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Regional Wokshops on Land Issues
Latin America Region
POLÍTICAS DE TERRA, POBREZA E
DESENVOLVIMENTO RURAL: O CASO DO BRASIL
Edson Teófilo
Danilo P. Garcia
2
Brasília, abril de 2002
3
ÍNDICE
I - Antecedentes históricos_______________________________________________ 5
II - A experiência brasileira recente _______________________________________ 8
a)
Uma avaliação dos impactos regionais dos assentamentos _____________
A redefinição do cenário social e da demanda por políticas públicas _________
A remodelagem do sistema agrário e a dinamização da vida econômica_______
A criação de empregos e a melhoria da renda ___________________________
Os assentamentos como fator de desenvolvimento _______________________
10
11
13
15
18
b)
A reforma agraria negociada: experiências recentes no Brasil _________ 18
Os resultados preliminares do Projeto Cédula da Terra ____________________ 20
O impacto do Projeto no mercado de terras _____________________________ 21
c)
A Reforma Agrária e a formação do capital social ___________________ 22
Contradição entre coordenação e base nas organizações sociais _____________ 24
III - Da reforma agrária ao desenvolvimento rural: uma evolução necessária ____ 26
a)
O foco territorial do Desenvolvimento Rural________________________ 27
b)
O Brasil Rural: redescobrindo o território _________________________ 28
c)
Recomendações estratégicas para a política de terras_________________
i) Atualização do marco jurídico______________________________________
ii)Modernização de cadastros e tributação ______________________________
iii)Instrumentos adequados e combinados às distintas situações _____________
29
30
31
31
BIBLIOGRAFIA _____________________________________________________ 35
4
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Metas atingidas pelo programa de reforma agrária do governo
(1995-2001) ................................................................................................ 8
Tabela 2 - Brasil. Indicadores médios do processo de avaliação da
desapropriação de terras para reforma agrária implementado pelo INCRA
.................................................................................................................. 10
Tabela 3: Participação da área dos assentamentos na área total dos municípios
pesquisados, segundo estrato principal de área. ...................................... 14
Tabela 4: Composição do rendimento médio bruto familiar anual total (*) –
1999/2000 ................................................................................................. 17
Tabela 5: Níveis de Renda Média Bruta Familiar Total, segundo faixas de
Salário Mínimo, 1999/2000 (em %)(*) ....................................................... 17
Tabela 6: Preços da Terra de lavouras da FGV, custo por hectare Cédula da
Terra e custo de desapropriação do INCRA ............................................. 21
Tabela 7:- O Brasil urbano “ampliado” de 1991 a 2000 ................................... 28
Tabela 8: O Brasil rural de 1991 a 2000........................................................... 29
5
POLÍTICAS DE TERRA, POBREZA E
DESENVOLVIMENTO RURAL: O CASO DO BRASIL
I - Antecedentes históricos
Uma das características mais marcantes do desenvolvimento brasileiro tem sido
a capacidade de seguir adiante o processo de acumulação, contornando as evidências de
que o crescimento econômico (e sua sustentabilidade) tem intima ligação com a
distribuição de ativos, entre os quais a terra. A questão agrária é um dos exemplos mais
emblemáticos da natureza conservadora do processo de desenvolvimento brasileiro. Ao
longo do tempo a questão agrária tem sido apresentada em diversas formas e em
intensidade variada; mesmo que seu significado nem sempre seja claro, ninguém ousa
declará-la superada.
Apesar das profundas transformações sociais e econômicas do país, a raiz da
questão continua sendo a vigência de um padrão de propriedade de terras arcaico, que
mantém e sustenta um dos mais iníquos e ineficientes sistemas de distribuição e
utilização de terras conhecidos atualmente. Todavia, é certo que a questão agrária hoje
não é a mesma do fim do século ou dos anos 50.
De um lado, o crescimento da economia brasileira nas últimas décadas tratou de
questionar a idéia de que a estrutura agrária colocava-se como um obstáculo ao
desenvolvimento econômico do país; a ampliação do mercado interno1 e a globalização
das economias ampliaram ainda mais o espaço para a expansão do padrão de
acumulação excludente.
A própria questão da segurança alimentar — outro dos argumentos históricos em
favor da reforma agrária — é redefinida a partir dos processos de integração econômica
e globalização: a identidade entre segurança alimentar e auto-suficiência que orientava
algumas políticas agrícolas no passado é substituída pelo conceito de self reliance, que
enfatiza a capacidade de obter, e não de produzir, os alimentos.
De outro lado, as estruturas agrárias modernizaram-se: o agribusiness é hoje
responsável por parcela significativa do produto agropecuário do país; parte do
latifúndio adquiriu um caráter empresarial e os níveis de produtividade aumentaram de
forma considerável; as relações “atrasadas” foram substituídas por relações “modernas”,
embora ainda distantes dos padrões adotados pelos países desenvolvidos; o país
transformou-se em produtor e exportador de produtos agro-industriais não tradicionais.
Apesar dos efeitos negativos da crise dos anos 80, parte do setor agropecuário
modernizou-se e pode ser hoje considerado como eficiente e competitivo.
No entanto, o sistema de propriedade da terra pouco se modificou — foi ao
contrário reforçado com o fechamento das fronteiras, as quais funcionavam como
válvulas de escape para pressões fundiárias, e pela conhecido processo de concentração
da riqueza durante períodos de instabilidade monetária e crise de acumulação. Neste
contexto, as transformações produtivas, longe de aliviar o problema agrário,
1
O modelo de desenvolvimento brasileiro, especialmente a partir dos anos 70, sustentou-se na expansão do mercado
interno de bens de consumo durável, identificados à cesta de consumo da classe média e alta, e nos investimentos
de base. Tal modelo tem sido caracterizado como excludente , já que, apesar da redução relativa da pobreza,
marginalizou parte significativa da população dos benefícios do progresso econômico.
6
contribuíram para sua manutenção e até seu agravamento.
A modernização conservadora do latifúndio reforçou a concentração da
propriedade da terra e o caráter excludente do modelo de desenvolvimento
agropecuário; como regra geral as “relações arcaicas” foram substituídas por relações de
assalariamento temporário, embora em muitas regiões sem qualquer proteção legal. Em
algumas áreas subsistem ainda hoje, de forma disfarçada, regimes de trabalho
compulsório, utilização de crianças e condições de trabalho totalmente condenáveis. A
produção de subsistência foi em grande medida eliminada e os produtores expulsos para
os centros urbanos; parcela significativa dos atuais minifúndios são hoje mais “lugar de
moradia” que unidades de produção; os excedentes populacionais são rapidamente
“escoados” para os grandes e médios centros urbanos, onde são rapidamente absorvidos
em condições de vida miseráveis.
Mais recentemente, a magnitude e visibilidade dos problemas agrários foi
amplificada pela prolongada crise que afetou parte da agricultura brasileira desde final
dos anos 80, assim como pela cada vez mais evidente falta de alternativas de
sobrevivência para a população rural sem terra e sem trabalho. Neste contexto,
cresceram os conflitos e a violência no campo, chamando a atenção de toda a sociedade
para a necessidade de que finalmente este problema fosse enfrentado de frente.
As diferentes visões sobre a questão agrária no Brasil
No Brasil, durante os anos 60, a questão agrária e particularmente a reforma
agrária encontravam-se na ordem do dia, tanto nas discussões político-partidárias
quanto nos meios acadêmicos. A alta concentração fundiária, a heterogeneidade do
sistema produtivo e das relações de trabalho no campo, com a presença de formas précapitalistas como os foreiros, moradores parceiros e agregados, e as baixas condições de
vida dos empregados rurais eram os principais componentes que configuravam a
questão agrária naquele momento.
Entre os principais intérpretes das origens e das possibilidades de superação da
questão agrária brasileira, hoje considerados "clássicos", estão Ignácio Rangel, Alberto
Passos Guimarães e Caio Prado Jr.. Embora estes autores apresentem uma visão
particular e específica do problema, os dois primeiros têm uma perspectiva de análise
comum. Para eles, a questão agrária configura-se devido às dificuldades que a
implementação do sistema capitalista no campo encontra na estrutura arcaica da
agricultura, herança de restos feudais da economia colonial. Deste ponto de vista, a
solução da questão pressupõe a superação dos obstáculos ao pleno desenvolvimento das
forças produtivas capitalistas. Para Caio Prado Jr. a questão agrária é resultado do
processo de desenvolvimento capitalista (Kageyama, 1993, p. 5-16).
Para Ignácio Rangel (1962), a resolução da questão agrária pressupõe
fundamentalmente a passagem do complexo rural auto-suficiente para um conjunto de
formas superiores de organização da produção mais conectadas com o mercado
(empresas capitalistas privadas, cooperativas, pequenas explorações individuais). Como
resultado dessa passagem aprofundam-se desequilíbrios e crises, que constituem dois
problemas que definem a questão agrária: superprodução e superpopulação. A mão-deobra excedente no campo e nas periferias urbanas dificilmente será reabsorvida pela
economia capitalista. Portanto, a solução proposta pelo autor é tentar recompor a
economia natural em pequena escala, com o objetivo de garantir ao menos a
7
subsistência dessa população excedente, por meio de pequenos lotes familiares (hortas
ou quintas) que não se restringiriam às zonas rurais, devendo beneficiar sobretudo as
periferias urbanas (p. 23-27) .
Rangel desaconselha qualquer tentativa de mudança da estrutura agrária por
meio da compra de terras com fundos públicos:
Ao contrário, o Estado deve intervir como supridor de terra, dispondo de suas
próprias terras ou induzindo o proprietário privado a fazê-lo. No Brasil contemporâneo,
o problema da terra é, essencialmente, uma questão de preço – questão econômica e não
jurídica. Intervenção do estado como comprador inibira o movimento já iniciado de
queda da taxa de valorização da terra, embaraçando a mudança da estrutura (Rangel,
1962, p. 26).
Alberto Passos Guimarães concentra seus argumentos na herança do latifúndio
colonial que coloca obstáculos à superação das formas pretéritas de relações de
trabalho, assentadas na coerção extra-econômica e nos laços de dependência pessoal.
Para ele, a questão agrária emerge fundamentalmente da incompatibilidade entre
estrutura agrária arcaica e o desenvolvimento capitalista. Sua proposta de superação
passa pela reforma agrária enquanto luta pela eliminação do latifúndio improdutivo e
atrasado (Kageyama, 1993, p.7-8).
Para Caio Prado Jr. a questão agrária assim como os problemas agrários são
suscitados pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, sendo, portanto problemas
próprios desse tipo de economia, dentro de cujo marco deverão ser interpretados e
enfrentados. Este autor move-se no plano da análise marxista, cujo suporte são as
relações de produção e em particular as relações capitalistas de produção, presentes e
dominantes na economia agrária brasileira. A questão agrária, para o autor, expressa na
miséria material e na falta de amparo legal a que estão submetidas as massas rurais, não
são fruto de restos feudais, mas sim do aprofundamento do próprio caráter capitalista do
desenvolvimento econômico nacional. A solução da questão circunscreve-se, portanto,
num primeiro momento, aos instrumentos e instituições disponíveis nos limites do
sistema (limitação do direito de propriedade da terra, legislação trabalhista, salário
mínimo, etc.) para num segundo momento converter-se em luta pela superação desse
sistema (Kageyama, p.8-11).
É importante salientar que a análise da questão agrária feita por estes autores não
se confunde com a concentração fundiária. Embora a propriedade da terra e as formas
históricas de sua ocupação tenham papel fundamental na conformação dos problemas
agrários no Brasil, a expressão desses problemas se dá no plano da população, seja sob a
forma de um excedente estrutural de mão-de-obra (população excedente, de Rangel),
formas extorsivas e extra-econômicas de exploração do trabalho (Alberto Passos
Guimarães) ou desamparo legal que perpetua a pobreza rural (Caio Prado Jr.).
