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[Entrevista Central]
GOVERNO REFORÇOU INTERVENCIONISMO
Confederação crítica em relação às medidas governamentais para os media
Bernardo Bairrão, presidente da CPMCS, considera
que o Governo tem feito depressa, mas não bem
POR JOANA SIMÕES PIEDADE
om a tutela a proceder a várias alterações de algumas das leis centrais do sector, a Confederação Portuguesa de Meios de
Comunicação Social (CPMCS) não tem tido mãos a medir. A
Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), as alterações ao Estatuto
do Jornalista, a nova Lei do Cinema ou a introdução de quotas para a
música portuguesa na rádio são apenas algumas das medidas criticadas
pelo organismo, que congrega mais de 600 meios de comunicação social, dos vários sectores. Assim, o presidente da CPMCS, Bernardo
Bairrão admite que os últimos meses têm sido apenas de reacção às sucessivas medidas levadas a cabo pelo Governo, mas o futuro da confederação passa por um reforço do seu papel junto dos meios que representa, com o intuito de preparar o sector para o século XXI.
N.
S IL
VA
C
BERNARDO BAIRRÃO, ADMINISTRADOR DA TVI
“Produzir conteúdos específicos
para a internet é impensável
em Portugal”
Que balanço faz a Confederação dos Meios
de um ano de nova tutela sobre o sector
dos media?
R: Não nos podemos queixar de falta de iniciativa
da tutela. Este ano foram postos em discussão um
conjunto de diplomas que vieram modificar consideravelmente o panorama da Comunicação Social
e perturbar o funcionamento normal do sector. A
CPMCS tem tentado chamar a atenção de que este
não era um sector onde houvesse necessidade de
introduzir mudanças radicais, dado à sua estabilidade actual, o que até nem era muito comum.
Fazer num ano, o programa do Governo estabelecido para quatro, é claramente excessivo.
Quando fala em iniciativa do Governo, acha
que se pode confundir com demasiado
intervencionismo?
R: Acho que há claramente um reforço do nível de
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inter vencionismo. Com a ERC, o próprio
Governo assume que visa reforçar as competências
da capacidade de intervenção.Temos que ter consciência que a comunicação social não é igual aos
outros sectores, com todo o respeito.
Em Fevereiro, a Confederação dos Meios
dizia que o Governo estava a hostilizar os
media. Porquê?
R: Não sei se fomos tão hostis no termo mas aceito que até o tenha dito. O Governo estava numa
campanha de reforço da pressão e mexeu em
questões que fazem todo o sentido do ponto de
vista moral, como os direitos de autor, mas querendo agradar não se percebe muito bem a quem,
alterando também os direitos patrimoniais.
Como assim?
R: Um dos problemas que Portugal e a Europa
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“Não nos podemos queixar de falta de iniciativa da tutela”
Um administrador polivalente
Bernardo Bairrão é administrador da TVI
desde 1998, com responsabilidades em vários departamentos do quarto canal, excepto programação, informação e produção.
Em Setembro de 2005 assumiu a presidência da CPMCS, um cargo que tem carácter
rotativo entre os três sectores, a cada dois
anos. No caso da televisão, esse período de
dois anos é também dividido pelos três canais, sendo agora a vez da TVI.
têm quando concorrem com mercados como o norte-americano, são as graves limitações ao nível dos
direitos de autor.Temos uma doutrina europeia que
protege muito os autores, mas que limita demasiado
a capacidade de exploração das obras autorais. Do
ponto de vista moral acho isto irrepreensível, mas
do ponto de vista material e comercial traz muitas
limitações, porque depois é difícil levar à exploração
exaustiva de uma obra, em concorrência com as
americanas. Quando se começou a discutir o
Estatuto do Jornalista e as alterações ao direitos de
autor dos jornalistas, precisámos desde logo que era
preciso ter cuidado com a evolução tecnológica.
