II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte
13 a 15 de setembro de 2010
GT02- Democracia, Violência e Conflitos Sociais.
Título do Trabalho
Estratégias de acesso a Justiça do MOVIDA (Movimento pela Vida) frente
à violência institucional: Análise do caso Gustavo Maia Russo.
Glaucy Learte da Silva –PPGCS/UFPA
Deuzélia Patricia Valente Machado–PPGCS/UFPA
Márcio Pereira de Sousa–PPGCP/UFPA
Belém (PA)
Estratégias de acesso a Justiça do MOVIDA (Movimento pela Vida) frente
à violência institucional: Análise do caso Gustavo Maia Russo.
Glaucy Learte da Silva1
Deuzélia Patricia Valente Machado2
Márcio Pereira de Sousa3
RESUMO: A violência policial tem sido uma constante na sociedade brasileira,
a cada dia surgem novos casos e parece ser um problema sem solução.
Perduram por vários motivos: a falta de impunidade, a formação deficitária do
policial, os resquícios do período ditatorial, entre outros. Este estudo busca
compreender quais as estratégias que o Movimento pela Vida (MOVIDA) Movimento pela Vida, que reune os Familiares das Vítimas da Violência Urbana
em Belém utiliza para ter acesso à justiça. Escolhemos um caso ocorrido em
2005, onde um pomotor de eventos que estava em seu carro foi sequestrado
por um ladrão em fulga, sendo que após a intervenção da polícia militar, ambos
foram alvejados com vários tiros, morrendo a vítima e seu raptor. Nossa
inquietação gira em torno das estratégias tomadas por este movimento para
ajudar as famílias das vítimas a lutar por justiça, que nem sempre conseguem a
condenação dos reús. Pretendemos entender de que maneira o MOVIDA se
mobiliza para reivindicar punição aos acusados, neste caso os policiais.
PALAVRAS CHAVE: Violência Policial, Movimentos Sociais e Aceeso à
Justiça.
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará PPGCS/UFPA.
2
Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará PPGCS/UFPA.
3
Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Ciência Política da Universidade Federal do Pará PPGCP/UFPA.
2
1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira vem acompanhando, desde os anos 80, o
crescimento da criminalidade violenta, seja através da mídia, seja através de
relatos de terceiros ou até mesmo de suas próprias experiências cotidianas:
assaltos, latrocínios, seqüestros, confrontos polícia X traficantes, enfim, uma
série de situações que colocam em discussão a problemática da segurança
pública, que não está sendo garantida aos cidadãos tutelados pelo Estado,
haja vista que este não vem cumprindo seu papel.
As competências do Estado no âmbito da Segurança Pública vão além
das políticas de combate à criminalidade e não estão vinculadas somente à
atuação policial, devendo então as instituições inibirem, paralisarem e até
mesmo reprimirem o exercício de atos reprovados socialmente, assegurando a
proteção tanto da coletividade quanto dos bens e serviços.
Os chamados Movimentos Sociais tem cada vez mais se proliferado em
nossa sociedade, de maneiras diferentes, com objetivos diferentes, lutando por
inúmeros motivos, estando entre os principais a luta contra as desigualdades
sociais e busca por melhores condições de vida e trabalho, seja no campo ou
na cidade, sendo a luta contra a impunidade uma de suas reivindicações bem
atuais.
Porém a violência também está presente nas instituições encarregadas
de combater a violência e de promover a justiça. Os órgãos de segurança,
cujos representantes são as polícias Civil e Militar, aparecem constantemente
envolvidos em violência policial cometida em especial contra as populações
segregadas e suspeitas de algum crime.
Este estudo pretende compreender quais as estratégias que o MOVIDA Movimento pela Vida, que reune os familiares das vítimas da violência urbana
em Belém, utiliza para ter acesso à justiça. Escolhemos um caso ocorrido em
2005, o de Gustavo Maia Russo, que foi sequestrado às próximidade de sua
residência por um fugitivo da policia, sendo que após intervenção desta militar,
3
teve seu carro alvejado com vários tiros, morrendo a vítima e seu raptor, que
segundo laudos da perícia o revólver que portava não continha balas.