A análise da questão agrária que toma por base a renda da terra não leva em conta
que, em uma economia capitalista, a terra está intimamente ligada à propriedade
privada, é uma mercadoria, tem um preço e o acesso a ela está sujeito à dinâmica do
mercado. Apesar da terra não ser uma mercadoria, tornou-se uma pela grande
transformação operada no século XIX, na qual a atividade econômica foi isolada e
imputada a uma motivação econômica distinta a do feudalismo. Esta grande
transformação permitiu que as atividades econômicas passassem a ser controladas,
reguladas e dirigidas pelos mercados a ordem da produção e distribuição foi confiada ao
mecanismo de preços. Neste sentido, a terra passou a ser comprada e vendida num
mercado por um preço (Plata, L 2001).
8
II - A experiência brasileira recente
No final de 1994, após 30 anos da promulgação do Estatuto da Terra, período
que supera uma geração, houve tempo mais que suficiente para realizar amplas
transformações sociais, como as ocorridas em outros países. Permanece até essa data
uma “questão agrária” não resolvida. Os resultados do programa de reforma agrária até
1994 são inexpressivos frente à dimensão do problema agrário brasileiro em que
milhões de famílias sem ou com pouca terra vivem em condições que oscilam entre a
pobreza e a miséria. Até 1994, em torno de 300 mil famílias foram beneficiadas pelo
governo Federal e pelos órgãos estaduais de terra em projetos de reforma agrária e de
colonização, frente a uma demanda social por terra estimada em 4 milhões de famílias.2
A situação agrária após 1994 tornou-se bastante delicada tanto pelas ocupações
(e posteriores desapropriações do INCRA) que resultaram na ampliação dos conflitos
culminando com um massacre de camponeses em “eldorado de carajás” com 19 mortos.
Esses graves fatos, que provocaram uma ampla mobilização nacional, levou o governo
Federal a acelarar os processos de desapropriação de terras e assentamentos de
trabalhadores rurais sem terras. Mais além, a partir de 1994 apresentaram-se condições
políticas favoráveis para realizar modificações importantes para aumentar a eficiência
do mercado de terras, graças ao compromisso efetivo do Poder Executivo de intervir
nesta realidade, em grande medida resultado da forte pressão social que se consolidou
na “Marcha dos Sem-terra” de abril de 1997.
Os conflitos de terras e a indefinição de políticas de terras mais agressivas
levaram a importantes movimentos sociais a eleger a ocupação de terras como opção3.
Este processo, liderado pelo Movimento dos Sem-terra – MST recebeu apoio social na
sua fase inicial. Isso levou o governo federal a anunciar e implantar um processo de
redistribuição de terras sem similar na história.
No período de 1995/01 o Governo Federal desapropriou 18.737.000 hectares,
beneficiando 584.301 famílias. O custo por família diminuiu de R$ 19.412 para R$
8.294 respectivamente entre 1995 e 2001, o preço médio por hectare desapropriado
também reduziu-se, de R$ 382 para R$ 264 no mesmo período. A partir de 2000 o
processo sofreu uma leve inflexão para cima.
Tabela 1 - Metas atingidas pelo programa de reforma agrária do governo (1995-2001)
nº famílias
Área Total
Custo por
Preço por
assentadas
Hectares (1000)
família (R$)
Hectare (R$)
1995
42.827
1.313,5
19.412,74
382,67
1996
61.674
4.451,9
16.385,04
343,21
1997
81.944
4.394,5
14.614,59
292,23
1998
101.094
2.540,6
10.116,34
287,49
2
A demanda social por terra no Brasil é estimada em 4 milhões de famílias pelo movimento social. Esse número, inclui
cerca de 2,5 milhões de minifundistas, mais assalariados, parceiros e arrendatários rurais. Provavelmente o
número mais aproximado seria de 2 milhões de famílias ( considerando que nem todos os minifundistas e
assalariados são demandantes de terras). Até o final de 2002 terão sido beneficiados cerca de 1 milhão se famílias
nos últimos 15 anos.
3
No Brasil, a luta pela terra em 1992, segundo a Secretaria Nacional Comissão Pastoral da Terra, apresenta o
seguinte balanço: 185.996 pessoas sofreram as mais variadas formas de violência. As casas de mais de 700
famílias e as propriedades de outras 1.040 foram destruídas e mais de 1.600 foram vítimas de expulsão arbitrária
(Cadernos CEAS, nº 148, 1994).
9
1999
85.327
1.478,5
8.294,83
2000
108.986
3.861,3
9.094,91
2001
102.449
1.697,0
9.701,00
TOTAL
584.301
18.737,30
Fonte. INCRA (2002).Balanço da reforma agrária e da agricultura familiar .
264,75
256,70
Os dados da Tabela 2 baseiam-se em uma amostra formada por todas as fichas
agronômicas de avaliação das desapropriações realizadas pelo INCRA no período
compreendido entre 1997 e maio de 1999. Estas informações expressam os seguintes
resultados da reforma agrária no governo FHC:
Do total de terra desapropriada apenas 21,1% estavam sendo utilizadas, 54,0%
são terras não utilizadas, os outros 24.9% estão formadas por terras de preservação
permanente, reserva legal e inapropriadas para a agropecuária, ou seja, apenas 75% das
terras desapropriadas podem ser utilizadas para reforma agrária. Na verdade, as terras
não utilizadas estavam nessa condição devido à sua baixa qualidade ou porque
precisavam de grandes investimentos para poder ser produtivas. Distribuir esse tipo de
terras significa criar grandes problemas aos beneficiados ou grandes investimentos, em
crédito agrícola, por parte do Estado.
Em média, as terras desapropriadas que apresentam problemas simples de
conservação e que são cultiváveis (Tipo I e II) somam 13,66% do total das áreas
desapropriáveis; as que apresentam problemas de conservação de média complexidade
(Tipo III) são 41,56% e as terras com problemas complexos de conservação, mas ainda
cultiváveis (Tipo IV), representam 22,38% do total. As terras impróprias para cultivos
intensivos, mas ainda adaptadas para pastagens e/ou reflorestamento e/ou vida silvestre
(Tipo V) são 7,28%. Portanto, grande parte dos beneficiários que recebam estas terras
necessitarão de investimentos significativos em tecnologia e crédito para transformar
essas terras em produtivas. A nota agronômica média das terras desapropriadas, de 0,56,
confirma este dado.
O preço pago por hectare de terra nas desapropriações, R$ 215,00, é baixo
quando comparado com os preços da terra da Tabela 1. Por outro lado, levando-se em
conta que as terras desapropriadas em média são do tipo V, na realidade este valor não
resulta tão baixo.
10
Tabela 2 - Brasil. Indicadores médios do processo de avaliação da
desapropriação de terras para reforma agrária implementado pelo INCRA
%
Número de Processos
847
Período de avaliação
1997-1999
Área Avaliada (ha)
2.284.518
Uso do imóvel (ha)
137.553
i Preservação Permanente
328.477
i Reserva Legal
471.550
i Utilizada
1.207.449
i Não Utilizada
89.743
i Inaproveitável
Capacidade de uso do solo (ha)
8.734
i Tipo I
298.908
i Tipo II
936.540
i Tipo III
504.362
i Tipo IV
148.281
i Tipo V
127.223
i Tipo VI
36.642
i Tipo VII
192.535
i Tipo VIII
3,11
i Condição do Acesso
0,56
i Nota Agronômica
Preços médios de avaliação
R$ 285
i Preço médio da Terra por hectare
R$ 71
i Preço médio das Benfeitorias por hectare
R$ 215
i Preço médio da Terra Nua por hectare
Gasto Estimado por Família
R$ 9.782
Fonte: Ficha Agronômica de desapropriação, INCRA. Junho, 1999.
6,16
14,70
21,10
54,03
4,02
0,39
13,27
41,56
22,38
6,58
5,65
1,63
8,54
O gasto médio por família nas desapropriações, R$ 9.782,00, indica apenas o
valor da parcela de terra, enquanto que o Estado deverá ter outros gastos para alcançar a
viabilidade econômica dos assentados.
Finalmente estes dados colocam em evidência os grandes problemas com os que
terão que se defrontar tanto os beneficiários da reforma agrária quanto o Estado. A
propriedade da terra é apenas uma condição necessária para a atividade agropecuária,
junto a ela o Estado por meio das políticas públicas deve dar as condições para que os
assentados tenham acesso a outros mercados como o de crédito, produtos, insumos e
tecnologia. A distribuição da terra é apenas o primeiro passo na tentativa de que os
pobres do campo tenham uma oportunidade de vida mais digna.
a) Uma avaliação dos impactos regionais dos assentamentos
Um estudo recente promovido pelo NEAD (HEREDIA et alli, 2001), traz
informações valiosas sobre o impacto regional provocado pelos assentamentos de
11
reforma agrária no Brasil4.
A forte concentração de assentamentos nestas regiões tem sua origem na crise
dos sistemas agrários locais, conjugada a situações de extrema pobreza e à exacerbação
de conflitos sociais endêmicos e à existência de movimentos ou organizações sociais.
Os assentamentos estudados tiveram origem, em 95% dos casos, em disputas pela
propriedade da terra. Os exemplos mais notáveis são a da região canavieira do Nordeste
(crise do sistema canavieiro), a da zona cacaueira do sul da Bahia (crise do sistema
baseado na grande propriedade cacaueira) e do Sertão do Ceará (crise da produção do
algodão, secas prolongadas e crise das grandes propriedades pecuaristas).
Dados sobre a origem e o local de residência anterior dos assentados corroboram
este fato: 68% da população pesquisada residia anteriormente na área rural; 70%
residiam antes no mesmo município ou em municípios da mesma região; e 68%
nasceram no mesmo município ou em municípios da mesma região. Acrescentando-se a
estes número o fato de que cerca de 15% da população pesquisada nasceu após o
assentamento, conclui-se que "endolocalidade" atinge taxas de cerca de 84%.
Apesar de bastante variável de acordo com a região considerada, o impacto
demográfico dos assentamentos não pode ser desprezado. No entorno do Distrito
Federal, por exemplo, a dinâmica populacional provocada pelos assentamentos parece
diluída na dinâmica regional mais ampla, de intensa migração em direção à Capital e
seu entorno, no caso do DF5. No entanto, " a população dos assentamentos rurais
equivale a 23,73% do total da população rural (...)". Este percentual atinge 80% em
Natailância, MG, 65% em São João d'Aliança, GO, e 63% em Riachinho, MG. Em
Riachinho, MG, a população dos assentamentos equivale a 68% da população urbana e
em Flores de Goiás, ela é superior à população urbana em 49%. (Ibid., p. 225-226).
Em algumas regiões, os assentamentos absorveram parte da população urbana
marginalizada: no entorno do DF, 34% da população assentada residia na área urbana;
no Sudeste do Pará, 22 %; no Sul da Bahia, 28%. Em alguns municípios, como no Oeste
de Santa Catarina, os assentamentos provocaram, na segunda metade dos anos 90, uma
inversão na tendência de queda da população rural observada no período anterior. A
população rural de Abelardo Luz, que diminuiu entre 90 e 96, voltou a crescer ao ritmo
de 6% ao ano entre 1.996 e 2.0006. Em Passos Maia, na mesma região, após uma
redução de mais de 21% da população total e de 25% da população rural na década de
80, o movimento inverteu-se, em grande parte em razão dos assentamentos, que
provocaram um aumento de 30% da população rural e de cerca de 35% da população
total7.
A redefinição do cenário social e da demanda por políticas públicas
As conseqüências deste fenômeno são importantes. Antes, a referência básica
dos municípios estava localizada nas grandes propriedades e era para elas que estava
voltada grande parte os investimentos públicos em infra-estrutura (estradas,
eletrificação, abastecimento de água, etc). Por outro lado, como tiveram sua origem em
4
5
6
7
Este estudo, patrocinado pelo NEAD (Núcleo de Estudos Agrários e de Desenvolvimento Rural, vinculado ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário), foi realizado em 92 assentamentos de 6 regiões de alta concentração de
assentamentos no Brasil: Sul da Bahia; Sertão do Ceará; Entorno do Distrito Federal; Sudeste do Pará; Oeste de
Santa Catarina; Zona Canavieira do Nordeste.