Não adianta fazer leis prevendo o que é a realidade
da imprensa, e mesmo da televisão, quando existe
internet e mecanismos em que as obras ficam disponíveis em papel e em online. Grande parte do movimento dos jornais está a migrar para leitores online,
por isso as obra têm que estar disponíveis em papel
e em formato online. Não faz sentido que se criem
obrigações em que, por a obra também estar disponível no site, ter de ser negociada uma nova forma
de remuneração, pois não se está a falar de uma exploração comercial adicional. Portugal assim não
tem nenhuma vantagem competitiva ao nível da internet, quando já temos um mercado mínimo.
Produzir conteúdos específicos para a internet é impensável em Portugal, pois não há dinheiro que sustente essa produção. Esta é uma lei do século passado, que se esquece das novas plataformas. Não vale a
pena sermos ultrapassados pela tecnologia.
[Entrevista Central]
Outras das medidas criticadas pela
CPMCS é a nova lei da Cinema…
R: A proposta de regulamentação da lei do cinema vem introduzir um alargamento de uma taxa,
que já é de 4 por cento sobre a totalidade da publicidade paga pelas televisões para financiar o
ICAM e a Cinemateca. Num país que está numa
crise económica, a publicidade é o primeiro sector a sentir a crise. A taxa do cinema surgiu quando surgiram as televisões para financiar e proteger o cinema porque, se dizia na altura, que com a
introdução das televisões privadas, as pessoas deixariam de ir ao cinema. Hoje em dia já se percebeu que é um hábito de consumo diferente e esse
argumento já está desajustado e essa taxa significa
qualquer coisa como 12 milhões de euros, da totalidade de receitas das televisões, destinados quase
exclusivamente a financiar o próprio ICAM. Esta
taxa já deixou há muito de o ser para ser um imposto que visa reduzir as contribuições do
Orçamento de Estado para o ICAM, indo buscar
esse dinheiro a outro local.
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Quais podem ser as consequências para
os media, em particular locais e regionais,
da alteração do código da publicidade?
R: Estamos a falar de duas coisas distintas. O
Instituto do Consumidor, há seis meses atrás, apresentou uma proposta de alteração do Código da
Publicidade. Felizmente não seguimos esse caminho
e surgiu agora um novo diploma do Código do
Consumidor, que toca ao de leve na questão do
Código da Publicidade, mas que não é uma alteração ao código. A proposta inicial trazia mais uma
nova taxa sobre as receitas geradas pelas agências de
publicidade. Depois, a par disso, o nosso Código da
Publicidade é dos mais restritivos a nível europeu.
Não tem havido a preocupação de transpor para a
legislação o que já está na directiva comunitária
“Televisão sem Fronteiras”. Concordo com as limitações relativas à publicidade destinada ao público
infantil, mas não é preciso haver exageros, pois este
é um dos mercados mais regulados em Portugal.
A outra questão das taxas tem a ver com a nova
ERC, que para além do alargamento de competências, perdeu a representatividade dos órgãos e das
entidades que vivem diariamente neste mercado,
passando a estar o Parlamento representado através de um acordo entre os maiores partidos.
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Governo, sobre as limitações de publicidade à RTP
e o serviço público nas privadas. Em relação às pessoas, até tenho esperança que daí advenha algum
bom senso para a ERC. Sou daqueles que acho que
a AACS não funcionava, de facto.
Não funcionando a AACS, fazia sentido a
criação desta ERC?
