UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE
DEFESA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS
GOVERNOS LULA E ROUSSEFF
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
Danny Gregory Fonseca Benites
Santa Maria, RS, Brasil
2014
CCSH/UFSM, RS
BENITES, Danny G. Fonseca
Bacharel
2014
FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA
BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E
ROUSSEFF
Danny Gregory Fonseca Benites
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM – RS), como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Relações internacionais.
Orientador: Prof. Me. Igor Castellano Silva
Santa Maria, RS, Brasil
2014
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA
BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E ROUSSEFF
elaborado por
Danny Gregory Fonseca Benites
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Relações internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Igor Castellano da Silva, Me.
(Presidente/Orientador)
Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr. (UFSM)
Günther Richter Mros, Me. (UFSM)
Santa Maria, 18 de dezembro de 2014.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, antes de tudo, à minha mãe, Maria Fonseca, por seu
carinho, dedicação, trabalho e exemplo ao longo dos anos, que tão
relevantes se fizeram em minha formação, e sem os quais o caminho
até aqui não teria sido possível.
Meus agradecimentos aos amigos e colegas que, estando
próximos ou a milhas de distância, ofereceram sua amizade, sabedoria,
fraternidade e estiveram presentes nos principais passos até aqui.
Agradeço igualmente à Santa Maria e à Universidade Federal de
Santa Maria por sua acolhida sempre generosa. Ao Curso de Relações
Internacionais da UFSM pela oportunidade ímpar de formação e
crescimento pessoal e profissional.
Meu muito obrigado ao professor Igor Castellano da Silva, que me
orientou nesse trabalho, por seus valiosos ensinamentos, conselhos e
incentivos à conclusão deste estudo e desta etapa. Agradeço aos
professores que fazem ou fizeram parte do Curso de Relações
Internacionais por sua contribuição para minha formação.
Ao professor e coordenador do Curso de Relações Internacionais,
José Renato Ferraz da Silveira, meus sinceros agradecimentos por seu
trabalho incansável no objetivo de proporcionar a melhor formação para
os acadêmicos do curso e por sua amizade no decorrer deste.
RESUMO
Trabalho de Conclusão de Curso
Curso de Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria
FINANCIAMENTO ESTATAL À INDÚSTRIA DE DEFESA
BRASILEIRA: UMA ANÁLISE NOS GOVERNOS LULA E
ROUSSEFF
AUTOR: DANNY GREGORY FONSECA BENITES
ORIENTADOR: PROFESSOR MESTRE IGOR CASTELLANO DA
SILVA
Data e Local de Defesa: Santa Maria, 05 de dezembro de 2014
A pesquisa terá como tema principal o incentivo Estatal à Indústria Nacional de
Defesa e seus reflexos para o desenvolvimento. Neste sentido, a pesquisa busca
fazer uma análise sobre a Base industrial de Defesa do país, qual a política Estatal
para o setor e os principais incentivos governamentais a ela disponibilizados no
período que compreende os governos Lula e Rousseff, isto é, de 2003 a 2014, e os
efeitos observáveis de tal política para o desenvolvimento. Tendo tal tema como
base, o estudo visa responder as seguintes perguntas que motivaram a realização
deste trabalho: – (1) “Como os recentes esforços dos governos Lula e Rousseff na
promoção da indústria Nacional de Defesa têm contribuído para reverter o quadro de
crise no setor de Defesa no Brasil?”; (2) “Quais as principais semelhanças e
diferenças das políticas adotadas por ambos os governos para o setor?”
Palavras-chave: Indústria de Defesa, Governo Lula, Governo Dilma,
Política Externa.
ABSTRACT
Senior Thesis
International Relations Major
Universidade Federal de Santa Maria
STATE FUNDING TO BRAZILIAN DEFENSE INDUSTRY: AN
ANALYSIS OF LULA AND ROUSSEFF GOVERNMENTS
AUTHOR: DANNY GREGORY FONSECA BENITES
ADVISER: PROFESSOR MESTRE IGOR CASTELLANO DA SILVA
Defense Date and Place: Santa Maria, December 5th, 2014
The study will have as its main theme the State incentive to the National Defense
Industry and its consequences for development. In this sense, the research seeks to
make an analysis of the country's defense industrial base, which the State policy for
the sector and key government incentives available to it in the period comprising the
Lula and Rousseff governments, that is, 2003 to 2014 and the observable effects of
such a policy for development. Having such a theme as a basis, the study aims to
answer the following questions that motivated this work: - (1) “How have the recent
efforts of Lula and Rousseff governments in promoting national defense industry
contributed to reverse the situation of crisis in Defense industry in Brazil?"; (2) "What
are the main similarities and differences of the policies adopted by both governments
for the sector?".
Key-words: Defense Industry; Lula governments; Rousseff government;
Foreign policy.
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Gráfico 1. Exportação de produtos de defesa brasileiros (1970-1999)
– em US$ milhões.............................................................................. 22
Tabela 1. Tabela Comparativa – Políticas públicas e BID nos
governos Lula e Dilma....................................................................... 41
Gráfico 2. Orçamento da FINEP para a área de Defesa - em R$
milhões................................................................................................ 45
Tabela 2. Comércio Exterior de Equipamentos Militares por governo
- (em US$ milhões)............................................................................ 49
Gráfico 3. Exportações e importações totais de equipamentos de
defesa por governo – em US$ milhões........................................... 50
Gráfico 4. Volume de Exportação de Produtos de Defesa Brasileiros
por Região de Destino (2002-2013) - em US$ milhões.................... 51
Gráfico 5. Principais economias de origem de produtos de defesa
exportados à América do Sul, excetuando-se o Brasil – em US$
milhões................................................................................................ 52
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................... 7
1. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A BASE INDUSTRIAL DE
DEFESA.............................................................................................. . 13
1.1 Base Industrial de Defesa: do auge à crise......................................................... 15
1.2 A Defesa na Política Externa recente.................................................................. 23
1.2.1 África Do Sul – A-Darter.................................................................................. 25
1.2.2 Conselho Sul-Americano De Defesa.............................................................. 26
1.3 Conclusão ao capítulo 1...................................................................................... 28
2. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INDÚSTRIA DE DEFESA NO
BRASIL.................................................................................................. 30
2.1 Políticas Públicas para a Indústria de Defesa: breve histórico........................... 30
2.2 O ressurgimento da Indústria de Defesa na pauta governamental..................... 32
2.3 Conclusão ao capítulo 2..................................................................................... 39
3. GOVERNOS LULA E ROUSSEFF: REFLEXOS PARA A BASE
INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA............................................ 42
3.1 Financiamentos à Indústria de Defesa................................................................42
3,2. A primeira das soluções: BID e o mercado externo............................................47
3,3. BID e a transferência de
tecnologia...................................................................................................................53
3,4 Conclusão ao capítulo 3..................................................................................... 55
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 57
REFERÊNCIAS.................................................................................... 60
7
INTRODUÇÃO
Desenvolvendo e produzindo produtos caros à segurança e defesa de um
país, a indústria de defesa é por definição uma indústria estratégica para o Estado
que a possui. Em termos de Brasil, a indústria de defesa já viveu momentos de
amplo crescimento, passando a uma crise profunda no momento seguinte e
chegando aos dias atuais onde se busca a retomada da competitividade e
viabilidade. Sua importância estratégica e suas características singulares despertam
o interesse não apenas dos mais altos quadros do governo, mas também da
sociedade como um todo, da classe empresarial e acadêmica.
É crescente o número de produções acadêmicas sobre a Indústria de Defesa.
No ambiente acadêmico internacional, são frequentes os trabalhos que buscam
verificar inter-relações entre investimentos em indústria de defesa e gastos militares
com os índices de desenvolvimento ou crescimento econômico de um país num
dado período de tempo. Com resultados muitas vezes discordantes, autores como
Benoit (1973, 1978), Smith (1980), Feder (1982), Ram(1986), Deger (1986) são
alguns dos pesquisadores que se destacam nas produções sobre o tema.
Centrando suas discussões mais especificamente em indústrias de defesa em
países em desenvolvimento e, portanto, em um debate mais próximo ao objeto de
estudo do presente trabalho, dois autores se destacam por seus estudos e
contribuições ao tema: Hoyt (1997) e Maldifassi e Abetti (1994). Ambos os autores
buscam em seus respectivos estudos a construção e apresentação de um modelo
para a indústria de defesa em países em desenvolvimento.
Hoyt em sua obra “Rising Regional Powers: New Perspectives In Indigenous
Defense Industries and Military Capability in the Developing World” apresenta
considerações importantes antes de explicitar seu modelo em si. Para Hoyt haveria
três principais razões para a produção endógena de produtos de defesa por países
em desenvolvimento, quais sejam: buscar ou deter os instrumentos necessários
para um eventual confronto militar prolongado com vizinhos ou países de regiões
próximas; a capacidade de deter uma intervenção multinacional com armas
localmente produzidas; e a diminuição dos impactos de sanções impostas por outros
8
países1 (HOYT, 1997, p 4). De fato a preocupação quanto à dependência do país
frente a potências externas em matéria de defesa seria unânime dentre os países
em desenvolvimento.
Seu Modelo de Produção de Armamentos em Países em Desenvolvimento
Baseado em Defesa apresenta o que ele considera serem as quatro obrigações de
uma indústria de defesa em um país em desenvolvimento: demanda de
sustentação2; manutenção da qualidade3; habilidade de produzir sistemas não
disponíveis por outros fornecedores4; e produção de armamentos específicos à
região e produção de nicho5 (BOHN, 2014, p 34).
Hoyt ainda versa sobre as áreas de atuação da indústria de defesa em países
em desenvolvimento, a saber: manutenção de capacidades; produção adaptada à
região; priorizar a atuação industrial em nichos em que se verifique vantagem
comparativa (BOHN, 2014, p 37-38).
Maldifassi e Abetti, no entanto, em sua obra “Defense Industry in Developing
Countries: Argentina, Brazil and Chile” apresentam seu modelo a partir de seis
variáveis e da discussão de como estas se relacionam entre si no que tange à
indústria de defesa em países em desenvolvimento. As variáveis são: Indústria de
Defesa, Influência Nacional, Influência Internacional, Capacidade Tecnológica
Nacional, Forças Armadas e Impacto Econômico da Indústria de Defesa (BOHN,
2014, p 44). Cabe ressaltar, ainda, um dos pontos principais em que ambos os
modelos convergem e conversam entre si: a necessidade de integração da indústria
de defesa com as demais indústrias.
1
Tradução livre do original, “First, these states often seek or possess the means to engage in and
prolong military conflict with neighbors or states in adjoining regions; second, they may seek the
capability to deter multinational intervention with locally produced weapons; and third, local arms
production reduces the impact of supply constraints on their foreign and military policies” (HOYT,
1997, p. 4).
2
Segundo Bohn, esta se resumiria a dispor de infra-estrutura que possa dar sustentação às Forças
Armadas em suas necessidades tanto em tempos de paz quanto nos tempos em que há crise e se faz
necessária uma maior escala de produção desta indústria. (BOHN, 2014, p 34)
3
Manutenção da qualidade refere-se à aplicação de programas de modernização com fins a obter
elevada qualidade dos equipamentos atuais e com pouco dispêndio de recursos. (BOHN, 2014, p 34)
4
Produção de materiais sensíveis à Defesa e que não se encontram disponíveis para aquisição devido
a contendas políticas, sanções, embargos ou por conta do rígido controle de venda destes materiais
no mercado internacional. (BOHN, 2014, p 34)
5
Produção com foco nas características específicas da região ou que amplie as vantagens
comparativas associadas a estas características. (BOHN, 2014, p 34)
9
Levados em consideração
todos estes elementos, os três autores
concordam que uma ID em um país em desenvolvimento deve ser o mais
integrada possível com a indústria em geral , sob o risco de tornar-se um
peso para a sociedade. (BOHN, 2014, p 51)
É neste ponto em que se tem uma das principais características desta
indústria e das tecnologias que nela são desenvolvidas: seu caráter dual. O caráter
dual da indústria de defesa se refere à possibilidade de emprego de tecnologias
desta indústria para objetivos outros que não os de conteúdo militar.
Neste sentido, tecnologias desenvolvidas com fins de atuação na área militar
podem eventualmente ser adaptadas e utilizadas no campo civil. A este fenômeno
dá-se o nome de spin-off. Seria segundo Bohn (2014) uma operacionalização de um
conceito mais amplo, o de spill over, à medida que este se refere a externalidades
que uma determinada ação de uma agente produz sobre outros agentes, podendo
tais externalidades possuírem caráter positivo ou negativo. O spin-off seria, portanto,
uma externalidade positiva, ao passo que transfere tecnologia e conhecimento de
uma área da economia para outra, quais sejam, da área militar para a área civil
(BOHN, 2014, p. 28). Entre os exemplos comumente citados deste fenômeno estão
a telefonia móvel, GPS e a internet. Tal fenômeno é, aliás, um dos principais
argumentos daqueles que defendem os investimentos na indústria de defesa, tendo
em vista os transbordamentos potenciais que os investimentos em pesquisa e
desenvolvimento para este setor podem gerar para os demais setores da economia.
Motivo de debates no ambiente acadêmico, a indústria de defesa vem
paulatinamente despertando o interesse público. A importância central do setor de
Defesa Nacional para o Brasil e sua política levou ao desenvolvimento de diversos
documentos e programas direcionados à Defesa Nacional pela esfera pública,
dentre os quais, merecem especial destaque: a Política Nacional de Defesa6, a
Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional.
6
É neste documento que se encontram os principais conceitos de Defesa Nacional e Segurança.
Nele, a segurança é compreendida como “a condição que permite ao País a preservação da soberania
e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de
qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais”;
enquanto a defesa nacional é tida como “o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na
expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra
ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.” (BRASIL, 2008) Para efeitos de
pesquisa, este trabalho se valerá de tais conceitos, uma vez que, são estes os conceitos adotados
pela administração pública e considerados em suas políticas.
10
Neste contexto, políticas de apoio à indústria de defesa vêm tomando forma
nos últimos anos e possibilitando um novo crescimento a uma indústria que operava
à sombra do potencial que um dia já teve. É na Estratégia Nacional de Defesa, na
diretriz 22, que são definidas as bases iniciais da promoção à Indústria Nacional de
Defesa. Com o escopo de se chegar à independência tecnológica do setor, a diretriz
assevera que ”regimes jurídico, regulatório e tributário especiais protegerão as
empresas privadas nacionais de produtos de defesa contra os riscos do imediatismo
mercantil e assegurarão continuidade nas compras públicas” (Brasil, 2008, p. 18).