Nossas inquietações giram em torno das estratégias tomadas por este
movimento, criado por sua mãe e seus familiares para ajudar a família de
outras vítimas a lutarem por justiça, que nem sempre conseguem a
condenação dos reús. Pretendemos entender de que maneira o MOVIDA se
mobiliza para reivindicar punição aos acusados, neste caso os policiais.
Durante entrevista realizada junto à presidente do MOVIDA, pudemos
verificar como ocorreu o surgimento desse movimento, as expectativas dos
integrantes, quais as reais motivações para o prosseguimento e as dificuldades
enfrentadas durante atuação e busca por justiça.
Ressaltamos que essas são informações preliminares, fruto de pouco
tempo de trabalho, mas a pesquisa será realizada num período de dois anos,
onde será realizada obervações e análises mas criteriosas de maneira a
compor uma dissertação de mestrado.
2. A VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL E NO PARÁ.
A década de 1980 nos remete às lembraças da derrocada dos regimes
autoritários na América Latina e a emergência dos regime democráticos, fato
este que garantiu mecanismos de participação da sociedade porém o Estado
de Direito não foi estabelecido de maneira concreta, o que acarreta no não
exercício pleno da cidadania. A diferença entre o exercício da cidadania social
diverge do exercício da cidadania política. Como fazer com que as instituições
policiais sejam controladas de maneira que elas venham a desempenhar seus
papéis sem maiores prejuízos à sociedade?
Segundo CALDEIRA (2000), a violência policial não é algo recente na
sociedade, tanto a violência como o desrespeito dos direitos civis por parte da
polícia já ocorre há um longo tempo. Especialmente no caso da cidade de São
Paulo, a autora afirma que esses tipos de abuso policial são reforçados nas
décadas de 80-90, primeiramente por causa dos seus altos índices e da
4
incrustação no cotidiano das pessoas, e depois pelo fato desses abusos
manifestarem-se durante a consolidação democrática.
O cooperativismo acaba contribuindo para que os policiais não sejam
punidos, além do que não há fatores que possam diferenciar uso da força de
violência. Se o policial abusa do uso da força, acaba ultrapassando os limites
que cabem ao Estado, fato que poderia por em cheque a sua própria
legitimidade. Mas esses episódios não são vistos dessa maneira e o Estado
acaba protegendo os policiais que cometem crimes.
Enquanto os policiais não forem responsabilizados e punidos
por atitudes ilegais e extralegais, a violência e os abusos
tendem a permanecer como uma prática usual e comum do
ofício de polícia. A impunidade tem sido considerada a principal
motivadora do emprego indiscriminado da força, como se o uso
ilegítimo da força fosse considerado inerente à atividade
policial ( COSTA, 2004).
Segundo dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao
referir-se à violência policial no Brasil, apontou que:
Em 1994, dados parciais para 14 estados federados do Brasil
revelam que ocorreram 6.494 homicídios de todos os tipos e
que, para cerca da metade deles, há atribuição de
responsabilidade. Destes últimos, 8% são atribuídos a policiais
"militares" e outros 4% a "esquadrões da morte". Analisando
Estado por Estado o perfil dos acusados, há importantes
diferenças: acusam-se policiais como responsáveis em 17%
dos casos em Alagoas; em 6% a 9% dos casos no Amazonas,
Amapá, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul; e em 5% ou menos dos casos no
Ceará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Roraima e
Sergipe.
Os constantes abusos policiais estão bastante associados às políticas
públicas de segurança e ao sistema de accontability. Para CALDEIRA, se os
abusos aumentaram principalmente durante o regime democrático deve-se ao
fato da forma como são tomadas as decisões administrativas e políticas no
país.
