A S ORIGENS DA BASE C ITOLÓGICA
DA H EREDITARIEDADE
Segunda aula
(T2)
Texto adaptado de:
MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986.
A
Objetivos
1. Descrever como e quando foi descoberta a célula.
2. Explicar a idéia central e a importância da teoria celular.
3. Discutir as dificuldades para se identificar os gametas
como células.
4. Descrever os passos que levaram à compreensão da importância do núcleo celular.
5. Identificar as dificuldades para a compreensão do processo de divisão celular.
6. Descrever o raciocínio dedutivo que levou à conclusão de
que a mitose não seria o único tipo de divisão celular.
7. Descrever as meioses masculina e feminina em Ascaris.
8. Explicar o papel da meiose e da fertilização no ciclo de
vida dos organismos.
9. Listar os principais argumentos que levaram alguns citologistas no final do século XIX a defender a idéia que os
cromossomos seriam a base física da herança.
DESCOBERTA DA CÉLULA
O nascimento da Citologia pode ser fixado com
considerável precisão. No dia 15 de abril de 1663,
Robert Hooke (1635-1703) colocou um pedaço
de cortiça sob seu microscópio e mostrou sua estrutura a seus colegas da Royal Society de Londres.
A Royal Society havia sido fundada no ano
anterior com o intuito de melhorar o conhecimento sobre a natureza. Ela reunia uns poucos
homens cultos de Londres que se encontravam
regularmente, em geral semanalmente, para
discutir assuntos científicos e como o conhecimento poderia ser usado para melhorar as
atividades práticas. A inspiração para a formação
da Royal Society veio de uma sugestão anterior
de Francis Bacon.
Hooke, um matemático de excepcional habilidade, era um membro muito ativo da Royal Society. Era costume entre os membros não apenas
discutir mas também realizar experimentos e fazer
demonstrações. Havia um grande interesse no
novo microscópio que Hooke havia construído e
ele deixou que os membros da sociedade olhas-
sem partes de um musgo em seu microscópio no
dia 8 de abril de 1663. No dia 15 daquele mês o
“Sr. Hooke apresentou dois esquemas
microscópicos, uma representação dos poros da
cortiça, cortados transversal e perpendicularmente ...”. Esse era o começo de dois séculos de
observações e experimentações que estabeleceram
a Teoria Celular.
As várias observações de Hooke foram reunidas
e publicadas em 1665 com o título de Micrographia,
sob os auspícios da Royal Society. Essa foi a primeira visão geral de uma parte da natureza até então
desconhecida. Hooke descreveu e ilustrou muitos
objetos em sua publicação: a cabeça de um alfinete,
muitos insetos pequenos e suas partes, penas,
“enguias” [nematódeos] do vinagre, partes de muitas
plantas, cabelo, bolores, papel, madeira petrificada,
escamas de peixe, seda, areia, flocos de neve, urina,
e, é claro, aquele pedaço de cortiça. (Fig. 1)
Hooke imaginou que a cortiça consistia de inúmeros tubos paralelos com divisões transversais:
“Estes poros, ou células, não eram muito fundos,
mas consistiam de um grande número de pequenas caixas, separadas ao longo do comprimento
14
O ESTABELECIMENTO DA
TEORIA CELULAR
As células se tornaram verdadeiramente importantes somente quando foi proposta a hipótese de
que os corpos de todos os organismos eram constituídos apenas de células ou de produtos de células.
Essa hipótese foi formulada e testada no começo
do século XIX e está associada principalmente a
três cientistas: R. J. H. Dutrochet, Matthias Jacob
Schleiden e Theodor Schwann.
Mas como alguém poderia provar que “os
corpos de todos os organismos são constituídos
apenas de células ou de produtos de células?”
Ao tentar responder essa questão pode-se
aprender algo muito importante sobre ciência. A
resposta é, obviamente, que não há nenhuma posFigura 1. Desenhos de cortes de cortiça ao microssibilidade dessa afirmação ser comprovada. Como
cópio publicados por Hooke em 1665.
alguém poderia estudar todos os organismos? A
dos tubos por uma tipo de diafragma.” Ele obser- maioria já se extinguiu há muito tempo e não seria
vou estruturas semelhantes em muitos outros nem mesmo possível estudar um indivíduo de
tipos de plantas. Muitos pensam que Hooke des- cada uma das espécies viventes. Qual seria sua
creveu aquelas caixas como vazias e parou por resposta se alguém lhe perguntasse se os corpos
aí. Isso não é verdade, ele observou cortes de dos dinossauros eram constituídos de células?
plantas vivas e verificou que as caixas microscó- Mas lembre-se, tudo o que se pode desejar em
ciência é que uma afirmação seja “verdadeira
picas eram preenchidas por um suco.
A presença de células na cortiça e em outras acima de qualquer suspeita.”
Após as observações iniciais de Hooke, foi
plantas poderia ser uma característica geral ou
poderia ser restrita a uns poucos tipos de organis- verificado que as células eram uma caractemo. A continuação das pesquisas iria mostrar que rística comum das plantas. Mais e mais plantas
as plantas consistiam inteiramente ou quase intei- de uma quantidade crescente de espécies foramente de estruturas parecidas, semelhantes a ram estudadas e todas apresentavam estruturas
caixas. Um outro membro da Royal Society, semelhantes a células. Foi observado que essas
Nehemiah Grew (1641 - 1712), publicou uma estruturas microscópicas não tinham todas a
monografia em 1682 que contém muitas pranchas forma de caixa como as células da cortiça.
belíssimas mostrando a estrutura microscópica Descobriu-se que as células podiam ter diversas
das plantas. Com o tempo, a idéia de que os seres formas e tamanhos. Não podemos esquecer que
vivos são formados por células foi estendida para esses microscopistas pioneiros não estavam
os animais. Hooke havia feito uma observação observando células como as entendemos hoje,
interessante que não foi importante na sua época eles observavam paredes celulares.
– ela se tornou uma descoberta importante muito
Schwann e as células nos animais
mais tarde, em função de pesquisas posteriores.
Com poucas exceções, o corpo dos animais
Mais de dois séculos foram necessários para
se chegar à conclusão que o conhecimento das não continha estrutura alguma que se parecesse
células era essencial para a compreensão da here- com “células”, isto é, com as paredes celulares
ditariedade. Podemos ter certeza que, quando das plantas. Assim, foi necessário muito trabalho
Robert Hooke sentou-se à frente de seu micros- e imaginação arrojada até tornar óbvio que o concópio, ele não estava interessado em descobrir ceito de célula podia ser aplicado com sucesso
os mistérios da herança. Não havia maior razão aos animais. Isso foi conseguido principalmente
para acreditar que as células tivessem algo a ver por Theodor Schwann (1810-1882) em sua
com a hereditariedade do que, por exemplo, as monografia de 1839, publicada quando ele tinha
cerdas que ele descreveu em detalhe sobre o 29 anos de idade. Algumas de suas ilustrações
estão reproduzidas na figura 2.
corpo de uma pulga.
15
Schwann enfatizou a grande diferença entre as células
das plantas e o que ele acreditava serem as células dos
animais, mas sugeriu que elas
representavam fundamentalmente a mesma coisa.
A
Por que chamar todas essas
estruturas tão diversas de
células?
D
B
C
F
E
Procure examinar fotomicrografias de diversos tipos de
células de plantas e especialmente de animais, ou melhor,
caso tenha oportunidade, obI
serve preparações citológicas
H
desses tipos no microscópio.
G
Como é possível dizer que
cérebro, músculos, rins, pulmões, sangue, cartilagens,
ossos, parede intestinal etc. Figura 2. Algumas das ilustrações apresentadas por Schwann em sua monosão feitos de um mesmo tipo grafia de 1839: A.) células de cebola; B.) de notocorda de um peixe; C.)
de cartilagem de rã; D.) de cartilagem de girino; E.) de músculo de feto de
de elemento? Já que essas
porco; F.) de embrião de porco; G.) de gânglio de rã; H.) de um vaso
estruturas são obviamente tão capilar da cauda de girino; I.) de embrião de porco. Note que o núcleo e os
diferentes, por que afirmar nucléolos estão mostrados em quase todas as células.
que elas são constituídas pelos
mesmos tipos de elementos?
Qual seria a vantagem em se afirmar que as mais importante do que a origem de células alta“células” animais correspondiam àquelas mente diferenciadas a partir de células simples.
estruturas com aspecto tão diferente presentes
Apenas seis anos antes, em 1833, Robert Brown
nas plantas?
(1773 - 1858), o mesmo que descreveu o posteSchwann nos fornece a resposta, “Se, no riormente denominado “movimento Browniano”,
entanto, analisarmos o desenvolvimento desses havia descrito a presença de uma auréola circular,
tecidos, então parece que todas essas diversas ou núcleo, em células de orquídeas e de muitos
formas de tecidos são constituídas apenas por outros tipos de plantas. Antes dele, outros observacélulas e são análogas às células das plantas ... dores já haviam visto e desenhado essas estruturas
O objetivo do presente tratado é provar essa idéia em suas publicações, mas não atribuíram nenhuma
por meio da observação.”
importância a elas. Brown verificou que muitos tipos
Isto é, apesar da grande diversidade, todas as de célula continham núcleo mas não especulou sobre
estruturas que Schwann propunha chamar de seu significado.
células tinham em comum a característica de se
Schwann então mudou as regras para definir
desenvolverem a partir de estruturas muito mais célula. Ao invés de se basear na forma, que nas
simples que podiam ser melhor comparadas com plantas correspondia à estrutura da parede, ele
as células das plantas. Mas, como se poderia escolheu como base para a definição, a presença
definir “célula”?
de um núcleo.
Se um neurônio e um leucócito são células, eles
Embora Schwann fosse um observador cuidadevem ter algo em comum para serem reunidos doso, sua principal contribuição não foi o que
em uma mesma categoria. Schwann encontrou ele viu mas como ele interpretou as observações.
um critério: a presença de núcleo, que ele achava Seus antecessores haviam enfatizado as “caixas”;
16
Schwann deu ênfase ao que estava dentro das
“caixas”. Para ele a célula animal era uma porção
de matéria viva envolta por uma membrana e
contendo um núcleo, enquanto que as células
vegetais eram ainda envoltas por uma parede.
O que essa nova visão de célula tem a ver com
hereditariedade? Muito pouco, tem que se admitir.
Seriam necessárias outras duas informações antes
que as células pudessem ser consideradas importantes para a hereditariedade: a descoberta de que
os gametas são células e o reconhecimento de que
células só se originam de células pré-existentes.