O mesmo parece ocorrer no Sul da Bahia, com a migração em direção às metrópoles regionais de Itabuna e Ilhéus.
Entre 1.980 e 2.000, o aumento da população rural foi de 36%.
Sem dúvida, a emancipação do município também contribuiu para o aumento da população urbana no período.
12
conflitos, é natural que, no início, os assentamentos tenham sido estigmatizados por
parte da sociedade local, que freqüentemente os apontava como uma ameaça
("arruaceiros"), um elemento estranho ("forasteiros", "invasores").
Entretanto, em muitas das regiões estudadas, os assentamentos deram
progressivamente origem a aglomerados populacionais8, que passaram atrair a atenção
dos poderes públicos locais, em alguns casos, a ter predominância na definição de seus
investimentos. Assim, apontam os autores da pesquisa, "em muitos casos, a criação dos
assentamentos resulta em ampliação das demandas de infra-estrutura e em pressão
sobre as prefeituras, responsáveis pela prestação de vários desses serviços, e também
sobre o governo estadual." (Ibid., p. 218).
Alguns dos dados exemplificam este fenômeno. Em 86% dos projetos de
assentamento há uma escola, a maioria delas (75%) criada depois do assentamento e a
partir de reivindicações dos assentados (71%)9. Mais de 90% das crianças de 07 a 14
anos de idade estudam; 63% dos jovens de 15 a 19 anos estudam; e 19% dos jovens de
20 a 29 anos estudam. Estes dados devem ser comparados com outro, que reflete a
situação anterior ao assentamento: 32% das pessoas de mais de 30 anos nunca
freqüentaram a escola.
Por outro lado, em 64% dos assentamentos há também projetos de educação de
jovens e adultos em andamento, em particular projetos do PRONERA - Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária, patrocinado pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário, e projetos de ONGs. Mais de 20% dos assentados fizeram
algum curso de formação técnica após o assentamento (menos de 4 % o fizeram antes).
Como na maior parte das áreas rurais do país, poucos assentamentos dispõem de
postos de saúde e, mesmo nestes casos, a presença diária de profissionais de saúde é
rara (apenas 4 casos). Desta forma, os assentamentos têm buscado atendimento médico
nas sedes de município, exercendo sem dúvida pressão sobre os serviços prestados
nestas sedes. Entretanto, em 78% dos projetos há agentes de saúde, custeados em grande
parte pelas prefeituras.
Para a esmagadora maioria das famílias, o assentamento representa também a
primeira oportunidade de acesso ao crédito, ao sistema bancário e ao mercado
financeiro: se, antes, 93% dos entrevistados não tinham acesso ao crédito, 66% deles
tomaram crédito em 98/9910.
Nem sempre as condições de acesso aos assentamentos e aos lotes são
satisfatórias11, pois uma parte considerável dos investimentos pesados em infra-estrutura
ainda resta a fazer. Entretanto, em 66% dos casos há transporte coletivo transitando pelo
menos uma vez por semana dentro do assentamento (em 42% dos casos, várias vezes ao
dia). Um dos casos emblemáticos é o de alguns municípios da Zona da Mata
8
Em 71% dos casos, os assentamentos têm adensamentos populacionais ou divisões espaciais comparáveis à dos
distritos ou das vilas ou bairros rurais. O caso extremo citado na pesquisa é o do Município de Floresta, no Pará,
criado em grande parte em razão do aumento populacional provocado pelos assentamentos.
9
É importante assinalar que, em 73% dos casos estas escolas atendem até a 4ª série do Ensino Fundamental e, em
77% dos casos, têm turmas multisseriadas. O nível de escolaridade a que chegam os assentados varia
consideravelmente de região para região, sendo mais elevado no Oeste Catarinense, no Entorno do Distrito
Federal e no Sudeste do Pará.
10
80 % dos assentados havia obtido o crédito–fomento; 72,7%, o crédito– habitação; 74,6% o crédito–alimentação.
Assinale-se que 59% dos que tomaram crédito afirmaram ter dificuldades em razão da demoras no financiamento
(78%).
11
Mais de 50% das estradas que dão acesso aos assentamentos pesquisados são intransitáveis durante as chuvas.
Em 30% dos casos, há lotes de difícil ou sem acesso, acesso; e em 37% dos assentamentos há problemas de
tráfego durante o período das chuvas.
13
Nordestina, onde antigas estradas foram abandonadas e novas foram construídas pela
prefeitura, para dar acesso aos assentamentos.
As condições de moradia também melhoraram sensivelmente: 74% dos
assentados vivem em residências de alvenaria, contra apenas 39% no passado; e em
78% dos assentamentos há energia elétrica (em 53% dos casos, na maioria ou em todos
os lotes).
Para 59% das famílias, os espaços coletivos dos assentamentos são um
importante local de encontro, seguidos das residências (53%) e dos espaços religiosos
(apenas 18% dos casos). Os assentamentos proporcionaram também o surgimento de
novas organizações (associações, cooperativas, núcleos, etc) e contribuíram para o
fortalecimento das organizações e movimentos sociais no papel de mediação política.
Em todas as regiões pesquisadas, por exemplo, em diversos municípios, os assentados
participam dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, de Agricultura ou
outros. Em muitos casos, assentados se candidataram a cargos públicos (vereador,
prefeito, deputado) e, em alguns, foram eleitos, inclusive para prefeito.
A conquista, em matéria de cidadania e de desenvolvimento humano, é dupla.
De um lado, a população assentada, antes marginalizada, passa a ter acesso às políticas
públicas, ganha reconhecimento social e político. Por outro lado, os assentamentos e
suas organizações passaram, progressivamente, a ser levados em consideração pelos
municípios, pelo comércio e pelas forças políticas locais, passam a exercer um papel
ativo na definição das políticas e dos investimentos públicos. Redesenha-se assim, em
muitos casos, a ordem de prioridades estabelecidas pelos poderes locais. No município
de Abelardo Luz, em Santa Catarina, por exemplo, "dirigentes municipais afirmam que,
hoje, (...) 41% dos gastos com saúde e assistência social e 55% do transporte escolar
teriam sido destinados aos assentados" (Ibid., p. 218).
A remodelagem do sistema agrário e a dinamização da vida econômica
O impacto dos assentamentos na concentração da propriedade da terra é bastante
variável, de acordo com as especificidades das regiões. Os dados censitários disponíveis
ainda não permitem medir com exatidão as mudanças ocorridas12. Entretanto, o estudo
traz algumas comparações interessantes. No conjunto das regiões estudadas, os
assentamentos abarcaram pouco menos de 12% da área total dos estabelecimentos
agropecuários. Esta porcentagem é menor no Sul da Bahia e no Entorno do Distrito
Federal (3 e 5%, respectivamente), mas atinge 23% no Sertão do Ceará e 40% no
Sudeste do Pará. Estes dados dão uma dimensão do território incorporado à Reforma
Agrária nestas regiões.
O desmembramento das grandes propriedades (mais de 500 ha, em 76 % dos
casos) resultou, também, em todas as regiões, em um aumento considerável da área e do
peso dos estabelecimentos familiares no sistema agrário local. Em algumas regiões, a
área ocupada pelos assentamentos representa mais de 100% da área dos
estabelecimentos nos estratos de área característicos da agricultura familiar, conforme
demonstra a tabela abaixo.
12
O último censo agropecuário data de 1996, enquanto a maior parte dos assentamentos pesquisados foram criados
na segunda metade dos anos 90 (a nível nacional, os assentamentos posteriores a 95 representam três quartos do
total). Por outro lado, os assentamentos não são considerados como setores censitários, o que dificulta a
realização de tabulações e análises mais acuradas de seus impactos diretos.
14
Tabela 3: Participação da área dos assentamentos na área total dos municípios
pesquisados, segundo estrato principal de área.
Região
Estrato de
área
considerado
0 – 50 ha
Sul da Bahia
0 – 50 ha
Sertão do Cera
0 – 100 ha
Entorno do DF
0 – 100 ha
Sudeste do Pará
0 – 50 ha
Oeste de SC
0 – 20 ha
Zona Canavieira do NE
Total
-Fonte: Heredia et alli, 2001, p. 262
% dos lotes dos
assentados que se
enquadram no
estrato considerado
70%
90%
98%
79%
90%
100%
--
Área dos lotes do
estrato (criados até
1.997) comparadas com
a área total dos
estabelecimentos do
estrato
5,5 %
113,2 %
57,6 %
119,5 %
18,8 %
142,7 %
62,0 %
Em alguns casos extremos, como em alguns municípios da zona da canavieira
nordestina, a área dos estabelecimentos na faixa considerada foi multiplicada por 4
(Pedras de Fogo, Cruz Espírito Santo), 5 (Água Preta) ou 6 (Maragogi).
Ao contrário do que é muitas vezes afirmado, a pesquisa constatou que a
reconcentração dos lotes vem ocorrendo em proporções muito pequenas: em 91% dos
casos, as famílias originalmente assentadas ainda são as atuais responsáveis pelos lotes;
e, em 96% dos casos, os assentados administram apenas o seu próprio lote.
Uma das primeiras conseqüências da substituição de latifúndios por uma
produção de base familiar é a reorientação produtiva do sistema agrário local. Em
algumas das regiões, a monocultura predominava nos latifúndios. Nos assentamentos,
ao contrário, o leque de produtos é consideravelmente maior.
Dados agregados do conjunto da amostra demonstram a transformação ocorrida
na pauta de produção das áreas incorporadas à Reforma Agrária. Seis grupos de
produtos característicos da agricultura familiar das regiões pesquisadas representam
mais de 70% do valor bruto da produção (VPB), excluídos os animais e as carnes: leite
e derivados; mandioca e farinha de mandioca; milho; feijão; ovos e arroz. Alguns
produtos de importância regional respondem por cerca de 20% do VPB do conjunto da
amostra pesquisada: abacaxi, soja, inhame, cana-de-açúcar, fumo, maracujá, batata
inglesa, abóbora, batata-doce e algodão. Mais de 70 outros produtos compõem o
restante da pauta de produção dos assentamentos.
Também se diversifica a pauta de produtos da pecuária. Os bovinos de leite
estão presentes em 52% dos assentamentos; as aves, em 80%; os suínos, em 34%; e os
caprinos e ovinos, em 21% (em 74% dos assentamentos cearenses). Para o conjunto da
área pesquisada, o rebanho leiteiro dos assentamentos representa 8% do informado pelo
IBGE na Pesquisa Pecuária Municipal de 1.999; o rebanho suíno, 9%; o de aves, 14%; e
o de caprinos e ovinos, 25%.
Muitos destes produtos são destinados ao processamento agro-industrial. Uma
parte deste processamento é realizada por agroindústrias (como o algodão, no Ceará, ou
o leite, em quase todas as regiões), mas uma parte não desprezível é realizada no
15
próprio assentamento ou no seu entorno imediato (queijo e farinha de mandioca, no
Entorno do DF; mel e farinha de mandioca, no Sul da Bahia; farinha de mandioca no
Sudeste do Pará e na zona canavieira do Nordeste). Isto tem conseqüências diretas sobre
as atividades econômicas a jusante da produção agrícola, nos assentamentos e fora
deles.
A importância da dinamização das feiras e o fato de que isto ampliou a oferta de
produtos para os consumidores locais são ressaltados em diversas entrevistas citadas no
estudo. No caso do Sudeste do Pará, esta dinamização foi considerada importante, pois
supria o mercado local em produtos alimentares de primeira necessidade, que eram
antes difíceis de serem encontrados. No caso da Zona da Mata nordestina, “as feiras
têm aumentado seu tamanho, alcançando novas ruas e, em alguns casos, aumentado
sua periodicidade” (Ibid., p. 252).
Consumidores entrevistados nas feiras de Pedras de Fogo, na Paraíba, afirmam
que os assentamentos provocaram um aumento da oferta de mercadorias e uma queda
dos preços dos produtos alimentares. Assim, a diversificação da produção se traduz em
uma importante oportunidade de melhoria no padrão alimentar, não somente dos
assentados, mas também da população urbana.
