Saúde colectiva
Condições higio-sanitárias
das cantinas escolares do distrito de Vila Real
MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS
JOSÉ MANUEL ROCHA NOGUEIRA
OLGA MAYAN
Com o presente estudo pretendeu-se contribuir para o
conhecimento das condições de preparação das refeições em
cantinas escolares do distrito de Vila Real, através da avaliação das condições estruturais e higio-sanitárias das instalações. Desenvolveu-se um estudo descritivo, transversal
em 32 cantinas escolares do 2.o e 3.o Ciclo do Ensino Básico
e Secundário. Como instrumentos de colheita de dados
utilizou-se uma lista de verificação das condições higio-sanitárias dos estabelecimentos, disponibilizada pelo Centro Regional de Saúde Pública do Norte, já utilizada em
cantinas escolares do norte do País.
As variáveis foram descritas através de medidas de tendência central e dispersão e comparadas por análise de variân-
Maria José de Oliveira Santos é assistente do 2.o triénio da Escola
Superior de Enfermagem de Vila Real, licenciada em Enfermagem
e Medicina Veterinária e mestre em Saúde Pública pela Universidade do Porto.
José Manuel Rocha Nogueira é médico especialista em Saúde
Pública, coordenador do Serviço de Saúde Ambiental do Centro
Regional de Saúde Pública do Norte e um dos responsáveis pela
Coordenação do Mestrado em Saúde Ambiental da Escola Superior de Biotecnologia do Porto.
Olga Mayan é professora convidada do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, docente do Mestrado em Saúde Pública
da Universidade do Porto e coordenadora assessora do Centro de
Saúde Ambiental e Ocupacional do Instituto Nacional de Saúde
Dr. Ricardo Jorge do Porto.
Submetido à apreciação: 4 de Abril de 2007.
Aceite para publicação: 30 de Maio de 2007.
VOL. 25, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2007
cia (One-way ANOVA) ou equivalentes não paramétricos
(teste de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Wallis).
Foi possível evidenciar que as cantinas apresentavam, na
generalidade, condições estruturais higio-sanitárias satisfatórias. Das não conformidades estruturais, destacam-se a
falta de lavatórios de uso exclusivo devidamente equipados
para higienização das mãos na zona de laboração (94%), não
separação estrutural entre zonas de preparação de alimentos
com diferentes níveis de risco (91%), estado de degradação
das paredes (28%) e pavimentos (28%), inexistência de sistemas de visualização (47%) e registo diário de temperaturas
(91%) do equipamento de frio. Das não conformidades funcionais destacam-se o acondicionamento incorrecto dos produtos congelados (50%) e refrigerados (66%), inexistência
de planos de controlo de pragas (69%) e inexistência de planos de limpeza e desinfecção das instalações (97%). O presente estudo evidenciou ainda importância de fazer manutenção e restauros periódicos das instalações para garantir
condições higio-sanitárias convenientes, como se demonstra
pela diferença significativa (p = 0,005) observada entre a
média de conformidades das instalações recentes ou recentemente restauradas e as demais.
Palavras-chave: saúde escolar; condições higio-sanitárias;
cantinas escolares
1. Introdução
As cantinas escolares devem fornecer refeições equilibradas mas também seguras, garantindo a
inocuidade, salubridade e boa conservação dos produtos alimentares desde a recepção das matérias-pri-
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Saúde colectiva
mas até à sua distribuição. A higiene e salubridade
dos estabelecimentos onde se fabricam, preparam ou
servem alimentos são determinadas pelas infra-estruturas, pelo desenho das suas instalações e equipamento, assim como pelas boas práticas sanitárias e
procedimentos técnicos (Lewis, 1980).
As falhas estruturais e o desconhecimento ou negligência das boas práticas de higiene alimentar podem
levar à contaminação das refeições e, consequentemente, à ocorrência de toxinfecções alimentares
(TIAs) (Griffith et al., 1998).