O reconhecimento dos gametas como células
Schwann reconheceu os óvulos como células,
uma vez que eles apresentavam a estrutura requerida por sua definição de célula – o núcleo. A
natureza do espermatozóide era menos clara. Seu
nome, que significa “animais do esperma”, indicava essa incerteza. Em 1667, Antonie van Leeuwenhoek havia descoberto e comunicado à Royal
Society de Londres que o fluido seminal continha
criaturas microscópicas que ele imaginou que
entrassem no óvulo causando sua fertilização.
Essa hipótese foi muito contestada e alguns cientistas imaginaram que os espermatozóides fossem
parasitas. Na décima segunda edição do livro
Systema Naturae (1766 - 1768), Linnaeus tentou
classificar os “animais” encontrados no esperma
por Leeuwenhoek, mas concluiu que a determinação de seu lugar correto no sistema de classificação deveria ser deixado para quando eles
tivessem sido mais pesquisados.
Cerca de um século mais tarde, em 1784, Spallanzani realizou importantes experimentos com o
objetivo de determinar a função do sêmen na
reprodução de rãs. Durante o acasalamento, os
machos abraçam as fêmeas e, como sabemos atualmente, depositam esperma sobre os óvulos à medida
que estes saem pela abertura cloacal. De início,
Spallanzani não sabia disso, foi ele quem descobriu.
Um outro pesquisador com quem ele se correspondia havia tentado, sem muito sucesso, descobrir
o papel das rãs machos vestindo-as com calças. Spallanzani repetiu esse experimento e verificou que,
quando o sêmen ficava retido nas calças, os ovos
não se desenvolviam. No entanto, se os ovos fossem
colocados em contato com o sêmen retirado das
calças, em um processo de fecundação artificial, eles
passavam a se desenvolver. Em um outro experi17
mento, Spallanzani filtrou o sêmen e verificou que,
com isso, ele perdia seu poder fecundante. Ele observou o que hoje chamamos de espermatozóides, mas
não os considerou essenciais para a reprodução.
Foi somente em 1854 que George Newport,
usando rãs, forneceu boas evidências de que os
espermatozóides entram no óvulo durante a fecundação (Nesse caso, como em muitos outros, é difícil
dar crédito ao cientista que descobriu um importante
fenômeno biológico. Afinal, o descobridor do espermatozóide, Leeuwenhoek, havia pensado que o
espermatozóide era o agente da fertilização. Outros
antecessores de Newport eram da mesma opinião,
mas foi Newport quem fez as primeiras observações
convincentes. Em 1841, Kölliker estudou a
histologia dos testículos verificando que algumas
das células testiculares eram convertidas em espermatozóides. Os espermatozóides tinham uma
aparência tão estranha que não eram considerados
células. No entanto, quando se pôde demonstrar
que eles se originavam de células típicas, sua
verdadeira natureza tornou-se evidente. Os espermatozóides passaram então a ser considerados como
células altamente modificadas.
Vejamos o que se pode concluir dessa análise:
1. Os gametas são a única ligação física entre as
gerações, pelo menos em muitos organismos
e possivelmente em todos.
2. Portanto, os gametas devem conter toda a
informação hereditária.
3. Uma vez que óvulos e espermatozóides são
células, toda informação hereditária precisa
estar contida nestas células sexuais. Portanto,
a base física da herança são as células sexuais.
Isto não permite concluir que todas as células
contenham informação hereditária. Poderíamos
ainda pensar que os gametas são células
especializadas onde os fatores responsáveis pela
herança, talvez as gêmulas, entram. Nós ainda
necessitamos de uma segunda informação: “Qual
é a origem das células?”
Omnis cellula e cellula
A divisão celular foi observada em 1835, mas,
nessa época, não se concluiu que fosse um fenômeno
geral. Schwann, por exemplo, acreditava que as
células podiam surgir espontaneamente por aglutinação de substâncias amorfas. Essa hipótese assumia
que a origem das células é um evento episódico no
ciclo de vida dos organismos. Se isso fosse verdade,
a unidade da hereditariedade seria o organismo todo
e não a célula.
A hipótese de Schwann sobre a origem das
células foi logo rejeitada, uma vez que a divisão
celular estava sendo observada com freqüência
em uma variedade de organismos e em diferentes
épocas do desenvolvimento. Mais e mais investigadores começavam a suspeitar que a divisão
celular era o único mecanismo para a produção
de novas células.
Essa foi uma hipótese muitíssimo difícil de se
provar acima de qualquer suspeita. Os microscópios e as técnicas para se estudar as células, no
começo do século XIX, eram muito inadequados
e foi preciso muita observação em diferentes tipos
de organismos e de tecidos antes que Rudolph
Virchow pudesse, em 1855, cunhar sua famosa
frase omnis cellula e cellula (“toda célula vem
de célula”) e que ela fosse amplamente aceita.
Em uma conferência proferida em 1858 ele apresentou a idéia de que uma célula só surge de outra
célula pré-existente.
É claro que nem todos concordaram com a
idéia de Virchow de que todas as células e todos
os organismos originavam-se de células e de organismos pré-existentes. Muitos pesquisadores
continuavam a acreditar que células podiam se
originar de novo e apresentavam o que pareciam
ser observações acuradas para provar isso. Alguns
acreditavam até mesmo que organismos completos podiam se originar de novo. Pasteur e a aceitação geral de que geração espontânea não pode
ocorrer ainda estavam no futuro. Mesmo assim,
as duas hipóteses apoiadas por Virchow foram
testadas em um número crescente de pesquisas
e, gradualmente, elas se estabeleceram como uma
verdade acima de qualquer suspeita.
Não restando, portanto, dúvida alguma de que
a hereditariedade está baseada na continuidade
celular, podemos trabalhar agora com a hipótese
de que toda informação hereditária está contida
não apenas nas células germinativas mas também,
muito provavelmente, nas células a partir das
quais elas se formam – e em todas elas até o
zigoto. Igualmente possível é a hipótese de que
todas as células contenham a informação hereditária necessária para o desenvolvimento do indivíduo e à sua transmissão, via células sexuais, para
a geração seguinte.
O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
E A CITOLOGIA
Durante a maior parte da história da humanidade as pessoas se basearam quase que inteiramente em seus órgãos dos sentidos para obter
informações sobre o ambiente. Cada um de nossos
órgãos sensoriais detecta apenas uma pequena
porção da ampla gama de estímulos possíveis.
Nossos olhos, por exemplo, só conseguem responder à porção do espectro eletromagnético
entre o violeta e o vermelho de modo que só
conseguimos ver os comprimentos de onda entre essas duas cores. Para detectar comprimentos
de onda menores, como luz ultra-violeta, raiosX e raios cósmicos, ou comprimentos de onda
maiores, como luz infra-vermelha e ondas de
rádio, precisamos utilizar instrumentos especiais.
A olho nu não conseguimos visualizar em
detalhe nem mesmo objetos em movimentação
rápida. As lâminas de um ventilador em movimento rápido são vistas como um círculo contínuo
e uma bala que sai de um rifle é totalmente invisível para nós. Também não conseguimos ver
objetos muito pequenos. A aparente uniformidade de uma ilustração com meios-tons resulta
do fato de os pontos individuais estarem tão juntos que o olho humano não consegue distinguilos. Os faróis de um automóvel aparecem como
um único ponto de luz até uma certa distância; à
medida que o automóvel se aproxima, somos
capazes de resolver o ponto único de luz em dois.
O poder de resolução do olho humano, ou seja,
sua capacidade de distinguir dois pontos muito
próximos, é da ordem de 100 micrômetros a uma
distância normal de leitura; a maioria das pessoas
com visão normal distingue dois objetos
separados por um espaço de um milímetro a uma
distância de 10 metros. Uma afirmação mais geral
é que o olho humano pode distinguir dois objetos
separados por um arco de 1 minuto. Esse valor
foi determinado por Robert Hooke que estava
preocupado em saber qual seria a menor distância
entre duas estrelas para que elas fossem vistas
como dois objetos separados. Quando elas
estavam a uma distância menor do que um arco
de 1 minuto, a maioria das pessoas as via como
um único ponto de luz. Algumas pessoas podem
ver melhor do que isso, mas o poder máximo de
resolução de nosso olho é de 26 segundos de arco.
18
Quase todas as células são muito pequenas
para serem vistas a olho nu, de modo que a Citologia não foi possível, nem mesmo teoricamente,
antes da invenção do microscópio – o que ocorreu
provavelmente na última década do século XVI.
Um tempo relativamente longo se passou entre
essa invenção e 1663, quando Hooke fez a
demonstração daqueles pedaços de cortiça para
os membros da Royal Society. Na verdade, foram poucos os trabalhos sérios e contínuos com
microscópios antes do século XIX. Durante a
maior parte de sua história, os microscópios não
passaram de brinquedos de adultos.
O pequeno tamanho das células não é o único
problema que dificulta seu estudo. A maioria dos
animais e de seus tecidos é opaca e, uma vez que
a observação através do microscópio composto
é mais efetiva quando os objetos são iluminados
com luz transmitida, o objeto a ser estudado
precisa ser muito fino ou cortado em fatias bem
finas de modo que a luz possa atravessá-lo. Imagine tentar cortar fígado, por exemplo, em fatias
com cerca de 10 micrômetros de espessura, para
que fosse possível estudá-lo no microscópio.
Além da quase impossibilidade de se fazer isso,
as células hepáticas, constituídas principalmente
de água, iriam secar rapidamente, tornando-se
uma massa enrugada. Esse é um problema especial com as células animais que não possuem uma
parede de suporte como as células das plantas.
Métodos muito especiais tiveram que ser
desenvolvidos pelos microscopistas do início do
século XIX quando eles quiseram aprender sobre
a natureza celular dos organismos e, mais tarde,
sobre a estrutura interna das próprias células.
Tornou-se uma prática comum tentar preservar
os tecidos de tal maneira que a estrutura de suas
células permanecesse intacta e que eles pudessem
ser cortados em fatias finíssimas.
O primeiro passo foi a fixação. Ela consistia
em tratar o material com álcool, com formaldeído,
ou com soluções de ácido pícrico, de bicromato
de potássio, de cloreto de mercúrio ou de tetróxido de ósmio. Essas substâncias matam e
endurecem as células, em geral, por coagular suas
proteínas. Esperava-se, é claro, que isso acontecesse de tal forma que as partes das células continuassem a guardar uma certa semelhança com as
da célula viva.
O tecido fixado podia então ser embebido em
parafina para ganhar sustentação e ser fatiado com
lâminas cortantes ou em um instrumento
construído para essa finalidade – o micrótomo.
Mesmo essas fatias finíssimas podiam revelar
muito pouco; as células e seus conteúdos internos
eram indistinguíveis. Mas aqueles microscopistas
inventivos tentavam de tudo e logo descobriram
que alguns corantes tingiam certas partes das
células mas não outras.