Evidentemente, o uso de insumos nem sempre é um bom indicador de
sustentabilidade dos sistemas de produção adotados13, mas pode ser um indicador do
mercado criado pelos assentamentos para a indústria e os serviços situados a seu
montante. Apenas 18% dos entrevistados declararam não ter utilizado nenhum tipo de
insumo agrícola. Em cerca de 53% dos lotes, utiliza-se sementes ou mudas compradas
fora do lote; em 42% insumos veterinários; em 40%, agrotóxicos; em 37%, adubos
químicos; em 18%, fertilizantes orgânicos.
Também no mercado financeiro os assentados vêm ganhando espaço. O volume
de financiamento tomado pelos assentados na safra 98/99 representou 12,5% do total do
volume total de financiamentos concedidos à agricultura nos municípios pesquisados.
Esta porcentagem é menor no Sul da Bahia (4%) e no entorno do DF (6%), mas atinge
58% no sudeste do Pará e 81% na Zona da Mata Nordestina.
A criação de empregos e a melhoria da renda
Pode-se perguntar qual os benefícios destes fenômenos para os próprios
assentados? A pesquisa traz muitos dados como resposta. Antes do assentamento, 30%
não tinham acesso nenhum à terra: 5% estavam desempregados; 11% eram assalariados
temporários; 14% eram assalariados permanentes. Outros 50% tinham acesso precário à
terra: 18% eram parceiros ou arrendatários; 17% eram membros não remunerados da
família; 3% eram pequenos proprietários; 12% conjugavam acesso precário à terra e
alguma forma de emprego (permanente ou temporário).
Esta precariedade muda radicalmente com o assentamento: 84% dos
entrevistados afirmam que as condições de trabalho melhoraram. As razões ficam claras
quando analisamos os dados sobre trabalho e emprego nos assentamentos. Nos 1.568
lotes pesquisados vivem 4.765 pessoas maiores de 14 anos que trabalham, o que
representa cerca de 3 pessoas em média por lote. Se considerarmos todas as faixas de
idade, em cada lote vivem, em média, 3,57 pessoas que trabalham. Destes, perto de 80%
trabalham exclusivamente nos lotes (em média, 2,6 empregos por lote). Apenas 1% das
13
Em 40% dos lotes, o padrão tecnológico foi caracterizado pela pesquisa como "químico-intensivo". Em 64% dos
lotes, entretanto, a intensidade de uso de insumos foi classificada de "baixa ou inexistente" (Ibid., p. 370).
16
pessoas trabalha exclusivamente fora do lote. Mais da metade dos assentados que
trabalham fora do lote o fazem somente no próprio assentamento, sendo que uma parte
significativa deles em atividades não agrícolas (50% no Sul da Bahia e cerca de 20% em
Santa Catarina e Zona da Mata paraibana). Apenas 25% dos que trabalham fora do lote
o fazem somente fora do assentamento14. Além disto, os assentados criaram empregos
para pessoas externas à família: em 36% dos lotes houve contratação de pessoas de fora
do lote.
Trata-se, portanto, na esmagadora maioria dos casos, de empregos criados
diretamente pelo assentamento e no assentamento15. Em menos de 12% dos lotes houve
perda de membros por motivo de trabalho. Em compensação, em 23% dos lotes houve
incorporação de novos membros na família (parentes em primeiro grau do chefe de
família), o que resultou, em média, em 2,4 parentes por lote além da família nuclear
(Ibid., p. 235 e 236)16. Vale assinalar que porcentagem destes outros membros da
família que viviam antes em áreas urbanas é superior à verificada para os chefes de
família e seus cônjuges.
Devemos acrescentar a estes empregos diretos os empregos não agrícolas
criados ou estabilizados com os assentamentos, cujo dimensionamento não fazia parte
do escopo da pesquisa (indústrias a montante e a jusante dos assentamentos,
implantação de infra-estrutura, serviços públicos, comércio). Não fazia parte tampouco
dos objetivos da pesquisa medir com exatidão a renda agropecuária e a renda total das
famílias. Mas o trabalho permitiu realizar estimativas sobre a capacidade de geração de
renda dos assentamentos. Foram considerados os seguintes dados: “renda oriunda do
trabalho realizado fora do lote; renda oriunda da comercialização dos produtos
agropecuários produzidos no lote; e outras rendas ou ajudas financeiras recebidas”
(Ibid. p. 426).
É importante ressaltar que a renda oriunda da comercialização considerada aqui
é uma estimativa da renda monetária potencial do lote e que não foram considerados os
produtos que, segundo as declarações dos entrevistados, eram destinados
exclusivamente ao autoconsumo17. É importante também lembrar, em particular no caso
do Ceará, mas também em parte da Zona da Mata Nordestina, que os agricultores
estavam sendo castigados por um longo período de estiagem.
A tabela abaixo demonstra que perto de 70% da renda bruta das famílias provêm
do lote. A aposentadoria é a segunda maior fonte de renda das famílias assentadas
(17%), o que reproduz um fenômeno apontado em diversos estudos sobre a agricultura
familiar ou sobre a importância da previdência social nos mecanismos de distribuição de
renda no país18.
14
Os autores da pesquisa sugerem prudência quanto a estes dados, pois consideram que “os assentados ficam
temerosos de revelar sua inserção em outros tipos de trabalho, visto que este procedimento é condenado tanto
pelo INCRA como pelos agentes de representação (sindicatos, MST, Igreja)” (Ibid. p. 412).
15
Expandindo-se estes dados para o conjunto dos assentamentos das regiões estudadas, temos a estimativa de
criação de 43.000 empregos diretos nos assentamentos.
16
Esta incorporação de novos membros na família, acompanhada pelo fato de que, quase 40% das famílias têm
parentes em outros lotes do assentamento (Ibid., p. 235), contribuem para a recomposição dos laços familiares,
fragilizados ou rompidos pela necessidade de deslocamento na busca de novas oportunidades de subsistência.
17
A estimativa da renda agropecuária considerou somente os produtos que, segundo as declarações dos assentados,
foram comercializados integral ou parcialmente. Multiplicou-se o volume total produzido pelo preço médio local na
safra de 98/99.
18
Ver, em particular, Delgado (2000).
17
Tabela 4: Composição do rendimento médio bruto familiar anual total (*) –
1999/2000
Sul da Bahia
Renda Média Bruta
Familiar do Lote (A)
Assalariados
Rurais
Assalariados
Renda Média Urbanos
Familiar do
AutôTrabalho
Fora do Lote nomos
(B)
Outros
S/inf.
s/ativid.
Sertão Ceará Entorno DF
Sudeste Pará
Oeste de SC
Zona Canav.
Total
R$
%
R$
%
R$
%
R$
%
R$
%
R$
%
R$
%
2.872
70,3
576
41,1
3.712
71,3
3.416
70,7
4.291
81,5
1.750
60,8
2.568
68,6
154
3,8
115
8,2
372
7,1
323
6,7
332
6,3
111
3,8
229
6,1
321
7,9
48
3,4
192
3,7
189
3,9
164
3,1
233
8,1
177
4,7
123
3,0
30
2,1
40
0,8
247
5,1
63
1,2
45
1,6
95
2,5
0
0,0
1
0,1
3
0,1
1
0,0
4
0,1
1
0,0
2
0,0
30
0,7
7
0,5
0
0,0
11
0,2
30
0,6
71
2,5
27
0,7
Outras
Aposent
Rendas
587
14,4
621
43,3
877
16,9
642
13,3
375
7,1
653
22,7
641
17,1
Pension.
Médias
Familiares
Ajudas
Externas
0
0,0
4
0,3
7
0,1
7
0,2
7
0,1
13
0,4
7
0,2
Financ.
(C)
Rendimento Médio
Bruto Familiar Anual 4.088 100,0 1.401 100,0 5.203 100,0 4.835 100,0 5.265 100,0 2.876 100,0 3.746 100,0
Total (A+B+C)
Fonte: Heredia et alli, 2001, p. 435.
(*) Renda média considerando o total de informantes, inclusive aqueles sem rendimento. Para facilitar a visualização, eliminamos os
centavos.
A renda média bruta familiar, para o conjunto da amostra, é de R$ 312,00 por
mês, ou seja, pouco superior a 2 salários mínimos, variando de R$ 116,74, no Ceará, a
R$ 438,72, no sudeste paraense. Embora com fortes variações regionais, a maior parte
da população pesquisada supera o nível de pobreza19, conforme demonstra a tabela
abaixo.
Tabela 5: Níveis de Renda Média Bruta Familiar Total, segundo faixas de Salário
Mínimo, 1999/2000 (em %)(*)
Sul da
Sertão
Entorno Sudeste
Pará
Bahia
Ceará
do DF
1,15
3,92
5,49
3,55
Sem rendimento
22,99
63,40
29,96
30,33
Até 1 S. M.
33,33
22,88
20,25
24,86
Mais de 1 até 2 S. M.
16,09
7,84
13,08
12,30
Mais de 2 até 3 S. M.
17,24
1,63
15,61
16,67
Mais de 3 até 5 S. M.
9,20
0,33
15,61
12,30
Mais de 5 S. M.
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Heredia et alli, 2001, p. 435.
(*) O salário mínimo era, no momento da pesquisa, de R$ 151,00.
19
Oeste de
SC
0,00
15,68
26,49
16,76
26,49
14,59
100,0
Zona
Canavieira
2,58
46,65
25,52
12,63
6,70
5,93
100,0
Total
3,12
38,62
24,60
12,36
12,30
8,99
100,0
Vale lembrar que, conforme dito anteriormente, os dados relativos ao trabalho externo ao lote podem estar subestimados.
18
Em 83% dos casos, os assentados consideram que as melhorias se devem
diretamente ao acesso à terra, seja porque este proporcionou um aumento da renda, seja
porque melhorou o trabalho, seja porque melhorou a produção. Apenas 7% dos
assentados considera que as condições de trabalho e emprego pioraram.
Também temos confirmação disto quando analisa-se o ritmo de capitalização
dos lotes, indicador indireto do nível de renda de famílias agricultoras. Com efeito, a
capitalização ocorre seja através do crédito, seja quando a renda familiar ultrapassa o
patamar de rendimentos necessários à reprodução simples da família e da unidade de
produção. A grande maioria (67%) das instalações produtivas foram construídas com
recursos dos próprios assentados; 55% das máquinas e equipamentos individuais
também foram financiadas com recursos próprios.
Os assentamentos como fator de desenvolvimento
Os assentamentos diversificaram seu sistema produtivo e os canais de
comercialização, ampliaram a oferta de gêneros alimentícios e o consumo de bens e
serviços agrícolas e não agrícolas, inclusive de bens duráveis20, criaram um número
considerável de empregos diretos e indiretos, tanto no setor agrícola quanto não
agrícola, ampliaram a demanda e os investimentos em infra-estrutura e em serviços
básicos (saúde, educação, transporte), provocaram uma diversificação e uma
dinamização da vida econômica dos municípios.
Surgidos da crise dos sistemas agrários locais, os assentamentos diversificaram e
dinamizaram economia local e ampliaram consideravelmente as oportunidades de
inserção econômica e social, não só para as famílias assentadas. Os assentamentos
tornaram-se, em outras palavras, um fator importante de desenvolvimento.
b) A reforma agraria negociada: experiências recentes no Brasil
Recentemente, vêm ganhando forma programas de crédito fundiário que visam
facilitar o acesso à terra aos agricultores sem terra ou com pouca terra. Seu objetivo é
proporcionar crédito para a compra de terras a pequenos compradores que normalmente
não teriam acesso a recursos do mercado financeiro. O Banco Mundial vem
incentivando programas deste tipo, intitulados atualmente de Reforma Agrária baseada
nas comunidades, que procuram outorgar um crédito de longo prazo (para a aquisição
da terra) e um subsídio parcial (para investimentos em infra-estrutura e em projetos
produtivos) a beneficiários de baixa renda que adquiram a terra no mercado.
