Carta Aberta ao Governador Rui Costa
A ação policial realizada por equipe da RONDESP na Estrada das Barreiras,
em 06.02.2015, no bairro do Cabula, com o resultado de 12 mortos, deve
ser objeto de rigorosa investigação independente, pois se constitui num
episódio grave e que não pode ser tratado como uma ocorrência policial
rotineira. Desde o primeiro momento, a imprensa registra manifestações
de testemunhas que relataram versões diferentes da apresentada pela PM
e demais autoridades da Segurança Pública, denunciando a prática de
execuções sumárias. O Estado não pode ignorar tais manifestações,
acobertando ilegalidades sob o cúmplice recurso dos famigerados "autos de
resistência". As práticas de abusos e ilegalidades em ações policiais são
uma trágica característica da política de segurança pública em vigor na
Bahia, atravessando diferentes governos e colorações ideológicas e
partidárias, refletindo uma das mais perversas faces do Racismo
Institucional, legitimando a desumanização e o assassinato de jovens e
adolescentes negros, sob a retórica cínica e diversionista da guerra às
drogas. A precipitada declaração governamental de apoio à ação policial,
antes mesmo de qualquer apuração do ocorrido, contribui para a
legitimação de uma espécie de licença para matar, agravando a
vulnerabilidade dos segmentos da comunidade negra alvejados
cotidianamente pela ação repressora do aparelho estatal orientado pelo
preconceito racial e pelo legado Lombrosiano de supostos criminosos natos.
Inúmeros casos confirmam esta terrível realidade. Afinal, onde está Davi
Fiúza? O caso Giovane seria uma exceção ou a regra nas rotinas da PM? Os
exemplos poderiam multiplicar-se, longamente. Confirma, também, a
nossa preocupação e oposição à proposta apresentada na campanha
eleitoral de criação do BOPE, que fortalece o imaginário institucional e
societal de reduzir as políticas de segurança pública à policização e aumento
da violência policial, como já vem ocorrendo com as violentas Bases
Comunitárias, réplicas das UPPs cariocas, que impõem às comunidades
negras a ocupação militar de seus territórios e a tutela violenta de suas
vidas, em frontal violação dos direitos constitucionais, mediante a
imposição de uma espécie de sub cidadania. Dois exemplos em torno da
atitude governamental em face da trágica ação policial indicam esse
indesejável caminho: as repercussões junto à tropa, que sintetizam-se na
ideia de que o novo governador dará apoio incondicional às ações policiais
violentas, e as manifestações de setores da opinião pública buscando
legitimar execuções de criminosos sob o perigoso mantra ilegal do "bandido
bom é bandido morto." Dessa forma, será de total responsabilidade do
governo baiano o eventual aumento da violência policial contra as
comunidades negras discriminadas e a manutenção ou acréscimo das
mortes decorrentes de ações policiais ilegais. Manteremos a vigilância
necessária
e
denunciaremos,
inclusive
junto
às
organizações
internacionais, tais escolhas políticas. Exigimos a adequada apuração
independente desta ocorrência, bem como das demais não esclarecidas, e
a ampla divulgação dos resultados. Não silenciaremos!
Assinam este documento as seguintes instituições:
Aganjú – Afrogabinete de Articulação Afro Institucional;
Blacktitude: Vozes Negras;
CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras;
Fórum de entidades Negras da Bahia;
Instituto Búzios;
Instituto Steve Biko;
PDRR – Programa de Direito e Relações Racias / UFBA;
Unegro – União de Negros Pela Igualdade;
Quilombo do Orobu;
MNU – Movimento Negro Unificado;
Níger Okàm
Afoxé Bamboxé
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