Atualmente, com a criminalidade em voga na sociedade, altos índices de
crimes e violências sendo debatidos, a segurança passa a ser questionada
amplamente e com isso, os agentes que influenciam nesse processo são
5
revistos, com destaque para os próprios policiais e para a forma como estes
agem durante o exercício de suas atividades.
Entendemos que a violência policial está presente em todas as
corporações policiais brasileiras e estão visíveis, estampada nas páginas dos
jornais ou no noticiário da TV:
O senso comum, a mídia e também análises de cunho
acadêmico têm revelado grande consenso ao insistir no caráter
violento da atuação policial, além de enfatizar que essa
violência é o estopim para outros tipos de violência
protagonizados pelo cidadão comum, numa resposta em
cadeia, que se converte em uma espécie de círculo vicioso
(PORTO, 2004).
Segundo o Relator Especial da Organização das Nações Unidas - ONU
sobre Execuções Sumárias, Extrajudiciais e Arbitrárias, Philip Alston, ao visitar
o Brasil em 2008, ao trata a respeito da violência policial: “a maioria das
recomendações não foram implementadas. A impunidade continua a ser a
regra no Brasil, com poucas execuções extrajudiciais sendo efetivamente
investigadas
e
julgadas.
A
violência
policial
continua
sistemática
e
generalizada, afetando desproporcionalmente os elementos mais vulneráveis
da população”4.
Essas observações foram feitas já na segunda visita do
relator.
E segundo MESQUITA NETO:
Os casos de violência policial ainda que isolados, alimentam
um sentimento de descontrole e insegurança que dificulta
qualquer tentativa de controle e pode até contribuir para uma
escalada de outras formas de violência. A violência policial,
principalmente quando os responsáveis não são identificados e
punidos, é percebida como um sintoma de problemas graves
de organização e funcionamento das polícias. Estes
problemas, se não forem solucionados, particularmente em
democracias emergentes como o Brasil, podem gerar
problemas políticos, sociais e economicos sérios e podem
contribuir para a desestabilização de governos e de regimes
democráticos (1999)
4
Report of the Special Rapporteur, Philip Alston, Addendum: Follow-Up to Country
Recommendations, UN Doc. E/CN.4/2006/53/Add.2, 28 de fevereiro de 2006, parágrafo 117
(sem grifo no original).
6
A partir de informações obtidas no site da Ouvidoria de Polícia do Pará:
O que nos causa estranheza é que quando pessoas são
mortas por policiais, a primeira versão que estes últimos
apresentam é de que houve troca de tiros, o que nem sempre é
verdade. Como na maioria das vezes as vítimas têm ou tiveram
registro contra si nas Delegacias de Polícia, lá a morte é
registrada em um lacônico AUTO DE RESISTENCIA SEGUIDA
DE MORTE. Vale ressaltar que na maioria dos casos não
houve a apuração dos fatos ou investigação policial, peça
técnica de competência da polícia judiciária. E na polícia
judiciária, nos casos em tela, é comum, principalmente nas
versões de que houve tiroteio, não ser requisitado ao CPC
Renato Chaves o exame de pólvora combusta nas vitimas,
bem como não é solicitado perícia da cena do evento, além do
descaso em levar a apuração até sua conclusão. Ademais, os
policias militares ou civis envolvidos nestes eventos, a pretexto
de socorrer a vítima removem-na do local do fato, modificando
assim a cena do crime5.
As queixas até são registradas, agora as ações em torno do problema
são preocupantes. Há toda um trabalho para que não haja punição. Segundo
as informações obtidas ainda no site da ouvidoria, somente no início de 2009,
nas duas primeiras semanas de janeiro, a Ouvidoria acompanhava 09 casos de
execução policial.
Entendemos que esta letalidade excessiva, utilizada por
nossos policiais estaduais, só será minimizada, sem por em
risco suas vidas no exercício do dever, se for devidamente
apurada com seriedade pelas autoridades judiciárias e pela
administração pública no âmbito de sua competência, sem
corporativismo. Em todos os casos, a falta de apuração séria e
técnicamente correta, gera entre os policiais contumazes na
transgressão da disciplina e criminal, o poder do uso da arma
de fogo sem critérios, indiscriminado e na impunidade,
colocando-os cada vez mais perto, em seu cotidiano funcional,
de condutas ilegais, criminosas e imorais 6.