Em 1858, Gerlach descobriu que uma solução
diluída de carmim corava mais intensamente o
núcleo do que o citoplasma das células. Essa
substância era obtida dos corpos secos da fêmea
de um inseto (Coccus cacti), conhecido popularmente como cochonilha-do-carmim, que vive em
cactos na América Central e sudoeste dos Estados
Unidos. Em 1865, Böhmer descobriu que a
hematoxilina, extraída do tronco de uma árvore
(Haematoxylon campechianum) da América Central, também tinha maior afinidade pelo núcleo
do que pelo citoplasma.
Mais tarde foi sintetizada uma grande
variedade de anilinas para a indústria téxtil e, entre
1875 e 1880, muitas delas mostraram-se úteis
para corar células. Uma dessas anilinas era a
eosina, que mostrou ter uma grande afinidade por
proteínas citoplasmáticas. Um procedimento de
coloração citológica corriqueiro até hoje usa
hematoxilina e eosina (HE) e cora o núcleo em
azul e o citoplasma em laranja.
Da mesma forma, houve melhoria dos microscópios disponíveis para pesquisas citológicas, principalmente no final do século XIX. Muitas delas foram introduzidas por Ernst Abbe (1840-1905) e pela
indústria óptica Zeiss em Jena, na Alemanha. Abbe
foi, durante a maior parte de sua vida, professor de
Física na Universidade em Jena e o principal
projetista de lentes da companhia Zeiss, da qual se
tornou dono. Em 1878, ele desenvolveu a objetiva
de imersão em óleo e, em 1886, a objetiva apocromática. Essas melhorias nas mãos de um microscopista habilidoso tornava possível a obtenção de
ampliações de até 2500 vezes. O microscópio
fotônico estava chegando ao limite de seu poder de
resolução teórico. Esse limite é imposto pela própria
natureza da luz; isto é, dois objetos só podem ser
resolvidos se a distância entre eles for, pelo menos,
igual à metade do comprimento da onda utilizado.
Oportunidades adicionais para se estudar a
estrutura fina das células estavam ainda para vir
com a invenção do microscópio de contraste-defase e do microscópio eletrônico, no século XX.
19
Veremos a seguir como os microscopistas do último
terço do século XIX foram capazes de usar a
tecnologia disponível na época e estabelecer, como
uma hipótese altamente provável, que a base física
da hereditariedade está no núcleo da célula, ou mais
especificamente nos cromossomos.
Não devemos ficar imaginando que esses
investigadores não faziam outra coisa senão
examinar células vivas e fixadas com o melhor
equipamento óptico disponível, descrevendo do
modo mais preciso o que viam. Um problema
constante era se uma dada estrutura observada
em uma preparação citológica refletia ou não algo
presente na célula viva, ou se era um simples artefato resultante do drástico tratamento a que as
células eram submetidas para poderem ser
observadas no microscópio.
Uma preparação citológica realmente reflete
a estrutura de uma célula viva? A resposta é “Não
muito”; mas se o tratamento produz sempre o
mesmo resultado é possível imaginar como eram
as preparações quando vivas. Apesar disso,
nenhuma descoberta importante em Citologia no
século XIX foi aceita de imediato. As observações
eram repetidas e as conclusões originais confirmadas por uns e contestadas com veemência por
outros. Uma interpretação errada podia fazer com
que muitos citologistas perdessem meses na
tentativa de repetir as observações. Aconteciam
debates intermináveis sobre a estrutura fina do
protoplasma uma vez que, como era admitido,
estava-se olhando para a base fundamental da
vida. Muitos citologistas acreditavam que o
protoplasma fosse granular, ou um retículo
fibroso, ou alveolar (composto de gotas) ou
alguma combinação disso.
A Citologia como um caminho para o conhecimento, especialmente no século XIX, nos mostra
que a ciência não progride de maneira ordenada
mas por meio de testes e retestes constantes das
observações, dos experimentos e das hipóteses.
Longe de ser uma linha direta em direção à
verdade, esse caminho assemelha-se mais àquele
retículo que alguns viam como a estrutura básica
do protoplasma. (Devemos ressaltar que o termo
protoplasma é raramente utilizado nos dias de
hoje. Uma vez que ele significa nada mais do que
“substância viva”, Hardin [1956] sugeriu que
poderíamos passar sem ele.)
20
O QUE EXISTE NAS CÉLULAS?
Durante a última metade do século XIX, a
hipótese de que os animais e plantas são
compostos somente de células e produtos
celulares estava estabelecida como uma verdade
acima de qualquer suspeita nas mentes da
maioria dos microscopistas competentes. Nós
podemos falar, então, da teoria celular, usando o
termo “teoria” como um corpo completo de
dados, hipóteses e conceitos relativos a um importante fenômeno natural. Até hoje a teoria celular
é o mais importante conceito relacionado com a
estrutura de animais e plantas e no século XX ele
foi sendo gradualmente aceito também como o
mais importante conceito relativo ao funcionamento dos organismos.
Essa enorme importância da teoria celular
decorre do fato de ela estabelecer que as células
são as unidades básicas de estrutura e função,
que elas são as menores unidades capazes de ter
vida independente, isto é, são capazes de usar
substâncias obtidas do meio para manter e
produzir o estado vivo. A célula é o denominador
comum da vida.
Existia uma outra razão importante para se
estudar as células: a análise dos níveis mais simples de organização contribuem para o entendimento dos níveis mais complexos. As interações
das substâncias químicas são melhor entendidas
quando se conhece sua estrutura molecular. Os
movimentos do corpo humano podem ser
estudados em muitos níveis. Pode-se observar e
descrever os complexos movimentos de um
bailarino ou de um arremessador de beisebol. A
compreensão aumenta quando se obtém
informações sobre os diversos músculos e seus
locais de ligação, que tornam os movimentos
possíveis. Outros tipos de entendimento surgem
quando se estuda os músculos no nível molecular. E, finalmente, mais informações ainda são
obtidas quando se aprende sobre a atividade da
miosina, da actina e de outras moléculas que participam da movimentação dos músculos.
O conhecimento obtido em cada nível de
organização contribui para um entendimento do
fenômeno como um todo, enquanto cada nível
mantém seu próprio valor. Entender a arte de um
bailarino ou de um esportista meramente com o
conhecimento sobre actina e miosina seria tão
impossível quanto predizer as propriedades da água
a partir do conhecimento sobre os elementos
hidrogênio e oxigênio. No entanto, pode-se conhecer
melhor os níveis mais complexos se conhecermos
os mais simples. Assim, os biólogos do século XX
já pensavam que poderiam saber mais sobre a vida
se conhecessem melhor as células.
Quando examinavam as células, aqueles citologistas pioneiros encontravam todo tipo de esferas,
de grânulos e de fibras. Como seria possível
determinar qual dessas estruturas teria um papel
na hereditariedade? Ou melhor, como seria
possível determinar a função de qualquer estrutura presente nas células?
Essa é uma questão difícil e os citologistas
daquela época não conseguiam respondê-la. Eles
não podiam fazer outra coisa senão investigar as
células de modo aleatório. Este foi um estágio
necessário no desenvolvimento da Citologia – a
identificação de estruturas nas células e, quando
possível, descobrir alguma coisa sobre seu
comportamento. Aparentemente se pesquisavam
células de todo animal e planta disponível à
procura de exemplos de estruturas celulares e,
um a um, todos os reagentes disponíveis nas
estantes dos químicos foram colocados sobre as
células e suas conseqüências observadas – em
geral matavam as células. Esse período da Citologia foi de “procura e destruição.”
O núcleo efêmero
Como mencionado anteriormente, as dificuldades em se analisar células vivas fizeram das
preparações fixadas e coradas o material ideal de
estudo. Nesse tipo de preparação, a estrutura mais
proeminente é o núcleo descrito por Brown.
Muitos corantes, especialmente os corantes
básicos como o carmim e a hematoxilina, coravam
o núcleo profundamente; isto, juntamente com a
aparente presença universal do núcleo, sugeria
que ele tivesse um papel importante.
Mas qual seria a origem do núcleo da célula?
Levou mais de meio século de observações e
experimentações por parte de numerosos pesquisadores para que essa questão fosse respondida.
Em 1835, Valentin sugeriu que o núcleo seria
formado pela precipitação de substâncias no interior da célula. Três anos mais tarde, Schleiden
e, em seguida, Schwann também sugeriram que
o núcleo podia se originar de novo. Até por volta
21
de 1870, alguns pesquisadores famosos acreditavam que pelo menos alguns núcleos podiam
ter uma origem não-nuclear.
Nessa mesma época, outros pesquisadores
igualmente competentes estavam clamando que
todos os núcleos surgiam de núcleos préexistentes. Diversos processos foram sugeridos
– em geral alguma forma de partição em dois ou
fragmentação, um mecanismo que mais tarde foi
denominado amitose.
Não havia nenhuma razão, é claro, porque os
núcleos teriam de surgir por apenas um tipo de
mecanismo. Considerando a enorme variedade de
fenômenos naturais, não seria surpresa se
houvesse diversas maneiras de surgimento de
núcleos. No entanto, os cientistas procuram regularidades na natureza e seria mais satisfatório
intelectualmente se houvesse um mecanismo
constante para a origem do núcleo.
A DESCOBERTA
DA DIVISÃO
CELULAR
Em 1873, A. Schneider publicou o que agora
pode ser tomado como a primeira descrição
razoável das complexas alterações nucleares, hoje
chamadas de mitose, que ocorrem durante a
divisão da célula. Neste ano, Otto Bütschi e Hermann Fol fizeram descrições semelhantes.
A descrição de Schneider foi a mais completa;
seu objetivo era descrever a morfologia de
Mesostoma sp., um platelminto. Quase todo seu
trabalho é dedicado à estrutura desse verme mas,
sendo um observador cuidadoso, ele descreveu
tudo o que viu. A fertilização em Mesostoma sp.
é interna e o início do desenvolvimento ocorre
em um útero. As ilustrações do que ele viu estão
mostradas na figura 3.
Os primeiros desenhos mostram o ovo
rodeado por células foliculares. Na região bem
central está o pequeno núcleo com seu pequeno
nucléolo. As estruturas espirais são espermatozóides. O ovo é a área clara central da ilustração
e os glóbulos menores ao seu redor são as células
foliculares, que não foram representadas nos
desenhos seguintes. Pouco antes da célula se dividir o limite do núcleo se torna indistinto. Schneider, no entanto, verificou que com a adição de
um pouco de ácido acético ele se tornava visível,
apesar de dobrado e enrugado. Mais tarde o
nucléolo desaparecia e tudo o que restava do núcleo era uma área clara na região central da célula.