Segundo Heath e Deininger (1997)21, as razões que sustentam estes programas
são: i) informação fluída entre compradores e vendedores; ii) concorrência entre
vendedores; iii) concorrência entre compradores potenciais no financiamento de
projetos produtivos; iv) negociação voluntária do preço da terra entre grupos de
vendedores e compradores; v) provisão de assistência técnica aos mais pobres no
desenho dos projetos; vi) provisão de subsídios para obter parte do financiamento do
projeto, inclusa a compra de terras; vii) sistema de monitoramento.
Estes programas foram desenhados para complementar e eliminar alguns
gargalos do processo de reforma agrária. As vantagens destes programas manifestam-se:
20
Dados da pesquisa mostram que o número de famílias que possuem eletrodomésticos como geladeira, fogão a gás,
televisão, antena parabólica e máquina de lavar aumentou consideravelmente depois do assentamento. O número
de famílias que possuem meios de transporte (bicicleta, animal, moto, carro ou outro) mais que triplicou.
21
Citado por Jaramillo, C.(1988, p.114).
19
i) no maior grau de liberdade dos favorecidos ao permitir-lhes escolher a terra que
desejam e negociar seu preço; ii) na supressão da intervenção da agencia estatal no
processo de seleção e negociação da terra eliminando a burocracia; iii) na redução dos
custos administrativos e possibilidade de transferência de funções das agências
governamentais ao setor privado, especialmente nas áreas de preparação de projetos e
assistência técnica aos beneficiários. Também apresentam alguns riscos que podem
elevar os custos, tais como: i) Desigualdade no poder de negociação; ii) inelasticidade
da oferta da terra; iii) dificuldades na recuperação dos créditos22.
No Brasil, o programa teve início no Estado do Ceará, em 1996, através de um
projeto piloto do Governo do Estado no âmbito do Programa de Combate à Pobreza
Rural financiado pelo Banco Mundial (Projeto São José – Reforma Agrária Solidária).
Em 1997, o Governo Federal adotou a idéia e iniciou a implantação de um projeto piloto
muito similar em 5 Estados do país: Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão e Minas
Gerais. Recursos do Governo Federal23 asseguram às associações beneficiárias o
financiamento reembolsável de longo prazo (20 anos) para a compra da terra. Além de
uma carência de 3 anos para o primeiro reembolso, o empréstimo tem juros reais
negativos (6% ao ano, com redução para 3% em caso de pagamento no vencimento das
parcelas)24. Um Acordo de Empréstimo com o Banco Mundial assegura o financiamento
não reembolsável de projetos investimentos produtivos ou de infra estrutura básica, para
que as comunidades possam estruturar a propriedade e alavancar o seu
desenvolvimento25. Podem ser incluídos no rol destes projetos subsidiados recursos para
a instalação das famílias (“ajuda de custo inicial”) e a contratação de assistência técnica
pela própria comunidade.
O Projeto, cuja execução foi descentralizada e ficou sob a responsabilidade dos
Estados, permitiu a instalação de mais de 14.000 famílias, que adquiriram 370.000 ha.
No termino do Projeto, em 2002, a meta de 15.000 famílias assentadas será
ultrapassada. A estratégia e os primeiros resultados da avaliação de impacto deste
programa serão analisados mais adiante.
Buscando aprimorar esta experiência, o Ministério do Desenvolvimento Agrário
criou, em 2001, o Projeto de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza Rural, com a
participação da CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, cuja meta
é, na primeira fase do Projeto, instalar 50.000 famílias em 3 anos26. A área de
abrangência deste Projeto foi ampliada, de forma a permitir a incorporação de todos os
Estados do Nordeste, do estado do Espírito Santo (região Sudeste) e, de forma
experimental, os três estados do Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).
Em 1998, o Governo Federal criou, também, o Banco da Terra. Apesar de ter
sua execução descentralizada e basear sua ação no princípio do financiamento da
22
23
24
Do ponto de vista ético o principal problema consiste no fato de que os assentados da reforma, no Brasil, não
pagaram pelas terras obtidas até a presente data, e não há indícios de que irão fazê-lo no curto prazo. Portanto,
passa a ser uma contradição que os que obtém a terra a partir da compra tenham que pagá-la enquanto os
assentados não o tenham. Do ponto de vista econômico o problema consiste em saber se os novos proprietários
tem condições de arcar com a dívida contraída na aquisição de terras, mesmo com juros subsidiados, (Reydon e
Plata, 1998).
Inicialmente, os recursos foram proporcionados pelo INCRA. Atualmente, eles provêem do Fundo de Terras e da
Reforma Agrária – Banco da Terra.
As condições de financiamento eram bem mais desfavoráveis no início do Projeto (correção monetária, prazo de 10
anos), o que suscitou ou amplificou as críticas ao Projeto e as previsões de que os agricultores não teriam
condições de reembolsar o empréstimo.
25
Uma discussão sobre as vantagens e desvantagens do Programa Cédula da terra encontra-se em: Buainain, M.;
Silveira, J. e Teófilo, E. (1999).
26
A meta global do Projeto, incluindo as duas fases seguintes, é de assentar, em 9 anos, 150.000 famílias.
20
aquisição dos imóveis, o Banco da Terra tem diferenças significativas com o Projeto
Cédula da Terra. Uma das principais diferenças é o fato de que o Banco da Terra não
tem o componente do combate à pobreza, pois prevê o financiamento reembolsável de
todos os investimentos, inclusive os de infra-estrutura, e permite a participação de
pessoas com maior poder aquisitivo e maior patrimônio. Enquanto o Projeto Cédula da
Terra e o Crédito Fundiário fixaram tetos de financiamento e subsídios inferiores a R$
15.000, o Banco da Terra permite financiamentos de até R$ 40.000. Grande parte dos
recursos do Banco da Terra foram aplicados nos três estados do Sul do país e os valores
médios das transações ultrapassam consideravelmente os verificados no Projeto Cédula
da Terra.
Entretanto, estes três programas de financiamento da aquisição de terras
permitem a incorporação ao processo de reordenamento fundiário de terras que não
podem ser desapropriadas pela via tradicional (propriedades de menos de 15 módulos
fiscais ou propriedades produtivas de mais de 15 módulos). Estima-se que, apenas
considerando as áreas ociosas das propriedades de menos de 15 módulos fiscais, isto
represente no Brasil cerca de 40 milhões de ha.
Os resultados preliminares do Projeto Cédula da Terra
Ainda é cedo para avaliar em profundidade todos os resultados do Projeto
Cédula da Terra. Um estudo preliminar de avaliação dos impactos do Projeto foi
realizado por uma equipe de pesquisadores entre 1.999 e 2000 (Buainain, A. M. et alli,
2001) permitiu apenas conhecer o perfil dos beneficiários e avaliar alguns aspectos
relacionados à estratégia de ação do Projeto.
A segunda etapa da avaliação, coordenada pela UNICAMP, está em fase de
conclusão. Os primeiros relatórios preliminares trazem informações interessantes.
Os impactos em matéria de melhoria da qualidade de vida são comparáveis aos
verificados nos assentamentos do INCRA. Em Pernambuco, por exemplo, 89% das
famílias beneficiárias residem em casas de alvenaria contra 78% antes do Projeto (Vital,
T. W. et alli, 2001). O consumo de bens duráveis foi pequeno (R$ 140 em média, por
família), mas sensível tendo em vista o período curto desde o início do Projeto e a
situação de pobreza inicial das famílias.
Alguns dados apontam que, como para os assentamentos, os projetos criaram
empregos além dos empregos diretos da família beneficiada. Em Pernambuco, o
relatório indica que 26% das famílias assentadas tiveram despesas com mão de obra no
ano agrícola 1999/2000.
O desenvolvimento produtivo foi grandemente prejudicado pela longa e rigorosa
seca que se abateu sobre o semi-árido (o que inclui a área de Minas Gerais na qual está
sendo implantado o Projeto). Além disto, houve, no início do Projeto (até meados de
2.000), um descompasso entre a aquisição de terras e a liberação dos recursos para os
investimentos comunitários, tanto por parte do próprio Projeto, quanto por parte do
PRONAF.
Mesmo assim, alguns resultados preliminares merecem ser citados. A renda
mensal das famílias entrevistadas em Pernambuco, que era de R$ 113,00 reais mensais
antes do Projeto, foi de R$ 206,00 em 1999/2000. Por ano, a renda familiar passa de R$
1.361 para R$ 2.474. Houve, portanto, um aumento na renda familiar de mais de 80%.
Parte significativa desta renda ainda provém de atividades exercidas fora dos lotes,
como antes do assentamento, pois 35% dos entrevistados exerceram atividades fora dos
21
lotes. Em média, as rendas obtidas em atividades externas representam 28% da renda
total das famílias, enquanto a renda oriunda diretamente das atividades agropecuárias
representam 15% do total.
Além da renda auferida durante o ano, é importante assinalar que as famílias
vêm constituindo um rebanho, o que representa uma capitalização e uma renda não
realizada. No caso de Pernambuco, este rebanho tem, em média, 2,8 cabeças de gado
bovino, 1,2 de caprino, 1,3 de ovino e 7 de aves. Antes do projeto, segundo o perfil
elaborado por Buainain et alli (2000) para o conjunto dos 5 estados, apenas 18% das
famílias tinham rebanho bovino; 5% possuiam rebanho caprino; e 2% possuiam ovinos.
O impacto em termos de renda deve ter fortes variações regionais. Em Minas
Gerais, por exemplo, os resultados preliminares apontam para uma manutenção da
renda das famílias, quando comparadas ao período anterior ao Projeto. Somente a
conclusão dos trabalhos poderá permitir identificar, além do projeto propriamente dito,
os outros fatores que eventualmente podem ter influenciado estas evoluções27.
O impacto do Projeto no mercado de terras
A tabela 6 indica os custos por hectare do processo de desapropriação da
reforma agrária, o custo por hectare do Programa Cédula da Terra e o preço real da terra
de lavoura estimado pela Fundação Getúlio Vargas. Destes dados podemos concluir que
o PCT não acarretou sobre-valorização das terras, nem praticou preços superiores aos
padrões de mercado (índices inferiores aos da FGV) ou aos praticados pelo INCRA. Em
média estes são 62 % menores no Maranhão, 66% no Ceará, 14% em Pernambuco, 43%
na Bahia e 49% em Minas Gerais28.
Obviamente, somente estudos mais acurados permitiriam comparações
definitivas, na medida em que as áreas incorporadas pelos dois programas podem ter
características diferentes ou estar em regiões diferentes. Também é plausível considerar
que, as expectativas dos agentes, expressas nas informações da CEA/FGV, já refletem
um eventual aquecimento do mercado, em razão do PCT, e espelham um preço rígido e
elevado. A tabela demonstra, porém, que quando as aquisições são efetuadas pelo PCT,
com pagamento à vista e a mediação das Unidades Técnicas Estaduais, o preço se reduz.
Tabela 6: Preços da Terra de lavouras da FGV, custo por hectare Cédula da
Terra e custo de desapropriação do INCRA
Ano
Nordeste
Maranhão
Ceará
Pernambuco
Bahia
M. Gerais
27
28
Preço da FGV,
1998(a)
396
189
171
660
572
979
Custo por hectare Custo de Desapropriação
Cédula da Terra(b)
do INCRA(c)
181
539
118
245
141
386
367
688
230
334
605
204
Sabe-se que quase toda a região de Minas foi fortemente atingida pela seca nordestina, o que não foi verificado em
todas as micro-regiões pernambucanas.
Uma análise mais acurada dos preços da terra pagos pelo PCT, INCRA e FGV, encontra-se em: Reydon, e Plata,
(1998).
22
Fonte: Reydon, B. e Plata, L. Evolução recente do preço da terra rural no Brasil e os impactos
do Programa da Cédula da Terra. NEAD. jul. 1998.
(c)
Preço real da terra de lavouras Boletim Estatist. do Centro de Estudos Agrícolas IBRE/FGV
(jun/1998 = 100)
(b)
Custo médio por hectare, conforme base de dados do Projeto Cédula da Terra de fevereiro de
2002, Núcleo de estudos Agrários e Desenvolvimento- NEAD.