A força física legitimada ao Estado, quando usada de maneira
inadequada torna-se violência, por exemplo, um policial ao abusar do poder
para impor sua vontade, tendo como outros agravantes que devem ser
mencionadas como a tortura e a extorsão.
5
http://ouvidoria.ssp.pa.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=63
último acesso em 27 de agosto de 2010.
6
http://ouvidoria.ssp.pa.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=63)
último acesso em 27 de agosto de 2010..
7
Para SKOLNICK (1966), a experiência policial e as suas práticas giram
em torno da combinação de perigo e autoridade. É o perigo que vai pôr em
risco o emprego da autoridade. Desta forma a adesão do policial às normas
legais variaria de acordo com o perigo a que é exposto. Ou seja, o policial
tende a fazer uso da força policial a partir do momento em que se sente
ameaçado ou quando sua autoridade é questionada.
Geralmente o policial atribui aos bairros periféricos, de forma subjetiva, o
espaço da violência e da criminalidade, erroneamente agem como mais rigor
ou com excesso de poder e arbitrariedade. No que diz respeito ao
relacionamento com as classes mais abstardas, os policiais tendem a ser mais
cautelosos, porque teoricamente essas pessoas aparentam não oferecer
nenhum risco à segurança.
A população vive rotineiramente a violência, convive com ela tanto por
parte do criminoso como por parte da polícia, sendo que para muitos, as
experiências com um órgão (Segurança Pública) que deveria ser defensor da
ordem social, acaba sendo sinal da arbitrariedade presente no cotidiano. Ao
mesmo tempo em que o pobre é morto pelo “bandido” pode ser vítima de um
policial que o confunde com o criminoso, ou seja, a fronteira que separa a
imagem do trabalhador pobre com a do criminoso é quase invisível e muitas
vezes a polícia está despreparada para sua função.
3. O que se entende por Acesso à Justiça?
Esse artigo nos leva a reflexão, de maneira breve, a respeito de quem
realmente tem direito ao acesso à justiça na sociedade brasileira. Será que ter
acesso à justiça é somente ter acesso aos tribunais? Será que todos os
cidadãos brasileiros, iguais em direitos como afirma nossa constituição tem
acesso à justiça garantido? Uma pessoa que desconhece seus direitos terá
acesso a eles? A falta de condições financeira garante à uma pessoa pobre
esse acesso à justiça?
CAPPELLETTI e GARTH na obra “Acesso à Justiça” afirmam que:
8
O „acesso‟ não é apenas um direito social fundamental,
crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente,
o ponto central da moderna processualística. Seu estudo
pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e
métodos da moderna ciência jurídica (1988).
Os autores apontam ainda em sua obra o que consideram três possiveis
soluções para os problemas de acesso à justiça:
(...) a primeira solução para o acesso – a primeira „onda‟ desse
movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia
respeito às reformas tendentes a proporcionar representação
jurídica para os interesses „difusos‟, especialmente nas áreas
da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais
recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente
„enfoque de acesso á justiça‟ porque inclui os posicionamentos
anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa
forma uma tentativa de atacar as barreiras do acesso de modo
mais articulado e compreensivo (1988).
Em apoio aos autores acima citados SANTOS (2007) defende o
fortalecimento da assistência judiciária para as pessoas sem condições:
A revolução democrática da justiça exige a criação de outra
cultura de consulta jurídica e de assistência e patrimônio
judiciário, em que as defensorias públicas terão certamente um
papel muito relevante." (SANTOS, 2007).