Os incentivos visam fortalecer a Base Industrial de Defesa (BID) e torná-la mais
competitiva e avançada tecnologicamente.
Logo, percebe-se que o esforço na promoção da Indústria de Defesa Nacional
se dá por meio de políticas, programas e ações estratégicas por parte da
administração federal. São estes os objetos de estudo desta pesquisa. Logo, se faz
importante compreender quais são tais políticas, programas e ações estratégicas
desenvolvidas nos governos Lula e Rousseff, suas características, seu avanço ou
declínio no período recente e seus efeitos para o setor de Defesa.
A análise dos programas e políticas adotadas nos últimos governos com
vistas à revitalização da BID ainda é incipiente na academia brasileira. Ademais,
compreender as políticas para a Indústria de Defesa e seus reflexos contribui para
melhor compreender as dinâmicas de segurança e defesa nacionais. O estudo
também aproxima a comunidade civil de conceitos e políticas por vezes pouco
presentes na rotina de parte da população de forma direta. Busca assim, contribuir
para o entendimento da importância do setor e de tais políticas para a garantia da
soberania e do desenvolvimento.
O presente estudo, ao ser realizado na Universidade Federal de Santa Maria,
em Santa Maria, Rio Grande do Sul, adquire relevância também para a comunidade
local. Santa Maria é uma cidade com localização geográfica privilegiada e
estratégica para a atuação militar brasileira na região, como pode ser observado
pela alta presença militar no município.
Atualmente o município de Santa Maria concentra cerca de 17 instituições
militares do exército e uma base aérea, juntamente com suas respectivas
áreas residenciais, de laser ou de treinamento militar, distribuídas em sua
maior parte na zona urbana, no sentido leste-oeste, norte-sudoeste [...].
Juntas, as duas armas, exército e aeronáutica, em Santa Maria, respondem
pela segunda colocação em termos de contingente operacional no país,
11
somando-se um efetivo de aproximadamente 5 mil militares, entre
exército e base aérea. (MACHADO, 2008, 107)
Dado igualmente importante, é que empresas da BID cada vez mais buscam
a cidade e a região para a produção de seus produtos, essenciais à defesa. A
recente criação do Comitê do Polo de Defesa de Santa Maria (COMDEFESA/SM),
em 27 de fevereiro deste ano, além do próprio Polo de Defesa e do Polo
Aeroespacial também atuantes em Santa Maria e região, corroboram a relevância da
indústria de Defesa para a cidade e região. Verificar as deficiências, potencialidades,
oportunidades e vislumbrar um cenário de médio prazo para o setor, bem como
compreender seu impacto na economia e no desenvolvimento se faz importante a
nível local, também, por possibilitar a criação de políticas municipais ou estaduais
direcionadas ao setor de Defesa de maneira mais clara e precisa.
O presente trabalho visa responder as seguintes questões que motivaram a
pesquisa aqui desenvolvida: Como os recentes esforços dos governos Lula e
Rousseff na promoção da indústria Nacional de Defesa têm contribuído para reverter
o quadro de crise no setor de Defesa no Brasil? E quais as principais semelhanças e
diferenças das políticas adotadas por ambos os governos para o setor?
Para tanto, objetivar-se-á ao longo da pesquisa, estudar como a Política
Externa Brasileira se relaciona com a BID; compreender o atual cenário da Indústria
Nacional de Defesa, com suas potencialidades e deficiências; compreender as
características e dimensões das políticas adotadas durante os governos Lula e
Rousseff e analisá-las comparativamente; e, por fim, verificar as consequências das
políticas de promoção da Indústria Nacional de Defesa para o setor.
O presente estudo, de caráter empírico, se valerá das discussões aqui
apresentadas e utilizará fontes primárias e secundárias. Buscar-se-á referências
bibliográficas para dar base às questões teóricas e conceituais sobre o tema, além
de fatos históricos e dados econômicos pontuais. Documentos oficiais, relatórios e
decretos também serão utilizados como fonte primária de busca no que tange,
sobretudo, às políticas de governo sobre os principais temas tratados neste estudo.
Será utilizado o método comparativo para dar sustentação à análise a que a
pesquisa se propõe, de comparar as políticas e as ações concretas de estímulo à
Indústria Nacional de Defesa no âmbito dos governos Lula e Rousseff. Segue o
cronograma geral do trabalho.
12
O presente trabalho está subdivido, além desta introdução, em três capítulos
e uma seção com as considerações finais do trabalho. O primeiro capítulo, Política
Externa Brasileira e a Base Industrial de Defesa, trata da interrelação existente entre
a política externa do Brasil e sua base industrial de defesa, buscando demonstrar
como a política externa brasileira tem afetado nas últimas décadas a base industrial
de defesa do país e, em um segundo momento, qual o papel desta hoje para a
política externa do Brasil. O segundo capítulo versa sobre a evolução na formulação
das políticas públicas desenvolvidas no cerne do governo em direção à base
industrial de defesa, do passado e as mais recentes, tomando-as como variável de
comparação entre os governos de Lula e Rousseff neste momento. O terceiro
capítulo busca trazer uma análise comparativa entre os governos Lula e Rousseff
sobre os principais resultados de tais políticas públicas abordadas no capítulo
anterior no ambiente concreto da base industrial de defesa, tendo como foco cinco
principais variáveis, quais sejam: as questões de financiamento, institucionalização,
comércio exterior, transferência de tecnologia e a integração das cadeias produtivas
regionais. Por fim, as considerações finais sumarizam o exposto ao longo do
trabalho e apresenta os resultados observáveis da comparação realizada nos
capítulos precedentes.
O trabalho acaba por demonstrar uma positiva contribuição das iniciativas de
promoção da indústria de defesa pelo Estado e um avanço relativo dos dados
analisados no período de governo de Dilma em comparação com os governos de
Lula.
13
1. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A BASE INDUSTRIAL DE
DEFESA
O Estado nacional, enquanto ator soberano de direito internacional, tem por
seu fim último a sua soberania e a garantia de seus interesses. Ao relacionar-se com
outros Estados e atores do sistema internacional, por vezes com interesses
conflitantes, faz uso de determinadas ferramentas para demonstrar e projetar seu
poder. Ferramentas estas que podem ser utilizadas para se construir o que se
costuma classificar como soft power, como sua cultura, valores políticos e sua
política externa (NYE, 2011, 84); ou de hard power, que tem como exemplo mais
clássico as Forças Armadas e o poder bélico de um Estado.
Segundo Nye, entretanto, recursos militares ou econômicos podem ser
usados para aumentar tanto o soft power como o hard power de um Estado,
dependendo da situação. (NYE, 2011, 85-87).
Tem-se na defesa da soberania, na projeção de poder e na possibilidade de
utilizar o poder militar de forma a ampliar tanto soft power quanto hard power
algumas das principais razões que podem motivar um Estado a buscar construir um
aparelhamento militar robusto e sólido. Nota-se, porém, que um aparelhamento
militar forte e independente passa, na maioria das vezes, por uma indústria de
defesa nacional competitiva e consolidada.
Logo, torna-se parte fundamental desse prisma a BID, termo que o governo
conceitua em sua Política Nacional para a Indústria de Defesa como sendo
“o conjunto das empresas estatais e privadas, bem como organizações civis
e militares, que participem de uma ou mais das etapas de pesquisa,
desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos
estratégicos de defesa” (BRASIL, 2005)
Conceito igualmente relevante para se compreender o tema é o de produto
estratégico de defesa, no mesmo documento entendido por
“bens e serviços que pelas peculiaridades de obtenção, produção,
distribuição, armazenagem, manutenção ou emprego possam comprometer,
direta ou indiretamente, a consecução de objetivos relacionados à
segurança ou à defesa do País.” (BRASIL, 2005)
14
Tais conceitos são importantes à medida que são considerados nas políticas
governamentais para promoção e regulamentação da indústria de Defesa e
adotados nos principais documentos pertinentes à área. Entre tais documentos, a
Política Nacional para a Indústria de Defesa, aprovada em 19 de julho de 2005, pelo
Ministério da Defesa.
O documento tem como objetivo geral o fortalecimento da BID, e, a partir de
seus objetivos específicos, ressalta-se a busca por dar prioridade à produção
nacional de produtos de defesa, com auxílios fiscais, e por dotar a BID de maior
competitividade a nível internacional. Tais esforços na direção de uma indústria de
defesa mais forte se justificam a partir da necessidade de suprir uma demanda
crescente de um setor que há anos perdeu grande parte de sua relevância no
mercado internacional e mergulhou em profunda crise.
O período de crise da indústria de defesa brasileira, marcado por falências e
perda de competitividade, ocorre anos após as empresas atuantes no setor
atingirem seu auge e ter qualidade reconhecida internacionalmente. Em ambos os
cenários, a política externa brasileira representou fator importante, com suas ações,
ao reagir às mudanças na conjuntura internacional, produzindo efeitos para a BID
existente, em maior ou menor intensidade. Em anos recentes, no entanto, observase a tendência do governo brasileiro de fazer uso de sua política externa no sentido
de fortalecer a BID nacional. É esta relação, ora positiva, ora negativa, que será
objeto de estudo desta seção.
Para tanto, o capítulo está estruturado como se segue: em um primeiro
momento, será discutido o histórico da BID nacional, com seus períodos de
crescimento e crise, e buscar-se-á verificar pontos de inter-relação entre a indústria
de defesa e as mudanças na política externa nas últimas décadas, destacando-se a
relação do Brasil com o Iraque no período e seus reflexos para a indústria de defesa.
Após, será abordado o papel da indústria de defesa na política externa recente,
marcada pela cooperação, dando enfoque às relações com seu entorno estratégico,
em especial a dois projetos: o projeto A-Darter, em parceria com a África do Sul e o
Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da UNASUL.
1.1 Base Industrial de Defesa: do auge à crise
15
Nesta seção será abordada a BID à luz da política externa nos principais
momentos de sua história e seu desempenho nestes momentos em questões
relacionadas ao comércio de seus produtos no mercado internacional. As políticas
públicas voltadas para a área serão abordadas no capítulo seguinte.
A indústria de defesa tem início no país com o início das atividades da Casa
do Trem de Artilharia, fundada em 1762. Instalada no Rio de Janeiro, tinha como
objetivo atender às demandas de defesa no Cone Sul.
Foi, no entanto, apenas em 1889, com a Proclamação da República que a
indústria de defesa nacional daria maiores passos e um novo ciclo se iniciaria 7. O fim
da Guerra do Paraguai havia deixado o Exército e a Marinha brasileira em situação
de grande desgaste e crescia a necessidade de recuperar o que se tinha
anteriormente em termos de aparelhamento. Inicia-se, então, um período de
substancial importação de armamentos e a criação, sobretudo após a Revolução de
1930, de diversas Fábricas de produção de materiais de defesa.
A BID brasileira, em especial a indústria armamentista, conheceu seu período
de maior crescimento apenas anos mais tarde, nos governos militares, mais
especificamente no Governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Tal
crescimento motivado especialmente pelos incentivos dados à indústria pelo Estado,
a partir de políticas públicas que seriam ampliadas no governo seguinte.
O auge da Indústria de Defesa, porém, viria no governo Geisel (1974-1979).
Nesse período o Brasil produzia cerca de 80% de seu material bélico e parte
significativa de sua produção era voltada ao mercado externo, o que demonstra a
dimensão que a BID possuía, e que possibilitou, inclusive, a denúncia do tratado de
Assistência Militar que mantinha com os Estados Unidos (SILVA, 2012, 164).
Foi nessa época - dos governos Médici e Geisel - que alguns dos principais
players da BID foram fundados, como a Empresa Brasileira de Aeronáutica SA
(Embraer) em 1969; a estatal Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel) em 1975;
além do direcionamento e fortalecimento na área de defesa da Engenheiros
Especializados SA (Engesa) e da Avibras Indústria Aeroespacial SA, e,
impulsionadas pelo bom momento vivido pelo setor, alcançaram posição de
destaque no mercado (FERREIRA, 2011, 18-19).
7
AMARANTE (2005) compreende que o histórico da Indústria de Defesa no Brasil é dividido por três ciclos: o
Ciclo dos Arsenais (1762-1889); Ciclo das Fábricas Militares (1889 aos anos 40) e o Ciclo da Pesquisa e
Desenvolvimento (Anos 40 aos dias de hoje).
16
O governo Médici não foi marcado apenas como o governo à frente quando
do "milagre brasileiro", período em que a economia brasileira experimentava
crescimentos de cerca de 10% ao ano, de 1970-73. Sua política externa também
merece certo destaque.
Médici posicionou-se, no entanto, na mesma direção de seu antecessor
quanto à decisão manter o Brasil como país não signatário do Tratado de Não
Proliferação de Armas, recusado anteriormente por Costa e Silva. Apesar de as
políticas externas de Médici e de Costa e Silva dialogarem neste aspecto, em outros
ambas divergiam consideravelmente. A diplomacia de interesse nacional de Médici
diferenciava-se de forma ímpar da chamada diplomacia da prosperidade,
empregada nos anos de governos de Costa e Silva. Segundo Vizentini (2003),
ambas as diplomacias se diferenciavam a partir de três aspectos principais: ocorrem
em Médici abandono da solidariedade terceiro mundista, que era aplicada pelo
governo anterior e sua diplomacia de prosperidade; o discurso politizado de antes
daria lugar agora a um pragmatismo; e, por fim, a estratégia multilateral
anteriormente adotada perderia espaço na diplomacia brasileira em favor do
bilateralismo e da via solitária (VIZENTINI, 2003, p. 47).