(c)
Preço médio das terras desapropriadas pelo INCRA por hectare 1996-1998, Departamento de
Finanças- INCRA. In Gasques, J. e Conceição, J. Demanda de terra para a reforma agrária no
Brasil Box 5, p 38, Brasília nov. 1998.
Estes dados parecem confirmar algumas das hipóteses que justificam os Projetos
como o Cédula da Terra. Estes programas, ao instaurar a negociação direta e o
pagamento à vista, sem possibilidade de recurso à justiça, estes projetos:
- permitem reduzir o custo da transação e, portanto, o montante de recursos
captado pelos proprietários;
- possibilitam captar os movimentos de queda do preço da terra no curto
prazo;
- reduzem o tempo entre a identificação do imóvel e o assentamento das
famílias;
Por outro lado, estes projetos não dependem da capacidade de ação direta do
Estado em todas as fases do processo. Ao atribuir às comunidades parte significativa das
responsabilidades, em particular na escolha dos imóveis, na escolha e na execução de
investimentos em infra-estrutura e projetos produtivos, estes programas aceleram o
desenvolvimento produtivo dos assentamentos, reduzem o custo dos investimentos em
infra-estrutura e ampliam o seu alcance, garantindo uma maior porcentagem de
beneficiários atingidos e reduzindo consideravelmente o passivo de infra-estrutura a
realizar.
c) A Reforma Agrária e a formação do capital social
Dizer que o capital social é uma condição fundamental à viabilidade do
desenvolvimento econômico e social das populações excluídas tornou-se um senso
comum no discurso institucional com o respaldo de pesquisadores de relevo
internacional Robert Putnam (1996) e James Coleman (1994) e de economistas como
Joseph Stiglitz (1998). Desta forma não estaríamos acrescentando nada se apenas
viéssemos aqui confirmar essa constatação para o caso dos produtores rurais de base
familiar e, em particular para os assentados de Reforma Agrária. O que nos propomos a
discutir tem um caráter mais dirigido para compreender a efetividade do capital social
para os processo de desenvolvimento social, em especial no contexto dos assentamentos
da reforma agrária.
Para Putnam (1996:177) “o capital social diz respeito a características da
organização social como confiança, normas e sistemas que contribuem para aumentar a
eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas.” Putnam credita à herança
ancestral das tradições cívicas das regiões estudadas, a importância do capital social
para o processo de desenvolvimento italiano. Tal herança é “cientificamente”
comprovada por ele, a partir de correlações estatísticas entre um conjunto selecionado
de variáveis, numa postura determinista que deixa a ver navios toda pretensão de
transformação social nas comunidades sem tradição associativa. As maiores críticas aos
trabalhos de Putnam, sobretudo no meio acadêmico italiano, fazem restrição ao viés
positivista de suas análises quantitativas e à falta de inclusão de variáveis que
23
considerem categorias centrais os processos sociais como poder, conflitos, etnia, gênero,
relações público-privado, ...; privilegiando as variáveis com relações significativas do
ponto de vista estatístico.
Coleman (1994: 300), por sua vez, define o capital social como fruto de uma
escolha racional de indivíduos para estabelecer estruturas de relações sociais que lhes
permitam atingir coletivamente seus próprios objetivos individuais. Estruturas que
podem ser criadas a partir da confiança mútua entre os indivíduos e que se traduzem na
estabilidade das instituições, normas e obrigações recíprocas garantindo a eficiência do
esforço coletivo e a eficácia dos investimentos individuais.
Turner (1999: 94) critica Coleman por tratar a questão do capital social pondo os
velhos conceitos da sociologia clássica numa roupagem moderna, mas estreita da
economia e critica Putnam pela falta de integração entre os referenciais sociológicos e
econômicos. Mas, ele próprio buscando integrar uma visão sociológica mais ampla e
compreensiva às questões do cotidiano, termina por definir um modelo de análise
desprovido de sensibilidade para a subjetividade das relações sociais, reforçando o
enfoque positivista e funcionalista que havia criticado.
A principal dificuldade para trabalhar com essas abordagens funcionalistas em
situações onde a exclusão social debilita a confiança nas instituições e os
comportamentos sociais são determinados pela busca de alternativas de curto prazo para
sobrevivência como estratégias, nos limites da lei, dos costumes e da dignidade humana.
Não é possível aceitar, tampouco, que o capital social seja determinado, de
maneira cartesiana, pelas tradições históricas centenárias de uma sociedade ou pela
escolha racional que leva um indivíduo a optar pela adesão a um grupo social. Além do
mais, em ambas as orientações teóricas, fica evidente o viés economicista que reduz a
leitura social aos seus efeitos econômicos, que enfatiza o econômico como objetivo
universal da organização social com a intenção de estabelecer o elo perdido entre o
indivíduo e a sociedade; entre o mercado e não-mercado; justaponde de maneira acrítica
hábitos, normas e instituições; tudo a serviço do estabelecimento de um clima positivo
de construção social e crescimento econômico; sem considerar os conflitos e as
contradições naturais à organização social.
Fizemos uma opção por definir o conceito de capital social com o qual
trabalhamos, a partir das referências de Bourdieu (1998: 65):
O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à
posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, a vinculação
a um grupo, como um conjunto de agentes que, não somente são dotadas de
propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos
outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e
úteis. Essas relações são irredutíveis a relações objetivas de proximidade no
espaço físico (geográfico) ou no espaço econômico e social porque são fundadas
em trocas inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e
perpetuação supõem o reconhecimento dessa proximidade.
Nessa definição, Bourdieu reforça dois enfoques fundamentais à nossa reflexão:
primeiro destaca a identidade grupal, como base da formação, apropriação e posse
durável das relações sociais que formam a essência do capital social; segundo o
conceito de apropriação como o processo de “concentrar nas mãos de um agente
singular a totalidade do capital social que funda a existência do grupo”, estabelecendo a
contradição dialética no interior do processo organizacional. Em seguida trabalharemos
a organização social nestas duas direções.
24
Contradição entre coordenação e base nas organizações sociais
Apesar de reconhecer que quanto mais organizados são os trabalhadores rurais,
maior é o acesso aos recursos institucionais, melhor é a aplicação que eles fazem desses
recursos e mais racional e efetiva é sua capacidade de produção e de inclusão social, é
indispensável refletir sobre alguns aspectos contraditórios da forma como se organiza o
capital social entre os trabalhadores. Para isto consideramos a importância da autonomia
das organizações de base com relação às estruturas hierárquicas de coordenação nos
níveis estaduais, regionais e nacionais, como fundamento para a construção da
democracia e da cidadania dos atores locais.
Temos observado que as contradições dialéticas entre a autonomia das
organizações de base e o controle das estruturas de coordenação se evidenciam à
medida que as organizações crescem em abrangência, tamanho e poder político. Vale
salientar que essas contratações não se caracterizam apenas nas organizações dos
produtores rurais, constituem de fato um fenômeno característico das grandes
organizações da era moderna representantes de centenas de milhares e até milhões de
pessoas. São contradições que se estabelecem entre as estruturas instituídas da
coordenação e as forças instituintes da base, contrapondo os esforços de hegemonia e
estabilidade às energias que lutam pela dinâmica de renovação e transformação. A
busca conservadora da estabilidade das estruturas e da hegemonia de poder das cúpulas
da coordenação se contrapondo às lutas pelo acesso das bases às instâncias políticas de
decisão e controle. Sartre num conto intitulado A engrenagem, já ressaltava esse caráter
contraditório nos movimentos revolucionários mostrando como as estruturas de
comando da revolução assumiam posturas conservadoras e contra-revolucionárias logo
que precisavam se estruturar para assegurar o poder revolucionário. Max Pagés (1998)
evidencia também essa contradição dos movimentos revolucionários mostrando a falta
de coerência histórica entre o discurso e a dinâmica estruturante do poder, como
mecanismo de reprodução do status quo, cujo desejo de mudança motiva a revolução.
Considere-se que esse tipo de reprodução do modelo antagônico se expressa
comumente antes mesmo que as forças instituintes assumam o poder e se transformem
em instituídas. Numa leitura dialética dos processos sociais e individuais pode-se
observar que já se estruturam forças instituídas no seio das próprias energias
instituintes; forças que se revelam na própria organização do poder evolucionário.
Falar em nome do outro e representá-lo com ou sem mandato para isto pode
implicar, na prática, na exclusão deste outro ou mesmo na desconsideração da
importância de sua fala e, sobretudo de sua organização na base do processo social
como fundamento da democracia.
Nos dias atuais vemos surgir um número cada vez maior de grandes
organizações sociais que se constituem e se representam institucionalmente nas relações
com a sociedade, com as estruturas do Estado e com outras organizações sociais, cuja
legitimidade é aceita geralmente como se os próprios representados ali estivessem. Num
mundo em que as comunicações são tão abrangentes quanto o âmbito da mídia
mobilizada (quanto mais abrangente mais credibilidade passa) a fala pública dessas
mega representações sociais dificilmente são contestadas pelos “representados”,
sobretudo por aqueles que não tem acesso à mesma mídia.
É importante considerar e explicitar aqui que a nossa preocupação nesta
discussão com relação aos produtores rurais dos assentamentos da Reforma Agrária não
é de contestar ou duvidar da legitimidade ou da importância política e estratégica dessas
25
representações para o avanço da luta ou defesa dos interesses dos representados. Muito
menos estamos questionando a honestidade de propósitos e a postura ética dessas
organizações ou de suas lideranças. Muito pelo contrário ratificamos por oportuno nosso
respeito e admiração pelas organizações dos trabalhadores e produtores rurais que
militam no nosso País.
Segundo pensamos, o núcleo dessa contradição entre as estruturas de
coordenação e a base das organizações sociais reproduz a contradição fundamental do
capitalismo no que se refere à apropriação do capital. A massa da população organizada
que representa o capital social, mesmo quando beneficiada pelas ações da organização
que as representa raramente têm o controle político da sua representação, comumente
exercido por lideranças que têm a hegemonia do poder e não raro nele se perpetuam de
maneira personalista ou grupal. As organizações sociais são consideradas e valorizadas
pelo poder simbólico decorrente do peso político das populações que representam, ou
seja, pelo capital social que acumulam e controlam, como poder de barganha nos
embates com as autoridades constituídas e com a sociedade. No caso das organizações
de massa essa apropriação tem dois sentidos, um na perspectiva externa pelo que
representam no conjunto das relações políticas na sociedade; outro interno, de controle
da organização nos embates pela hegemonia das forças que a estruturam.
Nas nossas análises sobre os assentamentos da reforma agrária essa questão
aparece mais clara quando se constata a fragilidade da organização social dos
assentados onde o capital social poderia ser um diferencial importante no
desenvolvimento econômico e social, conforme se justifica acima e como foi constatado
em recente pesquisa (Bittencourt 1998) sobre os fatores de sucesso e fracasso dos
assentamentos. Observamos ainda que o poder e a capacidade de organização dos
trabalhadores rurais nos planos estadual, regional e nacional não tem correspondência
no plano dos assentamentos. Mais amplo é o âmbito da estrutura organizacional mais
forte ela é. Mais restrito e localizado é o coletivo, menor é sua capacidade de
organização e articulação. Organizações fortes representando bases frágeis e pouco
organizadas, eis a contradição que dissocia a organização de massa das organizações de
base.
É claro que há justificativas plausíveis para o fortalecimento da organização dos
trabalhadores no âmbito mais amplo para reforçar a capacidade de enfrentamento no
Plano estadual e, sobretudo no plano nacional onde são formuladas as políticas públicas.
Num país como o Brasil onde a situação dos trabalhadores rurais é gravíssima é possível
compreender-se até mesmo essa dissociação, considerando que a organização nacional
precisa ser mais forte e não pode espera que primeiro as organizações de base se
fortaleçam para depois priorizar os níveis superiores da organização numa lógica de
baixo para cima.
È necessário lembrar, no entanto, que essa estratégia não elimina a contradição
acima referida nem os seus efeitos negativos sobre o conjunto do poder da organização
dos trabalhadores; não elimina tampouco a necessidade de analisar e buscar alternativas
para o fortalecimento do capital social nos assentamentos.