A pobreza é vista como um obstáculo ao acesso à justiça, ainda
CAPPELLETTI e GARTH (1988) : pessoas ou organizações que possuam
recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao
propor ou defender demandas. Essa então pode vir a ser um recurso, uma
estratégia das pessoas em se organizarem em grupos para pressionar o
judiciário contra a impunidade, sendo o MOVIDA um exemplo desta
mobilização.
Porém não podemos focar o problema da falta de acesso somente às
classes menos favorecidas, pelo fato de que se uma pessoa de classe média,
que tenha recursos para custear um processo na justiça, porém se os réus
forem agentes do Estado, talvez a causa não seja deferida em seu favor.
Chegar às audiências é uma questão e sair vitorioso dela é outra
completamente diferente.
9
Ao recorremos a SANTOS para reforçar nossas análises destacamos o
seguinte:
Além dos intricados labirintos que os processos judiciais devem
percorrer lentamente, as chamadas custas desses processos
desanimam até mesmo os que dispõem de alguns recursos
financeiros. Para os pobres, a justiça é mais barreira
intransponível que uma porta aberta. As manifestações de
desalento e descrença quando uma ofensa ao direito é
constatada são muitas vezes mais numerosas que as palavras
ou gestos de confiança, ou, ao menos, respeito pelo aparelho
judicial-policial.
Além
desses
entraves
propriamente
processuais, contêm-se, no lado ideológico ou sociológico, com
a inadequação ou desatualização em que se encontram muito
dos que são, oficialmente, guardiões da justiça e da paz social
(2000).
São inúmeros os obstáculos que impedem o acesso à justiça como a
corrupção, falta de recursos dos requerentes, inúmeros processos que
tramitam pelos tribunais e sua consequente lentidão, falta de conhecimento dos
direitos instituidos em lei, o descrétido na justiça por parte de muitas pessoas
entre outros podem ser elencados como entraves ao acesso à justiça e que
devem ser superados.
4. MOVIMENTO PELA VIDA – MOVIDA
4.1- O que é o MOVIDA?
MOVIDA é a sigla do Movimento pela Vida que engloba familiares de
vítimas da violência urbana em Belém fundado por Iranilde Russo7, mãe de um
jovem promotor de eventos que foi atingido por vários disparos de arma de
fogo numa ocorrência policial, em um bairro da cidade de Belém, ao estar em
poder de um assaltante, onde ambos morreram.
Segundo a presidente, o MOVIDA surge em Agosto de 2005, sete
meses após a morte de seu filho Carlos Gustavo Russo em janeiro do mesmo
7
formada em Administração de empresas, trabalhou vários anos na administração pública,
atualmente aposentada atua como profissional liberal em sua empresa de promoção de
eventos, além da tarefa de comandar o MOVIDA.
10
ano. Gustavo, era seu segundo filho dentro os três que tinha, era casado, sem
filhos e foi vitima de violência policial durante perseguição à um bandido na
cidade Belém.
Após sete meses corridos da morte de Gustavo, D. Iranildes decidiu,
juntamente com alguns de seus familiares, reunirem-se em praça pública todos
os domingos para divulgação da indignação sentida pela violência que vem se
alastrando na cidade. A praça escolhida foi a Praça da República, local
bastante movimentado e variado, principalmente aos fins de semana.
Logo em seguida, vários familiares que já haviam sofrido algum tipo de
violência prejudicial à um ente querido seu, se interessaram pela manifestação
e resolveram aderir. Passando a freqüentar também, pessoas que já mais se
imaginaram passar por uma dor semelhante à de D.Iranilde, tempos deposi
passaram a integrar o movimento
Segundo D. Iranildes, os integrantes do MOVIDA são movidos pelo
sentimento de justiça, pelo rompimento da impunidade e por uma força superior
que é o amor aquele que se perde. No caso de D.Iranildes, pessoa pertencente
a uma parte economicamente abastada da população sentiu certos
preconceitos, as pessoas do mesmo meio social se admiravam dela está se
mobilizando, expondo-se, mas segundo ela, seu sofrimento ultrapassou
qualquer tipo de obstáculo, assim como outras pessoas que fazem parte do
grupo.
