amadores criou uma prática
2
Fauna Neotropical - Viçosa, Vol. 1 Nº 1| 01-04 | Jun 2014
Acesso: www.ipefan.com.br/publicacoes
pouco louvável que é a morte ou
de pessoas a esses animais (Garrone-Neto
decapitação da cauda desses animais
& Hadadd-Jr, 2010). O acompanhamento
(Charvet-Almeida et al., 2002).
da dispersão desses animais está ocorrendo
A construção de barragens na
de maneira semelhante à introdução de
Bacia do rio Paraná permitiu o acesso de
abelha africana no Brasil nos anos de 1950,
arraias pela bacia, através dos recursos
por meio dos registros de acidentes. Os
criados para o deslocamento de outras
ribeirinhos e os índios amazônicos tratam
espécies para colonizar a região do Alto
pessoas ferroadas por arraias e alguns
Paraná, ou seja, aparentemente esses
bagres com o calor de resinas extraídas da
animais estão se beneficiando dos fins de
floresta, com barro quente entre outras
algumas barreiras naturais e dos novos
substâncias. Aparentemente o calor inibe a
caminhos abertos pela Hidrovia Tietê-
dor da ferroada e age como algum
Paraná para se dispersarem. Pesquisadores
potencial antiinflamatório. É sabido que
sugerem a realização de monitoramentos
alguns índios utilizam-se do ferrão de
das arraias para acompanhar seus padrões
arraia para prática da flebotomia (sangria
de movimentação e rotas de dispersão na
como uso medicinal), nos dias de hoje
bacia (Garrone-Neto & Sazima, 2009).
alguns povos tradicionais da Amazônia
Nessa
ainda utilizam de alguma forma o ferrão
região
houve
aumentado
significativo das populações de arraias
desses
animais
para
tratamento
de
trouxe conseqüentemente a elevação do
reumatismo. Os ferrões são guardados em
número de acidentes pela maior exposição
uma espécie de “coquetel” com álcool logo
após a sua retirada do corpo do animal.
Referências Bibliográficas
ARAÚJO MLG, ALMEIDA M, CHARVET-ALMEIDA P, PEREIRA H. 2004. Freshwater
Stingrays (Potamotygonidae): status, conservation and management challenges. Information
document AC 20, 08, p. 16.
ARAÚJO MLG, ALMEIDA M, CHARVET-ALMEIDA P. 2005. Reproductive Aspects of
Freshwater Stingras (Chondrichthyes: Potamotrygonidae) in the Brazilian Amazon Basin.
Journal of Northwest Atlantic Fishery Science, Nova Escócia, 35: 165-171.
3
Fauna Neotropical - Viçosa, Vol. 1 Nº 1| 01-03 | Jun 2014
Acesso: www.ipefan.com.br/home/publicacoes
CARVALHO MR, LOVEJOY NR, ROSA RS. 2003. Family Potamotrygonidae (river
stingrays). In: REIS RE KULLANDER SO, FERRARIS JR. CJ. (orgs.).Check List of the
Freshwater Fishes of South and Central America. Porto Alegre, Edipucrs, p. 22 - 28.
CHARVET-ALMEIDA P, ARAÚJO MLG, ROSA RS, RINCÓN G. 2002. Neotropical
freshwater stingrays: diversity and conservation status. Shark News, 14: 1-2.
GARRONE NETO D, HADDAD-JR V. 2010.Arraias em rios da região Sudeste do Brasil:
locais de ocorrência e impactos sobre a população. Revista da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical, 43: 82-88.
GARRONE NETO D, SAZIMA I. 2009. Stirring, charging, and picking: hunting tactics of
potamotrygonid rays in the upper Paraná River. Neotropical Ichthyology, 7: 113-116.
ROSA RS. 1985. A systematic revision of the South American freshwater stingrays
(Chondrichthyes: Potamotrygonidae). Unpublished Ph.D. Dissertation, The College of
William and Mary, Williamsburg,Virginia, 523p.
SANTOS GM, JURAS AA, MERONA B, JEGU M. 2004. Peixes do baixo rio Tocantins.
20 anos depois da Usina Hidrelétrica Tucuruí. Brasília: Eletronorte. 215 p
Download

Arraias de Água Doce: Potamotrygon (Myliobatiformes