MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Promotoria de Justiça de Jaguapitã
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA
COMARCA DE JAGUAPITÃ/PR.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,
por seu Promotor de Justiça que ao final subscreve, embasado no Inquérito Civil
nº 0071.14.000009-3, e com fulcro nos artigos 6º, “caput”, 23, inciso V, 127, 129,
inciso III, 205, 206, 208 211, § 3º, e 227, todos da Constituição Federal; artigos 12,
inciso V, 165, 177, 178, inciso I, e 216, todos da Constituição do Estado do Paraná;
artigos 4º, 53 e 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente; além das
normas estabelecidas no microssistema de tutela jurisdicional coletiva, insculpido
na Lei nº 7.347/1985, agindo na tutela de interesse difuso e individual homogêneo
de crianças e adolescentes do Município de Jaguapitã/PR, vem perante Vossa
Excelência, propor a presente:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
(Educação)
em face do ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de
direito público interno, representada pelo senhor Procurador-Geral do Estado,
com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, 13º andar, CEP 80.060-100,
Centro, Curitiba/PR, pelos seguintes motivos fáticos e jurídicos:
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1. Fatos:
No Município de Jaguapitã/PR funciona uma única
escola estadual que oferece o ensino médio do 6º ao 9º ano, com distribuição de
turmas nos períodos matutino, vespertino e noturno, sendo ela a “Escola Estadual
Dr. Waldemiro Pedroso”.
No período noturno, até o ano letivo 2013, eram
ofertadas uma turma para os 6º, 7º, 8º e 9º anos no período noturno com a
finalidade de atender adolescentes e adultos com problemas de evasão escolar,
repetência por faltas e baixo rendimento na aprendizagem, que em geral
encontram-se em disparidade ano/idade.
Ocorre que segundo informações da Diretora da
mencionada escola recebida por este Membro do Ministério Público, através do
Ofício nº 31/2014, a Secretaria de Estado da Educação não autorizou a abertura da
turma do 6º ano para o período noturno no ano letivo de 2014.
A negativa veio acompanhada de fundamentação que
ofende o direito à educação de jovens e adultos. Num primeiro momento o Estado
argumentou que dos 11 (onze) alunos matriculados para esse ano/período, 09
(nove) são multi-repetentes e 02 (dois) não tem idade adequada.
A direção da escola, discordando, reiterou o pedido
argumentando ser a única instituição que oferece os anos finais do ensino médio
no município e que os alunos matriculados para o 6º ano trabalham e contam com
mais de 15 (quinze) anos. Contudo, o Estado mais uma vez ignorando o direito à
educação indeferiu o pedido de abertura do 6º ano noturno e argumentou que o 6º
ano de 2012 tiveram 19 (dezenove) alunos matriculados, dos quais apenas 03
(três) foram aprovados; e o 6º ano de 2013 tiveram 15 (quinze) alunos
matriculados, dos quais 05 (cinco) foram aprovados.
Foi informado que para o 6º ano, período noturno, ano
letivo 2014, tiveram 14 (catorze) matrículas, todos trabalham, alguns já são pais
mesmo na adolescência, e o perfil de idade e compleição física difere em muito dos
alunos matriculados para o 6º ano matutino e vespertino, que estão na idade
correta. Não seria prudente que alunos de 15 (quinze) anos de idade, ou mais
velhos, estudarem junto de crianças com idade média de 11 (onze) anos. Ademais,
o Estado do Paraná não oferece em Jaguapitã o EJA – Educação de Jovens e Adultos,
para garantir a continuidade do ensino aos matriculados no período noturno.
Da relação encaminhada verifica-se que houve 14
(catorze) alunos matriculados para o 6º ano/noturno, dos quais 10 (dez) são
adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 17 (dezessete) anos, e 04 (quatro) já
alcançaram a maioridade.
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Verifica-se, portanto, que o Estado do Paraná, através
da Secretaria de Estado da Educação, ao negar autorização de abertura do 6º
ano/noturno, ofendeu o direito universal à educação de adolescentes e adultos que
não estão em idade escolar adequada para frequentar a escola nos períodos
matutino e vespertino, ao argumento de que se tratam de repetentes e desistentes
de anos anteriores.
Nesses termos fica evidenciado o absurdo da decisão
administrativa ora combatida, porque aniquila qualquer possibilidade de
escolarização desses adolescentes e adultos que durante o dia, por questões sociais
e familiares, precisam trabalhar.
Dessa forma, visando assegurar a urgente oferta do
ensino fundamental gratuito no Município de Jaguapitã/PR é que se maneja a
presente ação civil pública.
2. Fundamentos:
2.1. Educação: direito fundamental:
A educação é um direito fundamental do homem
insculpido pelo artigo 6º da Constituição Federal dentre aqueles direitos humanos
de segunda geração que impõe um facere do Estado, que, por sua vez, por ordem
constitucional, tem o dever de concretizar, dentre outros, a educação.
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
É certo que o direito à educação constitui prerrogativa
deferida a todos pela Carta Constitucional, consubstanciando-se em um dos
direitos sociais de maior expressão, cuja concretização é imposta, primordialmente
ao Poder Público, o qual é responsável pela criação de condições objetivas ao
efetivo acesso ao sistema educacional.