Nos Estados Unidos da América, durante o ano de
2002, ocorreram 24 971 casos de doença de origem
alimentar, dos quais, 10% ocorreram em cantinas
escolares (Lynch et al., 2006). Os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) relativos ao período
de 1999-2000 para 16 países europeus apontam para
481 surtos associados a cantinas escolares, responsáveis por cerca de 6000 casos de TIAs (Schmidt e
Gervelmeyer, 2004). Em Portugal, houve um
aumento genérico no número de TIAs registado entre
1993 e 2000. Dos casos notificados em 1999, as
escolas e jardins-de-infância destacaram-se como
local de aquisição da doença com 31% dos surtos,
demonstrando a importância deste tipo de estabelecimentos na transmissão de TIAs (Schmidt e Tirado,
2003; Schmidt e Gervelmeyer, 2004).
A prevenção da ocorrência de TIAs passa fundamentalmente pela implementação de sistemas preventivos, como o de análise de perigos e de pontos críticos
de controlo (HACCP), de modo a garantir a segurança ao longo da cadeia alimentar.
Dentro da lógica estabelecida por esta abordagem de
garantia de segurança sanitária dos alimentos, há toda
uma preocupação que incide sobre o processo de
preparação de determinado alimento, que é estruturante da própria metodologia HACCP, e uma outra
preocupação — não menos importante — com questões que são transversais, designadas por pré-requisitos do sistema HACCP. Estes requisitos encontram-se concretizados, quer nos «princípios gerais de
higiene alimentar» recomendados pelo Codex
Alimentarius, quer nos «códigos de boas práticas»
elaborados para o sector da restauração colectiva, e
são um conjunto de premissas básicas constantes dos
regulamentos que se exige serem cumpridas para que
o sistema funcione (Codex Alimentarius Commission,
1997; Silva, 2002).
Com o presente trabalho pretende-se contribuir para
o conhecimento das condições estruturais e funcionais dos estabelecimentos onde são preparadas as
refeições escolares do distrito de Vila Real, através
da avaliação das condições higio-sanitárias das instalações, equipamentos e procedimentos de manipulação das cantinas escolares.
52
2. Metodologia
Foi realizado um estudo descritivo, transversal em
32 cantinas escolares do 2.o e 3.o Ciclo do Ensino
Básico e Secundário. A recolha dos dados foi realizada entre Setembro de 2004 e Fevereiro de 2005,
pela aplicação de uma lista de verificação das condições higio-sanitárias, elaborada pelo Centro Regional
de Saúde Pública do Norte. A lista de verificação das
condições higio-sanitárias foi aplicada por uma única
investigadora, numa visita não programada à cantina
durante o período de laboração, o que permitiu que o
registo dos dados se processasse sempre com os
mesmos critérios.
A lista de verificação foi composta basicamente por
itens com dois tipos de avaliação possível: presença/
ausência de determinada característica, ou avaliação
numa escala tipo Likert com 3 categorias: «Bom»,
«Regular», «Mau». Este instrumento permitiu a
recolha de informação sobre aspectos considerados
pré-requisitos do sistema HACCP, nomeadamente:
infra-estruturas básicas; resíduos sólidos; recepção e
armazenagem; manutenção de equipamentos; controlo de pragas; análises de controlo higio-sanitário e
plano de higienização e condições gerais das instalações. A informação recolhida foi relativa a diferentes
zonas das instalações: recepção, armazenagem e rede
de frio; preparação; confecção e distribuição; instalações gerais. Na lista de verificação foram considerados aspectos de carácter estrutural (arquitectura e
desenho sanitário, adequação de materiais), e outros
aspectos de carácter tendencialmente funcional
(decorrentes de opções e práticas quotidianas de
quem trabalha no estabelecimento, como procedimentos de limpeza ou a organização da preparação
não simultânea de alimentos em zonas mistas). Na
construção das variáveis os diferentes itens foram
considerados em cada uma das dimensões — estrutural ou de funcionamento.