Figura 3. Ilustrações de Schneider (1873) das alterações nucleares durante a clivagem do ovo
de Mesostoma. À esquerda, desenho de um ovo (zona clara central, onde se vê o núcleo com
um nucléolo) rodeado por células foliculares. As outras figuras mostram os filamentos, hoje
chamados de cromossomos, e seus movimentos durante a divisão da célula.
aumentar e quando a célula se dividia eles iam
para as células-filhas.
O que alguém faria com essas observações?
A resposta está longe de ser clara. Se não era
possível ver os filamentos nas células vivas e, se
eles apareciam repentinamente quando as células
No entanto, o tratamento com ácido acético mostrava uma massa de filamentos delicados e curvos.
O segundo desenho mostra esses filamentos, os
cromossomos (um termo que só seria proposto
em 1888, por Waldeyer) alinhados em uma placa
equatorial. A quantidade de filamentos parecia
B
A
D
C
E
Figura 4. Ilustrações de
Flemming de mitoses em
células fixadas e coradas de
embrião de salamandra. A.)
Duas células em intérfase:
não existem cromossomos
visíveis. B.) Célula em prófase: os nucléolos já desapareceram, mas a membrana
nuclear continua intacta; o
citoplasma não está mostrado. C.) Célula em início de
metáfase: a membrana nuclear desapareceu e os centrossomos se separaram. D.)
Uma preparação de
excelente qualidade, onde se
vê os cromossomos metafásicos duplos, isto é, compostos por duas cromátides.
E.) As cromátides se separam e se movem para os
pólos do fuso. F.) Célula em
final de divisão com os
cromossomos dos núcleosfilhos sendo envolvidos pela
membrana nuclear. (Flemming, 1882)
F
22
Figura 5. Ilustrações de Flemming de mitose em células vivas de larva de salamandra. Os desenhos estão
organizados em seqüência, começando com a prófase, no canto superior à esquerda, e terminando com duas
células, na fileira inferior. Os dois últimos desenhos mostram os cromossomos vistos do pólo da célula e uma
telófase em vista lateral, respectivamente. O desenho mais à direita na segunda fileira mostra que os
cromossomos estão duplos. (Flemming, 1882)
eram tratadas com ácido acético, não seria
razoável pensar que eles fossem um artefato? No
entanto, o fato de os filamentos serem observados repetidamente, e de eles parecerem sofrer
estranhos movimentos, sugeria que já estivessem
presentes na célula viva, numa forma invisível.
Flemming teve sucesso em determinar que os
eventos nucleares observados na célula em divisão
em materiais fixados e corados tinham sua
contrapartida na célula viva. Apesar de não ter
descoberto a mitose, devemos a ele mais do que
a qualquer outro o conceito de mitose que temos
hoje; apenas detalhes do processo foram adicionados à sua descrição. (Fig. 4 e 5)
O sucesso de Flemming foi conseguido graças
a alguns fatores: material que ele selecionou para
seu estudo; ter sido cuidadoso em procurar nas
células vivas as estruturas observadas nas células
fixadas e coradas; ter à sua disposição microscó23
pios muito melhores do que os existentes anteriormente. O uso de células vivas, além de dar a
confiança de que o observado era real e não
artefato, permitiu também determinar a seqüência
dos eventos.
As fases da mitose
Costuma-se dizer que um núcleo que não está
sofrendo divisão encontra-se em repouso. Esse
é um termo infeliz pois sugere inatividade e hoje
nós sabemos que a maior atividade fisiológica do
núcleo acontece durante esse período. Flemming
não viu cromossomos nos núcleos em “repouso”
de células vivas. Esses núcleos pareciam não ter
nenhuma estrutura interna. Quando essas células
eram fixadas e coradas via-se que seus núcleos
continham uma rede densa com grande afinidade
por certos corantes, além de um ou dois grânulos
esféricos, os nucléolos.
Mudanças no núcleo são as primeiras evidências que a mitose está a caminho. No núcleo vivo,
aparentemente desprovido de estruturas, aparecem longos e delicados fios. Quando eles podem
ser vistos, é o começo da prófase. (A mitose é
um processo contínuo; ela é dividida em fases
pelos citologistas apenas com o intuito de facilitar
sua descrição.) Esses fios se condensam em
cromossomos que se posicionam no meio da
célula na metáfase, época em que a membrana
nuclear já desapareceu. Em células coradas podese ver que os cromossomos estão presos a um
elaborada estrutura fibrosa – o fuso. Células
coradas podem mostrar também a presença de
minúsculos grânulos nas extremidades do fuso –
os centríolos. Elas podem mostrar também um
outro conjunto de fibras, os raios astrais, que
irradiam dos centríolos. Durante a anáfase das
células vivas, os cromossomos se separam em
dois grupos que se movem através do fuso para
pólos opostos da célula. Quando os cromossomos
atingem as extremidades do fuso, é a telófase.
Os cromossomos nas células vivas se tornam cada
vez menos distintos e a membrana nuclear se
refaz. O núcleo está de novo em “repouso”. O
que se pode concluir desse processo?
É óbvio que todas as estruturas celulares
precisam ser reproduzidas para que as célulasfilhas sejam idênticas à célula-mãe. Flemming foi
capaz de explicar como isso acontece para os
cromossomos. Se os cromossomos de uma célula
vão ser divididos igualmente entre as célulasfilhas, eles precisam dobrar em número em algum
estágio do ciclo celular. Flemming observou que,
quando os cromossomos aparecem pela primeira
vez no início da prófase eles já estão duplos;
assim, em algum momento entre seu desaparecimento na telófase e seu reaparecimento na prófase, cada cromossomo deve ter se duplicado.
Hoje, é claro, nós consideramos os cromossomos como estruturas permanentes nas células
mesmo sendo eles visíveis apenas na mitose. Nós
também reconhecemos a individualidade dos
cromossomos, isto é, que eles existem em geral
em pares homólogos, cada par contendo um
conjunto específico de genes. Essas conclusões
poderiam ter sido tiradas a partir das observações
de Flemming? Na verdade não. E as hipóteses a
seguir, poderiam ser refutadas?
Você poderia argumentar o seguinte: como o
processo mitótico assegura que cada célula-filha
receba seu lote de cromossomos isto deve indicar,
sem muita dúvida, que um mecanismo tão elaborado e preciso para duplicação e distribuição é
de importância fundamental. E o que pode ser
mais importante do que assegurar que os elementos controladores da hereditariedade e da vida
de cada célula cheguem até elas?
Mas alguém pode responder que, sendo as
células-filhas idênticas à célula-mãe, todos os
produtos celulares são reproduzidos. Pode-se
argumentar que é mero acidente que o processo
de reprodução e distribuição seja mais facilmente
observado nos cromossomos. Não existe razão,
portanto, para não assumirmos que cromossomos, membranas celulares e todos aqueles
grânulos e glóbulos observados no citoplasma
possam ter igual chance de estarem envolvidos
na hereditariedade.
A
DESCOBERTA DA MEIOSE
Flemming e muitos outros citologistas seus
contemporâneos estavam considerando que as
divisões mitóticas do núcleo aconteciam em toda
divisão celular. A reunião de inúmeras observações em células de um grande número de
espécies de plantas e animais permitia que se
fizesse esta afirmação geral. Note que isso é um
bom exemplo de indução.
Nós podemos agora usar essa afirmação
geral como uma hipótese a ser testada. Isto é,
nós podemos partir para um raciocínio dedutivo. Por exemplo: se a hipótese de que o
núcleo sempre divide por mitose for verdadeira,
então o número de cromossomos deve dobrar
a cada geração. Isso seria inevitável. Como os
núcleos do óvulo e do espermatozóide se unem
na fertilização, caso eles se formassem por
mitose, o zigoto deveria ter duas vezes o
número de cromossomos de seus genitores.
Mas isso não acontece: Flemming e outros
citologistas estavam cientes de que o número de
cromossomos parecia ser o mesmo em todos os
indivíduos e em todas as gerações de uma espécie.
Obviamente existe um problema com essa
hipótese. Deveria haver algum mecanismo que
reduziria o número de cromossomos antes ou
durante a fertilização. Seria possível supor que,
quando os núcleos do óvulo e do espermatozóide
se fundiam na fertilização, os cromossomos também se fundiriam uns com os outros, sendo que
metade de cada um deles seria destruída. Uma
24
Fig. 33
Fig. 43
Fig. 36
Fig. 45
Fig. 42
Fig. 46
Figura 6. Ilustrações da meiose em fêmea de Ascaris. Anteriormente às etapas mostradas nos desenhos, os
cromossomos haviam se duplicado e se emparelhado, formando duas tétrades. Estas se separaram na primeira divisão
meiótica e duas díades foram para o primeiro corpúsculo polar, enquanto que as outras duas permaneceram nos
óvulos. Isto é mostrado no desenho 33 de Boveri. No desenho 36, as díades estão em rotação antes da sua separação
na segunda divisão meiótica. O segundo corpúsculo polar pode ser visto na posição correspondente à das duas horas.
Os desenhos 42 e 43 mostram as díades se separando. No desenho 45, a segunda divisão já terminou e o segundo
corpúsculo polar com seus dois cromossomos aparece na superfície do óvulo; o primeiro corpúsculo polar está acima
dele. Os dois cromossomos no óvulo estão para formar o pró-núcleo feminino. O desenho 46 mostra o primeiro
corpúsculo polar na posição correspondente à das 3 horas, o segundo corpúsculo polar na superfície do óvulo, na
posição correspondente à das 12 horas, o pró- núcleo.
hipótese alternativa é que ocorresse redução do está contida no núcleo das células germinativas,
número de cromossomos durante a formação dos no filamento enovelado no interior do núcleo
[alguns citologistas pensavam que os
óvulos e dos espermatozóides nas gônadas.
cromossomos formavam um fio contínuo ou
O significado dos corpúsculos polares.
espirema durante a interfase], que em certos
Vários pesquisadores tinham descrito, em períodos aparece na forma de alças ou barras
diversas espécies animais, a eliminação de minús- [estes eram os cromossomos nos estágios
culas esferas na região do pólo animal do óvulo, mitóticos]. Nós podemos, além disso, considerar
por ocasião da fertilização. Essas esferas logo que a fertilização consiste no fato de um número
desapareciam e, como pareciam não ter função igual de alças [cromossomos] de cada genitor
alguma, foram denominadas corpúsculos polares. ser colocado lado a lado, e que o núcleo do zigoto
Observou-se também que na partenogênese for- é composto desta maneira. No que diz respeito a
mava-se um único corpúsculo polar, mas que nos esta questão, não tem importância se as alças
óvulos fertilizados eles sempre pareciam ser dois. [cromossomos] dos dois pais se misturam mais
Em algumas espécies, um corpúsculo era formado cedo ou mais tarde ou se permanecem separadas.
antes da fertilização e um segundo, depois da A única conclusão essencial necessária à nossa
entrada do espermatozóide. Em outras espécies, hipótese é que a quantidade de substância
os dois corpúsculos polares eram formados após hereditária fornecida por cada um dos genitores
seja igual ou aproximadamente igual entre si.
a fertilização. (Fig. 6)
Em 1887, August Weismann propôs uma Se for assim, as células germinativas dos
hipótese para explicar a constância da quanti- descendentes conterão os germoplasmas de amdade de material hereditário de uma geração bos os pais unidos, isso implica que tais células
para outra. Com base na observação de muitos só podem conter metade do germoplasma
citologistas, ele diz: “pelo menos um certo paterno, como estava contido nas células gerresultado sugere que exista uma substância minativas do pai, e metade do germoplasma
hereditária, um material portador de materno, como estava contido nas células
tendências hereditárias, e que esta substância germinativas da mãe.”
