ID: 40933844
ENTREVISTA
25-03-2012
Tiragem: 41286
Pág: 10
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 29,68 x 32,93 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 4
Francisco Avillez
A próxima reforma da PAC
pode criar uma “bomba
atómica interna”
A meta da auto-suficiência alimentar é improvável e a palavra de ordem deve ser o
aumento das exportações. De quê? De produtos onde o país é competitivo, como os
da floresta, diz Francisco Avillez. Sobre o futuro, considera que a proposta em aberto
para o futuro da PAC é boa, mas avisa: o nivelamento dos subsídios entre regiões e
produtores pode ser explosivo. Por Lurdes Ferreira e Manuel Carvalho
Francisco Avillez, 67 anos, é
um dos mais conceituados
economistas agrários do país. Os
seus estudos e reflexões sobre as
influências da Política Agrícola
Comum (PAC) e os seus efeitos
na evolução do mundo rural
português foram determinantes
para a formulação das políticas
nacionais nos últimos 25 anos.
O compromisso com a troika
levou o Governo a manifestar a
necessidade de reduzir o défice
de 2500 milhões/ano na balança
alimentar, com a promessa de
que vamos ser auto-suficientes
dentro de sete a oito anos.
Como vê estas metas?
Podemos aumentar de forma
significativa o que exportamos
e em alguns casos substituir
importações. Tenho a maior das
dúvidas em relação à questão
da auto-suficiência. Há sectores
onde produzimos mais do que
consumimos e exportamos:
vinho e concentrado de tomate.
Há sectores em que não estamos
muito longe da auto-suficiência e
há outros em que temos um grau
de auto-abastecimento muito baixo
e que nunca deixará de ser assim,
porque não temos condições para
competir nessas áreas. É o caso dos
cereais e das oleaginosas.
Que condições são essas?
Não temos solos, nem clima, nem
dimensão nem know-how técnico.
Conseguir uma auto-suficiência ao
fim de X anos é uma boa intenção.
Teria preferido que a ministra e
o secretário de Estado, que foi
meu aluno, pensassem que o
importante é fazer crescer o valor
acrescentado nacional através de
um aumento das exportações e
redução das importações. Porque é
esse o objectivo, em termos gerais.
E é possível chegarmos a um
saldo nulo entre as nossas
importações e exportações?
Tenho dúvidas. Neste momento,
temos um grau de auto-aprovisionamento de 70%, mas
temos toda a parte dos cereais,
onde muito dificilmente vamos
conseguir. A única maneira de
incentivar a produção é apoiar o
investimento e o crescimento da
produção em valor.
Está optimista em relação
a aumento do valor
acrescentado? O último balanço
do INE, relativo a 2011, diz
que mais uma vez o sector
perdeu valor. Há a ideia de
que os agricultores deixaram
de produzir porque viveram à
custa dos subsídios. Pelo retrato
que faz, essa visão é um pouco
injusta.
Completamente. Não quer dizer
que não houvesse situações dessas.
O que me parece fundamental
é que, ao manterem-se apoios
para uma determinada superfície
elegível, não tem sentido insistir
em fazer lá trigo ou milho se
houver custos de produção
acima dos preços do mercado.
Deve-se é desenvolver um
conjunto de acções práticas que
contribuam para o combate à
erosão, a melhoria da fertilidade
dos solos e da sua estrutura, de
maneira a aumentar a retenção
de água. Portanto, um conjunto
de aspectos que vão ser bastante
importantes daqui a uns anos
se, por razões que se prendem
com calamidades internacionais,
tivermos de utilizar os solos que
neste momento deixam de ser
utilizados. Devíamos ter um
conjunto de recursos de terra, solo,
conhecimentos, capacidades que
deveríamos apoiar porque podem
ser extremamente importantes a
prazo.
Notou algo de novo neste
Governo em relação à
agricultura?
Há aqui duas coisas. Uma é o que
os produtores sentem em termos
de disponibilidade e interesse.
Tivemos ministros disponíveis
e com boa relação com os
agricultores, como com o António
Serrano. A actual ministra tem
sido um pouco isso. Tem grande
capacidade de comunicação com
os agricultores. O problema é
ver o que acontece em termos
práticos. Gosto desta ministra – é
amiga dos meus filhos, nunca me
tinha passado pela cabeça que
seria ministra da Agricultura e
provavelmente a ela também não
–, tem um discurso articulado.
Mas há coisas que começam a ser
complicadas e que derivam do
facto de ter ficado com aquele
ministério.
Disse há pouco que não há
dinheiro. Isso é um problema
para um ministério que
funciona como uma agência
distribuidora de dinheiro?
