SIMULAÇÃO NUMÉRICA DO CICLO DE VIDA DE UMA CÉLULA CONVECTIVA
PROFUNDA E A PARAMETRIZAÇÃO DE MICROFÍSICA DE NUVENS DE LIN NO
MODELO ARPS
Ricardo Hallak1
Augusto José Pereira Filho1
Adilson Wagner Gandú1
RESUMO - O modelo atmosférico regional ARPS (Advanced Regional Prediction System) é
utilizado com alta resolução espaço-temporal para simular tridimensionalmente uma tempestade
isolada num estado básico inicial da atmosfera controlado. O objetivo do trabalho é verificar a
capacidade do modelo em simular o ciclo de vida de um cumulonimbus explicitamente com a
utilização da parametrização microfísica de nuvens frias de Lin et al. (1983). Os resultados mostram
a viabilidade do procedimento. As principais características físicas da célula convectiva profunda
foram reproduzidas. Destacam-se entre estas os campos de razão de mistura de água de nuvem,
cristais de gelo, neve, chuva e granizo, bem como as correntes verticais associadas à tempestade
simulada.
ABSTRACT - The Advanced Regional Prediction System (ARPS) model is used with high spatial
and temporal resolutions to simulate a 3D thunderstorm in a controlled initial atmospheric basic
state. The main goal of this work is to assess the model ability to simulate the lifecycle of this
conceptual cumulonimbus cloud using the cold cloud microphysics parameterization proposed by
Lin et al. (1983). The results show the ARPS was able to reproduce the main physical
characteristics of the deep convective cell, especially so for the water vapor, cloud ice, snow, rain
and hail mixing ratios as well as associated updrafts.
Palavras-Chave: convecção profunda; parametrização de microfísica de nuvens; modelo ARPS.
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1 Departamento de Ciências Atmosféricas
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
Universidade de São Paulo
[email protected]
[email protected],
[email protected]
1
INTRODUÇÃO - Os processos físicos que levam ao desenvolvimento de células convectivas
profundas sobre os continentes podem ser gerados pelas soluções numéricas das equações da
dinâmica dos fluídos, que constituem o núcleo de um modelo numérico apropriado para simulações
da atmosfera em alta resolução espacial. A simulação explícita de células convectivas profundas,
entretanto, é extremamente dependente das parametrizações físicas incluídas no código do modelo.
A parametrização da microfísica de nuvens exerce papel fundamental quando o modelo é rodado no
modo de alta resolução espacial. Esta parametrização é responsável pela geração de nuvens e, em
condições adequadas, precipitação à superfície a partir das informações dinâmicas e
termodinâmicas contidas nos campos de massa e movimento. Por outro lado, a parametrização de
microfísica altera o meio ambiente no qual ocorrem os processos dinâmicos e termodinâmicos de
várias maneiras, uma vez que as equações da hidrodinâmica formam um conjunto fechado cujas
variáveis dependentes são inter-relacionadas.
O experimento numérico exposto neste artigo foi elaborado com o intuito de verificar e
avaliar os processos da parametrização de microfísica de nuvens de Lin et al. (1983), denominada
"parametrização de Lin" no restante deste artigo, implementado no modelo regional ARPS
[Advanced Regional Prediction System - Xue et al. (2001)].
METODOLOGIA - A parametrização de Lin difere das demais opções de parametrização
de microfísica no ARPS ao oferecer um tratamento completo da física envolvida na evolução dos
campos das várias formas que a água pode possuir na atmosfera, incluindo seis espécies de água, a
saber: vapor d'água , água de nuvem e cristais de gelo (espécies não-precipitantes) ; água de chuva,
granizo/graupel e neve (espécies precipitantes). Os resultados da simulação, cuja duração foi de
5400 s, foram obtidos com iniciação homogênea no plano horizontal com uma sondagem assimilada
no passo inicial de integração (Fig. 1). O campo tridimensional do vento inicial é nulo. A
instabilidade termodinâmica inicial é conseqüência de um aquecimento diferencial de 1.6 K no
primeiro passo de tempo de integração, produzido por uma elipsóide localizada entre 1500 e 3000
m de altitude, com 15 km2 de base e posicionada no centro do domínio simulado. As características
básicas desta simulação foram escolhidas de forma a garantir o desenvolvimento de uma célula
cúmulo-nimbo vigorosa com o mínimo possível de influência dinâmica externa ao sistema. Desta
forma, a origem da célula convectiva se deve em princípio somente à instabilidade termodinâmica
inicial. Discrimina-se a seguir as principais características físicas e numéricas do experimento:
1) Domínio da grade numérica: a) número de pontos: 99 x 99 na horizontal e 72 na vertical; b)
resolução espacial horizontal: 1000 m na direção leste-oeste e 1000 m na direção norte-sul; c)
resolução espacial vertical: 300 m em média e 50 m nos 8 primeiros níveis do modelo a fim de
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melhor representar a estrutura vertical da camada limite planetária; d) domínio total: 100 km x 100
km na horizontal com topo a 21 km da superfície.