No que tange às relações com a principal potência, Médici manteve em seu
governo relações positivas com os Estados Unidos. A boa relação entre os dois
países ia ao encontro não apenas aos interesses brasileiros, mas em especial aos
de Washington. A Doutrina Nixon, em vigor na época, buscava "um desengajamento
relativo dos Estados Unidos e a transferência de determinadas tarefas às potências
regionais (Irã, Israel, Brasil, África do Sul)" (VIZENTINI, 2003, p 48). Dentro deste
cenário, o Brasil era tido como um país aliado estratégico aos Estados Unidos no
que se referia à estabilidade da região. Em seu entorno, Peru e Chile tinham em seu
mais alto cargo um governo de esquerda, e Uruguai e Argentina passavam por
graves problemas internos. O país, então, chegou a apoiar golpes de estado no
Uruguai, Chile e Bolívia nessa mesma época. (VIZENTINI, 2003, p. 48)
Recebeu especial atenção, também, a indústria de defesa neste período. Foi
no governo Médici que se deu o emprego de um projeto de qualificação tecnológica
e de construção de uma indústria armamentista nacional. Logo, são lançadas as
bases que sustentariam o crescimento e fortalecimento desta indústria a partir de
1974. (VIZENTINI, 2003, p. 47)
17
As diferenças entre o governo Geisel e seu antecessor, no entanto, iniciam-se
na situação econômica de seu governo, que se diferenciava substancialmente do
governo de Médici. Aqui, o milagre econômico dava lugar a uma crise econômica
associada ao choque do petróleo.
O Brasil consumia cada vez mais petróleo importado e o aumento do preço
deste no mercado internacional atingiu profundamente a economia brasileira. Além
do mercado interno menor, o baixo volume de exportações e de capital estrangeiro
em forma de investimento no Brasil contribuiu pra decretar o cenário de crise. Contra
a crise, o governo decide centrar suas ações sob a forma do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND). O II PND almejava alcançar a auto-suficiência em insumos
básicos e energia, por meio do processo da substituição de importações, anterior a
esse governo e agora se ampliava.
A situação interna da economia brasileira nos anos Geisel se faz importante
ao passo que é esta, aliada a um cenário internacional adverso, que acaba por levar
o país a realizar mudanças em sua política externa.
Com a crise econômica internacional decorrente da valorização do petróleo,
a partir de 1974, o governo de Ernesto Geisel redefiniu as funções
supletivas da política externa ao projeto de desenvolvimento: a diplomacia,
convertendo-se em instrumento mais ágil, buscou a cooperação, a
expansão do comércio exterior, o suprimento de matérias-primas e de
insumos, o acesso a tecnologias avançadas, com a finalidade de dar
suporte a grandioso plano interno de auto-suficiência em insumos básicos e
bens de capital. (CERVO;
BUENO, 1992, p. 385)
O mercado interno não mais representava demanda suficiente e coube então
ao governo a missão de buscar mercado para a indústria brasileira para além das
fronteiras do Estado. Tal quadro se insere dentro do cenário do modelo de
desenvolvimento adotado na época, o Modelo Substitutivo de Exportações. Em vigor
de 1961 a 1989, no Modelo Substitutivo de Exportações a pauta de exportações era
estimulada a conter um maior volume de produtos manufaturados e de maior valor
agregado. Foi este modelo o eixo central da relação entre comércio exterior e
desenvolvimento no período (SILVA, 2004, p 27). Uma das principais indústrias
abarcadas neste contexto foi a indústria de material bélico, que contou com uma
política de exportação de seus produtos por parte do Estado, a fim de alcançar uma
demanda suficiente para viabilizar uma produção interna em maior escala neste
setor. De fato, seria este o primeiro decisivo momento no que se refere à
18
nacionalização da segurança. Segundo Cervo e Bueno, tal processo continuaria em
outros três momentos igualmente importantes: a assinatura de o Acordo Nuclear
com a República Federal da Alemanha, em 1975, o qual possibilitava a transferência
de tecnologia; a denúncia do Acordo Militar com os Estados Unidos, em 1977; e o
desenvolvimento interno de um programa nuclear paralelo no mesmo período.
(CERVO; BUENO, 1992, p. 405)
Nesse período fortaleceu suas relações com países de diversas regiões,
dentro das linhas do chamado Pragmatismo responsável e ecumênico, com vistas a
diversificar mercados para os produtos de origem nacional e suas parcerias.
Retomou relações comerciais e diplomáticas com a República Popular da China em
1974, país com o qual viria a cooperar paulatinamente no âmbito da tecnologia
aeroespacial. Incrementou também suas relações comércio com a Europa Ocidental
e Japão. Se aproximou da Argentina em primeiro passo bem sucedido para resolver
as controvérsia envolvendo as barragens hidrelétricas na Bacia do Prata, a ter
solução acordada no governo seguinte. Uniu-se a seus vizinhos na América do Sul
para a iniciativa amazônica como foco a reafirmar soberania dos países da região
sobre a Amazônia, face os rumores de internacionalização desta (VIZENTINI, 2003,
p. 52-53)
Tecnologias de maior complexidade também foram exploradas. Foi neste
governo que se deu início ao programa nuclear brasileiro, que realizaria suas
atividades até meados da década seguinte. Também no âmbito da tecnologia
nuclear, foi no governo Geisel que fora assinado o Acordo Nuclear com a Alemanha
para transferência de tecnologia, em 1975, motivado, em grande parte, pela decisão
dos Estados Unidos em cessar o fornecimento de urânio ao Brasil no ano anterior,
componente indispensável à época para o funcionamento das usinas de Angra dos
Reis (MENDONÇA; MIYAMOTO, 2011, 22)‟.
Os progressos em matéria de segurança e defesa no governo Geisel,
fundamentais para a indústria de defesa nacional no período, baseavam-se em uma
política externa de caráter autônomo (SILVA, 2012, 164). A relação de alinhamento
no eixo Leste-Oeste, característico do período Guerra Fria no ambiente
internacional, já não era visto como completamente vantajoso aos interesses do
país, pois se considerava que tal alinhamento não havia produzido os efeitos
desejados. Neste sentido, a política externa brasileira direcionar-se-ia ao eixo de
atuação Norte-Sul, tendo como base as disparidades econômicas e a busca por
19
estender suas relações a novos países e parceiros em potencial, sem limitar-se aos
Estados Unidos, ainda que sem romper com o mesmo (MENDONÇA; MIYAMOTO,
2011, 15).
Dentro do contexto de uma política externa autônoma, relações Sul-Sul
também passam paulatinamente a ganhar certo destaque. Exemplo de tais relações,
a relação Brasil-Iraque se confunde em determinados momentos com o próprio
histórico da Indústria de Defesa Nacional. Logo, ao entender relação entre esses
dois países é possível também melhor compreender as principais dinâmicas da
indústria de defesa nacional no período.
A aproximação do Brasil com o país árabe ocorreu em um momento no qual o
Brasil se encontra altamente dependente de petróleo. Na primeira metade da
década de 1970, a produção interna crescia a níveis modestos e aquém do
crescimento geral da economia, e sua capacidade de produção não era suficiente
para suprir a demanda pelo produto. A solução seria buscar no mercado externo e
fora no Iraque que o Brasil encontrou seu parceiro ideal.
Nesse momento, o petróleo figuraria como tema primordial da política
externa brasileira e do programa de desenvolvimento econômico do País,
que continuavam imbricados. De uma importância risível, o Iraque, com o
seu petróleo, se tornaria essencial para a economia brasileira. (FARES,
2007, 131)
O início da compra de petróleo iraquiano pelo Brasil ocorre em um ambiente
político singular. O Brasil foi na ocasião o primeiro país do mundo a apoiar a decisão
do governo iraquiano de nacionalizar o petróleo de seu país e importar o produto
(SALEH et al., 2010, 13). As boas relações entre os dois países renderam vantagens
ao Brasil em termos comerciais, como preços mais baixos para o Brasil e a venda de
petróleo a preço internacional, sem sobretaxas, em épocas de crise, como no
imediato pós Segundo Choque do Petróleo, em 1979 (FARES, 2007, 137). Naquele
ano, 90% do petróleo consumido no Brasil eram provenientes do mercado externo,
sendo o Iraque o principal país de origem do produto (FARES, 2007, 135).
20
A relação comercial entre Brasil e Iraque, quase em sua totalidade
representada pela simples compra de petróleo por parte do Brasil, seria ampliada
nos anos seguintes, sendo a indústria de defesa uma das mais beneficiadas.8
A Guerra Irã-Iraque (1981-1989) marcou importante ponto de inflexão nas
relações comerciais dos dois países. Com a guerra, cresce a demanda por
armamentos por parte do Iraque e a indústria bélica brasileira passa a exportar
grandes volumes desses produtos ao país árabe. Com isso, o Iraque se tornara o
principal cliente da Indústria de Defesa brasileira na década de 1980 (FARES, 2007,
138) e é ainda considerado o maior cliente da Indústria de Defesa Brasileira em toda
sua história (MORAES, 2012, 27).
A relação entre Brasil e Iraque chegou também ao campo da cooperação
nuclear. Após meses de negociação, é enfim firmado em 5 de janeiro de 1980
Acordo de Cooperação Nuclear entre Brasil e Iraque, com vias ao uso pacífico da
energia. Logo, o Acordo previa a “prospecção, exploração e beneficiamento de
urânio; fornecimento de urânio para o abastecimento de reatores nucleares; e
fornecimento de serviços de engenharia para a construção de reatores” (SALEH et
al., 2010, 18). As iniciativas de cooperação por parte do Brasil não ficaram limitadas,
no entanto, às relações com o Iraque na região do Oriente Médio.
Desenvolveu-se a cooperação tecnológica no campo nuclear, de
mísseis e aviação, bem como na prospecção de petróleo off shore
pela Braspetro, subsidiária internacional da Petrobras, que descobriu
e explorou em parceria vários lençóis petrolíferos. O Iraque, o Irã, a
Líbia, o Egito, a Argélia e a Arábia Saudita eram os principais
parceiros brasileiros nesses campos de cooperação. (VIZENTINI,
2003, p. 64)
Parte da imprensa da época, inclusive internacional, afirmava haver acordo
secreto para fornecimento de urânio do Brasil ao Iraque, com fim último de
fabricação de material bélico nuclear. A imprensa chegou a cogitar a utilização de
aviões portando produtos da Avibras com destino ao Iraque como pano de fundo
para a exportação de urânio brasileiro àquele país. As informações, no entanto,
8
A indústria armamentista não fora, no entanto, a única a ter papel relevante nas relações entre Brasil e
Iraque. As indústrias de construção, por meio da construtora Mendes Jr, e a automobilística, representada pela
Volkswagen, empreenderam contratos substanciais com o país árabe. Sobre o tema ver SALEH et al., 2010, 1516.
21
foram negadas pelos governos da época e qualquer ligação secreta no campo
nuclear entre Brasil e Iraque fora jamais provada oficialmente.
Nesse período a BID vislumbrava amplo crescimento e a cooperação na área
nuclear e de defesa prometia bons resultados. Todavia, a situação então positiva da
BID brasileira duraria pouco tempo. Já nos anos 90 a BID passaria por dificuldades
advindas de retrações dos mercados interno e externo, com diminuição significativa
das exportações e, no mercado interno, da demanda de produtos de defesa pela
Forças Armadas Brasileiras, dadas as baixas no orçamento militar no período
(FERREIRA, 2011, 19). Desde os anos 80 as Forças Armadas não representavam
demanda suficiente no setor, que tinha no mercado externo seu principal parceiro,
com destaque aos países do Oriente Médio (SILVA, 2011, 149).
Quando termina a Guerra Irã-Iraque, a demanda por armamentos por parte do
Iraque diminui significativamente e causa impacto na indústria de Defesa Nacional,
que tinha naquele país seu principal cliente. A situação mostra-se de difícil solução
quando, ao fim da Guerra do Golfo em 1991, é imposto embargo comercial pela
ONU ao Iraque, que passaria então crescentemente à categoria de Estado pária9.
Ao se deparar com o Iraque sem recursos para investir em mercadorias de outros
países, o Brasil, agora com maior produção de petróleo e menos dependente do
petróleo iraquiano para garantir o crescimento de sua indústria, começa a perder
interesse em preservar relações mais estreitas com o país árabe (FARES, 2007,
143). Uma vez que o mercado externo se retraiu, nos anos 90, a crise foi instaurada
no setor.
9
Conceito nascido nos Estados Unidos para designar os Estados que representavam ameaça a sua segurança e à
ordem internacional , Estado pária seria , segundo Derghoukassian "uma instituição que desafia as regras
impostas por outros Estados mais potentes. Em outras palavras, um Estado que desafia o status quo é um
Estado pária". Dentre as características passíveis a levar um Estado a ser classificado com Estado pária estão o
terrorismo e a busca por obtenção de armas de destruição em massa por países em desenvolvimento
(DERGHOUKASSIAN, 2002, p. 274).
22
Gráfico 1. Exportações de produtos de defesa brasileiros (1970-1999) em US$ milhões
300
250
200
150
100
50
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
0
Fonte: Elaborado pelo autor.
Dados: SIPRI.
O Gráfico 1 demonstra claramente o cenário de crise que se instalara na
indústria na década de 1990. De fato, observa-se um crescimento das exportações
de produtos de defesa brasileiros a partir de 1974, chegando ao seu ápice dez anos
mais tarde, em 1984, com expressivos US$ 269 milhões em produtos de defesa
exportados. Na década seguinte o volume de exportações decai substancialmente,
chegando a singelos US$ 26 milhões em 1998. Destaca-se, ainda, que a média de
exportações de produtos de defesa para o decênio 1990-1999 foi de US$ 48,6
milhões, valor inferior aos registrados na década de 1970 (US$ 58,5 milhões) e
representando uma queda de 69,74% comparada à média da década imediatamente
anterior, que foi de US$160, 6 milhões. As quedas nas vendas de veículos blindados
na década de 1990 podem ser citadas aqui como uma representação da crise que
se instalou na indústria de defesa no período. Excetuando-se o ano de 1989, o Brasil
exportou veículos blindados em todos os anos da década anterior, atingindo uma
soma de US$ 796 milhões em exportações do produto no período. Tal valor é
significativamente superior ao volume alcançado com as vendas do produto na
década de 1990, que seriam representadas por apenas uma transação no ano de
1994, com a venda de 75 veículos EE-9 Cascavel para a Nigéria ao valor de US$ 54
milhões.
Os motivos para a crise do setor nos anos 90, no entanto, não se restringem
apenas à retração de mercado. O ambiente político-econômico do país no período
23
também pode ser considerado como um dos principais motivos para a crise. O
processo de redemocratização pelo qual o país passava relegou os assuntos de
Defesa e Segurança a segundo plano devido às contradições nas relações civilmilitares. O ambiente macroeconômico também se convertia em mais um desafio à
indústria frente à instabilidade e inflação alta. Ademais, a falta de uma política de
Estado voltada ao setor não seria suprida por mais de uma década, deixando a
indústria de defesa do país com a missão de se auto-adaptar ao novo cenário. No
entanto, grande parte das empresas atuantes no setor não logrou a adaptação
necessária para garantir a competitividade da indústria de defesa, como o avanço
em matéria de tecnologia dos produtos aqui produzidos, o que levou a episódios de
perda significativa de capital e competitividade e falências, inclusive de empresas
que outrora disputavam a liderança do mercado, como a Engesa (SILVA, 2011,
149).