ID: 40933844
25-03-2012
Tiragem: 41286
Pág: 11
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 29,83 x 32,93 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 4
DARIO CRUZ
Em termos do Ministério da
Agricultura não é tanto assim. Nos
contactos que tive com outros
ministérios, apercebi-me de que
há interesses mais sólidos. No
Ministério da Economia, quando
foi o caso dos biocombustíveis,
eu não tinha as menores dúvidas
de que aquilo nunca se iria
resolver por causa da Galp. Foi
um assunto que me atormentou,
e muito. Na parte do Ministério
da Agricultura não há esse género
de coisas. Pode haver às vezes
umas ideias preconcebidas. Por
exemplo, relativamente a uma
questão que eu acho que tem de
ser discutida, que é a possibilidade
de muitas áreas irrigáveis mas
que não têm rentabilidade com
a produção vegetal normal
poderem ser ocupadas com
floresta de crescimento rápido.
Isto para alguns sectores do
Ministério da Agricultura é
completamente odiado. O que
tem de ser objectivo é produzir
aquilo no que somos capazes de
competir e preservar os recursos
para se forem necessários mais
tarde. Por exemplo, a Portucel
e a Soporcel vão precisar dessas
áreas, porque neste momento
estão a importar uma quantidade
enorme de madeira do Brasil.
Há todos aqueles condicionantes
que são inteiramente justos, no
sentido de evitar que a floresta de
crescimento rápido tenha uma
interferência negativa nos recursos
hídricos. A certa altura fez-se um
erro enorme – e fez-se porque
os preços da pasta eram muito
elevados –, que foi fazer eucaliptais
em zonas que eram um disparate
em termos ambientais, mas que
também se transformaram num
disparate em termos económicos.
Agora mais ninguém voltará a fazer
isso. Temos de fazer as contas com
cuidado: se nós precisamos de
aumentar as exportações, este é
um sector decisivo.
Nesta discussão, onde é que
cabe a sustentação do interior e
do mundo rural português?
De facto, o discurso do mundo
rural desapareceu. A maior parte
do nosso mundo rural hoje em
dia já depende muito pouco da
agricultura e dependerá ainda
menos no futuro. Sempre que
acabam as escolas ou os centros
de saúde está-se a contribuir para
que haja menos condições para
as pessoas se manterem lá. Isto é
se calhar mais decisivo do que a
política agrícola. Não é muito fácil
resolver esta questão.
ENTREVISTA
ID: 40933844
O Governo quer avançar com
um cadastro e a entrega de
terras abandonadas. Concorda?
O cadastro é decisivo,
nomeadamente nas áreas
florestais. Não há maneira
nenhuma de resolver o problema
dos fogos sem conhecer um
bocadinho melhor o território.
Aproveitar áreas abandonadas,
nomeadamente as que são do
Estado, e eu não sei quais são,
acho que é uma boa ideia. Não sei
quais são os resultados práticos
disso. O retomar a actividade
agrícola, de que toda a gente
fala, mostra que muitas vezes
o que existe é uma ideia quase
romântica do que é a agricultura.
Depois, há o choque com a
realidade. Depois de passarem
lá algum tempo, apercebem-se
de que aquilo é muito mais duro,
excepto em sectores específicos –
como as plantas ornamentais. Mas
isso significa ocupar áreas muito
reduzidas.
Está a falar das terras do Estado
ou das terras abandonadas?
As terras abandonadas em
princípio são de alguém. O meu
problema é sobre o que se diz
que é abandonado. E vamos lá
instalar quem, já que por norma
são áreas muito pobres? Este
tipo de iniciativas politicamente
são interessantes, mas a grande
questão é que não temos
instrumentos para as viabilizar.
Produzir em zonas pobres não
tem qualquer racionalidade
económica.
Como considera a proposta
da Comissão Europeia para a
próxima reforma da PAC?
A proposta é globalmente boa
para Portugal. Vai haver um
modelo de convergência que
vai favorecer aqueles Estados-membros que beneficiam à
partida de apoios menores (entre
os quais Portugal), nos chamados
pagamentos directos aos
produtores. Há aqui dois grandes
objectivos nesta reforma no que
diz respeito aos pagamentos:
acabar com o modelo histórico
[que baseia o seu valor na
produtividade média de cada
região, sendo que as nacionais
estão entre as mais baixas] que
está na base destas diferenças
entre Estados-membros. Não
faz sentido que um agricultor
da bacia de Paris receba 14
ou 15 vezes mais do que um
alentejano ou do Minho. Agora, a
25-03-2012
Tiragem: 41286
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País: Portugal
Cores: Cor
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Área: 29,52 x 32,86 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 4
DARIO CRUZ
O retomar a
actividade agrícola,
de que toda a gente
fala, mostra que
muitas vezes o que
existe é uma ideia
quase romântica
do que é a
agricultura. Depois,
há o choque com a
realidade
convergência nos pagamentos foi
muito tímida.
Pelas suas contas, quanto é que
Portugal vai ganhar?
Para os pagamentos directos
nós temos actualmente cerca
de 570 milhões e passaremos
a ter pelo menos 610 milhões.