Para ela, as pessoas precisam para de sentir medo de expor-se, pois
com avanço da violência, além dos pobres, todos estão sujeitos a qualquer tipo
de criminalidade, independente do segmento social a que pertença.
Uma das exigências para compor o MOVIDA é que os integrantes não
sejam filiados à partidos políticos por acreditarem que as causas que eles
reivindicam dizem respeito à todos e não a certos setores da sociedade. A
outra exigência é que a vítima não tenha tido pendências com a justiça.
O MOVIDA, segundo sua presidente, não tem relação direta com a
Secretaria Paraense de Defesa do Direitos Humanos- SDDH8, por ser uma
8
Localizado à Av. Govenador José Malcher, 1381 Bairro Nazaré CEP: 66055-090.
11
entidade ligada ao Governo e portanto não tem disposição para expor-se. Em
visita ao SDDH fomos informados que não atuam diretamente com o MOVIDA
por questões ideológicas. O MOVIDA não possue parceria com empresas ou
orgãos do governo, sobrevivem de seus próprios recursos, não possuí sede
ainda, sendo que fomos atendidas para a entrevista na residência de Iranilde
Russo, local em que também funciona sua empresa Sintonia Eventos.
4.2- As ações do MOVIDA e a busca por acesso à justiça em Belém.
As mobilizações ocorrem a partir das reuniões realizadas semanalmente
na praça da República. São mobilizações nos tribunais e acompanhamento nos
processos dando orientações a famílias tentando indicá-las um melhor
caminho, visto que muitas ficam tão desamparadas que não sabem a quem
recorrer, prestam informações jurídicas sobre o processo, pois a maioria dos
familiares não tem condições para arcarem com as despesas com advogados,
então eles mesmos pesquisam e assessoram essas familias que perderam um
parente vítima da violência. Pois a falta de informação do cidadão sobre os
seus direitos no Brasil ainda é um fator muito forte e isso impede que as
pessoas busquem seus direitos, que tenham acesso à justiça.
. Os participantes fazem o planejamento, cada um se responsabilizando
por algo que irá fazer, geralmente em dias de julgamento, dependendo do tipo
de crime (júri popular) podem até ter acesso ao tribunal, quando não, fazem a
mobilização fora do tribunal mesmo por meio de carro-som, trios elétricos,
carreatas, entre outros. Tudo com intuito de chamar a atenção não só das
autoridades, mas da sociedade em geral para o sentido da JUSTIÇA.
E perguntada sobre o que seria a “justiça” na visão do MOVIDA, D.
Iranildes afirma “a justiça dos homens já mais satisfará, não preenche a lacuna
deixada, não há dinheiro e nem justiça que traga de volta o ente querido,
porém como cidadã e integrante do MOVIDA eu penso que tem que haver
punição condizente com o ato, caso contrário, elas não serão exemplo para os
outros e será uma desorganização total uma terra sem lei, por isso a punição é
necessária. A sociedade precisa de muitas escolas e muitas cadeias, porque
12
se não criarem cadeias, as leis que temos e as políticas publicas que não
alcançam a necessidade das pessoas será o caos”.
Por outro lado, a instituição também deve ser responsabilizada pois é ela
o agente transformador e de proteção da sociedade, então, a partir do
momento que passamos por uma situação de violência na família, perdemos a
vontade de viver, se tem outra visão de mundo, antes você era total defensor
da instituição, depois você vê tudo isso desmoronar, quando a instituição não é
capaz de defender a sociedade, os valores precisam ser repensados.
No caso de seu filho, o bandido vinha sendo perseguido, seqüestrou
Gustavo, mesmo os policias sendo avisados do seqüestro, atiraram sobre o
carro da vitima matando tanto bandido quanto a vitima. Segundo D.Iranildes, a
justiça é falha. Houve julgamento dos policiais envolvidos no caso, porém com
02 anos e 07 meses foram soltos e permanecem tranquilamente nas
corporações, nem expulsos da corporação foram.