Prevê a Constituição Federal:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Idêntica é a Constituição do Estado do Paraná:
Art. 177. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
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É preciso assinalar, nesse ponto, por relevante, que o
direito à educação – que representa prerrogativa constitucional deferida a todos –
qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção
e categoria dos direitos de segunda geração ou dimensão, cujo adimplemento
impõe, ao Poder Público, a satisfação de um dever de prestação positiva, pois o
Estado dele só se desincumbirá criando condições objetivas que propiciem, aos
titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional.
Nesses termos, a educação está inserida no conceito de
universalidade dos direitos fundamentais, fulcrada no princípio da dignidade
da pessoa humana. Se a Carta Polícia de 1988 reconheceu-a como direito de todos
e obrigação do Estado, não há como afastar a obrigatoriedade do Estado em
oferecer educação segundo as necessidades de cada educando.
Para CELSO LAFER,1 o direito à educação – que se mostra
redutível à noção dos direitos de segunda geração – exprime, de um lado, no plano
do sistema jurídico-normativo, a exigência de solidariedade social, e pressupõe, de
outro, a asserção de que a dignidade humana, enquanto valor impregnado de
centralidade em nosso ordenamento político, só se afirmará com a expansão das
liberdades públicas, quaisquer que sejam as dimensões em que estas projetem:
“É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração,
previstos pelo ‘welfare state’, são direitos de crédito do indivíduo em relação à
coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação –
têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e
governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los.
O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira
geração, o homem na sua individualidade. Daí a complementaridade, na
perspectiva ‘ex parte populi’, entre os direitos de primeira e de segunda
geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno
exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao
pleno uso das capacidades humanas. Por isso, os direitos de crédito,
denominados direitos econômico-sociais e culturais, podem ser encarados como
direitos que tornam reais direitos formais: procuraram garantir a todos o
acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta
maneira, a invasão do todo em relação ao indivíduo, que também resulta da
escassez dos meios de vida e de trabalho.”
Nesses termos, a Constituição Federal optou pelo
ensino público, pois incumbe ao Poder Público prestar esse serviço público
essencial mediante a organização dos sistemas de ensino, inclusive com previsão
infraconstitucional expressa de ser direito da criança e do adolescente, bem como
dos adultos que não tiveram acesso ao tempo apropriado, o acesso à educação
(artigos 4º e 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente; artigos 2º e 37 da Lei nº
9.394/1996).
1
LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt.
1ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, pág. 127-131.
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Incumbe ao Poder Público tornar real o direito à
educação, mediante concreta efetivação da promessa constitucional que garante de
acesso irrestrito de todos aos bancos escolares.
Cabe referir, nesse ponto, a observação de PINTO
FERREIRA,2 quando adverte – considerada a ilusão que o caráter meramente
retórico das proclamações constitucionais muitas vezes pode sugerir – sobre a
necessidade de se conferir efetiva concretização a esse direito essencial, cuja
eficácia não pode ser comprometida pela inação do Poder Público:
“O direito à educação necessita ter eficácia. Sendo considerado como um
direito público subjetivo do particular, ele consiste na faculdade que tem o
particular de exigir do Estado o cumprimento de determinadas prestações.
Para que fosse cumprido o direito à educação, seria necessário que ele fosse
dotado de eficácia e acionabilidade...”
Nesses termos, pode-se afirmar que a educação, em
seu caráter de universalidade, somente pode ser um direito de todos se há
escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas.
Portanto, se há direito público subjetivo à
educação, o Estado não pode menosprezá-lo; tem a obrigação de entregar a
prestação educacional, sob pena de grave e injusta frustração de um
compromisso constitucional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de
Constituição ou de leis.
Resolver o problema da educação não é fazer leis,
ainda excelentes; é abrir escolas, ter professores e admitir todos os alunos,
seja em qual período for: matutino, vespertino ou noturno, sob pena de grave
violação à Constituição Federal.
2.2. Educação: ensino noturno:
Enquanto a Constituição Federal manter o princípio da
igualdade entre os brasileiros e estrangeiros residentes no país, inclusive com
previsão específica de igualdade no acesso e permanência na escola, não poderá o
Estado do Paraná reduzir o alcance do texto:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
O que aqui se prevê, a exemplo do artigo 5º, “caput”, da
Constituição Federal, é a igualdade material, isto é, aquela que trata as pessoas em
condições díspares de forma desigual aos demais, no intuito de garantir-lhe o
2
FERREIRA, Pinto. Educação e Constituinte. Revista de informação legislativa, v.23, nº 92, p. 171-194,
out./dez.
de
1986,
pág.
171-173
[disponível
em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181734/000427044.pdf?sequence=3]
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efetivo acesso às políticas públicas envoltas ao direito à educação e à escola pública
segundo suas condições peculiares.
Salienta ALEXANDRE DE MORAES3 que “o que se veda são as
diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual
dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do
próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades,
somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento
discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem
que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as
chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições
sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela
aplicação de políticas ou programas de ação estatal”.
De nada adianta o Estado oferecer o 6º ano do ensino
fundamental durante o dia enquanto parcela dos alunos, por conta de suas
necessidades especiais – seja pela idade, seja pelo trabalho –, apenas podem
estudar a noite.
Negar acesso à educação implica em negar tratamento
isonômico àqueles que não têm possibilidade de estudar durante o dia.