2.1. Variáveis em estudo
Percentagens de conformidade — Os resultados da
aplicação da lista de verificação foram transformados
em percentagem de conformidades. Consideraram-se
como conformes a presença de características estruturais, de funcionamento e de gestão incluídas na lista
de verificação. Nos itens avaliados através de uma
escala, considerou-se a classificação de Bom e Regular como conforme. Nas questões que permitiam
outro tipo de resposta, a conformidade foi estabelecida por comparação a indicativos legais (tais como
as temperaturas dos equipamentos de frio), ou por
análise específica da situação em relação ao potencial
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Saúde colectiva
perigo que podem representar (aplicado principalmente nos itens relacionados com as zonas de preparação de alimentos, equacionando-se o potencial
risco de contaminação cruzada). Calcularam-se percentagens de conformidade, usando a razão entre o
número de conformidades observadas e o total que o
grupo de itens permitia. Com esta abordagem obtiveram-se sete variáveis dependentes:
— Quatro relativas a cada uma das zonas das instalações: (1) Recepção e armazenamento, (2) Preparação, (3) Confecção e distribuição, (4) Instalações gerais;
— Três relativas a: (5) Aspectos estruturais, (6)
Aspectos de Funcionamento e (7) Total dos itens
avaliados.
Como variáveis independentes foram consideradas a
idade das instalações (definidas como recentes aquelas com 10 anos ou menos em relação à data de
construção ou do último restauro) e o volume de trabalho (estimado através do cociente entre o número
médio de refeições e o número de manipuladores;
foram consideradas 3 categorias: menos que 55, entre
55 e 64 e superior a 64 refeições por manipulador).
3. Análise estatística
A informação recolhida, após codificação e informatização, foi analisada no programa SPSS (versão
13.0). As variáveis foram descritas através de medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio-padrão) e comparadas por análise de variância (Oneway ANOVA) ou equivalentes não paramétricos
(Teste de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis). Todos
os testes com valor de prova inferior a 0,05, foram
considerados como indicando significância estatística.
4. Resultados
Os resultados obtidos pela aplicação da lista de verificação encontram-se sistematizados no Quadro I.
Pode observar-se que a percentagem de conformidades média é superior a 50% em todas as zonas das
instalações, embora existam diferenças assinaláveis
entre o máximo observado na zona de recepção e
armazenamento e o mínimo detectado num estabelecimento com apenas 25%de conformidades na zona
de preparação. Na zona de confecção e distribuição,
a melhor cantina avaliada apresentava somente 76%
dos itens em conformidade.
Também a avaliação das condições gerais (que
incidiu sobre as condições dos pavimentos, paredes,
tectos, ventilação, controlo de pragas, entre outros),
na melhor situação observada, ficou aquém dos 75%
de conformidades. Dos itens que foram mais frequentemente avaliados como não conformes, destacam-se a ausência de um horário próprio para recepção de géneros alimentares, assim como a ausência
de uma prática de registo dos produtos rejeitados, em
todos os estabelecimentos estudados.
Ao nível do armazenamento nas arcas congeladoras e
frigoríficos observou-se que somente 59% das cantinas tinham os géneros alimentícios devidamente
separados por famílias e, em 53% dos casos, termómetros funcionais e bem visíveis, enquanto que o
registo diário das temperaturas do equipamento de
frio só era feito em 3 cantinas (9%). Daqueles em
que era possível observar a temperatura de conserva-
Quadro I
Percentagem de conformidades observada em cada zona das instalações e nos aspectos estruturais e de funcionamento
Variável
Média
Desvio-padrão
Máximo
Mínimo
Zona das instalações
Recepção e armazenagem
Preparação
Confecção e distribuição
Instalações gerais
Só aspectos estruturais
Só aspectos de funcionamento
Total de itens avaliados
73,8
60,2
63,9
56,8
62,5
64,4
62,8
17,0
13,3
8,2
10,3
12,1
10,1
10,1
100,0
90,0
76,0
73,2
81,8
81,0
78,4
36,4
25,0
48,0
37,5
36,4
41,4
41,8
VOL. 25, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2007
53
Saúde colectiva
ção, a maioria (84%) conservava em refrigeração a
temperaturas não superiores a 5°C. Ao nível da congelação, só metade dos estabelecimentos tinha os
congeladores a temperaturas não superiores a –12°C.