Ela relata: “Levarei pra vida o sentimento de medo e impunidade, os
criminosos já saíram (ficaram pouco mais de 02 anos) não perderam nada, a
justiça da instituição é uma e a de fora é outra, isso preocupa. No caso do
policial a situação é mais preocupante, tem bastantes privilégios, a justiça fica
dentro da corporação. Policiais ficam na impunidade. Depende da política
interna: das relações, de como a pessoa é vista dentro da corporação. Há
sempre privilégio para os policiais”.
Apesar de insatisfeita, o MOVIDA rompeu uma barreira no Pará, visto
que até então, nenhum policial havia sido preso. O interessante é que mesmo
decepcionada com a justiça no Estado, ela procura atualizar-se de tudo que
passa no meio jurídico e vê nos movimentos sociais uma forma de minimizar a
situação. Mesmo estes se ampliando no Brasil, ainda são para ela,
insuficientes, visto que a violência ainda não está no ápice, e quando ela
chegar já vai ter morrido muita gente.
D.Iranildes a partir do MOVIDA se predispôs a tornar-se parceira da
instituição policial, poder contribuir com seus trabalhos, porque conhece a
importância da corporação para sociedade, e por mais dores que sinta acredita
13
que precisa colaborar. Algo incomum, pois ela com a dor que sente poderia por
exemplo desprezar a insttuição.
Atualmente, o MOVIDA é formado somente por famílias (99%) que
tiveram no seio vitimas de todo tipo de violência. As reuniões continuam
acontecendo na praça ou na casa de alguma família. Comemoram
aniversários, anunciam os julgamentos do mês, levam informações, tem um
jornal semanal preparado pela própria coordenação do movimento (D.Iranildes
e Angélica que teve o noivo morto por assaltante em uma casa lotérica em
Belém). O cronograma basicamente é baseado nas datas das mortes,
geralmente são celebradas missas e ainda a data dos julgamentos.
Analisando o movimento a partir dos relatos de D.Iranildes, conseguimos
perceber tamanha indignação em sua fala, que o sentimento de superação, de
busca por justiça em detrimento da impunidade é enorme e motiva seus
integrantes a continuar na luta. Uma luta diária que dá a oportunidade de se
refletir os direitos humanos, a cidadania e principalmente, as políticas públicas
que venham fazer existir de fato uma qualidade de vida à todos. O MOVIDA
deixa claro que não é preciso somente ter acesso à justiça, mas fazer valer a
justiça.
4.3- Entendendo o caso Gustavo Maia Russo:
O crime aconteceu em 10 de janeiro de 2005. Gustavo Maia Russo
falava ao celular, no interior de seu veículo, na Avenida João Paulo II, quando
foi rendido, com arma de fogo, por Lucivaldo, que o obrigou a iniciar a fuga.
Lucivaldo, que estaria usando fardamento militar, teria cometido um assalto e
fugiu após ser abordado pela Polícia, que passou a persegui-lo. Outras viaturas
da Polícia Militar se juntaram à perseguição. Consta na denúncia, formulada
pelo Ministério Público que, com o carro da vítima usado para fuga já parado, o
suspeito saiu, sendo alvejado pelos policiais. Outros sete disparos teriam sido
feitos em direção ao refém que morreu dentro do próprio veículo.
O juiz se baseou em provas documentais, testemunhais e periciais
para
pronunciar
oito
militares
denunciados
pelo
Ministério
Público,
14
determinando que eles sejam submetidos a júri. Já foram julgados, em sessão
realizada nos dias 19 e 20 de abril de 2006, os militares Jeilson Nazareno
Moura, Edgar Fonseca de Souza e Nixon da Silva Barreto. Os dois primeiros
receberam pena de reclusão de 18 anos, e o terceiro, foi apenado em 12 anos.