Ademais, a educação, enquanto condição para a
formação do homem constitui tarefa fundamental do Estado. É um de seus deveres
primordiais. Por isso, o Poder Público deve organizar os sistemas de ensino de
modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais
que garantam, no mínimo:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a
ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de
idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio
de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
Na hipótese, o ensino fundamental gratuito no 6º ano
foi assegurado pelo Estado através da abertura de turma no período diurno, no ano
de 2014; contudo, nos anos anteriores a efetivação desse direito também era
3
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002, pág. 64.
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assegurada no período noturno, inclusive para os alunos atualmente matriculados,
estigmatizados pela Secretaria de Estado da Educação de multi-repetentes e que
estudam o 6º ano no ano letivo de 2013 no período noturno.
Logo a ausência de oferta de turma do 6º ano noturno
caracteriza ofensa direta ao texto constitucional, seja em relação aos alunos
repetentes, seja em relação aos eventuais alunos transferidos de turno na própria
escola ou transferidos de estabelecimento de ensino durante o transcorrer do ano.
Se a Carta Maior impõe a obrigatoriedade da educação
básica, o faz sob duplo aspecto: primeiro, dirigido ao cidadão maior, aos pais e
responsáveis das crianças e adolescente, que tem a obrigação de concluir o ensino
fundamental; segundo, dirigido ao Estado que é obrigado assegurar as crianças e
adolescentes dos 04 aos 17 anos de idade e para todos aqueles que a ela não
tiveram acesso na idade própria, inclusive com oferta de ensino noturno regular e
adequado às condições dos educandos, que não possuem condições de frequentar
a escola durante o dia.
A Constituição Estadual também contém norma
semelhante, em que se verifica nitidamente a intensão do constituinte: assegurar a
oferta de ensino público noturno, adequando às condições do aluno, com a mesma
qualidade do ensino ministrado no período diurno.
Art. 179. O dever do Poder Público, dentro das atribuições que lhe forem
conferidas, será cumprido mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele
não tenham tido acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - ensino público noturno, fundamental e médio, adequado às
necessidades do educando, assegurado o mesmo padrão de qualidade do
ensino público diurno;
IV - atendimento educacional especializado gratuito aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - organização do sistema estadual de ensino;
VII - assistência técnica e financeira aos Municípios para o desenvolvimento do
ensino fundamental, pré-escolar e de educação especial;
VIII - Atendimento ao educando, no ensino pré-escolar, fundamental, médio e de
educação especial, através de programas suplementares de material
didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
IX - atendimento em creche e pré-escola às crianças de até seis anos de idade;
X - ampliação e manutenção da rede de estabelecimentos públicos de ensino
fundamental e médio, independentemente da existência de escola mantida por
entidade privada.
Conclui-se, portanto, que o Estado do Paraná, ao negar
a abertura do 6º ano do ensino fundamental no período noturno, apesar de
existirem 14 (catorze) matrículas realizadas, violou norma constitucional, pois se
absteve de cumprir com o dever de prestação que lhe é imposto pela Constituição.
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Tratando-se de típico direito de prestação positiva, a
educação tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não
permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público,
especialmente o Estado-Membro (artigo 211, § 3º, da Constituição Federal),
disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de
liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar com base em simples
alegação de conveniência e oportunidade, a nulificação do ensino fundamental
noturno, mesmo que parcialmente.
O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em
tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de
desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um
incompensável sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo
alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar
uma constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de
apenas executá-la com o propósito de torna-la aplicável somente nos pontos que se
mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos
interesses maiores dos cidadãos.
Violou ainda o artigo 4º da Lei das Diretrizes e Bases
da Educação (Lei nº 9.394/1996), que também prevê a obrigatoriedade do ensino
fundamental para crianças e adolescentes e àqueles que não tiveram acesso na
idade adequada (incisos I e IV), inclusive com oferta de ensino noturno regular à
jovens e adultos, adequado às condições do educando, segundo suas necessidades
e disponibilidades, garantindo inclusive aos trabalhadores o acesso e permanência
à escola (incisos VI e VII).
Não se duvide que a mais inquestionável forma de
abuso do Poder Público é negativa de oferta regular de ensino obrigatório nos
moldes que já vinham sendo disponibilizados, com sumária cassação do direito
subjetivo dos alunos fulcrada em argumentos inaceitáveis.
A educação é obrigatória para o Estado como
serviço público que deve ser posto em quantidade e qualidade necessárias
para atendimento universal da população em condições de igualdade de
conteúdo e aproveitamento.
Por isso, não se trata de faculdade do Estado oferecer
o ensino fundamental, inclusive noturno e adequado às necessidades do aluno. É
uma obrigação imposta pela Constituição (artigo 208, inciso I, da Constituição
Federal; artigo 179, inciso I, da Constituição Estadual) e elevada ao grau de direito
fundamental da pessoa (artigo 6º da Constituição Federal).
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CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ABERTURA DE
TURMAS DO 3º ANO DO ENSINO MÉDIO, NO PERÍODO DIURNO. PRELIMINARES.
ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSENTE, NAS RAZÕES DO RECURSO, QUALQUER
ARGUMENTAÇÃO SOBRE A QUESTÃO. NÃO CONHECIMENTO. INTERESSE DE
AGIR. PRESENÇA. DESNECESSIDADE DE EXAUSTÃO DA VIA ADMINISTRATIVA.
PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO (ART. 5º, XXXV, DA
CF). VIA PROCESSUAL ADEQUADA. DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO, DE
NATUREZA DIFUSA. ART. 1º, IV, DA LEI N. 7347/85. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. NÃO CABIMENTO. HIPÓTESE EM QUE
SE DISCUTE DIREITO FUNDAMENTAL, DE APLICABILIDADE IMEDIATA (ART. 5º,
§1º, DA CF). INTERESSE DE AGIR QUE CONTINUA HÍGIDO QUANTO Á
NECESSIDADE FUTURA DE OFERTA DE NOVAS VAGAS. SENTENÇA ULTRA
PETITA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO
INICIAL (3º ANO DO ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DIURNO). DIREITO À
EDUCAÇÃO. ART. 205, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRERROGATIVA
DEFERIDA A TODOS. DEVER DO ESTADO. INTERPRETAÇÃO CORRETA DO
ART. 208, II, DA CF. UNIVERSALIZAÇÃO PROGRESSIVA DO ENSINO MÉDIO
GRATUITO. TURMA ABERTA NO ANO DE 2002. OFENSA À NORMA
CONSTITUCIONAL CASO AUSENTE A OFERTA NOS ANOS SUBSEQUENTES.
OFERTA DE ENSINO NO PERÍODO DIURNO. OBRIGATORIEDADE. OMISSÃO DO
ESTADO DO PARANÁ EM CUMPRIR DEVER DE PRESTAÇÃO IMPOSTO PELA
CARTA MAGNA. ILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER
JUDICIÁRIO. NÃO OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.
DIREITO FUNDAMENTAL (ART. 6º, CAPUT, DA CF). LIMITE À MARGEM DE
DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. PRINCÍPIO DA RESERVA
DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS
FINANCEIROS. INAPLICABILIDADE. DEMANDA. PROCURA PELO 3º ANO DO
ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DIURNO, AINDA QUE POR UM ALUNO APENAS.
RESOLUÇÃO N. 864/2001 DA SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. NORMA
EDITADA COM O OBJETIVO DE OTIMIZAR O ENSINO PÚBLICO ESTADUAL.
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO PARA OBSTAR A OFERTA DE ENSINO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. VALOR DESTINADO AO FUNDO
ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, CRIADO COM A FINALIDADE DE ABSORVER
TAIS VERBAS (ART. 3º, XV, DA LEI ESTADUAL N. 12.241/98). FONTE E
FINALIDADE DIVERSAS DO ORÇAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFUSÃO
ENTRE CREDOR E DEVEDOR. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO, MANTIDA A
SENTENÇA QUANTO AOS DEMAIS PONTOS, INCLUSIVE EM REEXAME
NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR - 468521-2 - Paraíso do Norte - Rel.:
Josély Dittrich Ribas - Unânime - - J. 25.11.2008).
MANDADO DE SEGURANÇA. TERMO DE CONVÊNIO CELEBRADO ENTRE O
ESTADO DO PARANÁ E MUNICÍPIO. REPASSE DE VERBAS PARA PRESTAÇÃO,
PELO MUNICÍPIO, DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE ESCOLAR DOS
ALUNOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL RESIDENTES NA ÁREA RURAL.
CERTIDÃO NEGATIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS. EXIGÊNCIA. ILEGALIDADE.
SEGURANÇA CONCEDIDA. "O acesso à educação, no ensino fundamental, foi
alçada pelo legislador constituinte à condição de serviço público essencial e
direito público subjetivo, sendo que os Estados e os Municípios tem a
obrigação de definir formas de colaboração de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório. Por disposição legal, o transporte dos
alunos da rede pública estadual de ensino, compete aos Estados. Assim, se o
Termo de Convênio visa única e exclusivamente o repasse ao Município, pelo
Estado do Paraná, de recursos financeiros com vistas a fornecer meios daquele
realizar serviço público que cabe a este, tal verba tem natureza de transferência
voluntária, afigurando-se ilegal condicionar tal repasse à apresentação de
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certidão negativa do Tribunal de Contas. Se assim não fosse estar-se-ia
prejudicando somente aos alunos da rede pública de ensino estadual, em
detrimento a tudo o que a Constituição Federal dispõe acerca do universal acesso
à educação. Segurança concedida. (TJPR - Mandado de Segurança nº nº 164.2310, Rel. Des. Bonejos Demchuk)." (TJPR - 6ª C.Cível em Composição Integral - MS 312476-1 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Rel.: Prestes Mattar - Unânime - - J. 31.01.2006).
Em resumo: basta o Estado cumprir com as
determinações constitucionais.
2.3. Princípio da Proibição do Retrocesso:
Há que se considerar, ainda, que em se tratando de
direito social fundamental, uma vez implementado não se admite retrocesso.
Incide aqui o princípio da proibição do retrocesso, que
na definição do mestre de Coimbra, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, implica em
afirmar que “o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado
através de medidas legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente
garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estatais que, sem a
criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na
prática, numa anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo
essencial”.4
A cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social
traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa
pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à educação
e à saúde, p.ex.), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização
dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou
suprimidos pelo Estado, exceto nas hipóteses – de todo inocorrente na
espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas
pelas instâncias governamentais.