O acondicionamento correcto dos alimentos dentro
do equipamento de frio foi também um aspecto problemático, sendo considerado correcto somente em
34% das arcas congeladoras e 50% dos frigoríficos.
Ao nível da zona de preparação de alimentos, observou-se genericamente alguma ambiguidade na separação de zonas. Por vezes, a dimensão da cozinha
não permitia a existência de zonas de preparação
diferenciadas, não sendo evidente que, quando as
zonas eram mistas, fossem feitas as melhores opções
em termos de sequência de alimentos por nível de
risco, ou procedimento de higienização intermédios.
Nesta zona observou-se que somente em 28% dos
casos os utensílios eram adequados, sendo frequente
a utilização de utensílios de (ou com) madeira.
A prática incorrecta de descongelar os alimentos à
temperatura ambiente foi observada em 59% das cantinas. Os equipamentos e superfícies da zona de confecção e distribuição encontravam-se em conformidade na maior parte dos estabelecimentos. Os
talheres e o pão estavam embalados só em 31% e
34% das cantinas, respectivamente.
A recolha de amostras de superfícies para controlo
microbiológico era excepcionalmente realizada numa
escola. Nenhum dos estabelecimentos estudados
recolhia preventivamente alimentos para análise
microbiológica.
Estruturalmente, a maioria das instalações não apresentava cantos redondos entre as paredes e o pavimento (59%), nem esquinas protegidas com perfil em
material adequado (84%). Alguns edifícios evidenci-
avam problemas graves de ventilação, considerada
como adequada em apenas 44% das cantinas. Apenas
duas cozinhas estavam equipadas com lavatório de
uso exclusivo para lavagem das mãos, mas sem torneiras de comando não manual. A presença de redes
mosquiteiras foi observada somente em 13% dos
estabelecimentos, encontrando-se nestes casos em
bom estado de conservação e limpeza. Os insectocutores existiam em 53% das cantinas, ainda que só
em 35% estivessem funcionais ou colocados em
zonas consideradas adequadas. Os planos de controlo
de pragas devidamente documentados só estavam
presentes em 31% dos estabelecimentos visitados.
Nenhum dos estabelecimentos tinha instituído planos
de HACCP e apenas 58% dos manipuladores fez
formação em higiene e manipulação segura de alimentos.
Quando foi comparada a percentagem de conformidades entre as escolas mais recentes e mais antigas,
observou-se que a percentagem média de conformidades para as diferentes zonas das instalações era
mais elevada no grupo das escolas mais recentes ou
recentemente restauradas, comparativamente com as
instalações antigas (Quadro II), tendo sido determinado, para o total de itens avaliados, uma diferença
muito significativa (p = 0,005).
Em termos médios, para qualquer uma das zonas da
instalação estudada, o valor médio da percentagem
de conformidades foi superior em cerca de 10 pontos
nas cantinas mais recentes. Essa diferença foi significativa para todas as zonas, excepto para a zona de
recepção e armazenagem.
O efeito da idade das instalações reflectiu-se também
de forma significativa (p = 0,015) na percentagem de
conformidades relacionadas apenas com aspectos
Quadro II
Percentagem de conformidades observada em cada zona das instalações e no geral, em
função da idade das instalações (média ± desvio-padrão)
Variável
Zona das instalações
Recepção e armazenagem
Preparação
Confecção e distribuição
Instalações gerais
Só aspectos estruturais
Total de itens avaliados
54
Instalações recentes
(n = 15)
Instalações antigas
(n = 17)
p
79,6 ± 15,8
65,7 ± 19,0
68,3 ± 17,2
62,4 ± 17,3
68,3 ± 19,4
68,2 ± 17,3
68,6 ± 16,7
55,3 ± 14,7
60,0 ± 17,1
51,8 ± 10,2
57,5 ± 12,1
58,0 ± 19,9
0,061
0,013
0,002
0,003
0,015
0,005
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Saúde colectiva
estruturais, assim como para o total dos itens avaliados.