O quarto militar que enfrentou o júri popular foi Marcelo Ferreira Zeferino, em
sessão realizada em 17 de março de 2008. Ele foi absolvido. O oitavo acusado,
Sílvio Roberto Monteiro de Miranda, aguarda em liberdade o julgamento de
recursos movidos contra a sentença de pronúncia. Informações essas
públicadas em http://www.diariodopara.com.br/N-82234.html e condizem com
os relatos de D. Iranilde Russo, que nos informou ainda que foi comprovado
que não havia balas no revólver do assaltante e que os policiais sabiam que
havia um refém, pois foram avisados pelas pessoas que presenciaram o
acontecido.
Segundo a presidente do MOVIDA provavelmente os policiais foram
presos somente devido à pressão que o movimento fez durante todo o
processo e ainda fazem, prova disso é que hoje todos os oito policiais já estão
soltos: “durante a leitura da sentença os familiares e amigos do produtor de
evento, integrantes do Movimento pela Vida (MOVIDA) deixaram silenciosos o
plenário do júri, permanecendo somente os familiares dos policiais”. Os que
foram condenados cumpriram 02 anos e 07 meses de pena, sendo que a
condenação era de 30 anos pelo crime cometido.
Podemos aferir que somente o acesso à justiça, aos tribunais não é o
suficiente, o MOVIDA na concepção de sua presidente ainda conseguiu uma
punição para os acusados, mas ainda não é o que eles enquanto um
movimento social que luta por justiça esperam. Muito há ainda o que se fazer
para que haja mudança nas estruturas sociais, outros movimentos terão que
surgir, novas formas de mobilização para que novos rumos sejam tomados,
que acabe a impunidade na sociedade brasileira. Outros casos como o do
Gustavo surgem a cada dia, mas o MOVIDA não desânima e segue em sua
árdua luta. Como afirmou a presidente do MOVIDA , eles não querem que o
caso do Gustavo seja mais uma estatística e que sirva de lição para toda uma
sociedade.
15
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A violência no Brasil assume inúmeras modalidades, porém a violência
policial tem nos chamado à atenção haja vista que ela é cometida
constantemente por agentes do Estado, que tem como função a proteção dos
individuos. Situação esta que vem provocando a inquietação de movimentos de
cunho social que visam buscar punição para esses agentes, de maneira que
sirvam de exemplo e que possa ser reduzida as estatísticas de violência policial
no Brasil.
Entendemos que violência cometida pela instituição policial, é um
problema grave, urgente, mas que ainda está sem prazo para ser solucionado,
ou pelo menos remediado, que faz inúmeras vítimas diariamente, seja por
ações desastrosas, seja por ações pensadas, má formação do agente de
segurança pública, abuso de poder, entre outros fatores que prejudicam a
atuação da polícia e a vida de inúmeras pessoas.
É necessário que a sociedade continue se mobilizando para que o
acesso à justiça não se restrinja apenas ao acesso aos tribunais, que os
julgamentos possam de fato punir, coibir atitudes que ocorrem em nossa
sociedade e que se tornam repetitivos a partir do momento em que não se puni
os culpados, pois como CALDEIRA afirma:
A democracia brasileira provavelmente continuará a ser única,
mas se aspira a ser menos violenta, ela tem não só que
legitimar o sistema judiciário mais também deixar de exercitar
seus jogos de poder e abusos de autoridade sobre os corpos
dos dominados. Ela terá de encontrar maneiras de
democratizar o espaço público, renegociar fronteiras e respeitar
os direitos civis (2000).
É necessário que as instâncias competentes passem a cumprir suas
funções, pois se a polícia não investigar os crimes e prender os acusados, se a
justiça não puní-los da maneira em que está constituido em lei, se os entraves
de acesso à justiça não forem superados, a impunidade continuará imperando,
trazendo à tona consequências gravíssimas, tais como o aumento da
criminalidade e da violência policial por exemplo.
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6.
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&Itemid=63) último acesso em 27 de agosto de 2010.
www.tj.pa.gov.br
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