Fig. 1: Diagrama termodinâmico da sondagem de 20 de maio de 1977 [Oklahoma (EUA)]. Linha
contínua preta à esquerda corresponde ao perfil de Td e, à direita, T. Linha tracejada verde
corresponde à curva seguida por uma parcela de ar elevada a partir de seu nível de condensação.
2) As principais opções numéricas, fisiográficas e de parametrizações físicas para a simulação são:
a) domínio sem topografia; b) termo de flutuação incluído na equação do momento vertical; c)
condições laterais radiativas; d) condições de fronteira no topo e superfície do tipo gradiente zero;
d) termos de coriolis desativados; e) parametrização de microfísica de nuvens quentes e frias
incluídas; f) parametrização de cúmulos desativada; g) parametrização de radiação desativada; h)
parametrização de física de superfície desativada; i) modelo de solo desativado.
Nota-se, pelo exposto nas opções utilizadas, que se trata de uma simulação idealizada e com
simplificações físicas e numéricas significativas. Além disso, não há cisalhamento vertical no
estado básico e os ventos zonal e meridional são ambos nulos no tempo inicial.
RESULTADOS - A seqüência temporal dos eventos mais importantes é descrita a seguir. Em
t = 0 min, todas as variáveis têm distribuição homogênea na horizontal, com as isolinhas de T = 0
o
C em z ≈ 3.800 m e T = -40 oC em z ≈ 9.500 m. Em t = 1 min, a perturbação termodinâmica de 1.6
K no campo tridimensional de temperatura potencial dá origem a duas circulações térmicas diretas
simétricas observadas em baixos níveis. Aos 8 minutos de simulação, as circulações térmicas
diretas estão em estágio de intensificação. Os primeiros sinais de cúmulos rasos aparecem aos 11
minutos de simulação (Fig. 2a), abaixo da linha de 0º C, aproximadamente a 3.000 m da superfície.
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Aos 20 minutos (Fig. 2b), o cúmulo em desenvolvimento vertical atinge a linha de 0º C a 4.000 m
da superfície. Abaixo do nível de T = 0 ºC, atuam somente os processos de microfísica de nuvens
associados às nuvens quentes. Em t = 29 minutos (Fig. 2c), a nuvem em desenvolvimento,
identificada como do tipo cúmulos congestos, atinge a altura de T = -40 o C. Há um domínio do
processo clássico de Bergeron entre as isotermas de 0º C e -40º C onde a coexistência da água
super-resfriada e cristais de gelo privilegia o aumento deste último em detrimento do primeiro.
Entre t = 30 min e t = 35 min (Fig. 2d), os processos microfísicos de nuvens frias atuam
eficientemente no sentido de intensificar rapidamente a corrente ascendente principal no interior do
cúmulo-nimbo. O topo da nuvem atinge os 14.000 m de altura e o acúmulo de massa em altos níveis
dá origem ao estabelecimento da divergência de massa naqueles níveis. Os campos de massa e
momento ainda são claramente bastante simétricos. A componente bidimensional (u, w) do vetor
velocidade vertical tem magnitude máxima acima de 40 m s-1. O aumento da estabilidade estática na
tropopausa produz convergência vertical e divergência horizontal. Esta última força o espalhamento
da nuvem que forma uma bigorna simétrica em relação ao centro do domínio de integração (Fig.