O efeito do volume de trabalho (Quadro III) não se
mostrou significativo para nenhuma das variáveis em
estudo, indicando que a qualidade dos pré-requisitos,
nomeadamente, nas diferentes zonas das instalações
e ao nível dos aspectos de funcionamento, é independente do volume de trabalho dos manipuladores.
Particularmente nos aspectos de funcionamento,
onde poderia ser espectável que em contextos de
mais trabalho houvesse uma pior qualidade das práticas de manipulação, verificamos que o efeito do
volume de trabalho não se mostrou significativo
(p = 0,360).
5. Discussão
A lista de verificação com cerca de 140 itens aplicada às 32 cantinas alvo do presente estudo permitiu
determinar que, em termos médios, as cantinas apresentavam condições de laboração minimamente satisfatórias, com cerca de metade dos itens verificados
em conformidade com os critérios considerados satisfatórios (Quadro I). Não obstante, para 38 dos itens
avaliados, cerca de metade das cantinas foi considerada conforme. As falhas encontradas, quer a nível
estrutural, quer a nível de funcionamento, podem
comprometer a segurança dos alimentos servidos
nestes estabelecimentos.
Ao nível da zona de recepção e armazenagem, as
condições observadas situam-se na generalidade
acima da média. Os aspectos menos correctos decorrem da ausência de um horário próprio de recepção
de géneros, o que impede a instituição de um proce-
dimento de inspecção à chegada, assim como a total
ausência de registo de alimentos rejeitados. Na despensa, algumas cantinas apresentavam o mobiliário
em mau estado de conservação e/ou de limpeza, mas
as situações consideradas mais preocupantes surgiram ao nível da rede de frio, tendo sido observados
equipamentos em abuso de temperatura, falta de indicação visual de temperaturas, falta de registos diários
das mesmas e acondicionamento deficiente. Estes
aspectos, potencialmente responsáveis por contaminações cruzadas, foram observados em mais 66% dos
congeladores e cerca de metade dos frigoríficos. As
falhas mais comuns relacionavam-se com a sobrecarga das arcas frigoríficas, o que dificulta o arrefecimento homogéneo dos produtos e a não separação
por famílias. Esta falha ao nível do acondicionamento adequado dos géneros alimentícios conservados no
frio foi também observada por Fonseca et al. (1994)
e Gonçalves e Perdigão (1999) em restaurantes do
Porto e de Lisboa, respectivamente.
A zona de preparação de alimentos poder-se-á considerar uma das mais sensíveis, por ser aí, ou a partir
daí, que podem acontecer múltiplas contaminações
cruzadas. Essa preocupação está patente nas
recomendações do Codex Alimentarius (1993) sobre
práticas de higiene em estabelecimento da natureza
das cantinas escolares, sendo aí destacada a premência de assegurar instalações que garantam uma separação clara e por meios efectivos entre operações que
possam ser responsáveis por contaminações cruzadas. Essas condições nem sempre foram observadas
no presente trabalho, dado que, somente 59% das
cantinas dispunham de uma zona específica exclusiva para carne e/ou peixe e, naquelas com zona de
preparação mista em tempos separados, a sequência
Quadro III
Percentagem de conformidades observada em cada zona das instalações e no geral, em função do volume médio
de trabalho dos manipuladores (média ± desvio-padrão)
Refeições/ manipulador
Variável
Zona da infraestrutura
Recepção e armazenagem
Preparação
Confecção e distribuição
Instalações gerais
Só aspectos de funcionamento
Total de itens avaliados
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< 55 (n = 12)
55 a 64 (n = 9)
> 64 (n = 11)
73,0 ± 16,7
53,3 ± 10,5
64,7 ± 18,5
53,7 ± 11,2
63,8 ± 10,1
61,2 ± 19,7
72,4 ± 16,8
57,2 ± 17,3
63,6 ± 19,0
57,3 ± 19,3
63,2 ± 19,9
62,2 ± 10,3
75,8 ± 18,9
64,5 ± 12,3
63,3 ± 17,8
59,6 ± 10,2
66,0 ± 10,8
65,0 ± 10,9
p
0,592
0,318
0,908
0,541
0,360
0,543
55
Saúde colectiva
de operações e procedimentos de limpeza e desinfecção intermédios nem sempre assegurava de forma
inequívoca a prevenção de contaminações cruzadas.