R: Sim, acho é que se excedeu nas competências
que lhe foram dadas e que privilegiou claramente
a regulação, em detrimento da auto-regulação,
quando Bruxelas diz que se deve incentivar a auto-regulação e a co-regulação. O outro problema
é o seu financiamento. Dadas as difiA CPMCS discorda
culdades financeiras e económicas
“Um dos problemas que
da forma como se
com que este Governo se depara,
processou a consti- Portugal e a Europa têm
achou por bem criar mais uma taxa
quando concorrem com
tuição da ERC?
para as empresas de comunicação somercados como o
R: Acho que se poderia norte-americano, são as
cial.
ter encontrado um siste- graves limitações ao nível dos Segundo a Constituição, uma taxa pama em que estivessem direitos de autor”
ga-se quando advém do seu pagamenpresentes as principais
to um benefício específico para a enforças deste mercado, e
tidade pagante, e isso não acontece quando se está
não apenas o poder político.
a pagar uma função genérica de regulação. Além
de que já pagamos uma taxa adicional que se chaE em relação às pessoas escolhidas…
ma Taxa por Emissão de Títulos Habilitadores,
R: Não são as pessoas que nos levantam dúvidas. que de Dezembro para Fevereiro aumentou 10
Até foi o professor Azeredo Lopes que liderou, da vezes, de 25 mil euros para 250 mil euros.
parte do Governo, o mais bem sucedido processo
de auto-regulação ou de co-regulação que tivemos A CPMCS não vê uma taxa aqui, mas sim
no tempo recente em Portugal, e que foi o acordo um imposto?
tripartido entre as televisões privadas, pública e R: Claramente isto trata-se de um imposto. O que
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a ERC visa é garantir que os órgãos de comunicação social respeitam o que está estabelecido na lei
de forma genérica. Estas funções genéricas são financiadas pelo OE.
século XXI, temos de começar a ter leis que pensem no dia de amanhã e que não visem resolver
problemas de ontem.
Em relação a todas estas propostas, a
CPMCS vislumbra pontos positivos?
Já tinham requerido uma fiscalização preR: Fomos dos primeiros a felicitar o Governo por
ventiva do diploma a Jorge Sampaio…
R: Já reafirmámos esse interesse junto do novo algumas das alterações que foram feitas na nova Lei
do Cinema. Também na
Presidente da República porque temos a
certeza que se trata de algo inconstitu- “Foram postos em discussão ERC, reconhecemos que
existe mérito num concional. Um imposto não pode ser criado um conjunto de diplomas
que
vieram
modificar
junto de esclarecimenpor despacho de um ministro, como suconsideravelmente
o
tos no mudar de uma sicedeu neste caso. A ERC é financiada petuação que não estava
los resultados da ANACOM, que é uma panorama da Comunicação
bem. O ministro disse
entidade que não deveria ter resultados, Social e perturbar o
funcionamento
normal
do
no outro dia que é natumas que os tendo, os transfere para a resector”
ral que os órgãos de coguladora, e maioritariamente por esta
municação social não
nova taxa. Depois, esta taxa foi criada segundo um conjunto de critérios perigosos para os gostem de ser regulados ou regulamentados, e que
grupos locais. Diz-se que são só 90 euros para os as suas posições são normais, mas não criticamos
grupos locais e 500 para os outros, mas esquecem- apenas por criticar.
-se que estes órgãos locais muitas vezes são delegaN. SILVA
ções de grupos de media, e que em alguns casos
concretos, esses pequenos grupos regionais podem
ficar a pagar mais que a própria Lusomundo. Onde
é que está a justiça nisto? Esquece-se também que
alguns desses grupos locais vivem da caturrice das
pesssoas, e que não têm receitas. Isto é mais um
custo adicional, quando devia ser obrigação do
Governo promover o desenvolvimento da cultura
local e regional, sobretudo no interior do país.
Para além das tomadas de posição públicas, e do pedido ao Presidente da
República, a confederação tentou alguma
aproximação à Assembleia da República
ou ao primeiro-ministro?
R: Ao longo deste ano respondemos a todos os diplomas que nos foram apresentados, muitas vezes
quando nos eram dados três ou quatro dias para
responder, e a todos eles apresentámos contra-propostas. Sempre mantivemos uma política de
total abertura, e reunimos várias vezes com o ministro. Ao nível do Parlamento fomos recebidos
por todos os grupos parlamentares. Temos procurado alertar que se queremos estar num país do
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Falando agora sobre a Lei da Rádio, e em
particular nas quotas de música nacional
introduzidas, o que acha do argumento de
que servirão para estimular o sector da
música nacional?