DE MELO
Nos termos postos no voto do eminente Ministro CELSO
(STF, Ag.Rg. no RE nº 639.377), ao comentar a proibição do retrocesso:
“Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em
obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema
escolar, sistema de segurança social, etc.). enquanto elas não forem criadas, a
Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem
sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já
existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado
em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou
serviços não obrigam apenas cria-los, obrigam-no também a não aboli-los
uma vez criados.
4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra:
Almedina, 2003, pág. 339-340.
10
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Quer isso dizer que, a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou
parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um
direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de
consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar
também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a
atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se
de atentar contra a realização dada ao direito social”.
Dessa forma, não se pode retroceder e excluir uma
estrutura existe – oferta de vagas do ensino fundamental no período noturno
quando existem estudantes interessados e matriculados – quando a efetivação dos
direitos fundamentais caminham no sentido da dilatação e do avanço da educação
no, que deverá alcançar a todos, sem qualquer distinção.
A inoperância funcional dos gestores públicos, a falta
de visão e compreensão do valor educação, na concretização das imposições
constitucionais estabelecidas em favor das pessoas não podem nem devem
representar obstáculos à execução da norma insculpida no artigo 208, inciso VI, da
Constituição Federal (artigo 179, inciso III, da Constituição Estadual), que traduz e
impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena desse desastroso ato
governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da
cidadania, que é o direito à educação, cuja amplitude conceitual abrange também o
fornecimento dos nove anos do ensino fundamental também no período noturno.
A única possibilidade de se extirpar o ensino
fundamental noturno nos moldes em que vinha sendo prestado até o ano de 2013,
mesmo que seja apenas o 6º ano, é a implementação de políticas públicas
compensatórias, isto é, a criação e efetivo funcionamento do EJA para os anos finais
do ensino fundamental (6º ao 9º ano) no período noturno, pois em Jaguapitã o EJA
agasalha apenas as séries iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), sendo a
escola Dr. Waldemiro Pedroso a única instituição pública de ensino de Jaguapitã
que oferta as séries finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano).
Sem essa estrutura a ausência de oferta do ensino
noturno pelo Estado do Paraná implica em ofensa direita ao artigo 208 da
Constituição Federal e artigo 179 da Constituição Estadual, além de implicar no
odioso retrocesso dos direitos fundamentais.
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À
FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS
PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema
de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as
conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele
vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações
positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o
direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses
direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de
concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser
ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em
11
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consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos
prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se
obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los,
abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos
sociais já concretizados. (STF, ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011
PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).
No caso vertente, a única forma possível de garantir
com efetividade o direito à educação é a imposição ao Estado do Paraná o dever
constitucional de assegurar a abertura e funcionamento do 6º ano do ensino
fundamental no período noturno na Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de
Jaguapitã/PR, para atender a população, jovens e adultos, excluídos do acesso ao
Ensino Fundamental.
Nesses termos não há dúvidas que o ato do Poder
Público é abusivo e inconstitucional. Via de consequência não poderá gerar efeitos
e cabe ao Poder Judiciário garantir o acesso à educação dos alunos matriculados.
2.4. Separação de Poderes: ausência de violação:
O Estado do Paraná ao não abrir o 6º ano do ensino
fundamental no período noturno, apesar de existirem matrículas, violou norma
constitucional, pois se absteve de cumprir um dever de prestação que lhe é
imposto pela Carta Magna.
Por conseguinte, face à inércia do aparelho estatal, é
possível incumbir ao Poder Judiciário, mesmo que excepcionalmente, a tarefa de
zelar pela aplicabilidade dos postulados inscritos na Constituição Federal,
mediante a adoção de medidas que viabilizem a concreção destas prerrogativas,
sem que isso importe em violação ao princípio da separação dos poderes.
Ressalte-se que o caráter de fundamentalidade do qual
se reveste o direito ora em apreço limita a margem de discricionariedade do
administrador, o qual deve se vincular às políticas públicas estabelecidas na Carta
da República. Isso porque o administrador não tem discricionariedade para
deliberar sobre a oportunidade e conveniência da implementação de políticas
públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado
pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
Encontra-se pacificado no STF o entendimento de que
o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a
Administração
Pública
adote
medidas
assecuratórias
de
direitos
constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da educação,
sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, uma vez
que não se trata de ingerência ilegítima de um Poder na esfera do outro.
12
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Essa excepcionalidade decorre de a formulação e
implementação de políticas públicas relativas aos direitos sociais residir,
primariamente, na esfera de atribuição dos Poderes Legislativo e Executivo;
contudo, em caso de indevida omissão em implementa-las ou abuso ao extingui-las,
compete ao Poder Judiciário exercer o devido controle dentro do sistema do
“checks and balances” (sistema de freios e contrapesos no qual o poder controla o
poder), para que se dê efetiva eficácia ao texto constitucional.
Não há dúvidas que compete ao Poder Judiciário fazer
prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e
desrespeitada pelos Poderes Públicos, tudo visando restaurar a Constituição
violada por ato abusivo do Estado. E assim o atuando nada mais faz senão em
cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito
incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.
A ofensa direta ao texto constitucional pelo Estado do
Paraná não pode ser aceita e reduzida a uma posição de pura e simples passividade
do Ministério Público e do Poder Judiciário.
DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE
CONSTITUCIONAL:
HIPÓTESE
LEGITIMADORA
DE
INTERVENÇÃO
JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou
parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no
próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento
negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no
âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência
constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g. - A
inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz
inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura,
por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela
mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a
vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la
com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se
mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em
detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder
Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais
previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da
educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos
lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais
traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria
Constituição da República assegura à generalidade das pessoas.
Precedentes. (STF, ARE 639.337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC
15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA
ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER
DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E 211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos
indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu
exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da
13
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Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à
Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação
infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe,
em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da
Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo
governamental [...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revelase possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases
excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas
pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos
estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento
dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter
mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de
direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes.
Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 594.018 AgR,
Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-11 PP-02360
RTJ VOL-00211- PP-00564 RMP n. 43, 2012, p. 217-225).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
CONSTITUCIONAL.
PODER
JUDICIÁRIO.
DETERMINAÇÃO
PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. MELHORIA DA QUALIDADE DO
ENSINO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O Poder Judiciário, em
situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote
medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como
essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de
poderes. 2. Agravo regimental não provido. (STF, ARE 635.679 AgR,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 03-02-2012 PUBLIC 06-02-2012).
CONSTITUCIONAL. ATENDIMENTO EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA. I. - Sendo a
educação um direito fundamental assegurado em várias normas
constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração
pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário. II. - Agravo não provido.
(STF, RE 463.210 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma,
julgado em 06/12/2005, DJ 03-02-2006 PP-00079 EMENT VOL-02219-11 PP02181 RT v. 95, n. 849, 2006, p. 199-202 RMP n. 31, 2009, p. 187-191).
Dessa forma, o objeto da demanda além de não ofender
a Tripartição dos Poderes busca que o Judiciário cumpra estritamente com sua
parcela de atribuição deferida pela Constituição da República.
2.5. Obrigação de Fazer:
Dos fundamentos alinhavados decorre a conclusão
lógica de que os danos difusos e individuais homogêneos praticados pelo Estado
somente serão superados mediante a imposição de uma obrigação de fazer,
consistente na emissão de autorização/ordem estatal à Escola Estadual Dr.
Valdemiro Pedroso de Jaguapitã/PR para que abra uma turma do 6º ano do ensino
fundamental no período noturno.
14
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Trata-se de obrigação positiva visando dar
cumprimento dos comandos constitucionais violados, que encontra amparo no
artigo 287 do Código de Processo Civil, inclusive para as ações coletivas nos
termos do artigo 3º da Lei nº 7.347/1985, que remetem à tutela específica das
obrigações de fazer e/ou de não fazer estabelecidas no artigo 11 da Lei nº
7.347/1985 e artigo 461 do Código de Processo Civil:
Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade
devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de
cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,
independentemente de requerimento do autor.
Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de
algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá
requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da
sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4o, e 461-A).
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
Nos termos ressaltados por LUIZ GUILHERME MARINONI5
“os arts. 461 do CPC e 84 do CDC devem ser compreendidos como normas que
permitem ao juiz (i) impor um não-fazer ou um fazer, sob pena de multa, e (ii)
determinar uma modalidade executiva capaz de dar ao autor um resultado
equivalente àquele que poderia ser obtido com a imposição e o adimplemento
do fazer ou do não-fazer”.
Trata-se da tutela específica para as obrigações de
fazer e não fazer, também chamada de tutela inibitória da qual se busca, mediante
ordem judicial com imposição de multa pecuniária, influir na vontade do Estado
para que autorize o funcionamento do 6º ano noturno, inclusive assegurando o
resultado prático equivalente em caso de inadimplemento, em preferência à tutela
geral que garantiria aos lesados o equivalente em dinheiro.
A importância da tutela inibitória positiva no campo
dos direitos coletivos lato sensu também não passou despercebida por LUIZ
GUILHERME MARINONI6 que destacou “em se tratando de direitos difusos e coletivos, a
situação ilícita configura-se, em regra, como atividade de natureza continuada ou
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2001,
pág. 71.
6 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2001,
pág. 82-83.
15
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como pluralidade de atos suscetíveis de repetição, bastando pensar na poluição
ambiental ou no uso reiterado de cláusulas abusivas em contratos pactuados com os
consumidores. Ora, a tutela inibitória, instrumentalizando-se através de uma ordem
que impõe um não-fazer ou um fazer sob pena de multa, volta-se exatamente a evitar
a prática, a continuação ou a repetição do ilícito”.
Dessa forma, ao tempo que se demonstra a ilicitude do
ato administrativo nos moldes pelos quais foi editado, necessário se faz impor
obrigação de fazer, consistente em determinar a reabertura do 6º ano do ensino
fundamental, período noturno, na Escola Estadual Dr. Valdemiro Pedroso de
Jaguapitã/PR para o ano letivo de 2014, cominando-se multa por dia de
descumprimento, sem prejuízo da adoção de medidas que assegurem o resultado
prático equivalente.
Cabe observar a viabilidade de imposição de multa
diária contra o Estado do Paraná em demanda coletivas, pois objetiva compeli-lo a
cumprir, de modo efetivo e integral, o comando emergente da tutela antecipadas e
de sentença confirmatória.
Vale salientar que inexiste qualquer obstáculo jurídicoprocessual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória
prevista no § 4º do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor e do § 5º do
artigo 461 do Código de Processo Civil:
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a
obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e
apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de
atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
Precedentes do STF existem nesse sentido:
LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS
“ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra
entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art.