25
Weismann acreditava que a redução à metade
do material hereditário da mãe, necessária à sua
hipótese, ocorria quando o segundo corpúsculo
polar era formado. Diz ele: “Minha opinião sobre
o significado do segundo corpúsculo polar é, em
poucas palavras, esta: a redução do germoplasma acontece na sua formação, uma redução
não só em quantidade, mas sobretudo na complexidade de sua constituição. Por meio da segunda
divisão nuclear, evita-se o acúmulo de diferentes
tipos de tendências hereditárias ou germoplasmas que, sem isso, seria necessariamente produzido em excesso pela fertilização. Com o núcleo
do segundo corpúsculo polar são removidos do
óvulo tantos tipos diferentes de idioplasmas [um
termo usado na época para designar o material
hereditário] quantos serão posteriormente
introduzidos pelo núcleo do espermatozóide;
assim, a segunda divisão do núcleo do óvulo
serve para manter constante o número de
diferentes tipos de idioplasmas, que compõem o
germoplasma durante o curso das gerações.”
E, se a constância é mantida de geração a
geração, Weismann supõe que um processo similar precisaria ocorrer no macho. Ele diz: “Se o
número de germoplasmas ancestrais contido no
núcleo do óvulo destinado para a fertilização
deve ser reduzido à metade, não pode haver
dúvida que uma redução semelhante também
deve ocorrer, em alguma época e de alguma
maneira, nos germoplasmas das células germinativas do macho.”
Na época em que essas surpreendentes
predições foram feitas (surpreendentes porque se
mostraram essencialmente corretas) os citologistas estavam encontrando evidências que as
apoiavam. A observação mais importante estava
sendo feita no verme nematóide Ascaris, que tem
a grande vantagem de possuir poucos cromossomos e de grande tamanho, o que os torna fáceis
de serem estudados.
Meiose na fêmea de Ascaris
Na penúltima década do século XIX, foram
feitas importantes contribuições para o entendimento da formação dos gametas e da fertilização.
Três citologistas merecem referência especial:
Edouard van Beneden (1846-1912), Theodor
Boveri (1862-1915) e Oskar Hertwig (18491922). Eles descobriram que ocorrem duas
divisões celulares diferentes durante a formação
dos gametas, as quais resultam na redução do
número de cromossomos à metade – como Weismann previu que deveria acontecer. Estas duas
divisões são divisões mitóticas modificadas e foram denominadas divisões meióticas – os nomes
são tão parecidos que continuam a causar
problema para os estudantes até hoje. Na
descrição que se segue, utilizaremos a
terminologia moderna.
O ovário de Ascaris começa a se formar no
início do desenvolvimento e o extraordinário
aumento no número de suas células é conseqüência de divisões mitóticas. Cada núcleo tem quatro
cromossomos, o número diplóide, e pode-se notar
que cada cromossomo aparece duplo já no início
da prófase. Nessa fase, eles estão formados por
duas cromátides, indicando que eles se duplicaram
antes do início da divisão. Na mitose, as oito
cromátides são divididas entre as duas célulasfilhas, o que resulta em quatro cromossomos em
cada uma delas.
À medida que a fêmea de Ascaris amadurece,
seu ovário passa a conter células aumentadas, as
ovogônias, ainda com o número diplóide de
cromossomos. A célula reprodutiva feminina
permanece diplóide até ser libertada do ovário e
penetrada pelo espermatozóide. É somente então
que a meiose começa e os corpúsculos polares
são formados. A figura 6 (de Boveri, 1887)
mostra o que acontece.
No começo da meiose, cada um dos quatro
longos cromossomos da ovogônia encurta e toma
o aspecto de uma pequena esfera. Estes quatro
cromossomos então se juntam em pares, um
processo conhecido como sinapse. Quando isso
ocorre, cada um dos cromossomos já está duplicado, pois a duplicação ocorreu na intérfase
precedente. Assim, a célula em início de meiose
terá dois grupos com quatro cromátides cada.
Cada um desses grupos é denominado tétrade.
As tétrades se separam em uma divisão celular
altamente desigual que resulta em um pequeno
corpúsculo polar e uma célula grande, o futuro
óvulo. Cada uma dessas duas células contém dois
cromossomos duplicados. Portanto, cada tétrade
foi dividida em duas díades.
Na segunda divisão meiótica, observa-se uma
característica essencial da meiose: os cromossomos não são duplicados. Então, cada díade se
liga ao fuso e, na anáfase, suas duas cromátides
26
desenvolvimento, as células aumentam em número
por divisões mitóticas, isto é, as células que se
originam desse processo tem o número diplóide de
quatro cromossomos (Bauer, 1893).
No entanto, no testículo maduro, as duas
últimas divisões antes de as células se diferenciarem em espermatozóides são diferentes. É
quando ocorrem as divisões meióticas no macho.
No que se refere aos cromossomos, os eventos
são os mesmos que os da fêmea, mas quando se
considera a célula como um todo, existem
diferenças entre as divisões meióticas de macho
e de fêmea. (Fig. 7)
Durante a meiose do macho, os quatro
cromossomos já duplicados se juntam dois a dois,
formando dois pares, ou duas tétrades. Na
vão para pólos opostos. A célula se divide novamente de modo desigual. O resultado é um
minúsculo corpúsculo polar com dois cromossomos
e um grande óvulo também com dois cromossomos.
Assim, no decorrer das duas divisões que
compõem a meiose, o número diplóide de quatro
cromossomos da célula feminina foi reduzido ao
número monoplóide de dois cromossomos. A
hipótese de Weismann provou ser verdadeira, pelo
menos para as fêmeas de Ascaris.
Meiose no macho de Ascaris
A previsão de Weismann para os machos também
mostrou-se correta. Quando os testículos foram
estudados, verificou-se que, durante o início do
Em Ascaris, a fecundação
é que desencadeia a
meiose feminina.
Células que irão formar
espermatozóides possuem 4
cromossomos, o número
diplóide.
➤
➤
No início da meiose, ocorre o
emparelhamento dos
cromossomos homólogos.
No início da meiose os
cromossomos homólogos
se emparelham.
➤
➤
Os cromossomos emparelhados
formam tétrades, cada uma com 4
cromátides.
Os cromossomos
emparelhados formam
tétrades, cada uma com 4
cromátides.
Os cromossomos homólogos separamse na primeira divisão da meiose.
➤
➤
➤
➤
Os cromossomos
homólogos se separam
na primeira divisão da
meiose.
➤
O primeiro glóbulo polar e o futuro
óvulo contêm duas díades cada.
➤
➤
Cada célula-filha da
primeira divisão
contém duas díades.
➤
A formação do segundo glóbulo polar
deixa o óvulo com um número
Não há duplicação
haplóide de cromossomos.
cromossômica antes da
segunda divisão da meiose
e as duas cromátides de
cada díade se separam.
➤
➤
➤
➤
➤
Os núcleos de origem
paterna e materna se
aproximam um do outro.
➤
➤
➤
➤
➤
Cada pró-núcleo contribui com
dois cromossomos para o
zigoto, restabelecendo o número
diplóide da espécie.
Cada uma das células originadas na meiose
diferencia-se em um espermatozóide.
Figura 7. Representação esquemática da meiose masculina, à esquerda, e da meiose feminina, à direita em
ascaris de cavalos.
27
deador do desenvolvimento do ovo, foi descoberto por J. L. Prévost e J. B. Dumas em 1824.
No entanto, o real papel do espermatozóide não
foi estabelecido nesse trabalho. Como relatado
anteriormente, foi George Newport (1854) quem
demonstrou que o espermatozóide penetra no
óvulo das rãs. Mas o que acontece então?
Ascaris mostrou-se um material muito bom
para o estudo dos detalhes da fertilização, novamente devido ao fato de possuir poucos e grandes
cromossomos. Van Beneden e Boveri descreveram o processo em detalhe. (Fig.8)
A figura 8 mostra desenhos de Boveri, publicados em 1888. A primeira ilustração (A) é de
um corte de um ovo logo após a entrada do espermatozóide. O pró-núcleo paterno aparece no
quadrante inferior direito. As duas massas
irregulares fortemente coradas são os dois
cromossomos – dois é o número haplóide. A
estrutura formando uma cápsula dobrada
imediatamente acima do pró-núcleo paterno é o
acrossomo, que é a parte da cabeça do espermatozóide composta por material do aparelho de
Golgi. A massa granular escura no centro do
óvulo é o centrossomo, que também se origina
Fertilização e restabelecimento do número
do espermatozóide. Existem quatro corpos
diplóide de cromossomos
escuros, aproximadamente na posição corresponO fato básico da fertilização, de que é o esper- dente à das 12 horas; os dois superiores são os
matozóide e não o líquido seminal o desenca- cromossomos do segundo corpúsculo polar. Os
primeira divisão meiótica os cromossomos de
cada par se separam, indo uma díade (cromossomo duplicado) para cada pólo. No entanto, ao
contrário da primeira divisão meiótica da fêmea,
no macho são produzidas duas células de igual
tamanho. Na segunda divisão meiótica não há
replicação cromossômica, as díades se dividem e
cada célula-filha termina com dois cromossomos.
Assim, a partir de cada célula diplóide original, com quatro cromossomos, formam-se quatro
células, cada uma com dois cromossomos, o
número háplóide. Não há outras divisões dessas
células e cada uma se diferencia em um
espermatozóide.
Uma diferença fundamental entre a mitose e a
meiose é que na mitose há uma duplicação de
cada cromossomo para cada divisão celular; na
meiose há somente uma duplicação de cada
cromossomo para duas divisões sucessivas.