Apesar disso, as atenções do governo se voltariam ao setor de defesa,
paulatinamente, apenas anos depois, tendo como primeiro passo relevante nesse
sentido a criação do Ministério da Defesa, em 1999, no governo Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002).
.
1.2 A Defesa na Política Externa recente
Regionalmente, no que tange à política externa, a situação agora se
diferenciava em grande medida das décadas anteriores. O ambiente de rivalidade na
região, que vigorava na época dos regimes militares, começava a dar lugar à
cooperação.
A partir de então, a integração entre os países da região “tornou-se a
plataforma do desenvolvimento, (...) o que confere hoje à política externa de
segurança e defesa nacional uma característica de cooperar na criação de um
ambiente regional estável diante das novas ameaças transnacionais” (SENHORAS;
CARVALHO, 2008, 137).
Neste novo cenário, as ameaças na região adquirem nova forma. As ameaças
de conflito interestatal diminuem consideravelmente e, mais recentemente, as
atenções acabam por se voltar a novas ameaças que surgem no horizonte político-
24
estratégico dos países da região. Problemas internos como alta taxa de
criminalidade e a profunda desigualdade social; e ilícitos transfronteiriços como
tráfico de drogas, armas e tráfico humano emergem como ameaças à segurança do
Estado e ajudam a justificar a nova onda de investimentos em Defesa (SILVA, 2011,
80).
No âmbito da cooperação internacional, ganham destaque as relações de
cooperação Sul-Sul. O Brasil tem desempenhado papel de protagonista em matéria
deste tipo de cooperação, participando de fóruns mundiais e de iniciativas em âmbito
Sul-Sul, como o IBAS, UNASUL e a Cúpula ASPA, e fortalecendo suas relações
comerciais com as principais economias emergentes do Sul. A China, por exemplo,
se tornou, em poucos anos, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, sendo,
já em 2009, o principal destino das exportações brasileiras e o segundo mercado de
origem das importações do país (PEREIRA, 2012).
No tocante à Política Externa Brasileira, cabe observar que em diversas
ocasiões o Brasil tem utilizado de suas Forças Armadas como instrumento de
política internacional. A participação das Forças Armadas em missões de assistência
e cooperação com outros países não auxilia apenas a melhorar a imagem do país
internacionalmente. Tais ações podem, também, produzir efeitos positivos sobre a
BID, como, por exemplo, aproximação com novos clientes em potencial no mercado
externo e aumento das exportações; além de acordos de desenvolvimento de
produtos de defesa com outros países (SILVA, 2011, 84).
A cooperação, na maioria das vezes de ordem econômica e comercial, aos
poucos também ganha forma na área de Segurança e Defesa. Em anos recentes o
Brasil vem aumentando sua participação em projetos de cooperação e/ou fabricação
de produtos de Defesa com outros países do Sul, sem, no entanto, limitar-se a
estes. São exemplos de projetos conjuntos com outros países o projeto KC-390, o
veículo militar leve Gaúcho e o projeto A-Darter.
As vantagens de um projeto de produção de produtos de defesa com outro
país vão além do puro desenvolvimento tecnológico e consequente diminuição de
assimetrias para com países tecnologicamente mais avançados na área. Segundo
Silva:
Visualiza-se [...] possibilidades de reverberações significativas de cunho
militar (ex. fomento a intercâmbios, maior interoperabilidade, exercícios
conjuntos, novos projetos), comercial (ex. tornar possível a divisão de
custos de desenvolvimento, um maior volume de produção, o fortalecimento
das empresas envolvidas) e, finalmente, político-diplomático (ex. contribuir
25
para a construção de laços de confiança, abrir caminho para convergências
estratégicas em agendas de segurança). (SILVA, 2011,22)
Diante desse contexto, analisarão, brevemente, dois exemplos de ações de
cooperação em matéria de Defesa em que o Brasil se insere e que têm apresentado
efeitos para a BID brasileira ou que tem o potencial para tanto. Para efeitos de
pesquisa, destaca-se o projeto de desenvolvimento de produto de defesa, A-Darter,
em parceria com a África do Sul e a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano,
no âmbito da UNASUL.
1.2.1 África Do Sul – A-Darter
Exemplo de cooperação na área de segurança e defesa entre Brasil e África
do Sul, o projeto A-DARTER prevê o desenvolvimento e fabricação de um míssil arar guiado por infravermelho de 5ª geração. O projeto ficou a cargo da Força Aérea
Brasileira; das empresas brasileiras Mectron, Avibras e Opto Eletrônica; do
ARMSCOR; e da estatal sul-africana do setor, a Denel. Trata-se, pois, de tecnologia
avançada que poucos são os países que dispõem de conhecimento e tecnologia
necessários à sua fabricação, como os Estados Unidos, Israel, França, entre outros.
A iniciativa de cooperação entre Brasil e África do Sul para além dos grandes
foros internacionais dos quais fazem parte, como IBAS e BRICS, vai de encontro ao
objetivo com de fortalecer suas respectivas bases industriais de defesa. Fato
importante nesse cenário é a situação similar, embora por razões distintas, das
indústrias de defesa na África do Sul e no Brasil nos anos 90. Naquele país, os anos
90 marcaram para a indústria de defesa como um período de sérias dificuldades,
sobretudo após o fim do Apartheid. Mas a situação política interna figurava como
apenas mais uma face deste prisma. Assim como ocorreu na região sul-americana,
o cenário internacional do pós Guerra Fria e a situação política dos países da região
foram decisivos para traçar o desempenho da indústria de defesa nos anos que se
seguiram.
A partir do exposto, ressalta-se que o projeto A-Darter e outros de natureza
semelhante “contribuem para a atualização tecnológica das Forças Armadas e,
simultaneamente, fortalecem os laços de cooperação e de confiança no entorno
26
estratégico brasileiro, além de ajudar a alavancar o desenvolvimento de certas
tecnologias” (SILVA, 2011, 84).
Como bem observa Aguilar (2008),
Há a vinculação da política de defesa com a política externa materializada
na explícita disposição de cumprimento dos tratados emanados do direito
internacional, da observância dos direitos humanos, das participações em
operações de manutenção de paz das organizações internacionais.
(AGUILAR, 2008, 109)
Os esforços de cooperação com países Sul-americanos, do Caribe e da
África, em especial os de língua portuguesa e aqueles banhados pelo Oceano
Atlântico, inclusive os mais recentes em matéria de Defesa e Segurança, vão ao
encontro com as diretrizes e objetivos da atual política externa brasileira. A
cooperação nessas regiões, correspondentes ao entorno estratégico do Brasil, tem o
escopo máximo de garantir uma conjuntura duradoura de segurança. Nas palavras
de Celso Amorim (2012), Ministro de Estado da Defesa,
O Brasil deseja construir em nosso entorno uma “comunidade de
segurança”, no sentido que o cientista político Karl Deutsch deu a essa
expressão, isto é, um conjunto de países entre os quais a guerra se torna
um expediente impensável. (AMORIM, 2012, 2)
1.2.2 Conselho De Defesa Sul-Americano
O Conselho de Defesa Sul-Americano, criado no final de 2008, no âmbito da
UNASUL, pode ser visto como uma das principais iniciativas de cooperação na área
de Defesa na América do Sul.
A proposta de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano surge de forma
substancial em 2008 após a crise diplomática que se instaurava na região. Naquele
ano, a Colômbia, com o escopo de prender Raúl Reyes, um dos líderes das Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia, empreendeu ataques em solo equatoriano
sem o prévio consentimento deste país. A operação de 1º de março, que terminaria
com a morte de Raúl Reyes e outras 16 pessoas, provocou uma crise diplomática
27
entre os dois países.10 À época, o governo do Equador chegou a romper relações
diplomáticas com a Colômbia e ganhou apoio do governo de Hugo Chávez, da
Venezuela, diante da crise. A situação somente seria contornada depois de pedido
formal de desculpas por parte do presidente colombiano em reunião do Grupo do
Rio11.
O documento constitutivo do Conselho de Defesa Sul-Americano teve adesão
dos doze países membros da UNASUL e assinatura em dezembro de 2008. O órgão
foi criado com o escopo de ser uma plataforma de diálogo de temas relacionados à
defesa. O Conselho tem por principais objetivos:
a) a construção de uma Zona de Paz e Cooperação no subcontinente , pois
essa seria a base para a estabilidade democrática e para o
desenvolvimento integral dos povos sul -americanos, além de contribuir para
a paz mundial; b) a construção de uma identidade sul-americana em defesa,
que considere as características sub -regionais e nacionais e contribua para
o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe ; e, c) a geração
de consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de de fesa.
(GALERANI, 2011, 64)
De grande importância também são os onze objetivos específicos do
Conselho, dentre os quais se destaca aqui: avançar gradualmente na análise e
discussão dos elementos comuns de uma visão conjunta em matéria de defesa ;
avançar a construção de uma visão compartilhada a respeito das tarefas de
defesa e promover o diálogo e a cooperação preferencial com outros pais
́ es da
América Latina e do Caribe ; promover o intercâmbio e a cooperação no âmbito
da indústria de defesa (GALERANI, 2011, 64).
O aprofundamento das relações de cooperação em defesa da América do Sul
e especialmente interessante o Brasil à medida que tal avanço pode significar a
construção de um ambiente capaz de trazer determinando os benefícios do país.
Pode-se citar a configuração de capacidade dissuasória regional, desenvolvimento
de uma identidade sul-americana de defesa e a geração de maior confiança entre os
países da região, inclusive para com o Brasil (Abdul-Hak, 2013, 193).
10
La muerte de Raúl Reyes desencadena uma crisis diplomática entre Colombia, Venezuela y Ecuador. El País. 2
de março de 2008.
http://internacional.elpais.com/internacional/2008/03/02/actualidad/1204412408_850215.html
11
Criado em 1986, o Grupo do Rio é um órgão consultivo internacional. É composto por Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica,
México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai, Venezuela, CARICOM.
28
Interessante notar que alguns destes pontos já se faziam presentes na visão
do ex-Ministro da Defesa brasileiro sobre as potencialidades e atribuições do
Conselho quando das negociações de criação do mesmo
Na visão do então ministro de Defesa do Brasil, o CDS deveria contribuir
para construir uma identidade de defesa sul-americana e suas atribuições
seriam: articular medidas para aumentar a confiança dos países da região,
prevendo-se a adoção de políticas de defesa comuns; a realização de
exercícios militares conjuntos; a participação conjunta em operações de paz
sob a liderança da ONU; a integração das bases industriais de defesa; a
análise conjunta dos contextos nacional, regional e sub-regional nas áreas
de segurança e defesa, bem como a possibilidade de ações coordenadas
no enfrentamento de riscos e ameaças à América do Sul; e articulação e
coordenação de posições nos fóruns multilaterais relacionados a esses
assuntos. (OKADO, 2012, 103)
O caminho para se chegar à criação da capacidade dissuasória regional e de
uma identidade sul-americana de defesa passa necessariamente por uma indústria
de defesa robusta e competitiva. Neste sentido, o Conselho de Defesa Sulamericano pode vir a ter papel de destaque.
A interdependência das bases industriais de defesa na América do Sul tente a
abrir amplo espaço à construção de maior confiança entre os atores parte do
processo. Ao mesmo tempo, cria oportunidades e incentiva o desenvolvimento
tecnológico na região, diminuindo, portanto, a histórica dependência externa que as
indústrias de defesa sul-americanas possuem quanto à aquisição de novos materiais
e tecnologia. Esta relativa independência frente a outros países na indústria de
defesa nacional pode ser vista como importante ferramenta para a construção de
uma identidade de defesa sul-americana.
Em caráter externo, faz parte da atuação do Conselho a busca de mercado
externo às empresas da indústria de defesa da região, bem como avançar na
cooperação de Pesquisa e Desenvolvimento militar no subcontinente.
1.3 Conclusão ao capítulo 1
Ao longo do capítulo buscou-se demonstrar a relação entre política externa e
BID. Foi abordado no capítulo de que modo a política externa dos governos Médici
e, em especial, Geisel fortaleceram a indústria de defesa e contribuíram para levar a
BID a viver seu período de maior prosperidade. Abordou-se, também, o exemplo de
29
como a indústria de defesa tem se mostrado relevante à política externa brasileira,
em uma conjuntura de cooperação e integração, inclusive produtiva. Logo, foi
possível observar que, ainda hoje, a relação entre política externa e BID se mostra
positiva para ambos os agentes. Ao passo que a diplomacia age no sentido de
buscar mercados para a indústria de defesa nacional e assim contribuir para seu
fortalecimento, a indústria de defesa aparece como instrumento para maior
integração entre o Brasil e nações amigas, em especial, os países do Sul.
30
2. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INDÚSTRIA DE DEFESA NO
BRASIL
A importância da indústria de defesa em termos econômicos e de
desenvolvimento para o país é motivo de amplo debate na academia, com visões e
estudos bastante distintos em suas conclusões. Entretanto, seu valor estratégico
parece ser consensual entre os principais pesquisadores, empresários e autoridades
próximas ao tema.
Um dos pontos mais considerados nesse sentido é a diminuição da
dependência de tecnologia de outros países, em especial as tecnologias mais
avançadas. Não raro, a transferência de tecnologia de ponta e, por vezes, mesmo a
venda de produtos militares avançados encontram resistência por parte do país
exportador.
Uma indústria nacional de defesa confere ao Estado maior número de
recursos de poder, reduzindo a dependência no fornecimento de produtos
militares oriundos de outros países. As exportações de produtos militares
estão sujeitas a variadas formas de controle, as quais impedem o acesso
brasileiro a produtos militares com tecnologias avançadas. (MORAES, 2010,
p 191)
O desenvolvimento de tecnologias internamente e uma indústria de defesa
sólida contribuem para diminuir a vulnerabilidade em situações adversas, como o
encontro de limitantes á transferência de tecnologia por parte de países mais
avançados, e impactam positivamente sobre os rumos da defesa nacional. Tal valor
motivou por décadas uma política voltada especificamente ao setor por parte do
Estado, que hoje busca retomar ações direcionadas à indústria de defesa ao
implantar um novo arranjo de políticas públicas para a Indústria de Defesa. Será tais
políticas, do passado e da atualidade, o foco de análise do presente capítulo.