461 do CPC. A “astreinte” - que se reveste de função coercitiva - tem por
finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se
cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato
sentencial. Doutrina. Jurisprudência. (STF, ARE 639.337 AgR, Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG
14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).
TUTELA ANTECIPATÓRIA - POSSIBILIDADE, EM REGRA, DE SUA
OUTORGA CONTRA O PODER PÚBLICO, RESSALVADAS AS LIMITAÇÕES
PREVISTAS NO ART. 1º DA LEI Nº 9.494/97 - VEROSSIMILHANÇA DA
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PRETENSÃO DE DIREITO MATERIAL - OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO
CONFIGURADORA DO "PERICULUM IN MORA" - ATENDIMENTO, NA
ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS (CPC, ART. 273, INCISOS I E II) CONSEQÜENTE DEFERIMENTO, NO CASO, DA ANTECIPAÇÃO DOS
EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA
UTILIZAÇÃO DAS "ASTREINTES" CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA
- JURISPRUDÊNCIA - DECISÃO REFERENDADA EM MAIOR EXTENSÃO TUTELA ANTECIPATÓRIA INTEGRALMENTE DEFERIDA. POSSIBILIDADE
JURÍDICO-PROCESSUAL DE OUTORGA, CONTRA O PODER PÚBLICO, DE
TUTELA ANTECIPATÓRIA. - O ordenamento positivo brasileiro não
impede, em regra, a outorga de antecipação dos efeitos da tutela
jurisdicional contra o Poder Público, uma vez atendidos os
pressupostos legais fixados no art. 273, I e II do CPC, na redação
dada pela Lei nº 8.952/94, ressalvadas, no entanto, as situações de préexclusão referidas, taxativamente, no art. 1º da Lei nº 9.494/97, cuja
validade constitucional foi integralmente confirmada, pelo Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADC 4/DF, Rel. p/ o acórdão Min.
CELSO DE MELLO. Existência, no caso, de decisão do Supremo Tribunal
Federal que reconheceu, em favor do menor impúbere, o direito em seu
nome vindicado. Ocorrência, ainda, de situação configuradora de
"periculum in mora" (preservação das necessidades vitais básicas do
menor em referência). LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO
PODER PÚBLICO, DAS "ASTREINTES". - Inexiste obstáculo jurídicoprocessual à utilização, contra entidades de direito público, da multa
cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A "astreinte" - que se
reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir,
legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a
cumprir o preceito. Doutrina. Jurisprudência. (STF, RE 495.740 TAR,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em
02/06/2009, DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT
VOL-02369-07 PP-01452 RTJ VOL-00214- PP-00526 RT v. 98, n. 889,
2009, p. 186-193 RSJADV out., 2009, p. 56-59).
Portanto, compete ao Judiciário impor obrigações ao
Estado de abrir a turma sumaria e abusivamente fechada, inclusive com a
imposição de multa diária por atraso no cumprimento da obrigação
constitucionalmente imposta pelo artigo 208 da Carta Política.
2.6. Antecipação de Tutela:
Analisando os elementos perfunctórios trazidos aos
autos, em sede de cognição vertical sumária, constata-se a presença da “prova
inequívoca da verossimilhança da alegação”, pois demonstrado que o Estado faz
cessar o funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno na Escola
Estadual Dr. Valdemiro Pedroso de Jaguapitã/PR sem qualquer fundamento
idôneo.
Presente também o “perigo de dano irreparável ou de
difícil reparação” relativo aos danos decorrente da ausência de acesso à de
escolarização dos jovens e adultos matriculados poderão provocar, ainda mais se
17
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considerado que o ano letivo de 2014 já iniciou em 10/02/2014, não sendo
exigível que os alunos matriculados fiquem sem estudar enquanto esperam pelo
provimento final do processo com amparo na cognição exauriente.
Sobre os requisitos da tutela antecipada, MARCUS
VINICIUS RIOS GONÇALVES7 esclarece quanto a existência de prova inequívoca da
verossimilhança que “a lei estabelece que o juiz faça um exame não da certeza do
direito, mas da plausibilidade de sua existência, trazida pelos elementos que constam
dos autos. A prova inequívoca não é do direito, pois, se tal já existisse, o caso seria de
julgamento antecipado da lide. Esse requisito assemelha-se ao fumus boni iuris,
necessário para a concessão das tutelas cautelares, em que também a cognição do
juiz é feita com base em mera probabilidade. Costuma-se distinguir a exigência de
verossimilhança das tutelas antecipadas do fumus boni iuris das cautelares
argumentando que, no exame do primeiro, o juiz deve ser mais rigoroso. A
plausibilidade haveria de ser maior para a concessão da tutela antecipada do que
para a cautelar. No entanto, fica muito difícil estabelecer uma linha divisória entre os
dois níveis de plausibilidade. Ou o que se alega é verossímil e suficiente para a
concessão de uma tutela de urgência, ou não. Essa linha de distinção torna-se ainda
mais tênue diante da adoção da fungibilidade entre as tutelas de urgência”. Quanto
ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ensina que se trata de
“um perigo de prejuízo irreparável. O requerente encontra-se em uma situação tal
que não pode aguardar o desfecho do processo, sob pena de sofrer graves
consequências. A concessão da medida serve para que seja evitado um dano, ou que
ele persista, ou se agrave. Dano irreparável é aquele que não pode ser revertido,
tendo ou não conteúdo patrimonial”.