Então, a mitose é um mecanismo que mantém
a constância do número cromossômico nas
divisões celulares enquanto a meiose reduz esse
número à metade.
A
D
C
B
F
E
Figura 8. Ilustrações de Boveri da fertilização em Ascaris Veja explicação no texto. (Boveri, 1888)
28
no entanto, meióticas e não mitóticas. Durante estas
duas divisões, as células se dividiam duas vezes mas
os cromossomos se replicavam somente uma vez.
Essas divisões celulares eram iguais, isto é,
produziam, cada uma delas, duas células de mesmo
tamanho. Isso resultava em quatro células de igual
tamanho, cada uma com dois cromossomos, o
número haplóide. As quatro células, então, se
diferenciavam nos espermatozóides.
Depois de muitos ciclos celulares de divisões
mitóticas, algumas das células ovarianas aumentavam bastante em tamanho, formando os
ovócitos. Como no caso dos machos, ocorriam
duas divisões meióticas do material nuclear com
somente uma única replicação dos cromossomos.
A primeira divisão da célula era tão desigual que
a maior parte do material permanecia na célula
que iria originar o óvulo e só uma ínfima
quantidade era incluída no primeiro corpúsculo
polar. Isto se repetia na segunda divisão,
produzindo um minúsculo segundo corpúsculo
polar e um grande óvulo. Todavia, os núcleos do
segundo corpúsculo polar e do óvulo eram
idênticos – cada um continha um número haplóide
de dois cromossomos.
A meiose em Ascaris produzia, portanto, o
espermatozóide monoplóide e o óvulo
monoplóide. A união deles originava o zigoto
diplóide – o início de um novo verme nematóide.
Os processos estão sumarizados na figura 7.
Estava claro pelo trabalho de van Beneden,
Boveri e outros que cada genitor transmite o mesmo
número de cromossomos ao zigoto. Além disso, os
cromossomos no núcleo materno e paterno pareciam ser idênticos. Estas duas observações podiam
ajudar a explicar o que já se acreditava há algum
tempo: que a contribuição hereditária de cada genitor é aproximadamente a mesma.
Este era um campo de pesquisa excitante e
importante e logo muitos pesquisadores estavam
estudando uma grande variedade de plantas e
Significado da formação dos gametas e da
animais. Com poucas exceções, o que se
fertilização
encontrou em Ascaris mostrou-se verdadeiro para
Tudo estava acontecendo como previsto por todos os outros organismos. Certamente existiam
Weismann. As células que iriam, muitas gerações pequenas variações, mas um estudo intenso serviu
mais tarde, formar os gametas, tanto no ovário como somente para aumentar a profundidade do nosso
no testículo de Ascaris, começavam com quatro entendimento do processo global. Um conceito
cromossomos, o número diplóide. E, estas células de aplicação universal havia sido descoberto.
As extraordinárias observações sobre o
se dividiam repetidamente, sempre por mitose.
Nos machos, as duas últimas divisões das células comportamento dos cromossomos na mitose,
formadoras de espermatozóides no testículo eram, meiose e fertilização, feitas entre 1870 e 1890,
dois de baixo são os cromossomos, em número
haplóide, do pró-núcleo materno. O segundo
corpúsculo polar aparece nos cortes de embriões
mostrados em (C) e (E).
Em (B), os pró-núcleos materno e paterno já
se aproximaram um do outro e seus cromossomos
tornaram-se indistintos. Em (C) os cromossomos
alongaram-se bastante e, embora agora saibamos
que existem apenas dois cromossomos em cada
pró-nucleo, isto não pode ser visto na ilustração
(este é um exemplo claro da grande dificuldade
enfrentada pelos citologistas para chegarem à
conclusão de que o número de cromossomos de
qualquer espécie é constante e que os cromossomos são individualmente únicos – na maioria
das vezes eles pareciam tão emaranhados como
um prato de espaguete). Pode-se distinguir dois
grânulos escuros no centrossomo: os centríolos.
Em (D), os cromossomos tornaram-se distintos uma vez mais [de (B) a (C) eles estavam em
um estágio modificado de “repouso”] e vê-se dois
em cada pró-núcleo. O centrossomo dividiu-se
em dois, cada um deles com um centríolo no
centro. Este processo continua através de (E).
Em (F), os quatro cromossomos, dois de cada prónúcleo, estão alinhados no fuso e, logo depois disso,
pode-se ver que cada um está duplicado, isto é, composto por duas cromátides. As cromátides irão se
separar para formar cromossomos independentes
que vão para pólos opostos da célula.
A forma do aparelho mitótico está bem
mostrada em (F). Em cada extremidade do fuso
encontra-se um minúsculo centríolo, cercado por
uma área granular escura – o centrossomo. Em
material bem preservado, pode-se observar fibras
irradiando de cada centrossomo, formando um
áster. Outras fibras se estendem de um centrossomo ao outro, formando o fuso. Em (F), célula
em metáfase da primeira divisão embrionária com
os cromossomos alinhados na placa equatorial.
29
Provou-se que toda fertilização do óvulo,
envolve a união ou estreita associação de dois
núcleos, um de origem materna e o outro de
origem paterna. Está estabelecido o fato, algumas
vezes chamado de “lei de van Beneden” em homenagem ao seu descobridor, que estes núcleos
germinativos primários dão origem a grupos
semelhantes de cromossomos, cada um contendo
metade do número encontrado nas células do
corpo. Demonstrou-se que quando novas células
germinativas são formadas cada uma volta a
receber apenas metade do número característico
de cromossomos das células do corpo.
Acumularam-se evidências, especialmente
pelos estudos admiráveis de Boveri, que os
cromossomos de sucessivas gerações de
células, que normalmente não são vistos nos
núcleos em repouso, na realidade, não perdem
sua individualidade, ou que de uma maneira
menos óbvia eles se adaptam ao princípio da
continuidade genética. Desses fatos, tirou-se
uma conclusão de que os núcleos das células
do corpo são diplóides ou estruturas duplas,
descendentes igualitários dos grupos de
cromossomos de origem materna e paterna do
ovo fertilizado. Esses resultados, continuamente confirmados pelos trabalhos dos últimos
anos [isto é, ciência normal], gradualmente
tomaram um lugar central na Citologia; [...]
Uma nova era de descobertas agora se abre
[um novo paradigma]. Assim que o fenômeno
mendeliano tornou-se conhecido ficou
evidente que em linhas gerais, ele forma um
complemento para aqueles fenômenos que a
Citologia já tinha tornado conhecido a
respeito dos cromossomos.”
Esta citação é parte da famosa Croonian Lecture to the Royal Society of London proferida por
Wilson em 1914. Nessa época as relações entre
cromossomos e herança já haviam sido testadas
e se mostrado verdadeiras acima de qualquer
suspeita..
principalmente na Alemanha, forneceram um
quadro geral para a transmissão de geração a
geração das estruturas fundamentais responsáveis
pela herança.
Pode-se argumentar, com razão, que esses
estudos não forneceram qualquer evidência crucial de que os cromossomos seriam, de fato, a
base física da hereditariedade. Eles apenas sugeriam que os cromossomos poderiam desempenhar
tal papel. Nem mesmo durante as últimas duas
décadas do século XIX se chegou próximo à
descoberta de como seria possível estabelecer o
papel de uma estrutura celular na herança. Tanto
a Citologia como o que atualmente chamamos
de Genética estavam no estágio de ciência normal Kuhniana, esperando pela chegada de um
novo paradigma. Isso iria ocorrer, de uma forma
dramática, no ano de 1900.
Mas antes de entrarmos no século XX,
podemos concluir com este sumário de E. B.
Wilson sobre o que havia sido estabelecido durante o florescimento da Citologia no último
quarto do século XIX.
“O trabalho da Citologia neste período de
estabelecimento de seus fundamentos construiu uma
base ampla e substancial para as nossas concepções mais gerais de hereditariedade e seu substrato
físico. Foi demonstrado que a base da hereditariedade é uma conseqüência da continuidade
genética das células pela divisão e que as células
germinativas são o veículo da transmissão de uma
geração para outra. Acumularam-se fortes evidências de que o núcleo da célula desempenha um
papel importante na herança.
Descobriu-se o significativo fato de que em
todas as formas ordinárias de divisão celular o
núcleo não divide “em massa” mas que primeiro
ele se transforma em um número definido de
cromossomos; estes corpos, originalmente formados por longos fios, dividem-se longitudinalmente
para efetuar uma divisão merismática da substância nuclear inteira.
EXERCÍCIOS
PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS
Preencha os espaços em branco nas frases de
1 a 6 usando o termo abaixo mais apropriado.
1. ( ) é um tipo de divisão nuclear em que os
núcleos-filhos conservam o mesmo número de
cromossomos do núcleo original.
(a) anáfase
(b) meiose
2. A migração dos cromossomos para os pólos
ocorre na ( ).
(c) metáfase
(d) mitose
(e) prófase
(f) telófase
30
3. ( ) é um tipo de divisão nuclear que reduz à
metade o número de cromossomos nos
núcleos-filhos.
PARTE B: L IGANDO CONCEITOS
4. Cromossomos arranjados na região equatorial da célula caracteriza a fase da divisão
chamada ( ).
5. ( ) é a primeira fase da divisão celular, na
qual os cromossomos se tornam evidentes.
Utilize as alternativas abaixo para completar as
frases de 18 a 21.
a. fertilização
b. meiose
c. mitose
18. Na ( ) ocorre uma replicação cromossômica
para duas divisões celulares.
19. Na ( ) ocorre uma replicação cromossômica
para uma divisão do citoplasma.
6. ( ) é a fase final da divisão celular, em que
os núcleos se reorganizam.
20. Apenas células diplóides se dividem por ( ).
21. Células diplóides e haplóides se dividem
por ( ).
Preencha os espaços em branco nas frases de
7 a 11 usando o termo abaixo mais apropriado.
Utilize as alternativas abaixo para completar as
frases de 22 a 25.
(a) corpúsculo polar (c) haplóide (e) ovogônia
(b) diplóide
(d) ovócito
a. células diplóides
b. células haplóides
7. ( ) é uma célula que está sofrendo meiose e
dará origem a um gameta feminino.
22. Ovogônias são sempre ( ).
8. Uma célula animal feminina que irá sofrer
meiose é chamada ( ).
23. Gametas são sempre ( ).
9. ( ) é o termo usado para designar uma célula
que possui dois conjuntos de cromossomos.
10. ( ) é o nome das minúsculas células que se
formam no decorrer da meiose feminina.