A separação física entre a zona de preparação e a de
confecção só foi observada em 9% das cantinas em
estudo. A ausência de zonas de preparação exclusivas foi também um problema identificado por Gonçalves e Perdigão no sector da restauração na área da
grande Lisboa (Gonçalves e Perdigão, 1999).
A contribuir para a potencial contaminação cruzada,
encontra-se também a utilização de materiais pouco
recomendáveis — pela dificuldade de higienização —
nos utensílios de cozinha, como a madeira, que foi
detectada em várias cantinas. Este problema não é
exclusivo do nosso país um vez que Walker et al.
(2003), Jones et al. (2004) e Legani et al. (2004),
encontraram não conformidades semelhantes, ao
nível das zonas de recepção e preparação de alimentos, em estabelecimentos de restauração colectiva,
respectivamente, no Reino Unido, EUA e em Itália.
Na construção dos estabelecimentos e gestão dos
espaços existem opções que, de acordo com as
recomendações do Codex Alimentarius (1993), não
foram as melhores, nomeadamente, a ausência de
vestiários especificamente para os manipuladores se
fardarem e cuidarem da sua higiene pessoal, devidamente supridos de água quente e meios adequados de
lavagem e secagem de mãos. Um outro aspecto considerado preocupante é a falta de lavatórios para
higienização das mãos na cozinha, assim como uma
quase total ausência de torneiras de comando não
manual, favorecendo inúmeras oportunidades de contaminação/permanência de microrganismos nas mãos
dos manipuladores. A agravar esta situação, há uma
quase sistemática ausência de agentes de limpeza/
desinfecção específicos para lavagem de mãos e
meios adequados para a sua secagem. Também este
é um comportamento detectado noutros contextos,
como observaram Cruz et al. (2001), estudando algumas das violações mais sistematicamente detectadas
em restaurantes da Florida, EUA. A lavagem das
mãos de forma adequada foi observada somente em
menos de 20% dos cerca de 120 restaurantes que
estudaram.
O controlo de insectos nas instalações de preparação
de refeições tem sido referido por diversos autores
como um problema sistematicamente observado
(Cruz et al., 2001; Walker et al., 2003). Os insectocutores, ainda que existentes num número considerável de cantinas do presente estudo (53%), por vezes,
estavam desligados ou colocados em locais pouco
apropriados (64%).
Como questões claramente decorrentes de incorrecções de concepção ou construção, destacam-se problemas de ventilação, cantos rectos entre paredes e
56
chão e esquinas não protegidas. O primeiro problema
assumia proporções graves em algumas unidades
observadas, favorecendo o desenvolvimento de bolores nos tectos e o gotejamento sobre as zonas de
preparação de alimentos. Ainda que os resultados de
Martinez-Tomé et al. (2000) com quatro cozinhas de
cantinas seleccionadas sugiram excelentes condições
desses estabelecimentos, foi também ao nível da ventilação e da adequação dos cantos e esquinas que
detectaram um maior nível de não conformidades.