No item que segue, serão analisadas as políticas levadas a cabo pelo Estado
nas décadas passadas, em especial no período militar e no período que abarca os
primeiros anos da década de 1990. No item seguinte, serão tratadas as principais
políticas públicas do período recente.
2.1 Políticas Públicas para a Indústria de Defesa: breve histórico
31
Como observado anteriormente, a indústria de defesa no Brasil alcança
expressividade apenas a partir dos anos de 1960. E há razões suficientes para
tanto. Por um longo tempo, não houve uma política voltada especificamente à
indústria de defesa nacional por parte do governo. Assim, tal indústria era colocada
sob o mesmo prisma que abarcava as demais indústrias. É seguro dizer que por um
longo período as políticas industriais que havia englobavam de forma geral a maior
parte dos setores industriais brasileiros, sem contemplar as características
específicas de cada setor em particular, incluindo o de Defesa. Logo, pouco avanço
foi percebido nessa área.
Um dos poucos avanços significativos no que se refere à indústria de defesa
no Brasil em seu período de baixa expressividade foi a política de industrialização
promovida por Getúlio Vargas em seu período na presidência. O foco da política de
industrialização de Vargas não consistia na indústria de defesa em si, era uma
política mais ampla e que englobava diversos setores industriais do país. Essa
política acabou por fortalecer “setores industriais importantes à produção de artigos
militares, sendo esta sua maior contribuição ao setor” (MATHEUS, 2010, p 27). Data
desta época, por exemplo, a produção nacional do caminhão FNM, voltado ao uso
civil, que encontra com as raízes de seu desenvolvimento no militar-truck
(CASTELLANO, 2008, p. 62).
É apenas com o golpe militar em 1964 e com os governos militares que se
seguiram, entretanto, que a Indústria de Defesa passa a ter papel de destaque na
agenda de política industrial do país, com resultados e expectativas crescentes.
A partir da Revolução de 1964, a indústria de defesa passou a ocupar uma
posição de vanguarda no avanço científico, tecnológico e industrial do país.
Esperava-se
que
outros
segmentos
fossem
arrastados
pelo
desenvolvimento atingido, ou seja, que a tecnologia decorrente pudesse ser
também aplicada em outros setores da economia. (MATHEUS, 2010, p 25)
Ao mesmo tempo em que o orçamento para atividades não ligadas à
pesquisa nas universidades ficava menor, ocorreriam na época massivos
investimentos em pesquisa e desenvolvimento nessas instituições (DAGNINO, 2010,
p 186). De fato, em setores considerados estratégicos pelos militares, as ações iam
além e se criava um robusto conjunto de medidas que visavam criar condições
favoráveis ao pleno desenvolvimento destes setores e de sua competitividade.
32
Para estes setores foi formulada uma estratégia de desenvolvimento
científico e tecnológico sistemática, de longo prazo, que ia desde a
formação de recursos humanos (no ITA e no IME, por exemplo, no caso em
pauta), realização de pesquisa (no CTA, por exemplo) e fomento à P&D
etc., aliada a medidas de caráter econômico, tais como subsídios de vários
tipos, proteção do mercado nacional, negociação relativamente mais estrita
com o capital multinacional etc. (DAGNINO, 2010, p 187)
Tais medidas propiciaram as condições necessárias para que a Indústria de
Defesa brasileira se consolidasse e ganhasse mercado, inclusive no exterior, como
demonstrado no capítulo anterior. Cenário este que se alteraria profundamente
dentro de poucos anos.
A saída dos militares do poder e a eminente crise pela qual passaria a
indústria de defesa, aliados à conjuntura internacional que se formava na época,
contribuíram para que houvesse um hiato de políticas públicas para a área.
Paulatinamente a indústria de defesa voltou a ser pauta das discussões a
cerca da política industrial no âmbito do governo. Tal processo, apesar de ter seu
maior alcance a partir do primeiro governo Lula, é uma tendência que encontra o
início de seu desenvolvimento ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.
(MORAES, 2010, p 176)
Foi em seu governo que o Fórum da Indústria de Defesa foi criado, no âmbito
do Ministério da Defesa. Criado em 2001, é “um espaço formal destinado ao diálogo
do Estado e da indústria de defesa, sendo integrado, além disso, por pesquisadores
de instituições públicas e privadas (MORAES, 2010, p 176). É a partir do governo
Lula, entretanto, que a Indústria de Defesa assume novamente papel de grande
destaque dentre as políticas do governo com a publicação dos principais
documentos que hoje norteiam a política de defesa do país.
2.2 O ressurgimento da Indústria de Defesa na pauta governamental
É nos últimos 20 anos que observa com maior clareza a evolução no
pensamento e no planejamento público para a indústria de defesa. Nesse período,
são publicados os principais documentos sobre a política de defesa adotada pelo
País e sobre a indústria de defesa nacional, dentre os quais a Política de Defesa
Nacional (1996 e revista em 2005), a Política Nacional para a Indústria de Defesa
(2005), a Estratégia Nacional de Defesa (2008), e o Livro Branco de Defesa
Nacional (2012); bem como se tem nesse período a regulamentação na esfera
33
jurídica por meio de leis e decretos diretamente relacionados à Indústria de Defesa,
sendo estes a Lei 12.598/12 e o decreto nº 7.970/13. Uma breve análise do
conteúdo presente nestes documentos mostra como a indústria de defesa adquire
importância ao longo do período perante o governo. É a esta análise que se
dedicará esta seção.
Considerado o primeiro grande documento voltado à Defesa publicado pelo
Estado brasileiro, a Política de Defesa Nacional (1996) não apresenta em seu
conteúdo diretrizes ou considerações específicas para a indústria de defesa
nacional.
O documento caminha em um viés até então dominante no que se refere à
indústria de defesa ao priorizar o desenvolvimento científico e tecnológico na área.
Em sua orientação estratégica, o documento afirma:
4.5. É essencial o fortalecimento equilibrado da
capacitação nacional no
campo da defesa, com o envolvimento dos setores industrial , universitário e
técnico-científico. O desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental
para a obtenção de maior autonomia estratégica e de melhor capacitaç
ão
operacional das Forças Armadas. (BRASIL, 1996)
O foco em ciência e tecnologia tinha por escopo dotar o país de maior
independência externa no tocante a recursos de defesa, uma visão que já era
compartilhada por militares em anos anteriores e mais uma vez se fazia presente,
como fica evidente em suas diretrizes, dentre as quais:
R. buscar um nível de pesquisa científica , de desenvolvimento tecnológico
e de capacidade de produção , de modo a minimizar a dependência externa
do País quanto aos re cursos de natureza estratégica de interesse para a
sua defesa; (BRASIL, 1996)
A Política de Defesa Nacional seria revista e editada em 2005, já no governo
Lula. Sua nova edição representa um avanço significativo no debate acerca da
indústria de defesa e sua importância para o País. Aqui, o viés científico-tecnológico
da versão anterior do documento também se faz presente12, e proporciona as bases
para uma discussão que vai além e acaba por conferir posição de destaque à
indústria de defesa, por reconhecer a importância do desenvolvimento na área, em
12
No documento, em suas diretrizes, por exemplo, tem-se que ”XVII - estimular a pesquisa científica, o
desenvolvimento tecnoló gico e a capacidade de produção de materiais e servi ços de interesse para a defesa”
34
especial às tecnologias de uso dual (civil e militar) e o papel do Estado como
apoiador nesse processo.
6.9 O fortalecimento da capacitação do Pais
́ no campo da defesa é
essencial e deve ser obtido com o envolvimento permanente dos setores
governamental, industrial e acadêmico , voltados à produção científica e
tecnológica e para a inovação . O desenvolvimento da indústria de defesa ,
incluindo o domínio de tecnologias de uso dual
, é fundamental para
alcançar o abastecimento seguro e previsível de materiais e serviços de
defesa. (BRASIL, 2005a)
A indústria de defesa encontra a política externa à medida que o documento
trata como prioridade a integração regional, incluindo nesta o campo de defesa.
Aqui, a integração regional torna-se o pilar central em matéria para as políticas para
a indústria de defesa e seu fortalecimento.
6.10 A integração regional da indústria de defesa
, a exemplo do
Mercosul, deve ser objeto de medidas que propiciem o desenvolvimento
mútuo, a ampliação dos mercados e a obtenção de autonomia estraté gica.
(BRASIL, 2005a)
A integração aqui é entendida não apenas como mais uma forma de
aumentar o comércio de produtos de defesa com os países da região ou de se
fortalecer a indústria de defesa brasileira e sul-americana, mas também como uma
ferramenta para o desenvolvimento dos países envolvidos e legitimar cada vez mais
o projeto de integração que assegure capacidades soberanas.
Logo, neste prisma a integração regional e a busca por mercados podem ser
entendidas como respostas à crise vivida pela indústria de defesa brasileira e como
um primeiro passo à criação de uma identidade sul-americana de defesa, desejo
expresso pelo governo brasileiro em variadas oportunidades. Aqui, vale ressaltar,
não apenas o comércio é objetivo quando se fala em integração, mas também o
desenvolvimento conjunto com países parceiros de produtos de defesa.
XXIV- criar novas parcerias com países que possam contribuir para o
desenvolvimento de tecnologias de interesse da defesa; (BRASIL, 2005a)
Neste sentido, observa-se um profundo amadurecimento no pensamento em
matéria de indústria de defesa nas políticas públicas do Estado brasileiro em um
período relativamente curto. As ações voltadas à indústria de defesa se estenderiam
35
ainda mais naquele ano, com a publicação da Política Nacional para a Indústria de
Defesa.
Parte de um programa mais amplo para a o fortalecimento da indústria, a
Política Nacional para a Indústria de Defesa, aprovada em 19 de julho de 2005,
possui caráter mais específico à indústria de defesa, e tem como objetivo geral o
fortalecimento da BID. Com tal objetivo, é interessante observar neste documento
que pela primeira vez se tem ações de ordem interna específicas para a indústria de
defesa e sua melhor atuação.
Entre seus objetivos específicos encontra-se a redução da carga tributária
para as empresas da BID, como auxílio a um melhor desempenho tanto no mercado
interno quanto no externo. Ao tratar-se de mercado interno, o governo também
sinaliza para maior aquisição por parte das Forças Armadas dos produtos de defesa
produzidos nacionalmente. A diminuição da carga tributária e a garantia de mercado
interno para tais produtos seriam, portanto, ações concretas e diretas do governo em
direção a uma BID forte e competitiva.
O documento não detalha de que forma ou qual a abrangência de tais
políticas, ou mesmo o tempo de duração destas, mas representa mais um passo na
consolidação da indústria de defesa como uma indústria de importância central para
o Estado e para a sociedade.
Documentos mais amplos de defesa e política voltariam a ter em seu
conteúdo políticas voltadas à indústria de defesa com a publicação da Estratégia
Nacional de Defesa, em 2008.
A Estratégia Nacional de Defesa destina amplo espaço para o que chama de
“reestruturação da indústria brasileira de materiais de defesa”. De fato, como
observa Dagnino (2010) ao analisar o documento, a reestruturação da indústria de
defesa é colocada como condição essencial para um projeto de defesa nacional
sólido.
A importância da ID no documento já fica evidente na carta por meio da qual
o ministro da Defesa e o chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos
encaminham ao presidente. Ao colocar que „a reestruturação da indústria
brasileira de materiais de defesa tem como propósito assegurar que o
atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apóiese em tecnologias sob domínio nacional‟, está-se indicando que este
„atendimento‟, que é condição para a existência da defesa do país, depende
da „reestruturação‟ da ID. (DAGNINO, 2010, pg. 213-214)
36
O documento coloca em posição central o objetivo de alcançar determinada
independência em tecnologias essenciais à defesa e ao País. Para tanto, são
elencadas ações com o objetivo de dotar a indústria de defesa nacional de domínio
de tecnologias de valor estratégico para o Brasil e contribuir para seu crescimento e
fortalecimento. Cabe aqui ressaltar, o Estado atuaria ativamente na concretização de
tais ações.
Logo, a Estratégia Nacional de Defesa destaca o fomento à pesquisa dentre
as ações a serem tomadas a partir de então. Uma das formas para tanto citadas
pelo documento seria o estímulo à inter-relação entre as principais instituições de
pesquisa das Forças Armadas, universidades e do capital privado nacional para
projetar a um novo nível o desenvolvimento de tecnologia avançada e, se possível,
de uso dual, ao integrar esses atores e construir o que o documento define por
“complexo militar-universitário-empresarial”.
Resguardados os interesses de segurança do Estado quanto ao acesso a
informações, serão estimuladas iniciativas conjuntas entre organizações de
pesquisa das Forças Armadas
, instituições acadêmicas nacionais e
empresas privadas brasileiras. O objetivo será fomentar o desenvolvimento
de um complexo militar - universitário-empresarial capaz de atuar na
fronteira de tecnologias que terão quase sempre utilidade dual
, militar e
civil.” (BRASIL, 2008, pg. 37)
Todavia, o desenvolvimento de tecnologias consideradas indispensáveis à
defesa não se daria exclusivamente por meio de agentes nacionais. Parcerias com
outros países aparecem como mais uma forma de se atingir os objetivos propostos.
Além de buscar clientes para a indústria de defesa brasileira no exterior, o
Estado atuaria no sentido de costurar parcerias com outros países, condicionando
contratos, sempre que possível e desejável, à realização de parte da pesquisa e/ou
do desenvolvimento do produto em território brasileiro. Desse modo, como constante
na Estratégia Nacional de Defesa, o Brasil passaria a priorizar o papel de parceiro
em suas aquisições de produtos de defesa no exterior, e não mais o de cliente ou
comprador de um produto já concebido e fabricado.
O interesse do Estado neste tipo de relação repousa na transferência de
tecnologia e na capacitação da indústria de defesa nacional com vistas ao domínio
de tais tecnologias para que progressivamente possa se verificar o aumento da
produção nacional dos produtos de defesa necessários aos interesses do País e a
consequente queda nas importações de materiais de defesa.
37
Nota-se, no entanto, que não se observa no documento maior inclinação à
integração com os países da América do Sul frente aos demais países, uma vez que
o documento não especifica qual região ou grupo de países deveriam ser foco da
estratégia baseada na construção de parcerias no setor de defesa, diferentemente
do discurso adotado na Política Nacional de Defesa de 2005.