24. Zigotos são sempre ( ).
25. Meiose produz sempre ( ).
26. Dos cinco eventos listados a seguir,
quatro ocorrem tanto na mitose quanto na
meiose. Indique qual deles acontece essencialmente na meiose?
a. Condensação dos cromossomos.
b. Formação do fuso.
c. Emparelhamento dos cromossomos.
d. Migração dos cromossomos.
e. Descondensação dos cromossomos.
11. ( ) é o termo que designa uma célula que
possui apenas um conjunto de cromossomos.
Preencha os espaços em branco nas frases de
12 a 17 usando o termo abaixo mais apropriado.
(a) cromátide
(b) díade
(c) fertilização
E FATOS
(d) pró-núcleo
(e) sinapse
(f) tétrade
Utilize as alternativas abaixo para completar as
frase de 27 e 28.
12. Dois cromossomos emparelhados no início
da meiose formam um(a) ( ).
13. O emparelhamento de cromossomos na
meiose é chamado ( ).
a. Antonie van Leeuwenhoek
b. Nehemiah Grew
c. Robert Brown
d. Robert Hooke
14. ( ) é o nome do núcleo do espermatozóide
ou do óvulo imediatamente antes de eles se
fundirem para formar o núcleo do zigoto.
27. ( ) é considerado o descobridor da célula.
28. ( ) foi o descobridor do núcleo celular.
15. Um cromossomo duplicado, formado
portanto por dois filamentos idênticos, é
chamado ( ).
16. ( ) é nome que se dá a cada um dos dois
filamentos que formam um cromossomo
duplicado.
Utilize as alternativas abaixo para completar as
frases de 29 a 33.
a. August Weismann
b. Rudolph Virchow
c. Theodor Schwann
d. Walther Flemming
29. A idéia de que a formação do corpúsculo polar
é uma estratégia para a redução do material
hereditário do óvulo foi lançada em 1887 por ( ).
17. A fusão de dois gametas com formação de
um zigoto é chamada ( ).
31
30. Um dos formuladores da teoria celular foi ( ).
31. A célebre frase “omnis cellula e cellula”,
indicando que toda célula provém da divisão
de outra célula, foi cunhada em 1855 por ( ).
32. ( ) é considerado o descobridor da mitose
pelo fato de ter demonstrado que os eventos
cromossômicos observados em células fixadas
e coradas ocorriam nas células vivas.
33. A teoria celular mostrou que, apesar das
diferenças visíveis a olho nu, todos os seres
vivos são iguais em sua constituição básica, pois
a. são capazes de se reproduzir
sexuadamente.
b. são formados por células.
c. contêm moléculas.
d. se originam de gametas.
a. Espermatozóide.
b. Óvulo.
c. Primeiro corpúsculo polar.
d. Segundo corpúsculo polar.
e. Ovócito primário.
f. Ovócito secundário.
37. Qual é a hipótese central da teoria celular?
38. Por que foi difícil estender o conceito de
célula para os animais?
39. Que critério Schwann utilizou para
estabelecer relações de semelhança entre as
unidades microscópicas que compõem o corpo
dos animais e das plantas?
40. Que tipo de observação permitiu concluir
que espermatozóides eram células?
41. Por que não se deve chamar o núcleo
interfásico de núcleo em repouso, como faziam
os antigos citologistas? Por que era usado
aquele nome?
34. Os vírus não são exceções à teoria
celular pois
a. são formados por células.
b. formam gametas.
c. são organismos vivos.
d. só conseguem se reproduzir no interior de
uma célula viva.
42. O que Weismann imaginou ser necessário
para manter a constância do número de
cromossomos através das gerações?
43. Identifique as principais diferenças entre
mitose e meiose.
PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR
O número diplóide de cromossomos da espécie
humana é 46. Essa informação deve ser usada
para responder as questões 35 e 36.
35. Determine o número de filamentos
cromossômicos (cromátides) presentes em um
núcleo celular humana em
a. prófase mitótica.
d. telófase mitótica.
b. prófase I da meiose. e. telófase I da meiose.
c. prófase II da meiose. f. telófase II da meiose.
Obs. No caso das telófases, considere apenas
um dos núcleos em formação.
36. Determine o número de filamentos
cromossômicos (cromátides) presente em cada
um dos tipos celulares relacionados a seguir.
32
44. Analise os tipos de argumento usados para
justificar a idéia de que a informação hereditária
estaria contida nos gametas.
45. Que tipo de raciocínio dedutivo levou os
antigos citologistas a concluir que a mitose não
poderia ser o único tipo de divisão celular?
46. Qual é o significado da meiose e da
fertilização no ciclo de vida dos organismos?
47. Que importantes paradigmas direcionaram
as pesquisas citológicas nos primeiros dois
terços e no último terço do século XIX,
respectivamente?
M ENDELISMO: AS LEIS DA SEGREGAÇÃO
E DA SEGREGAÇÃO INDEPENDENTE
Terceira aula
Objetivos
(T3)
1. Identificar as épocas da descoberta e redescoberta
das leis fundamentais da hereditariedade, assim
como os pesquisadores envolvidos.
2. Identificar as vantagens da ervilha para o estudo
da hereditariedade.
3. Descrever os experimentos de Mendel.
4. Explicar como Mendel testou suas hipóteses
sobre hereditariedade.
5. Enunciar a primeira e a segunda leis de Mendel.
Texto adaptado de:
MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986.
AS ORIGENS DA GENÉTICA
O ano de 1900 marca o início da Genética
Moderna. Foi quando um modesto, subestimado
e esquecido trabalho de um monge Agostiniano,
falecido em 1884, tornou-se conhecido pela
comunidade científica em geral. A área de
cruzamento animal e vegetal tinha passado por
um período longo e não-excitante de “ciência
normal” kuhniana, mas em 1900 estava para
acontecer uma notável mudança de paradigma e
a Genética estava a caminho de se tornar uma
Ciência com ampla capacidade de explicar fatos
e de fazer previsões. O novo paradigma surgiu
com a descoberta de um trabalho longo e pouco
conhecido, Versuche über Pflanzen-Hybriden,
baseado em conferências que Gregor Mendel
proferiu na Sociedade de História Natural de
Brünn, na Áustria (hoje Brno, na atual República
Tcheca) em 8 de fevereiro e 8 de março de 1865,
publicado em 1866.
A história é familiar aos professores de Biologia e uma fonte apropriada de documentos básicos é fornecida por Stern & Sherwood (1966).
Dois cientistas, o holandês Hugo de Vries (1900)
e o alemão Carl Correns (1900) são considerados
como os primeiros a compreender a importância
do que Mendel tinha feito. Um terceiro cientista,
o austríaco Erick von Tschermark, é usualmente
33
incluído como um dos redescobridores mas Stern
e Sherwood (1966, p. X-XI) dão razões de porque ele não merece esse reconhecimento.
De Vries havia cruzado numerosas “espécies”
e variedades de plantas durante a última década
do século XIX. Naquela época, o termo “espécie”
era às vezes aplicado para plantas cultivadas que
diferiam entre si por um ou poucos alelos capazes
de produzir grandes alterações fenotípicas e que
hoje são considerados como pertencentes à mesma espécie. De Vries adotou o ponto de vista de
que estas diferentes “espécies” poderiam ser
consideradas “como constituídas de fatores independentes” ou unidades e que, “As unidades
determinantes dos caracteres específicos das
espécies devem ser consideradas, nesse sentido,
como entidades nitidamente separadas e deveriam ser estudadas como tal. Elas deveriam ser
sempre tratadas como independentes umas das
outras, uma vez que não há razão para ser de
outro modo. Em todo experimento de cruzamento, apenas um caráter, ou um número definido deles, deve ser considerado.”
De Vries se referiu a caracteres em estados
antagônicos mas observou que somente um
desses estados se expressava nos híbridos (isto
é, em F1). Contudo quando os grãos-de-pólen e
óvulos eram formados nos híbridos “os dois
estados antagônicos das características se
separavam, seguindo na maioria das vezes as
leis simples da probabilidade”.
De Vries verificou que essas conclusões essenciais a que havia chegado tinham sido apresentadas
35 anos antes por Mendel, cujo trabalho tinha sido
esquecido e seu significado não compreendido.
A história de como De Vries tomou conhecimento do trabalho de Mendel é bem interessante.
Ele não o descobriu por meio de pesquisa bibliográfica, mas por um desses acasos extraordinários
que parecem ser de grande importância nas descobertas científicas. Um cientista holandês, Professor Beyerinck, sabia que De Vries estava trabalhando com hibridação de plantas e escreveu perguntando se ele não estaria interessado em uma
antiga publicação sobre o assunto. Era o trabalho
de Mendel. A carta e a publicação chegaram às
mãos De Vries em 1900, justamente quando ele
estava preparando seus próprios resultados para
publicação. Ele estava preparado para compreender que estava confirmando os experimentos
anteriores e mais completos de Mendel.
A história sobre Correns é igualmente interessante. Ele também tinha realizado experimentos de cruzamento com plantas e estava tentando
desenvolver uma hipótese para explicar os resultados obtidos. No outono de 1899, a solução veio
a ele num “estalo” que, com mais freqüência do
que se imagina, parece ser a origem de rupturas
verdadeiramente importantes em Ciência. Pouco
tempo depois ele encontrou o trabalho de Mendel
e o leu. Ele publicou seus próprios resultados e
mostrou sua semelhança com os de Mendel.
A famosa obra de Gregor Mendel não é um
trabalho científico no sentido convencional, mas
um conjunto de conferências que ele apresentou
na Sociedade de História Natural de Brünn em
1865. Os dados completos nunca foram publicados mas, a parte que ele incluiu, juntamente
com sua extraordinária análise dos resultados,
coloca sua contribuição no mesmo nível da de
Charles Darwin.
Mendel estava plenamente consciente dos
experimentos de cruzamentos de plantas, normalmente chamados de hibridação, que haviam sido
realizados durante anos por muitos cientistas
famosos. Nenhuma lei geral havia sido proposta,
como já vimos ao considerar o insucesso de Darwin no livro Variation ... publicado somente dois
anos depois do trabalho de Mendel .
Mendel começou seus experimentos sobre
hereditariedade alguns anos antes da publicação,
em 1859, da obra On the Origin of Species e uma
das razões para o que ele se propunha a fazer,
como ele próprio diz, era a necessidade de “se
chegar a uma solução para a questão, cujo significado para a história evolutiva da vida não deve
ser subestimado.” Assim, o trabalho de Mendel
começou como “Ciência normal” dentro do paradigma da Teoria da Evolução. Somente mais tarde
é que ele iria se tornar o início de um novo paradigma – A Genética mendeliana. Este é um ponto
interessante, pois mostra como uma descoberta
em um determinado campo da Ciência pode ser
de grande importância para outro campo.