Mas ainda há muitas incertezas
no horizonte. O orçamento
comunitário ainda nem sequer
foi aprovado. Por outro lado,
temos de ter consciência de que o
impacte que isto tem na evolução
dos nossos rendimentos não
é assim tão significativo como
isso. Nós fizemos um estudo e
concluímos que aquilo que em
termos médios se vai beneficiar
em termos de pagamentos
directos andará entre os 6%
e os 12% até 2019, em termos
médios nacionais. Mas como
esses pagamentos representam
apenas uma percentagem do valor
acrescentado líquido, o aumento
deste valor após os pagamentos
varia entre os 2,5% e os 4,5%. Não
é isso que vai resolver o problema
do rendimento das nossas
explorações agrícolas.
Outra questão é a convergência
nos apoios dentro de cada
Estado-membro.
Se há diferenças entre Estados-membros, há diferenças ainda
maiores entre os apoios por
hectares a diferentes regiões e nos
diferentes sistemas agrícolas do
país. São diferenças enormes.
A Comissão também exige
que essas diferenças sejam
esbatidas. O que se pode fazer?
A Comissão é leonina e exige que
a convergência dentro de cada
Estado-membro esteja concluída
até 2019, enquanto a convergência
europeia seria até 2028. Isto vai
criar uma dificuldade enorme
sobre a forma como nós,
internamente, fazemos esta
distribuição. Quais são os sectores
que vão ser mais penalizados? A
agricultura de regadio – milho,
arroz, tomate para indústria,
bovinos de leite e bovinos de
carne em produção intensiva. E
são os mais penalizados porque
são os que têm apoios maiores.
Quem vai ser beneficiado?
Sobretudo os sistemas mais
extensivos. A pecuária extensiva,
as policulturas, as culturas
permanentes [olival, vinha…]…
Mas as culturas permanentes, que
agora têm um valor de pagamento
baixo, vão ser beneficiadas, mas
em termos de valor acrescentado
isso não significa nada. Os
outros não: actualmente têm
ajudas baixas e os pagamentos
representam 40%, 50%, 60%
do valor acrescentado e podem
ganhar 20% ou 30%. Depois,
do ponto de vista regional, as
zonas que vão ser beneficiadas
com este processo são o interior
e o Alentejo; as que vão ser
penalizadas são o Entre Douro
e Minho, a Beira Litoral e o
Ribatejo, porque representam
fundamentalmente aqueles
tipos de sistemas agrícolas mais
apoiados. Nesta perspectiva,
podemos dizer que a nova
política agrícola vai aumentar o
rendimento das explorações nas
zonas do interior, e nalguns casos
com algum significado. Mas isto
vai ter impactes muito negativos
em alguns casos concretos,
como no arroz ou no tomate.
E em algumas zonas: a nível de
NUT III, fizemos alguns estudos
e concluímos que as médias de
pagamentos andam nos mil e tal
euros, quando a média nacional
ronda os 170 euros por hectare.
Onde é que isso se verifica? No
Ribatejo e no Oeste?
No Entre Douro e Minho. Porquê?
Porque em causa estão sistemas
de produção de leite muito
eficientes mas com pouca terra
associada. E isso vai levantar
questões muito significativas. É
uma espécie de bomba atómica
interna. Tem de se encontrar
soluções.
Até Agosto do próximo ano, o
Governo vai ter de decidir se o
envelope nacional vai ser aplicado
num único programa ou se vai
haver programas regionais.
O que acha mais recomendável?
Eu acho muito difícil a
regionalização. Nós temos regiões
muito heterogéneas e portanto
criávamos dentro de uma zona
limitada situações muito desiguais
e relativamente injustas. Há quem
defenda que se deveria dividir
o país em duas grandes zonas:
norte, centro, litoral e lezíria
do Tejo, e depois tudo o resto.
Eu até agora tenho defendido
que é melhor termos uma taxa
uniforme nacional, fazer tudo o
que seja possível para garantir
que a convergência seja até 2028,
e usar a possibilidade de usar
os pagamentos para amenizar
as perdas dos que vão ser mais
afectados por esta mudança.
Mas isso é uma forma de
conservar o statu quo?
Não, é de amenizar a transição.
Esta questão é muito política.
Dizer assim: os agricultores que
recebem cinco vezes acima da
média têm de estar na média em
quatro anos. Não é fácil. O que
estou a discutir é que vão ter de se
encontrar fórmulas para amenizar
a transição, mas essa amenização
não pode ser à custa das
expectativas de que vão melhorar
a sua situação. Haverá quem diga,
“cá está, os produtores extensivos
vão receber mais sem fazerem
nada”. Isto vai minar a situação
e espero que as organizações de
agricultores não caiam neste tipo
de discurso.
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25-03-2012
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FRANCISCO AVILLEZ
REFORMA DA
PAC PODE CRIAR
UMA “BOMBA
ATÓMICA INTERNA”
Entrevista, 10 a 12
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Francisco Avillez A próxima reforma da PAC pode criar uma “bomba