Cabe ainda enfatizar que é na Estratégia Nacional de Defesa que se faz claro
o papel das empresas estatais de defesa na produção de produtos de defesa. Estas
deveriam atuar em produtos de alta complexidade tecnológica, no que pode ser
chamado de teto tecnológico, produzindo aqueles produtos que as empresas de
capital privado do setor de defesa carecem de condições para produzir em larga
escala e de forma rentável.
Outra importante contribuição da Estratégia Nacional de Defesa para a
indústria de defesa é a criação da Secretaria de Produtos de Defesa (SEPRODE),
um espaço institucionalizado no âmbito do Ministério da Defesa para a formulação
de políticas de compra de produtos de defesa e, como especificado mais tarde no
Livro Branco de Defesa Nacional, a Secretaria de Produtos de Defesa atua no
mesmo sentido quanto à Política Nacional da Indústria de Defesa e a Política
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de Defesa. Esta última, no que tange à
indústria de defesa, busca compor condições favoráveis ao desenvolvimento de
tecnologias indispensáveis á defesa por parte do capital privado, com o objetivo de
ampliar a autonomia do país frente às tecnologias necessárias a sua defesa.
A Secretaria de Produtos de Defesa também tem a função de normalizar e
supervisionar o controle de importações e exportações de produtos de defesa.
Também é a Secretaria de Produtos de Defesa o órgão responsável por representar
o Ministério da Defesa em eventos nacionais e internacionais que tratam sobre o
tema Defesa, perante os demais ministérios e na agenda sobre ciência, tecnologia e
inovação.
Compete, ainda, à Secretaria de Produtos de Defesa auxiliar o governo
federal no estabelecimento de normas especiais com vistas ao incentivo à indústria
de defesa, com objetivo de desenvolver-la e tornar-la mais competitiva. Como
exemplo destas está a Lei 12.598/12, que será abordada com maiores detalhes mais
adiante.
O Livro Branco de Defesa Nacional (2012), por sua vez, não apresenta um
conjunto novo de políticas destinadas à indústria de defesa, mas reafirma as
38
sinalizações anteriores. De fato, o Livro Branco dedica parte de seu conteúdo para
reafirmar a importância da Estratégia Nacional de Defesa para a indústria de defesa
brasileira. Em realidade, a Estratégia Nacional de Defesa simboliza para a indústria
de defesa um marco em relação aos investimentos no setor.
Com o objetivo de enfatizar tal importância, o Livro Branco de Defesa
Nacional apresenta as cinco principais ações tomadas pelo Ministério da Defesa a
partir das políticas determinas em 2008, quando da publicação da Estratégia
Nacional de Defesa.
A primeira ação citada no documento refere-se ao Núcleo de Promoção
Comercial (NPC-MD), criado em abril de 2012 com a função de traçar políticas de
promoção ao desenvolvimento e comércio de produtos de defesa nacionais. Outra
iniciativa destacada no Livro Branco de Defesa Nacional é o levantamento realizado
sobre a BID, juntamente com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI) tendo como escopo trazer à tona um amplo relatório sobre as
potencialidades da indústria de defesa nacional. Ainda segundo o documento, a BID
é composta por aproximadamente 500 empresas, e um relatório de abrangência
ímpar como o proposto se faz de grande relevância ao permitir um melhor
entendimento sobre esse conjunto de indústrias e, então, desenvolver políticas que
melhor atendam à indústria de defesa. Ponto igualmente importante é o incentivo à
pesquisa e ao desenvolvimento de produtos de defesa pelo Ministério da Defesa.
Este tem buscado atuar de forma conjunta com o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação com vistas elevar os incentivos ao desenvolvimento de tecnologias de
ponta para a defesa. Aumentou-se também nesse período a interlocução entre
empresas brasileiras de defesa e o Ministério da Defesa, principalmente, por meio
de órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, da Associação
Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança e demais federações
das indústrias envolvidas com o tema. Tais espaços propiciam um melhor diálogo
entre o governo e o setor industrial de defesa e uma aproximação dos mesmos,
alem de contribuir para a formulação de melhores políticas voltadas à indústria de
defesa, como se verá no capítulo seguinte. A quinta das iniciativas destacadas pelo
Livro Branco de defesa Nacional refere-se ao marco regulatório construído em torno
do tema indústria de defesa, composto por documentos como a Política Nacional da
Indústria de Defesa e a Política Nacional de Exportação de Produtos de Defesa, e
pela lei 12.598/12, que será abordada na sequência. Tal iniciativa conclui um
39
conjunto de iniciativas para fazer da política para a indústria de defesa nacional uma
política melhor alinhada às ambições do Brasil no cenário externo e com a
conjuntura econômica atual do país.
De autoria recente, leis e decretos têm contribuído para inserir no campo
jurídico o tema indústria de defesa. Entre estes, a lei 12.598/12 e o decreto 7970/13.
A lei 12.598/12, de 21 de março de 2012, sanciona pela presidente Dilma Rousseff,
dá passos importantes no campo conceitual e define em seu conteúdo o que o
governo entende por produto de defesa, produto estratégico de defesa e empresa
estratégica de defesa.
Estabelece, ademais, as normas para compra, contratação e desenvolvimento
de produtos de defesa. Porém, seu principal avanço se dá ao definir os termos dos
incentivos dados pelo Estado às empresas da indústria de defesa. O documento
institui o Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID) que é
composto por um conjunto de incentivos fiscais e isenções de pagamentos de
determinados tributos por empresas da área de defesa.
Neste mesmo sentido, o Decreto 7.970/13, de 28 de março de 2013,
regulamenta dispositivos da lei anterior, cria a Comissão Mista da indústria de
Defesa, com suas atribuições e composição, e coloca como um dos pontos centrais
de seu conteúdo o financiamento destinado às empresas da indústria de defesa.
Tem-se aqui um compromisso claro e formalizado do Estado em disponibilizar
condições favoráveis ao desenvolvimento e consolidação da indústria de defesa
brasileira. Tais dispositivos contribuem não apenas para a consolidação da indústria
de defesa como tema de grande relevância para o País, como também garante que
a política desenvolvida em anos recentes com vistas à indústria de defesa seja uma
política do Estado brasileiro, e não uma política de governo pura e simplesmente,
propiciando, assim, maior solidez e segurança quanto ao projeto e o planejamento
que o País possui para sua indústria de defesa.
Conclusão ao capítulo 2
Demonstra-se a partir do exposto que houve ampla evolução das políticas
voltadas à indústria de defesa no período. Estas abrangem hoje um conjunto maior
de ações por parte do Estado e evidenciam não apenas a evolução no debate
acerca da indústria de defesa, como também o avanço na percepção da indústria de
40
defesa como indústria de importância estratégica para o Estado, suas Forças
Armadas e para a sociedade.
A partir do exposto na Tabela 1, ao analisar-se comparativamente a
construção de políticas públicas formais entre os governos de Lula e de Dilma
Rousseff, é possível observar que a maior parte das políticas voltadas ao tema foi
constituída no período de governo de Lula. No entanto, observa-se o interesse em
demonstrar no Livro Branco de Defesa os principais resultados alcançados até então
a partir da Estratégia Nacional de Defesa. Tem-se, portanto, a reafirmação e o
compromisso com a continuidade das políticas adotadas por Lula.
41
Tabela 1. Tabela Comparativa - Políticas Públicas e BID nos governos Lula e Dilma
Documento
Prioridade
Aspecto BID
Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010)
Política de Defesa Nacional
(2005)
Destaca a importância da BID e do
Voltada essencialmente para
domínio de tecnologias de uso dual
ameaças externas, estabelece
no abastecimento de materiais de
objetivos e orientações para o
defesa. Relaciona a BID brasileira à
preparo e o emprego dos setores
integração regional, à medida que
militar e civil em todas as esferas do vê a integração das bases industriais
Poder Nacional, em prol da Defesa
de defesa da região como
Nacional.
ferramenta para o
desenvolvimento.
Política Nacional para a
Indústria de Defesa (2005)
Objetiva especificamente a redução
da carga tributária para as empresas
da BID. Demonstra preocupação
com a necessidade de ampliar as
quantidades de produtos de defesa
de origem nacional adquiridos pelas
Forças Armadas.
Estratégia Nacional de Defesa
(2008)
Objetiva, de modo geral, o
fortalecimento da BID.
Os três eixos prioritários do
Reorganização da indústria de
documento são: melhor organização defesa, a partir do desenvolvimento
e orientação das Forças Armadas;
de tecnologias sensíveis em âmbito
reorganização da indústria nacional
nacional, transferência de
de material de defesa; e a
tecnologia, maior produção
composição dos efetivos militares.
nacional. Cria-se a SEPRODE.
Dilma Rousseff (2011-2014)
Livro Branco de Defesa (2012)
Não apresenta novas políticas
voltadas á indústria de defesa.
Colocar a disposição da comunidade
Apresenta os avanços pontuais
nacional e internacional a visão do
tomados na questão desde a
governo sobre o tema de defesa.
publicação da Estratégia Nacional de
Defesa.
42
3. GOVERNOS LULA E ROUSSEFF: REFLEXOS PARA A BASE
INDUSTRIAL DE DEFESA BRASILEIRA
No capítulo anterior, foram abordadas as políticas anunciadas em matéria de
defesa nos períodos de governo de análise do presente estudo. Neste momento,
faz-se importante verificar os resultados práticos de tais políticas. Os avanços da
posição da indústria de defesa nacional como prioridade do governo federal não
ficou restrita apenas ao campo das políticas públicas formais e do arcabouço
normativo, também atinge o campo concreto quando consideradas variáveis como
programas de financiamento público à indústria de defesa, o volume de exportações
no período e a cooperação em defesa com outros países parceiros do Brasil. É a
dinâmica envolvendo tais variáveis e as mudanças nestas no dado período que será
o foco de análise deste capítulo.
3.1 Financiamentos à indústria de defesa
A indústria de defesa vem ano a ano ampliando seus espaços de diálogo,
debate e sua representatividade junto aos principais órgãos e do governo. Como
exemplo, é possível citar a criação de núcleos de defesa em federações de indústria
espalhadas pelo país, como na FIESP (SP), FIERGS (RS), FIRJAN (RJ), FIEP (PR)
e FIEM (MG).
No período do governo de Dilma Rousseff podem-se observar ainda outras
ações que vão ao encontro de uma maior institucionalização da indústria de defesa.
É nesse período que a indústria de defesa alcança o campo jurídico e a Lei n°
12.598/2012, citada no capítulo anterior, toma corpo. A partir de então é criado no
Ministério da Defesa o chamado Sistema de Cadastramento de Produtos e
Empresas de Defesa (SisCaPED). Isso possibilitou o cadastro de produtos e de
pessoas jurídicas como um primeiro passo para o reconhecimento destas como
Empresas Estratégicas de Defesa pelo Ministério da Defesa e, logo, garantir o
acesso aos devidos benefícios e apoio público destinados ao setor e garantidos
pelas recentes diretrizes de políticas públicas adotadas pela mais alta esfera do
governo. Atualmente, estão cadastrados 1949 produtos de defesa e 236 empresas
no sistema. O cadastramento, caminha, cabe salientar, em ritmo acelerado. Apenas
43
no período compreendido entre os meses de julho a outubro de 2014 cerca de 300
produtos foram agregados ao cadastro.
Com a nova lei em vigor, passou-se a exigir o status de Empresa Estratégica
de Defesa (EED) para licitação e projetos, o que motivou de parte das empresas da
base industrial de defesa uma adequação às novas normas. Isto é, para ser
classificada como EED junto ao governo era necessário o cumprimento cumulativo
de alguns pré-requisitos, entre os quais possuir sua sede instalada no Brasil e
Assegurar, em seus atos constitutivos ou nos atos de seu
controlador direto ou indireto, que o conjunto de sócios ou
acionistas e grupos de sócios ou acionistas estrangeiros não
possam exercer em cada assembleia geral número de votos
superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser
exercidos pelos acionistas brasileiros presentes. (BRASIL,
2012)
Tal fato obrigou empresas a modificarem suas estruturas societárias, caso
desejassem participar de licitações. Foi o caso de algumas joint ventures do setor de
defesa no Brasil. A Harpia, por exemplo, empresa destinada à fabricação de
aeronaves não tripuladas e simuladores, iniciou suas atividades em 2011 como uma
joint venture fruto das relações entre as empresas Embraer e AEL Sistemas,
subsidiária da israelense Elbit. Para melhor se adequar à nova lei, a estrutura
societária passou, em 2013, a incluir a Avibras, que comprou na época 9% de
participação na empresa, antes de posse da AEL Sistemas. A Embraer
permaneceria, então, como dona de 51% do capital da empresa, totalizando 60% do
capital em mãos de empresas de capital nacional. Outras, todavia, optaram por algo
mais definitivo e encerram parcerias em joint ventures. Foi o caso da OdebretchCassidian Defesa S/A. Também no ano de 2013, três anos após o início da parceria
entre Odebretch Defesa e Tecnologia e a Cassidian, ficou acordado por ambas as
partes o fim da parceria com a venda pela Cassidian de sua participação de 50% à
Odebretch Defesa e Tecnologia.
O avanço na institucionalização da indústria de defesa aos poucos aparece
também como um facilitador para a obtenção de financiamento junto a bancos
públicos. É o caso de convênios regionais. Recentemente, o Arranjo Produtivo Local
de Defesa do Grande ABC, de São Paulo, contando com o apoio do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, encontrou na Caixa Econômica
44
Federal a oportunidade de financiamento por meio de uma linha específica para a
defesa. A parceria, firmada em setembro de 2014, possibilita empréstimos de até R$
100.000 com taxas especiais, e que deve atender projetos de empresas de menor
porte presentes na região, é apenas um pequeno exemplo de como a indústria de
defesa tem logrado se articular e encontrado apoio na esfera pública.
De fato, no decorrer dos anos dos governos de Lula e Dilma Rousseff, as
instituições públicas tiveram papel singular no que tange o apoio via o financiamento
de projetos à indústria de defesa nacional. Destacam-se neste sentido a
Financiadora
de
Estudos
e
Projetos
(FINEP)
e
o
Banco
Nacional
de
Desenvolvimento Econômico E Social (BNDES).