Do ponto de vista prático, há que se investir na organização de base nos
assentamentos com ênfase para a autonomia local, inclusive como referência para se
fortalecer a organização estadual e nacional. Nossa pesquisa sobre formação e
apropriação do capital social nos assentamentos da Reforma Agrária” (MATOS, 2001)
procura contribuir nesta direção analisando a eficácia, sustentabilidade e efetividade dos
processos organizacionais a partir da análise de uma tipologia de modelos centrados em
26
diferentes referências como as lutas pela terra e por recursos para cultivá-la, a busca da
racionalidade gerencial, a articulação operativa pelo trabalho das lideranças e a
dependência com relação a eles, a existência do grupo como regulador coletivo
autônomo, entre outras.
Na discussão da contradição entre a coordenação e representação das
organizações de massa e sua base trabalhamos com uma referência central do processo
democrático que a autonomia, conceito muitas vezes tomado equivocadamente no
contexto das discussões sobre o individualismo em contraposição ao coletivismo. Eis
que a nossa idéia de capital social se estrutura a partir do conceito de autonomia num
linha de reflexão coerente com a filosofia da práxis e comprometida com a redução da
alienação dos atores sociais no plano coletivo e individual na relação com as estruturas
de poder, espaço onde a reflexão crítica sobre a realidade social assume sua tarefa
precípua como instrumento de transformação social. CASTORIADIS (1975: 103)
chama de práxis o “fazer, onde o outro ou os outros são vistos como seres autônomos e
considerados como agente essencial do desenvolvimento de sua própria autonomia”. O
grupo social assume, assim a posição de sujeito de sua própria história, construindo o
conhecimento sobre se mesmo e sobre o seu contexto. Ele (1975:103) reforça que “a
práxis visa à autonomia como um fim e a utiliza como um meio”. A práxis e a
autonomia estariam assim na base da construção do sujeito social que, segundo
pensamos é uma referência fundamental ao conceito de capital social e à democracia.
Neste sentido a questão da autonomia das organizações de base não pode ser
atravessada pelo discurso maniqueísta que contrapõe as singularidades locais à
igualdade coletivista e associa o direito universal à individualidade com o
individualismo e isolamento social das elites. Não há como pensar o desenvolvimento
de assentamentos rurais sem trabalhar na construção dessa autonomia com respeito às
singularidades de cada situação e às diferenças individuais. Da mesma forma, não há
como aumentar o poder de coordenação dos trabalhadores sem o reforço da autonomia
da base constituída por uma práxis verdadeiramente democrática. Comprova-se, na
prática, que o fortalecimento da autonomia local tanto é fundamental ao
desenvolvimento comunitário como reforça a organização social dos trabalhadores em
níveis mais amplos.
III - Da reforma agrária ao desenvolvimento rural: uma
evolução necessária
No Brasil ainda prevalece em setores acadêmicos, em parte da Igreja católica e
em movimentos sociais importantes, a visão da reforma agrária como “destruidora” da
velha ordem, como se o capitalismo brasileiro fosse dominado por oligarquias agrárias
natimortas. Seu papel seria a de eliminar do mapa o latifúndio e, com isso, fundar uma
nova ordem. As evidências recentes mostram no Brasil um notável crescimento das
ocupações rurais não agrícolas, dentro do mundo rural, fenômeno esse observado na
maioria das economias latinoamericanas. Se entendemos que o Brasil Rural é
constituído de cerca de 4.500 municípios, com uma população de 50 milhões de
habitantes, com imensas possibilidades de novas dinâmicas econômicas, combinando o
agrícola e o não agrícola, explorando o empreendedorismo quase inato do nosso povo,
especialmente dos mais pobres, estamos diante de uma oportunidade única de criar
milhões de ocupações produtivas. A velha noção de reforma agrária tem de dar lugar a
27
uma outra que, sem desconsiderar ainda a importância da redistribuição de terras, vai
fomentar o Desenvolvimento Rural com um enfoque territorial amplo. Não apenas
combater a pobreza mais construir cidadania.
a) O foco territorial do Desenvolvimento Rural
A complicada problemática do desenvolvimento territorial exige que sejam
abordados separadamente seus três temas centrais: a recomposição dos territórios, os
sistemas produtivos locais, e o meio ambiente. Na prática, é impossível tratar cada um
desses três eixos sem que sejam feitas muitas referências aos outros dois. Mas é esse
esforço de separá-los que ajuda a explicitar o que se entende por desenvolvimento
territorial.
Grande parte das nações adotou há muito tempo suas atuais estruturas
territoriais. Em muitos casos, seu surgimento foi anterior à própria industrialização. São
anacrônicas as instituições que até hoje regulam os poderes locais, bem como os
escalões que fazem a intermediação com o Estado central. Os critérios políticoadministrativos que mais influenciaram a formação dos vários tipos de divisão territorial
existentes não resultaram das reais necessidades do crescimento econômico moderno e
muito menos daquilo que hoje tende a ser considerado um processo de desenvolvimento
sustentável. Nada mais previsível, portanto, do que um paulatino movimento de
conscientização coletiva sobre tal inadequação, seguido de tentativas de adaptação às
novas necessidades do desenvolvimento dessas hierarquias territoriais herdadas de um
período em que as atividades primárias ainda dominavam o sistema econômico. Em
poucas palavras, são raros os países que não sentem hoje a necessidade de modernizar
seus esquemas de enquadramento territorial da ação pública.
Nesse contexto, as relações entre os espaços mais urbanizados e os espaços em
que os ecossistemas permanecem menos artificializados - isto é, as relações
urbano/rurais – não mais correspondem à antiquada dicotomia entre a cidade e o campo.
Durante o século 20, o processo de desenvolvimento tornou simplista essa dicotomia,
substituindo-a por uma geometria variável na qual passaram a ser cada vez mais cruciais
as aglomerações e as microrregiões. Duas categorias que se misturam no caso das
regiões metropolitanas, mas que podem ter relações bem diferentes nos outros casos. As
microrregiões que envolvem uma aglomeração não-metropolitana também tendem a ser
essencialmente urbanas. Mas as microrregiões que só abrigam centros urbanos e/ou
vilas “rurbanas” podem ser relativamente rurais, ou mesmo essencialmente rurais,
quando predominam ecossistemas dos menos artificializados.
A expressão “recomposição dos territórios” expressa, portanto, essa necessidade
de novas formas institucionais de consertação, coordenação, gestão, ou simplesmente
“governança”, das aglomerações e das microrregiões. Nos dois casos essas novas
formas institucionais devem superar as antigas estruturas de poder local, promovendo a
articulação das unidades político-administrativas preexistentes. Um desafio que em
muitos países tem sido chamado de cooperação inter-comunidades, ou simplesmente
“inter-comunalidade”. No Brasil isso corresponde à promoção de articulações
intermunicipais microrregionais, como, por exemplo, as Associações catarinenses, ou os
diversos tipos de consórcios espalhados por todo o País. Quando uma aglomeração ou
uma microrregião alcança graus de coesão e organização suficientes para que seja capaz
de formular e adotar um plano de desenvolvimento local, é inevitável que ela perceba a
importância estratégica de dois fatores decisivos: o sistema produtivo local e o trunfo
28
ambiental (Veiga,2002)29.
b) O Brasil Rural: redescobrindo o território
Uma aproximação menos agregada da configuração territorial do Brasil revela
uma tendência que não deveria ser ignorada pelos formuladores das políticas
governamentais. Mesmo que se acrescente ao Brasil verdadeiramente urbano todos os
municípios intermédios, considerando-os como vilas de tipo “rurbano” que poderão se
transformar em Centros Urbanos, chega-se a um total de 1.022 municípios, nos quais
residiam em 2000 quase 118 milhões de pessoas. Nesse subconjunto ampliado, o
aumento populacional entre 1991 e 2000 foi próximo de 20%, com destaque para as
Aglomerações Não-Metropolitanas e para os Centros Urbanos. Em ambos houve
crescimento demográfico um pouco superior.
Mas não se deve deduzir daí, como se faz com extrema freqüência, que todos os
outros municípios - de pequeno porte e características essencialmente rurais - tenham
sofrido evasão populacional. Foi, de fato, o que ocorreu na metade desses municípios,
como mostra a tabela 7. Mas ela também mostra que em um quarto deles houve um
aumento populacional de 31,3%, bem superior, portanto, aos que ocorreram no Brasil
urbano. E mais do que o dobro do crescimento populacional do Brasil como um todo,
que foi de 15,5% no período intercensitário de 1991-2000.
Tabela 7:- O Brasil urbano “ampliado” de 1991 a 2000
Variação Variação
Número de População (milhões) 1991-2000 1991-2000
Municípios
(%)
(milhões)
1991
2000
Aglomerações
12 Metropolitanas
37 Não-metropol.
SUBTOTAL AGLOM.
“Cidades Médias”
Centros urbanos
Vilas “rurbanas”
SUBTOTAL “C.Médias”
URBANO AMPLIADO
200
178
378
48,5
18,5
67,0
57,4
22,7
80,1
8,9
4,2
13,1
18,4
22,8
19,6
77
567
644
1.022
13,2
18,9
32,1
99,1
16,1
21,7
37,8
117,9
2,9
2,8
5,7
18.8
22,0
15,0
17,8
19,0
Fonte: Elaboração Veiga, José Eli, com dados do Censo.
29
Veiga, José Eli, CIDADES IMAGINÁRIAS, Estudos NEAD 6,2002 (no prelo).
29
Tabela 8: O Brasil rural de 1991 a 2000
Pequenos
Municípios
Esvaentes
Letárgicos
Atraentes
TOTAL -RURAIS
Variação Variação
Número de População (milhões) 1991-2000 1991-2000
Municípios
(%)
(milhões)
1991
2000
2.025
20,8
19,7
- 1,1
- 5,3
1.351
16,0
17,5
1,5
9,7
1.109
11,0
14,4
3,4
31,3
4.485
47,7
51,6
3,9
8,1
Fonte: Elaboração Veiga, José Eli, com dados do Censo.
Praticamente nada se sabe sobre os fatores que levaram esses 1.109 municípios
com características inequivocamente rurais a terem um crescimento populacional tão
surpreendente. E o fato disto constituir surpresa só pode ser interpretado como mais um
sinal de que o pensamento brasileiro sobre a questão está muito atrasado. Não é possível
que se considere mais de 90% do território brasileiro, 80% de seus municípios, e 30%
de sua população como mero resíduo deixado pela epopéia urbano-industrial da segunda
metade do século 20. Pior, não é possível tratá-lo como se nele existissem entre 4.500 e
5.000 cidades imaginárias.
Todavia, o que mais interessa não é comparar a participação demográfica dos
espaços mais urbanos, mais rurais, ou intermediários. O que importa é entender que o
futuro dessas populações dependerá cada vez mais de articulações intermunicipais
capazes de diagnosticar as vocações do território que compartilham, formular um plano
de desenvolvimento local, e viabilizar seu financiamento com o imprescindível apoio
das esferas governamentais superiores. Isso vale tanto para as aglomerações, quanto
para as microrregiões. Mas é óbvio que são as microrregiões que não abrigam
aglomerações as que menos estarão preparadas para enfrentar esse desafio. Daí a
importância de um programa federal especialmente voltado para a promoção de
articulações intermunicipais microrregionais de pequeno porte populacional. Isto é, um
programa especialmente voltado ao desenvolvimento sustentável do Brasil rural(Veiga,
2002).30
c)
Recomendações estratégicas para a política de terras
As proposições e práticas para a condução de reformas nos anos sessenta do Século
passado, indicavam a necessidade de construção de instituições públicas que
assumissem integralmente a tarefa de conduzi-las. Na atualidade, tal concepção
provocaria na verdade um “constrangimento à participação” e terminaria por
enfraquecer a sociedade civil.
Assim, se as reformas dirigidas à promoção do desenvolvimento pretendem
transformar sociedades inteiras, elas devem buscar o envolvimento de sociedades
inteiras. Isso tem dado origem a um interesse crescente pela legitimidade e pela
participação nas estratégias de desenvolvimento, e pela criação de instituições que
possam traduzir essa legitimidade e participação. Na verdade, se o objetivo é a obtenção
30
Idem,Veiga, José Eli, CIDADES IMAGINÁRIAS, Estudos NEAD 6,2002 (no prelo).