2d). Esta parte da nuvem é formada por cristais de gelo em camadas de nuvens cirrus. Entre t = 36
min e t = 49 min (Fig. 2e) a tempestade atinge seu máximo desenvolvimento e inicia seu
decaimento. Os processos mais intensos ocorrem, agora, no topo da nuvem, como a intensificação
da divergência de massa na região da bigorna. A parametrização de microfísica de Lin permite que
o entranhamento atue na evaporação das gotículas de nuvem e cristais de gelo, como pode ser
observado nas bordas do topo da nuvem por volta dos 7.000 m de altura na Fig. 2e.
A alta umidade proveniente do estado básico inicial permite que novos pulsos de corrente
ascendente em níveis médios realimentem o cúmulo-nimbo, prolongando seu ciclo de vida no
estágio maduro. As isotermas de T = -40 ºC e T = 0 ºC indicam a ação de ondas de gravidade pela
oscilação das mesmas de curto comprimento de onda. O estágio de decaimento da tempestade se
inicia pela evaporação da nuvem em baixos níveis (Fig. 2e).
O topo do cúmulo-nimbo atinge um diâmetro de 30 km. Em t = 90 min, verifica-se que novas
células convectivas surgem a 10 km de distância do centro da célula convectiva primária, porém
com menor intensidade, pela dispersão de energia mecânica e termodinâmica nas fronteiras
radiativas do domínio numérico. Adicionalmente, nota-se na Fig. 2f uma intensificação da
divergência logo abaixo do topo da nuvem. Sugere-se que este resulte do colapso da camada de
nuvem acima resfriada pela evaporação devido ao entranhamento do ar ambiente. Ao mesmo
tempo, verificam-se novas correntes ascendentes na média troposfera. O aumento de densidade na
região do topo da nuvem gera subsidência que, combinada às correntes ascendentes abaixo, resulta
em forte divergência horizontal na região da bigorna colapsada por este processo.
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(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
(f)
-1
Fig. 2: Cortes verticais dos campos de razão de mistura (g kg ) de água de nuvem e cristais de gelo
em (a) t = 11 min; (b) t = 20 min; (c) t = 29 min; (d) t = 35 min; (e) t = 49 min; (f) t = 90 min de
simulação.
Há indícios da formação de granizo aos 27 min de simulação. Os vários processos de
formação de granizo na parametrização de Lin ocorrem somente abaixo de 0º C. O granizo possui
alta velocidade terminal que desloca o centro de massa do campo de razão de mistura do mesmo
para baixo (Fig. 3). Isto intensifica as correntes descendentes no estágio maduro do sistema.
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Fig. 3: Razão de mistura de granizo (g kg-1) aos 35 minutos de simulação.
CONCLUSÕES - De um modo geral, a simulação apresentada neste manuscrito mostra que
as 3 fases do ciclo de vida conceitual de uma tempestade convectiva foram apropriadamente
reproduzidas, quais sejam:
1-Estágio cúmulo, com desenvolvimento até 6 km de altura com o ar dentro das nuvens dominado
por fortes correntes ascendentes;
2-Estágio maduro, com correntes ascendentes e descendentes intensas e precipitação em superfície,
O topo da célula atinge 14 km de altura com "overshooting top" (Fig. 2e). Houve queda de granizo
no solo;
3-Estágio de dissipação, quando as correntes descendentes predominam no interior da nuvem com
chuva leve e ventos fracos mais persistentes, o que concorda com as observações.
AGRADECIMENTOS – O primeiro autor agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP) e, o segundo, ao CNPq, pelo suporte ao desenvolvimento da pesquisa da
qual faz parte este artigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lin, N.-T, Farley, R. D., Orville, H. D., 1983: Bulk parameterization of the snow field in a cloud
model. J. Clim. Appl. Meteor., 22, 1065-1092.
Xue, M., Droegemeier, K. K., Wong, V., Shapiro A., Brewster, K., Carr, F., Weber, D., Liu, Y.,
Wang, D.-H., 2001: The Advanced Regional Prediction System (ARPS) - A multi-scale
nonhydrostatic atmospheric simulation and prediction model. Part II: Model physics and
applications. Meteor. Atmos. Phys., 76, 143-165.
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