Uma das mais tradicionais instituições públicas de apoio e financiamento no
que tange ao desenvolvimento científico e tecnológico, a FINEP tem atuado de
maneira expressiva na área de defesa. Criada em julho de 1967 e ligada ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, a FINEP passou no final da década de 1990 a
oferecer linhas de financiamento por meio de fundos setoriais. Tendo início com a
elaboração do Fundo Setorial CT-PETRO, voltado à pesquisa e desenvolvimento na
área petrolífera, a lista dos fundos setoriais foi continuamente ampliada desde então
e, hoje, conta com 17 categorias, sendo 14 destas específicas. Entre os 14 setores
específicos que compõem a lista dos fundos setoriais, a área de defesa é
representada primariamente por dois destes: CT-AERO e CT-ESPACIAL.
Desenvolvidos com o escopo de promover o investimento em pesquisa e
desenvolvimento em seus respectivos setores, o CT-AERO e o CT-ESPACIAL
contam com a atuação e representação do Ministério da Defesa junto às equipes
que compõem os mesmos. (ACIOLI, 2013, p. 35) De fato, tais fundos se destacam
perante os demais no investimento na pesquisa e desenvolvimento de inovações e
tecnologias com foco em aplicações duais (civil e militar) (ACIOLI, 2013, p.46).
Na primeira década dos anos 2000 a área de defesa foi destino de
significativas somas de recursos por parte da FINEP para seus projetos. À exceção
do ano de 2009, os volumes destinados pela FINEP a projetos de empresas da área
de defesa se comportaram de forma ascendente em relação ao ano imediatamente
anterior, passando de menos de R$ 50 milhões no ano de 2005 a cifras superiores a
R$ 300 milhões em 2010, como pode ser observado no Gráfico 2. Em realidade,
apenas no período que se estende de 2004 a 2011, a área de defesa recebeu
valores superiores a R$ 1 bilhão (MILESKI, 2013).
45
Gráfico 2 - Orçamento da FINEP para a área de Defesa em R$ milhões
350
300
250
200
150
100
50
0
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: Adaptado de Acioli (2011).
São diversos os exemplos bem-sucedidos da atuação da FINEP no apoio a
importantes projetos na indústria de defesa ao longo de sua história. A Embraer, por
exemplo, contou com recursos da instituição para o desenvolvimento da aeronave
de treinamento EMB-312 Tucano, que seria na sequência um caso de êxito da
indústria de defesa nacional também no mercado internacional (MILESKI, 2013).
Em anos recentes, outra grande empresa da BID, a Mectron, hoje pertencente
ao grupo Odebretch, já disponibilizou de recursos da FINEP para alguns de seus
projetos, dentre os quais um de especial importância não apenas para a própria
empresa, como também para o Brasil: trata-se do programa A-Darter (MILESKI,
2013). Apenas para este projeto, foram recebidos 250 milhões de reais pela
empresa, o que possibilitou sua atuação neste empreendimento que tem a
possibilidade de ir além do desenvolvimento conjunto de um míssil ar-ar e promover
a ampliação dos canais de cooperação entre Brasil e África do Sul, como visto no
capítulo 1.
No âmbito do BNDES, a indústria de defesa encontra recursos disponíveis por
meio do programa Pró-Engenharia, que tem por objetivo principal o financiamento à
“engenharia nos setores de Bens de Capital, Defesa, Automotivo, Aeronáutico,
Aeroespacial, Nuclear, Petróleo e Gás, Químico e Petroquímico, de Moldes e
Ferramentas, e na cadeia de fornecedores das indústrias de Petróleo e Gás e Naval,
46
visando estimular o aprimoramento das competências e do conhecimento técnico no
País”. (BNDES, 2014)
O ápice das ações voltadas à indústria de defesa em termos de financiamento
via instituições públicas, no entanto, ocorre em anos recentes, no governo Dilma,
quando é lançado programa Inova Aerodefesa. Parte de um programa mais amplo Inova Brasil - o Inova Aerodefesa, criado em 2013, representa importante ponto de
inflexão uma vez que se unem em torno de um projeto comum duas das principais
instituições públicas atuantes na promoção do investimento em pesquisa e
desenvolvimento na área de defesa: a FINEP e o BNDES; além de contar com o
Ministério da Defesa e a Agência Espacial Brasileira como parte do projeto. Sua
relevância se faz, também, por representar a continuidade do incentivo à área de
defesa após um hiato de dois anos (2012 e 2013) em que não houve editais por
parte da FINEP.
No programa, serão destinados entre os anos de 2013 e 2017 R$ 2,9 bilhões
para projetos subdivididos em quatro principais linhas temáticas, quais sejam:
Aeroespacial, Defesa, Segurança e Materiais Especiais. Deste montante total
disponibilizado, a FINEP participará com R$ 2,4 bilhões e o restante terá sua origem
nos cofres do BNDES. O programa tem por objetivo central de sua atuação dar
“apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação nas empresas brasileiras das
cadeias de produção aeroespacial, defesa e segurança, buscando incentivar seus
respectivos adensamentos” (ACIOLI, 2013). Logo, percebe-se, claro avanço nas
políticas de financiamento à indústria de defesa uma vez que o programa Inova
Aerodefesa será responsável por destinar em um prazo de cinco anos duas vezes o
volume de recursos disponibilizados para área de defesa nos nove anos
imediatamente anteriores (2004-2012).
Entretanto, apesar do expressivo volume de recursos destinados ao
programa, autores como Acioli percebem debilidades no programa ao passo em que
este a partir de seus requisitos acaba por priorizar empresas de maior porte em
detrimento das micro, pequenas e médias empresas do setor.
“Apesar de saudado positivamente pela mid
́ ia especializada em face do
ineditismo da proposta e dos valores envolvidos , ainda não houve tempo
transcorrido suficiente para emissão de juízo de valor sobre o acerto da
proposta, a qual claramente alijou as micro, pequenas e médias empresas
ao exigir das proponentes uma receita operacional bruta superior a R $ 16
milhões ou patrimônio líquido superior a R $ 4 milhões. Considerando que
47
dados da própria ABIMDE estimam que mais da metade de suas
associadas possua até 40 empregados, é possível verificar que elas
desempenharão, quando muito , papel acessório no programa .” [ACIOLI,
2013, p. 48]
No entanto, a falta de apoio dirigido às pequenas e médias empresas parece
estar diminuindo recentemente graças a iniciativas paralelas. É o caso do Fundo de
Investimento em Participações Aeroespacial. Criado em maio de 2014 em conjunto
com o BNDES, a FINEP, a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP) e
a EMBRAER, o fundo dispõe de um capital de R$ 131,3 milhões e tem seu foco
predominantemente em empresas inovadoras de pequeno e médio portes (aqui
consideradas como as de faturamento bruto anual inferior a R$ 200 milhões) da
indústria dedicada à atividade aeroespacial. Apesar da concretização de iniciativas
como esta, a falta de apoio e crédito direcionado especificamente a empresas de
pequeno e médio porte da permanece como importante desafio à indústria de
defesa.
Outro grande desafio à indústria de defesa, também de origem na esfera
pública, responde pelo limitado orçamento destinado à defesa por parte do governo.
Orçamento limitado, no tocante à indústria de defesa, significa limitado volume de
recursos disponível para investimento e novas aquisições pelas forças armadas do
país, principal cliente da indústria de defesa por definição. Há não apenas um
limitado orçamento para defesa, como também há baixo percentual de recursos
destinados a investimento. A maior parte do orçamento é hoje gasto com o
contingente militar ativo e inativo, cerca de 70% do orçamento, a dados de 2014. Em
contrapartida, apenas 11% de todo orçamento de defesa é destinado ao
investimento. (KATSANOS, 2014)
Tal cenário acaba por cercear a demanda por produtos de defesa no mercado
interno, exigindo das empresas da base industrial de defesa que queiram se manter
no mercado que encontrem novas alternativas para tal desafio.
3.2 A primeira das soluções: BID e o mercado externo
Os dados correspondentes ao comércio exterior de produtos de defesa são
por vezes escassos e contrastantes entre si. Isto advém do fato de não haver
divulgação de forma oficial por órgãos do governo de tais cifras específicas do setor
48
de defesa13 e, também, pelos diferentes conceitos de indústria de defesa
empregados por cada instituição. Porém, ainda assim os dados a disposição do
público permitem constatar tendências e verificar informações caras ao tema.
No ambiente acadêmico, empresarial e mesmo em alguns momentos no
próprio governo duas são as principais fontes de dados sobre o comércio exterior de
produtos de defesa: o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) e a
Associação Brasileira das Indústrias de Defesa e Segurança (ABIMDE) 14.
Segundo a ABIMDE, a indústria de defesa e segurança do Brasil apresenta
volumes anuais de exportação bastante elevados. Apenas em 2012 as exportações
atingiram US$ 2 bilhões e, com base no crescimento recente da indústria de defesa
e dos seus índices, a entidade projeta cifras de US$ 7 bilhões para o ano de 2030.
O SIPRI, por sua vez, apresenta números um tanto mais modestos que os
anteriormente citados. Segundo o SIPRI, no período 1995-2013 o Brasil exportou, a
valores de 1990, um total de US$ 571 milhões, valor muito aquém do valor
acumulado em importações no mesmo período – US$ 5,2 bilhões. Tais números
evidenciam um baixo desempenho da indústria nacional no mercado externo.
Além do baixo volum e exportado, a grande concentração das vendas
externas em aeronaves (destaque para a Embraer Defesa e Segurança ) e a
grande variação do fluxo c omercial evidenciam uma presença bastante
tímida do país no cenário internacional . (CORREA FILHO, 2013, 387)
13
Os dados oficiais acerca do comércio exterior apresentados pelo governo por meio do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior são utilizados por vezes para se analisar aspectos da indústria
de defesa nacional. Em recente estudo, por exemplo, o professor Guilherme Oliveira aborda o tema do
comércio exterior do setor de defesa a partir dos dados de exportação e importação de produtos sob o NCMs
93; 8526; 8710; 8805; e 8906.10 cujos produtos que representam estariam mais próximos do que se considera
hoje a indústria de defesa. No entanto, assim como coloca o autor em seu estudo, os dados não contemplam o
destino de tais produtos, podendo estes serem destinados ao uso militar bem como ao uso civil. (OLIVEIRA,
2014, p.4) Logo, são dados gerais e não específicos para a indústria de defesa.
14
Os dados apresentados pela ABIMDE acerca do desempenho da indústria de defesa brasileira em seu
comércio exterior não possuem, entretanto, aceitação unânime na academia. Autores como Dagnino (2010)
sugerem que tais dados possam ter sofrido alterações com vistas a retratar a situação da indústria de defesa
brasileira para além da realidade. Por estarem distantes da proposta de estudo do presente trabalho, os
méritos de tais dados não serão aqui objeto de discussão.
49
Tabela 2. Comércio Exterior de Armamentos Militares por Governo (em US$ milhões)
Categoria de Produto
FHC 1
FHC 2
Aeronaves
Sistemas de defesa aérea
Veículos blindados
Artilharia
Motores
Mísseis
Outros
Sensores
Navios
95
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
17
0
0
0
8
0
Total
95
26
379
0
137
36
40
154
0
11
753
329
0
41
37
21
65
9
221
613
Total
1510
1334
Total
1415
1308
Aeronaves
Sistemas de defesa aérea
Veículos blindados
Artilharia
Motores
Mísseis
Outros
Sensores
Navios
LULA 1
LULA 2
Exportações
81
0
0
0
0
0
0
0
10
DILMA 115
Total
297
0
0
17
0
0
0
8
11
131
0
0
0
0
3
0
0
0
604
0
2
34
0
3
0
16
21
91
333
Importações
133
678
376
0
207
1
56
106
0
44
80
465
39
265
0
41
93
0
96
207
1733
39
650
74
196
448
9
534
1823
583
870
Saldo comercial
1207
5504
1073
4825
184
0
0
0
38
30
0
162
170
492
537
Dados: SIPRI.
Elaboração do autor.
No entanto, como pode ser visto na Tabela 2, as exportações de armamentos
militares brasileiros se comportaram de forma não linear, se observarmos os dados
divididos por governo nos últimos cinco governos.
De fato, é possível observar uma expansão significativa das exportações de
armamentos militares no segundo governo de Lula frente os três governos
15
Para se proceder com a análise dos dados por governo, optou-se por considerar para os dados de 2014 a
média aritmética dos três anos anteriores de governo Dilma, uma vez que os dados do presente ano não se
encontram disponíveis no momento da construção deste estudo.
50
imediatamente anteriores, incluindo seu próprio. Tal evolução emerge no momento
em que se encontram em pleno amadurecimento as políticas desenvolvidas em seu
primeiro mandato - Política Nacional de Defesa e Política Nacional para a Indústria
de Defesa - e tem-se o desenvolvimento da Estratégia Nacional de Defesa.
Percebe-se nesse período a clara importância da venda de aeronaves para
outros estados para a balança comercial do setor sendo responsável pela maior
parte (ou por seu todo, no caso do primeiro mandato de FHC) do valor acumulado
com exportações de armamentos militares em cada governo.
As importações, por sua vez, tiveram breve período de queda acentuada no
primeiro governo de Lula e voltou a apresentar tendência crescente nos anos
seguintes, chegando a US$ 1.2 bilhões de dólares no primeiro governo Dilma,
fazendo com que o saldo referente ao período no seu governo alcançasse a casa de
US$ 1 bilhão, o que não ocorria desde o segundo governo FHC.
As curvas de exportação e importação referentes aos governos FHC, LULA e
Dilma, podem ser vistas no gráfico 3.
Gráfico 3. Exportações e importações totais de equipamentos de defesa por governo
– em US$ milhões
1600
1400
1200
1000
800
Exportações
600
Importações
400
200
0
FHC 1
Dados: SIPRI.
Elaboração do autor.
FHC 2
LULA 1
LULA 2
DILMA 1
51
Salienta-se, no entanto, que apesar de apresentar queda quando comparado
a seu antecessor imediato, o valor das exportações do governo Dilma Rousseff é
superior ao acumulado nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.
No que se refere ao destino de nossas exportações de defesa, como pode ser
visto no Gráfico 4, a América do Sul é o principal destino dos produtos de defesa
exportados pelo país, segundo dados do SIPRI. A América do Sul e o Caribe foram
responsáveis por importar US$ 310 milhões em produtos de defesa no período,
volume significativamente maior às demais regiões do globo, sendo superior,
inclusive, ao volume total das outras regiões somadas. As exportações feitas para
África, América do Norte, Ásia, Europa, Oriente Médio e Oceania pelo Brasil somam
US$ 239 milhões no período.