Diante das presenças dos requisitos da tutela urgente,
devidamente respaldados no arcabouço probatório até então reunidos no
inquérito civil, como consequência necessária, a antecipação de tutela merece ser
deferida liminarmente, nos termos permitidos pelo microssistema das ações
coletivas formado basicamente pela Lei nº 7.347/1985 e pelo Código de Defesa do
Consumidor, o que vem repetido pelo Código de Processo Civil:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou após justificação prévia, citado o réu.
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: teoria geral e processo de
conhecimento (1ª parte). Volume 1. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 295.
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Promotoria de Justiça de Jaguapitã
prático equivalente ao do adimplemento.
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser
revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
Portanto, é clara a necessidade de se conceder o pedido
liminar por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade de tal medida:
prova inequívoca da verossimilhança e receio de dano irreparável. Inequívoco o
interesse difuso consistente em assegurar eventuais interessados em transferência
de turno na escola ou transferência de outro município, bem como interesse
individual homogêneo dos alunos já matriculados.
A desnecessidade de justificação prévia, no caso de
concessão de liminar, no presente caso, se impõe e prevalece, uma vez que a parte
requerida está agindo contra o interesse público e social, posto que se almeja o
acautelamento e a salvaguarda do direito fundamental à educação, e a demora na
concessão da medida liminar pode levar ao perecimento do direito – os alunos
poderão ficar sem estudar no ano letivo de 2014 –, estando a concessão de liminar
“inaudita altera parte” autorizada pelo artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do
Consumidor e artigo 461, § 3º, do Código de Processo Civil.
Portanto, presentes motivos suficientes para se deferir
liminarmente “inaudita altera parte” a determinação de abertura do 6º ano
do ensino fundamental noturno e cominada obrigação de fazer consistente
na emissão, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, de autorização de
funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno da Escola Estadual
Dr. Waldemiro Pedroso de Jaguapitã/PR.
Sobre a possibilidade de impor obrigação de fazer ou
não fazem em sede de medida cautelar, inclusive liminarmente e previsão de multa
diária ou cominatória, prevê o artigo 11 da Lei nº 7.347/1985:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade
devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de
cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,
independentemente de requerimento do autor.
Dessa forma, para a garantia do cumprimento da
obrigação de fazer (autorizar o funcionamento), entende o Ministério Público pela
necessidade de impor multa em valor razoável, sugerindo-se em R$ 10.000,00 (dez
mil reais) por dia de atraso.
Diante do exposto e pelo mais que dos autos de
inquérito consta, a liminar é medida necessária e que se impõe.
19
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Promotoria de Justiça de Jaguapitã
3. Pedidos:
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu Promotor de Justiça, diante dos
fundamentos trazidos à demanda, requer:
a) Seja a presente inicial recebida e autuada como Ação
Civil Pública, prosseguindo-se nos termos postos pela Lei nº 7.347/1985;
b) Seja concedida liminarmente a determinação de
abertura do 6º ano do ensino fundamental noturno, impondo ao requerido
ESTADO DO PARANÁ a obrigação de fazer consistente na emissão, no prazo de
24 (vinte e quatro) horas de autorização, de funcionamento do 6º ano do
ensino fundamental noturno da Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de
Jaguapitã/PR para o ano letivo de 2014 e para os subsequentes quando
existam matrículas, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de
atraso, em caso de descumprimento da ordem judicial, que deverá ser destinado ao
Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985;
c) Seja o réu ESTADO DO PARANÁ citado para, caso
queira, apresentar respostas, sob pena de revelia e aceite dos fatos afirmados pelo
Ministério Público como verdadeiros;
d) Sejam julgados procedentes os pedidos para
DETERMINAR a abertura do 6º ano do ensino fundamental noturno, IMPOR
OBRIGAÇÃO DE FAZER ao ESTADO DO PARANÁ consistente na emissão de
autorização de funcionamento do 6º ano do ensino fundamental noturno da
Escola Estadual Dr. Waldemiro Pedroso de Jaguapitã/PR para o ano letivo de
2014 e para os subsequentes quando existam matrículas, sob pena de multa
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, em caso de descumprimento da
ordem judicial, que deverá ser destinado ao Fundo de que trata o artigo 13 da Lei
nº 7.347/1985;
e) Seja dispensado o pagamento das custas e despesas
processuais nos termos do artigo 18 da Lei nº 7.347/1985 e artigo 27 do Código de
Processo Civil;
f) A produção de todos os meios de prova admitidos
em direito, notadamente documental, oral e pericial;
h) Seja o requerido condenado ao pagamento das
custas e despesas processuais e honorários em favor do Ministério Público, que
serão revertidos ao “Fundo Especial do Ministério Público” regido pela Lei
Estadual nº 12.241/1998), nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte
final, da Constituição do Estado do Paraná;
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Promotoria de Justiça de Jaguapitã
Dá-se à causa, para fins do artigo 282, inciso V, c.c.
artigo 258, ambos do Código de Processo Civil, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil
reais).
Jaguapitã, 26 de fevereiro de 2014.
ERINTON CRISTIANO DALMASO
Promotor de Justiça
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Ministério Público do Paraná