30
da legitimidade, ou fazer com que as reformas tenham alcance profundo dentro da
sociedade, a participação é necessária,. A legitimidade e a participação também são
necessárias, se a estratégia de desenvolvimento tiver que ser adaptada à conjuntura do
país e se essa estratégia evocar o tipo de compromisso e de envolvimento de longo
prazo, que são necessários para a sustentabilidade. (Stiglitz,1998)31
No caso da política de terras, a participação se revela ainda mais importante, uma
vez que o acesso ao ativo terra por trabalhadores pobres constitui um momento
emancipatório único na trajetória social desses grupos no Brasil.
Algumas recomendações estratégicas para melhorar a eficiência e a eficácia da
política de terras em curso no país, são a seguir sugeridas:
i) Atualização do marco jurídico
A despeito de avanços observados ao longo dos últimos anos, especialmente em
relação a dispositivos legais que tratam da desapropriação de terras e do sistema público
de registro de terras, ainda permanecem na legislação infra-constitucional e nas decisões
judiciais lacunas que levam a processos indenizatórios superiores ao valor de mercado
das terras desapropriadas para fins de reforma agrária. Isso constitui uma transferência
de riqueza abusiva para os donos de terras e intermediários e a impossibilidade objetiva
de repagamento das terras pelos beneficiários.
i
Flexibilidade nos meios de obtenção de terras e sua transferência.
Isso significa regular tanto a desapropriação de terras (dentro dos requisitos
fixados) como a recuperação de apossamentos ilegais de terras públicas. O uso de
financiamentos diretos para a compra direta por parte dos interessados, incluindo
incentivos para uma barganha nos preços oferecidos no processo de negociação. O
arrendamento com limites mínimos de prazo e incentivos para contratos com prazos
maiores ( por exemplo a isenção do imposto sobre a renda e/ou territorial para prazos
superiores a 10 anos, com direito de preferência). A titulação administrativa rápida e
simplificada para posses com mais de 5 anos e limite superior fixado (área da
propriedade familiar).
i Ordenamento territorial.
Verificam-se nas legislações omissões importantes em matéria de ordenamento
territorial. Apesar das restrições de uso por questões ambientais serem cada vez mais
freqüentes, não são acompanhadas de mecanismos que incentivem a valorização do
patrimônio natural por parte dos agricultores.
31
Stiglitz, Joseph, Distribution, Efficiency and Voice: Designing the Second Generation of Reforms, Seminário
Internacional sobre Distribuição de Riqueza, Pobreza e Crescimento Econômico, Banco Mundial/NEAD, Brasília,
julho de 1998.
31
ii)Modernização de cadastros e tributação
As deficiências nos sistemas de cadastros rurais foram apontadas como
responsáveis por dificuldades na cobrança de impostos, imprecisão dos registros
públicos, alem de facilitarem a fraude e o apossamento ilegal de terras .Os altos custos
para a demarcação de terras através de sistemas topográficos convencionais impediram
a elaboração de mapas cadastrais precisos. Por isso somente países ricos puderam
desenvolver esses sistemas, consolidando a malha fundiária, gerando informações que
permitiram criar a segurança jurídica necessário ao desenvolvimento do mercado de
terras. Também a disponibilidade de informações registrada no plano cartográfica,
permitiu um planejamento da infra-estrutura de apoio ao desenvolvimento das regiões.
Atualmente, com o avanço tecnológico na área de informações e a cobertura de
Satélites, é possível se realizar medições e demarcações de terras a custos extremamente
baixos se comparados com o antigo sistema. É possível, por exemplo, realizar um
levantamento topográfico de perímetro, utilizando-se o GPS com rapidez e baixo custo.
A informação georeferenciada pode ser transmitida para uma pequena central de coleta
de dados, iniciando-se assim a constituição de uma base de dados digitais que com
levantamentos complementares de campo e escritório vão permitir gerar um Sistema de
Informações Espaciais para uso múltiplo.
A recomendação para que os Planos e Programas de Desenvolvimento Rural
incluam a modernização dos cadastros rurais, combinados com projetos de
regularização fundiária, permitira que se consolidem as estruturas e se criem as
condições de informações para um melhor funcionamento do mercado de terras.
Quanto a tributação da terra, conforme se argumentou neste documento, no caso
da adoção da modernização cadastral aqui sugerida, deveriam ser orientados, a exemplo
da nova lei venezuelana, para um sistema de incidência baseado no uso potencial das
terras (aquele país já investe há anos num sistema cadastral georeferenciado). Isto
funcionará como um incentivo coadjuvante ao maior e melhor uso da terra. A
descentralização da competência para instancias municipais é outra recomendação
baseada na experiência histórica e nos argumentos de que a proximidade e o interesse da
arrecadação pelos poderes locais resultará em melhor administração do tributo e em
conseqüência, melhorando seu resultado extrafiscal esperado.
iii)Instrumentos adequados e combinados às distintas situações32
i O acesso à terra pode ser uma estratégia efetiva para sair da pobreza porém
seu êxito requer condições especiais.
O acesso à terra por si só não assegura a saída da pobreza ( condição necessária mas não
suficiente). Necessita de condições tais como: competitividade nos mercados de
produtos; remuneração do trabalho maior que o custo de oportunidade; alimentos
produzidos para o autoconsumo mais baratos que aqueles comprados no mercado.
Os requerimentos de quantidade de terras, infra-estrutura e acesso a financiamentos em
condições adequadas, são os fatores que conferem viabilidade real à processos de
32
Estas propostas foram, em parte, sugeridas ao autor pelo Professor Alain de Janvry comentando a primeira versão
de um documento preparado para o BIB, apresentado no Seminário Economias Rurais na América Latina,
realizado em Fortaleza em março de 2002 durante a Assembléia de Governadores do BID..
32
redistribuição de terras que tem como objetivo a ampliação das unidades familiares de
produção agropecuárias
i O acesso à terra como uma estratégia de saída da pobreza deve entender-se
como parte de uma estratégia mais ampla de prover a subsistência das
unidades familiares rurais.
A visão de que a os trabalhadores de zonas rurais vão prover sua subsistência apenas
através das atividades agropecuárias, levou a formulações de políticas de terras de
sentido restrito. A realidade atual é que a pluriatividade constitui a tendência dominante
e nesse caso a terra vai absorver o trabalho em tempo parcial do trabalhador e a
combinação entre atividades agrícolas e não agrícolas vai depender da disponibilidade
de ativos e do contexto (oportunidades de trabalho dentro e fora da propriedade). Desse
modo, a redistribuição de terras em unidades sub-familiares deve fazer parte das
estratégias de programas e projetos de desenvolvimento rural, podendo se constituir em
algumas regiões a forma principal de acesso à terra.
i Existe uma multiplicidade de caminhos e formas de acesso à terra.
Herança ou legado, compra e venda, apossamento de terras públicas ou privadas,
arrendamento e parceria, reforma agrária, usufruto, etc. Cada um desses instrumentos
alternativos pode ser melhorado e fazer-se mais efetivo, com políticas e programas
específicos, sendo a reforma agrária uma delas.
i Existe uma multiplicidade de tipos de reforma agrária. Os diferente tipos de
reforma agrária deveriam ser entendidos como complementares entre si, em
função de cada situação específica.
Quatro condições de êxito para o manejo de uma estratégia de uma estratégia de
acesso à terra para os pobres do campo: pelo lado da oferta: factibilidade política (ótimo
de pareto); viabilidade fiscal (custos e subsídios os mais baixos possíveis para lograr
uma ampla cobertura da demanda social); pelo lado da demanda: incorporação dos
pobres (com acesso a um nível mínimo de dotação de ativos necessários para participar
do programa); competitividade dos beneficiários ( sustentabilidade econômica vis-a-vis
sua inserção no mercado.
Expropriações baseadas na função social da propriedade da terra rural
Requer viabilidade política e fortes movimentos sociais. Importante onde a
distribuição da terra é muito desigual, existe muita terra subutilizada e muitos pobres
sem terra. A atuação do governo é essencial para evitar situações de violência e reduzir
os custos da desapropriação. Como principal instrumento de redistribuição de terras
ainda utilizado no Brasil, seu uso pode ser melhorado, introduzindo-se mecanismos que
controlem o valor das indenizações. A combinação entre pagamento em dinheiro e
títulos públicos pode introduzir um elemento de barganha para acordos administrativos
deixando a arbitragem judicial para casos excepcionais. Isso, obviamente exige
transparência e amplo controle social.
33
Redistribuição através do mercado de compra e venda de terras.
Aspectos inovadores: participação comunitária; incentivos para a promoção de
barganha no preço da terra; processos de auto-seleção dos beneficiários; grupos
menores e maior formação de capital social; ausência de conflito; melhor inserção na
sociedade local. Riscos: poder oligopsônio local; aumento do preço da terra. A
experiência em curso no Brasil já aponta formas de redução dos riscos apontados e
maior transparência e controle social. A limitação do uso desse instrumento apenas às
terras não desapropriáveis, pode ser um fator limitante no futuro, caso este, em dadas
circunstancias e regiões definidas possa vir a ser a melhor solução.33
i O mercado de arrendamento de terras tem sido relegado como opção para
acesso à terra na América Latina e no Brasil
A exigência de uma adequada regulação, prazos e formas de controle dos contratos
explica a pequena importância desse instrumento na região. Isso se observa
principalmente nos países com fortes desigualdades na distribuição da riqueza (terra) e
da renda. Mesmo assim a experiência histórica de países hoje desenvolvidos recomenda
que esse instrumento pode vir a se transformar num “degrau” de acesso à propriedade
da terra, caso as condições assinaladas neste documento sejam adotadas.
i Princípios norteadores nas intervenções de reforma agrária
completar a agenda iniciada
Os custos econômicos e sociais de reformas agrárias inconclusas são elevados. O
tempo prejudica os beneficiários que não podem ser competitivos se não tem acesso
seguro à terra (títulação). No caso do Brasil, apesar dos avanços, existe um “déficit” em
infra-estrutura nos assentamentos que comprometem o desenvolvimento e a
consolidação das atividades produtivas. É necessário superar o ainda enorme
preconceito de que os trabalhadores, caso venham a ser titulados, vão vender as suas
terras. Na verdade, qualquer que sejam as restrições, sempre haverá uma mercado
(formal ou informal). A intensidade do mesmo é que deve preocupar os responsáveis
públicos, porque podem indicar a inexistência de condições de sustentabilidade (
econômica, ambiental, etc.).
o acesso à terra pode ser a parte fácil de uma reforma exitosa ao passo que
lograr a competitividade é a parte difícil.
É necessário incorporar nas intervenções de reforma agrária os enfoques “novos”
de desenvolvimento rural: crescimento regional (contexto) e incorporação econômicas
dos pobres às oportunidades locais ( ativos). Os beneficiários necessitam controlar os
níveis mínimos de ativos produtivos: experiência; maquinaria; rebanho; acesso à
instituições de apoio e mercados.
33
Existem regiões no Brasil de ocupação e estrutura fundiária já definidas, com uma agricultura de base familiar
constituída e, em parte consolidada, em que a redistribuição do ativo terra, não terá a mesma importância do que
em outras regiões de elevada concentração de terras e pobreza, como o Nordeste e o Norte do país. Entretanto, o
uso de instrumentos de regulação do mercado de terras e de financiamento para a manutenção da estrutura de
base familiar pode se constituir num elemento estratégico e redinamizador das economias locais.
34
capitalizar os interesses urbanos em temas ambientais para negociar o
acesso à terra
Qualidade da água, combate à contaminação atmosférica, biodiversidade, recreação, são
temas relativos a serviços ambientais que podem se constituir em formas de pagamento
das terras, num contexto de um Plano de Desenvolvimento Rural de uma dada
localidade. Nesse casso, inclusive, se deveria examinar a hipótese de expropriação por
mal uso ambiental.
35
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