Tal fato, no entanto, não surpreende, visto que os três principais compradores
de produtos de nossa indústria de defesa são, em ordem decrescente, Colômbia,
com US$ 111 milhões; Equador, com US$ 96 milhões; e o Chile, com US$ 58
milhões, todos, ressalta-se, países em desenvolvimento.
Gráfico 4. Volume de exportações de produtos de defesa brasileiros por região
de destino (2002-2013) – em US$ milhões
350
300
250
200
150
100
50
0
África
Dados: SIPRI.
Elaboração do autor.
América do América do
Norte
Sul e Caribe
Ásia
Europa
Oceania
Oriente
Médio
52
Se é verdadeiro dizer que a América do Sul possui importância central para
as exportações de produtos de defesa brasileiros frente os demais mercados, o
mesmo não se pode afirmar sobre a importância dos produtos brasileiros frente a
outro mercado para a região. Como observado no gráfico 5, o Brasil encontra-se no
décimo lugar dos países fornecedores de produtos de defesa à América do Sul entre
os anos de 2002 e 2013. A situação aqui apresentada demonstra o ambiente do
mercado internacional de produtos de defesa, em que as grandes economias e
países avançados tecnologicamente dominam o mercado.
Gráfico 5. Principais economias de origem de produtos de
defesa exportados à América do Sul, excetuando-se o
Brasil (2002 - 2013) - em US$ milhões
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
Dados: SIPRI.
Elaboração do autor.
A posição da Rússia como principal país de origem dos produtos de defesa
importados pelos países da América do Sul merece certa atenção. Do valor total
acumulado em vendas à América do Sul no período, US$ 3483 milhões, a maior
parte se deu das relações comerciais com a Venezuela a partir de 2006. O país sulamericano adquiriu US$ 3269 milhões em produtos de defesa russos no período.
A posição desfavorável do Brasil mesmo no comércio com países de sua
região é representativa de mais um desafio para a indústria de defesa: a
competitividade
com
países
mais
desenvolvidos
economicamente
e
tecnologicamente mais avançados. Com vistas a contornar tal cenário ou ao menos
53
minimizar seus efeitos negativos, o Brasil e sua indústria de defesa têm
empreendido esforços na cooperação e transferência de tecnologia.
3.3 BID e a transferência de tecnologia
Dentro do escopo de uma maior cooperação na área de defesa com outros
países e alinhados especialmente às diretrizes trazidas pelo Conselho de Defesa da
Unasul, começam a ser desenhados projetos de integração das cadeias produtivas
regionais do setor de defesa.
O principal exemplo atualmente em vigor é o projeto de um avião regional de
treinamento. Ainda em estágio inicial, o projeto prevê o desenvolvimento de uma
aeronave de treinamento sul-americana com a participação de empresas do Brasil,
Argentina, Equador e Venezuela. Para tanto, será criada ainda uma sociedade
anônima, a Unasur Aero, pela qual serão realizados os correspondentes contratos
com as empresas envolvidas.
Cabe salientar, as empresas brasileiras atuantes no projeto são todas
reconhecidas pelo Ministério da Defesa como empresas estratégicas de defesa,
sendo elas: Avionics, Akaer, Flight Technologic e Novaer. As empresas dos demais
países participantes são a Fabrica Argentina de Aviones (FAdeA), da Argentina; a
Industria Aeronautica Del Ecuador (DIAF), do Equador; e a Compañia Anónima
Venezolana de Industrias Militares (CAVIM), da Venezuela, ambas as três estatais.
Apesar de se encontrar em fase de prospecção de financiamento, o futuro
avião regional de treinamento, desenvolvido para atuar no treinamento primário
básico militar, possui uma demanda inicial de 92 unidades por parte dos países
envolvidos. Isso demonstra como os programas de cooperação em cadeia produtiva
garantem o fornecimento para países vizinhos, pois países são parte dos projetos.
No âmbito regional, a cooperação institucionalizada e a pacificação de rivalidades
anteriores garantem a superação de temores quanto a ameaças desse tipo de
projeto à soberania nacional. O Brasil, no entanto, foi o único país dentre os
participantes que não se manifestou no sentido da aquisição de unidades da
aeronave, uma vez que não se encontra em fase de substituição de sua atual frota
de treinamento. O interesse brasileiro no projeto, portanto, vai ao encontro do
fomento da integração regional, à ampliação da capacidade produtiva das empresas
estratégicas de defesa do país, à abertura de novos mercados para tais empresas e
54
a firmar o país como líder regional no setor. Recentemente também foi acordado no
âmbito do Conselho de Defesa da UNASUL o desenvolvimento de um veículo aéreo
não tripulado (VANT) a ser utilizado em missões de vigilância. A participação dos
países membros do Conselho de Defesa da Unasul no projeto (ainda em estágio de
reuniões para definição de suas especificações) figura, é possível dizer, como mais
um esforço de integração das bases industriais de defesa dos países sul-americanos
e na construção de uma identidade de defesa sul-americana16.
A aproximação com parceiros regionais do Brasil não é o único exemplo em
termos de cooperação na área de defesa no período recente. A necessidade
estratégica de desenvolver e capacitar a indústria de defesa nacional e as Forças
Armadas e dadas as dificuldades de aquisição de alta tecnologia de países mais
avançados, o Brasil tem buscado parcerias com países em desenvolvimento com
vistas à transferência de tecnologia, em especial com países do Sul. Dentro deste
cenário, podem ser citadas as parcerias do Brasil com Ucrânia e Rússia.
A parceria entre Brasil e Ucrânia toma forma no ano de 2003 quando é
constituída a Alcântara Cyclone Space (ACS), empresa binacional cujo principal
objetivo resume-se no desenvolvimento e lançamento a partir do Centro de
Lançamentos de Alcântara (Maranhão) de um foguete de tecnologia ucraniana e
domínio desta. O programa, que encontrou resistência junto à comunidade local,
contrária ao empreendimento, e dificuldades orçamentárias no período desde sua
criação, caminha a passos lentos e poucos avanços concretos podem ser
percebidos.
Isso, porém, não fez diminuir o interesse na cooperação e integração em
defesa entre os dois países. Em outubro de 2011, os países assinaram um acordo
de Cooperação Técnico Militar cujos objetivos contemplam, entre outros, a
produção, modernização, reparos e aquisição de produtos de defesa, a transferência
de tecnologia, além da pesquisa e desenvolvimento conjunto na área de defesa.
Também exemplo de parceria de longa data em matéria de defesa, Brasil e
Rússia vêm desenvolvendo ao longo das últimas décadas as linhas mestras de uma
cooperação em defesa sólida e duradoura.
16
Ministério da Defesa. Países da unasul se reúnem para definir projeto de Vant regional. Brasília, 02/09/2014.
Disponível em [http://www.defesa.gov.br/noticias/13610-paises-da-unasul-se-reunem-para-definir-projeto-devant-regional]
55
No ano de 2000 foi assinado entre as partes Tratado Sobre Relações de
Parceria. Desde então, vários acordos, memorandos e entendimentos foram
firmados. Com destaque para: memorando de entendimento sobre cooperação no
domínio de tecnologias militares de interesse mútuo (2002), memorando de
entendimento a respeito do programa de cooperação sobre atividades espaciais
(2004), acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da
Federação da Rússia sobre proteção mútua da propriedade intelectual e outros
resultados da atividade intelectual utilizados e obtidos no curso da cooperação
técnico-militar bilateral (2010), e o Plano de ação de parceria estratégica entre a
República Federativa do Brasil e a Federação da Rússia (2010).
No que concerne às indústrias de defesa de ambos os países, alguns
momentos merecem destaque neste período. Em 2008, a Rússia acordou em
exportar 12 unidades dos helicópteros MI-35M para o Brasil. Quatro anos mais
tarde, Brasil e Rússia firmam dois acordos entre as empresas Odebretch Defesa e
Tecnologia e Russian Technologies, onde se determinou a criação de uma joint
venture no Brasil para a fabricação da linha de helicópteros multiuso MI-171, além
da manutenção dos helicópteros de combate MI-35M, de venda acordada
anteriormente. Desde 2008, o Brasil foi destino de US$ 165 milhões em produtos de
defesa de origem russa, segundo dados do SIPRI.
Por fim, em julho último, os dois países acordaram no desenvolvimento da
cooperação bilateral em defesa antiaérea, por meio do sistema de tecnologia russa
Pantsir-S1. O acordo prevê a transferência irrestrita de tecnologia, em consonância
com as linhas estratégicas adotadas pelo país nos últimos anos no que se refere à
transferência de tecnologia e à integração em defesa com países emergentes e do
sul.
3.4 Conclusão ao capítulo 3
O capítulo buscou apresentar os possíveis avanços e retrocessos no campo
prático face às políticas formais adotadas pelo governo e discutidas no capítulo
anterior. Analisando comparativamente os dados apresentados, conclui-se que
houve
avanços,
primeiramente,
no
volume
de
recursos
disponíveis
para
financiamento das empresas do setor no governo Dilma, se comparado aos
56
governos de Lula. Ainda, conclui-se também que houve queda nas exportações de
produtos de defesa no período de governo de Dilma, ao passo que as importações
no período aumentaram. Finalmente, tendo em vista as parcerias no setor no
período recente e aumento das importações de materiais de defesa pelo Brasil, é
possível dizer que se tem uma continuidade na cooperação e integração com vistas
à transferência de tecnologia com nações mais avançadas neste quesito, e uma
tendência favorável ao aumento das transações de transferência de tecnologia.
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de melhor compreender as políticas de promoção à Indústria
de Defesa desenvolvidas nos governos Lula e Rousseff, suas características, seu
avanço ou declínio no período recente e seus efeitos para a indústria de defesa, foi
desenvolvido um trabalho comparativo de caráter empírico cujos resultados
merecem determinadas considerações.
No primeiro capítulo foram apresentadas as relações existentes entre a base
industrial de defesa e política externa brasileira nos diferentes momentos de sua
história até os dias de hoje. Percebe-se que a indústria de defesa se faz relevante
ao país não apenas por sua importância estratégica ou pelo alto valor agregado de
seus produtos que auxiliam a balança comercial brasileira a operar positivamente,
mas também por ser esta indústria por vezes um instrumento de política externa.
O capítulo segundo abordou as principais políticas na área de defesa
constituídas no espaço temporal a que se dedica este estudo. Apresentou-se a
evolução do pensamento sobre a indústria de defesa na esfera pública a partir da
concepção e da dimensão das políticas formais destinadas à indústria de defesa
presentes nos principais documentos do período. A partir do conteúdo apresentado,
considera-se que as políticas públicas para a indústria de defesa têm avançado de
forma constante, sobretudo no período de governo de Lula. A indústria de defesa
passou no período de governo de Lula de ator coadjuvante nas políticas e interesses
do país, em seu início, a tornar-se um dos atores centrais de uma ampla Estratégia
Nacional de Defesa em seus últimos anos à frente do governo. Tal avanço
acompanha o fortalecimento da Defesa e da BID como importantes pautas na
agenda pública brasileira e os esforços de ter uma indústria de defesa revitalizada e
competitiva internacionalmente.
O terceiro capítulo buscou verificar os resultados no plano prático das
políticas estudadas no capítulo anterior. Como visto anteriormente, parece haver três
eixos estratégicos de inserção, quais sejam: integração regional, cooperação sul-sul
e o comércio exterior via exportações. Em todos estes é possível observar a atuação
conjunta entre governo e indústria de defesa logrando, geralmente, bons resultados
para ambos. A atuação do governo em grande parte das vezes se estende para
além do campo diplomático e das negociações. A participação do governo se inicia
58
no próprio território nacional ao disponibilizar por meio de suas instituições recursos
para pesquisa e desenvolvimento de produtos de defesa e projetos inovadores na
área. Este tem avançado consideravelmente nos últimos anos, sobretudo no
governo Dilma, quando se tem a criação do programa Inova Aerodefesa que colocou
a disposição recursos de valores superiores aos encontrados nos dois mandatos de
seu antecessor. No que concerne ao comércio internacional de materiais de defesa,
o governo de Dilma Rousseff apresenta queda nas exportações para outros
mercados e um aumento das importações de produtos de defesa, quando
comparado com os governos Lula. O valor acumulado das exportações no período
em que Dilma se encontra a frente do governo é ainda assim superior aos governos
de Fernando Henrique Cardoso. Aqui, cabe salientar, o aumento das importações no
período está ligado à busca por transações comerciais que permitam a transferência
de tecnologia, no sentido de uma maior autonomia em tecnologias sensíveis e
imprescindíveis à Defesa do país. A permanência no apoio e na cooperação com
países emergentes em projetos chave para a defesa nacional e para a indústria de
defesa também merece destaque, visto que não houve ruptura de programas e
parcerias na área.
Logo, a partir do exposto, observa-se que os esforços federais recentes de
promoção da Indústria Nacional de Defesa, em consonância com a Estratégia
Nacional de Defesa e a Política Nacional de Defesa, têm contribuindo positivamente
para a retomada do crescimento no setor. Ao longo da pesquisa se mostrou haver
avanço parcial na promoção da Indústria Nacional de Defesa no governo Dilma em
relação a seu antecessor, com o aumento de programas, diretrizes e incentivos para
o setor,
Não foi possível, no entanto, observar grandes avanços em matéria de
exportação de produtos de defesa a partir dos dados disponíveis. Aqui é preciso
considerar o caráter recente de grande parte das iniciativas adotadas pelo atual
governo e o tempo de maturação destas.
Novas pesquisas precisarão ser realizadas no futuro caso seja de interesse
mensurar a real amplitude de tais políticas sobre a indústria de defesa. Instrumentos
para dinamizar uma maior fração da indústria de defesa e tornar a balança comercial
do setor menos dependente da venda de um único produto de expressão, como as
aeronaves, poderia ser considerado como tema para futuros debates e
desenvolvimento de novas políticas. Considera-se, por fim, a necessidade de se
59
pensar na base industrial de defesa de forma ampla e sistêmica, a fim de englobar
em futuras políticas para o setor respostas às demandas e aos principais desafios
tanto das grandes empresas, quanto das de pequeno e médio portes. Ademais, a
diminuição da carência de recursos federais para a defesa, por meio de um
programa conjunto e continuado de compras, mantém-se como desafio aos
formuladores de política do país e, espera-se, seja debatida e considerada no futuro
próximo.
60
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