As incorrecções de concepção e/ou construção são
dos maiores obstáculos que se colocam quando se
pretende instituir um sistema HACCP em cantinas
escolares, como refere Gill (2000) sobre implementação deste sistema nas cantinas escolares de Nova
Iorque. As correcções são inevitáveis quando se verifica a sua inadequação ou inoperância, devendo-se
fazer a manutenção de instalações e materiais que
vão sofrendo deterioração pelo tempo e pelo uso. No
presente trabalho, quando se avaliou o efeito do
envelhecimento das instalações, através da data de
construção ou do último restauro (Quadro II), constatou-se que, em termos médios, os aspectos estruturais são mais conformes nas instalações recentes e
significativamente diferentes (p = 0,015) das instalações antigas. Esta diferença teve paralelo em todas as
zonas das cantinas, embora as diferenças encontradas
não sejam significativas nas zonas de recepção e
armazenamento (p = 0,061).
A formação profissional é reconhecidamente um dos
pilares da segurança alimentar em qualquer um dos
segmentos da produção de alimentos, sendo que na
restauração assume uma importância particularmente
maior. A importância da formação dos manipuladores está patente nos normativos que regulam o sector
da segurança alimentar, como no regulamento comunitário de higiene dos alimentos (União Europeia,
2000), cujo capítulo XII do anexo é relativo à formação, não só de manipuladores, mas também dos responsáveis. Recomendações dessa natureza são também feitas no Codex Alimentarius, através do código
de práticas higiénicas para estabelecimentos da natureza das cantinas (Codex Alimentarius Commission,
1993). Dos manipuladores das cantinas em estudo
42% nunca tiveram formação na área da higiene alimentar. Apenas 17% tiveram mais que três acções de
formação, sendo que a última decorrera há mais de
dois anos para cerca de 80% dos respondentes. Considerando que os manipuladores de alimentos sem
formação específica usam os conhecimentos que têm
da sua experiência doméstica, os resultados dos trabalhos de investigação de vários autores (Griffith et
al., 1998; Meer e Misner, 2000; Li-Cohen e Bruhn,
2002; Badrie et al., 2005; Yang, 1998) podem ser
considerados preocupantes, pois estes observaram,
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Saúde colectiva
em consumidores, um assinalável desconhecimento
sobre práticas correctas de manuseamento de alimentos.
Todos os trabalhadores de serviços alimentares,
incluindo os que trabalham em regime temporário,
deveriam receber formação básica em segurança alimentar e práticas de manipulação higiénica de alimentos. Ollinger-Snyder e Matthens (1996) e Walker
et al. (2003) referem ainda que essa formação deveria ser contínua, uma vez que a multiplicidade de
ementas requer uma adaptação constante a novos
procedimentos.
O volume de trabalho dos manipuladores foi
equacionado como potenciador de práticas incorrectas. Porém, foi nas cantinas com maior volume de
trabalho que se observaram percentagens de conformidades mais elevadas (Quadro III), ainda que
essas diferenças não fossem significativas entre os
três escalões de volume de trabalho.
Este aspecto poderá ser justificado pelo conhecimento que os manipuladores detêm sobre manipulação segura de alimentos, porque, como refere
Campbell et al. (1998), ainda que o comportamento
seja condicionado por um elevado número de factores, como disponibilidade de tempo e de meios, a
compreensão subjacente à tarefa a desempenhar é um
importante alicerce para a sua interiorização e correcta execução de forma continuada.
A qualidade das refeições servidas em cantinas
escolares, particularmente no que se refere à sua
vertente higio-sanitárias, tem sido uma das preocupações dos serviços de saúde, em particular do Centro
Regional de Saúde Pública do Norte, onde se integra
a área de abrangência do presente trabalho. Tem sido
feito um esforço para monitorizar essa qualidade,
quer através do levantamento de constrangimentos de
carácter estrutural e funcional, quer pelo envolvimento directo em programas relativos à Promoção da
Saúde/Educação para a Saúde em meio escolar, que
têm privilegiado a formação de manipuladores de
bares e cantinas escolares.