R: Esse é um argumento tendencioso e demagógico. A Lei da Rádio é das que mais precisa de ser alterada e já esteve para o ser por duas vezes, só que
o anterior Governo saiu. Depois do trabalho que já
havia sido feito a nível parlamentar, acabou por se
aprovar uma alteração apenas referente às quotas.
Toda a gente sabe que a lei necessitava de ser globalmente revista. Esta foi uma uma manipulação clara
do poder político sobre a opinião pública, por parte
de interesses menos objectivos. As rádios são quem
mais tem feito pela defesa da música nacional. É
preciso ter consciência que o mercado está cada vez
mais segmentado e que não se pode impor que os
portugueses passem a ouvir mais música portuguesa
nas rádios. Está-se a ser demagógico, pois esquecendo-se que as rádios enfrentam o grande desafio das
novas plataformas, em que o Ipod é o expoente máximo. Se realmente se queria proteger a música
portuguesa, por que razão é que a lei diz que, desde
que cantada por um português, seja em que língua
for, essa música conta como música portuguesa?
Está-se a proteger é o interesse das editoras portuguesas, que recebem via direitos conexos, um valor
relativo à utilização dos fonogramas, por cada vez
que uma determinada música vai para o ar. Os políticos e a opinião pública foram atrás desta demagogia esquecendo-se que a lei irá beneficiar principalmente editoras que até são multinacionais, e que os
músicos portugueses não vão retirar grandes vantagens disto. Se já vendem muitos discos melhor, mas
não vão passar a vender mais só por passarem mais
na rádio; quem beneficia realmente são as editoras.
Havia outras formas muito mais aceitáveis de se
contornar isso. Esta situação de quotas já provou
noutros mercados que é contraproducente, e que só
vai ditar a migração para outras plataformas.
De acordo com o plano de actividades, o
que espera a CPMCS fazer até ao resto
deste mandato?
R: O plano que tínhamos para este mandato de dois
N. SILVA
anos, que começou em Março do ano passado, foi
muito afectado por estas iniciativa ininterruptas do
Governo. Não conseguimos seguir uma agenda própria, limitámo-nos a seguir a agenda do Governo e
a reagir. Acho que parte do plano está a ser bem
cumprido, que é a credibilização da CMPCS, e torná-la cada vez mais um representante dos órgãos de
comunicação social junto do poder político, das instâncias oficiais nacionais e estrangeiras. Estamos
aqui para defender o futuro do sector, que não nos
podemos esquecer, emprega mais de 10 mil pessoas
e representa cerca de 1,8 por cento do PIB. Foi
também um ano em que houve uma mudança de
imagem, o lançamento do site, o início de uma
newsletter online regular, e estamos a organizar um
grande encontro de comunicação social. Planeamos
organizar um grande debate, com convidados internacionais, sobre o porquê do mercado português ser
diferente, e tentar perceber o que temos de fazer
para melhorar o mercado, aprendendo com as boas
práticas na Europa. Queremos iniciar uma fase mais
pró-activa e pensarmos nas alterações necessárias
para preparar o sector para o século XXI apresentando, por exemplo, uma proposta em termos de
auto-regulação, porque achamos que que o sector
existem tem condições para tal, não sendo necessárias mais taxas. Já temos custos que nos cheguem.
Como é possível conciliar os interesses de
tantos meios na CPMCS?
R: Não é fácil encontrar esse equilíbrio, mas as iniciativas do Governo têm sido de tal forma transversais
no desinteresse para o sector que tem tornado mais
fácil unir os meios numa causa comum.
“A ERC perdeu a representatividade dos órgãos e das entidades que vivem
diariamente neste mercado”
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