6. Conclusões
Com o presente estudo foi possível evidenciar que as
cantinas das escolas públicas dos 2.o e 3.o Ciclo do
Ensino Básico e do Ensino Secundário do Distrito de
Vila Real apresentavam, na sua generalidade, condições estruturais e higio-sanitárias minimamente
satisfatórias, embora não cumprissem alguns dos pré-requisitos recomendados para este tipo de estabelecimentos. Das não conformidades estruturais destacavam-se, pela sua ausência quase sistemática e
gravidade, a falta de lavatórios exclusivos e devida-
VOL. 25, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2007
mente equipados para a higienização das mãos na
zona de laboração e nos vestiários, não separação
estrutural entre zonas de preparação de alimentos
com diferentes níveis de risco, estado de degradação
das paredes e pavimentos, a ineficácia dos sistemas
de ventilação e extracção de fumos, a inexistência de
mecanismos de visualização das temperaturas no
equipamento de frio e respectivos registos. Das não
conformidades funcionais destacavam-se o armazenamento e acondicionamento incorrecto dos produtos
congelados e refrigerados, a inexistência de planos
de controlo de pragas, a inexistência de planos de
limpeza e desinfecção das instalações, inexistência
de planos de auto-controlo e falta formação dos
manipuladores. As cantinas com instalações mais
recentes ou recentemente restauradas apresentavam
melhores condições estruturais e de funcionamento.
Em síntese, os resultados apontam para a necessidade
de serem tomadas medidas conducentes à eliminação
dos problemas encontrados, assim como equacionar
qual o conhecimento dos manipuladores de alimentos
e dos responsáveis das cantinas no sentido de serem
melhoradas as boas práticas de higiene e manipulação.
Só com o compromisso entre pequenos investimentos em correcções estruturais, uma melhor qualidade
da manipulação e uma supervisão eficaz se poderá
esperar que as refeições servidas nas cantinas escolares obedeçam aos elevados padrões de qualidade que
lhe são exigidos.
Bibliografia
BADRIE, N. et al. — Consumer awareness and perception to food
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58
Abstract
EVALUATION OF THE ADEQUACY AND HYGIENE OF
THE INFRASTRUCTURES OF THE SCHOOL CANTEENS
IN THE DISTRICT OF VILA REAL, PORTUGAL
The purpose of the present research was to evaluate the safety
of meal preparation in school canteens in the district of Vila
Real, Portugal, through the evaluation of the adequacy and
hygiene of the infrastructures.
The transversal descriptive study was conducted in 32 canteens
of the 2nd and 3rd cycles of basic and secondary schools. A
check list of the Regional Public Health Centre of the North
(Centro Regional de Saúde Pública do Norte) was used to
evaluate the adequacy and hygiene of the infrastructures.
The study of the association between variables was performed
using One-way ANOVA and Mann-Whitney test and KruskalWallis test.
The canteens under evaluation presented, in general, satisfactory adequacy and hygiene. Among the structural unhygienic
aspects the following were found: the lack of hand washing
points correctly supplied in the labouring zone (94%); the lack
of physical separation between zones of preparation of foods
with different risk levels (91%); the degraded status of walls
(28%) and floors (28%); the lack of equipment to check the
temperature in the cold storage equipment (47%) and the absence of records of these temperatures (91%); the absence of
plans for pest control (69%) and the absence of plans for cleaning and disinfection of the facilities (97%).
The present study proves the importance of preventive maintenance and periodical repairs in the facilities as to ensure its
adequacy to the required hygienic working conditions, as
shown by the significative difference (p=0,005) between the
mean of corrections of recent facilities, or recently repaired,
and all the others.
Keywords: school health; hygio-sanitary conditions; schoolcanteens; food-safety; food inspection
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
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Condições higio-sanitárias das cantinas escolares do distrito de Vila