MATERIAL
E MÉTODOS USADOS
POR
MENDEL
Características favoráveis da ervilha
Na metade do século XIX, as pessoas interessadas em hibridação de plantas tinham uma
riqueza de material à sua disposição. Numerosas
variedades de uma mesma espécie, tanto de
plantas comestíveis como ornamentais, tinham
sido selecionadas. Muitas das variedades diferiam
bastante entre si; algumas eram tão diferentes que
chegavam a ser consideradas espécies distintas e
recebiam nomes científicos próprios.
Mendel decidiu trabalhar com ervilhas e começou com 34 variedades. Ele as cultivou por duas
estações para estar seguro de que elas eram capazes
de se cruzar e produzir descendência fértil. No
final reduziu o número a 22 variedades. (Fig. 9)
As ervilhas tinham vantagens importantes.
Além de existir muitas variedades disponíveis,
como já mencionamos, elas eram fáceis de se
cultivar e seu tempo de geração era curto. Os
descendentes obtidos por cruzamento entre as
variedades eram férteis. A estrutura da flor
também era importante. Os estames e pistilos
ficavam encobertos pelas pétalas e, se as flores
fossem cobertas para evitar a ação dos insetos,
elas se autofecundavam, isto é, o pólen caía sobre
o estigma da mesma flor.
Apesar disso, era possível fazer cruzamentos
experimentais removendo as anteras antes da
maturação da flor e, mais tarde, colocando pólen
de outra planta sobre o estigma. Assim, Mendel
podia cruzar qualquer uma das suas variedades
34
Estandarte
Estandarte
➤
➤
Ala
Carena
➤
B
➤
A
➤
➤
➤
➤
Ala
Sépalas
Óvulo
Carena
Estandarte
o mesmo que dizer que 3/4 da amostra
é de um tipo e 1/4 da amostra é de outro
tipo ou então que 75% é de um tipo e
25% de outro.
Na discussão do experimento de
Mendel que se segue procurou-se
apresentar o tópico de uma maneira
que auxilie a compreensão e permita
uma apreciação a altura do que
Mendel fez.
➤
OS RESULTADOS
Ala
DE
MENDEL
As características estudadas
➤
Por meio de cruzamentos genéticos tenta-se descobrir a base hereditária das diferenças; ao mesmo tempo
as informações obtidas podem nos
Estigma
Filete
ajudar a entender porque indivíduos
Anteras
➤
de uma mesma espécie se parecem
E
tanto entre si. Não se cruzam indivíduos geneticamente idênticos na
D
esperança de se descobrirem leis da
Óvulo
Estilete
herança. Por isso Mendel escolheu
variedades de ervilhas que diferiam
entre si. A diferença era em relação
Figura 9. Representação esquemática da flor de ervilha (Pisum
aos estados das características entre
sativum). A. Flor inteira. B. Corte longitudinal da flor. C. Pétalas
isoladas. D. Estames envolvendo o pistilo. E. Pistilo.
as diversas variedades. Assim,
(Redesenhada de Rawitscher, F. Elementos básicos de Botânica.
algumas de suas variedades tinham
São Paulo: Nacional, 1967)
sementes lisas enquanto que em
outras as sementes eram rugosas
ou, se ele deixasse as flores intactas, a próxima (angulosa seria a melhor tradução do termo usado
por ele); algumas das suas variedades tinham
geração seria resultado da autofecundação.
sementes amarelas e outras, verdes. Ao todo, ele
usou 7 caracteres, que apresentavam estados
A análise matemática
contrastantes, como se segue:
Aqueles que já ensinaram Genética mendeliana
sabem que muitos estudantes têm dificuldade com
CARÁTER AFETADO
E STADO
a Matemática. Isso poderá se tornar mais fácil
quando chegarmos a 1903 e colocarmos as unidaTextura da semente
lisa ou rugosa
Cor da semente
amarela ou verde
des hereditárias nos cromossomos, mas vale fazer
Revestimento da semente colorido ou branco
um pequeno esforço agora para entender alguns
Textura da vagem
inflada ou enrugada
aspectos críticos do modelo mendeliano como,
Cor da vagem
verde ou amarela
por exemplo, a proporção 3 : 1 para um par de
Posição da flor
axilar ou apical
estados contrastantes de um caráter pode ser exComprimento do caule
longo ou curto
pandida para a proporção 9 : 3 : 3 : 1 quando se
trata de dois pares de estados de dois caracteres.
Variedades apresentando estados contrastantes
Em minha experiência, um dos princípios mais
difíceis para os estudantes é aprender que 1/4 de de caracteres foram cruzadas por meio da remo1/4 não é 1/2 nem 1/8, mas 1/16. Além disso, os ção das anteras ainda imaturas das flores de uma
estudantes devem perceber que a proporção 3 : 1 é variedade e colocação de pólen de outra varie➤
Pétalas que formam a carena
➤
➤
➤
➤
➤
C
35
dade, sobre seus estigmas. A primeira geração
híbrida, ou F1 ( abreviatura para first Filial generation) para usarmos um termo introduzido mais
tarde, dava um resultado uniforme: todos as
plantas F1 exibiam o estado da característica de
um dos genitores. Mendel chamou de dominante
o estado da característica que aparecia nas plantas
F1, em contraste com o estado da característica
que não aparecia, por ele chamado de recessivo.
Estes resultados, tão familiares hoje em dia,
eram bastante inesperados naquela época.
Embora outros casos semelhantes ao obtido por
Mendel já houvessem sido descritos, a regra geral
era a de que os indivíduos de F1 apresentassem
estados de caracteres intermediários aos dos pais.
E na maioria dos casos, isso ocorria por uma
simples razão: se as variedades diferirem em
diversas características os indivíduos F1 serão, em
geral, mais ou menos intermediários entre os tipos
parentais. Mas Mendel concentrou-se na análise
da herança dos detalhes, ou seja, dos caracteres
isolados, e não do indivíduo como um todo. Nesse
sentido, ele esqueceu da planta como um todo e
questionou somente se as ervilhas tinham sementes lisas ou rugosas, se eram altas ou baixas etc.
As plantas F1 foram protegidas para não serem
polinizadas pelos insetos e, em conseqüência se
autofecundaram. De novo, os resultados foram
uniformes. Para cada um dos sete tipos de cruzamento originais entre plantas com estados de
caráter contrastantes, a descendência F2 assemelhava-se a um ou outro genitor da geração P.
Ele nunca encontrava intermediários.
A proporção 3 : 1
Enquanto que a maioria dos cultivadores de
plantas tinha descrito somente o reaparecimento
de ambas as variedades em F2 ( abreviatura para
second Filial generation), Mendel fez uma coisa
simples e extraordinária. Ele contou o número
de indivíduos com cada característica. Os resultados para os sete tipos de cruzamentos foram
os mesmos: a proporção de três plantas com a característica dominante para uma com a recessiva.
Ou nós podemos dizer 3/4 (75%) de F2 apresentava o estado dominante e 1/4 (25%), o estado
recessivo da característica analisada (Tab. 1).
Estas proporções e porcentagens eram
derivadas dos dados brutos observados. Por
exemplo, no caso do
cruzamento de plantas
Tabela I. Resultados obtidos por Mendel em cruzamentos entre variedades
puras de sementes lisas
de ervilha.
com plantas puras de
sementes rugosas, Mendel
Tipos de cruzamento
Características
Autofecundação
Plantas F
Razão entre
obteve 7324 sementes F2
entre plantas “puras”
das plantas F
de F
os tipos F
das
quais 5474 eram lisas
5474 lisas
Lisa X Lisa
1. Textura das sementes
Sementes lisas
e 1850, rugosas – uma
1850 rugosas
2,96 : 1
Lisa X Rugosa
proporção de 2,96 para 1.
7324 (total)
6022 amarelas
O cruzamento de plantas
Amarela X Amarela 2001 verdes
2. Cor das sementes
Sementes
3,01
:
1
Amarela X Verde
amarelas
“puras” de sementes ama8023 (total)
relas com plantas “puras”
705 cinzas
Semente de
Cinza X Cinza
3. Cor da casca
224 brancas
de sementes verdes produ3,15 : 1
das sementes
casca cinza
Cinza X Branca
929 (total)
ziu 8023 sementes F2 das
882 infladas
quais
6022 eram amarelas
Vagens infladas
Inflada X Inflada
4. Textura das vagens
299 comprimidas 2,95 : 1
Inflada X Comprimida
e 2001, verdes – uma
1181 (total)
proporção de 3,01 para 1.
428 verdes
Vagens verdes
Verde X Verde
5. Cor das vagens
152 amarelas
Podemos ver que Mendel
2,82 : 1
Verde X Amarela
580 (total)
tinha razão em suspeitar que
651 axilaress
a resposta teórica deveria se
Flores axilares
Axilar X Axilar
6. Posição das flores
207 terminais
3,14 : 1
Axilar X Terminal
3 : 1 e não 3,01 para 1. Estes
858 (total)
eram cruzamentos mono787 longos
Caule longo
Longo X Longo
7. Comprimento do caule
277 curtos
íbridos, isto é, envolviam só
2,84 : 1
Longo X Curto
1064 (total)
um carácter com dois
estados contrastantes.
2
1
1
2
36
A proporção 9 : 3 : 3 : 1
Quando Mendel seguiu a herança de duas
características com dois pares de estados contrastantes, no cruzamento diíbrido, foram obtidos
novamente, resultados uniformes. As plantas da
geração F1 exibiam os dois estados dominantes das
características analisadas e, em F2, apareciam quatro
tipos de planta na proporção de 9 : 3 : 3 : 1. Isto é,
9/16 de F2 mostrava ambos os estados dominantes, 3/16 mostrava um dominante e outro
recessivo, 3/16 mostrava o outro dominante e o
primeiro recessivo e 1/16 tinha ambos os estados
recessivos dos caracteres.
Assim, quando as plantas cruzadas na geração
original P eram do tipo liso-amarelo e rugosoverde, todos os F1 apresentavam sementes do tipo
liso-amarelo. Na geração F2, Mendel obteve 315
sementes do tipo liso-amarelo, 108 liso-verde,
101 rugoso-amarelo e 32 rugoso-verde. Para um
total de 556, a proporção dos diferentes tipos foi
de 9,8 : 3,4 : 3,2 : 1. Estas proporções representam os dados reais, mas Mendel propôs a hipótese
de que o resultado teórico esperado deveria ser
9 : 3 : 3 : 1.
Agora nosso problema é analisar como a
proporção 3 : 1 está relacionada com a 9 : 3 : 3 : 1.
No cruzamento amarelo com verde, a geração
F2 seria 3/4 amarela e 1/4 verde; no cruzamento
liso e rugoso, F2 seria 3/4 lisa e 1/4 rugosa.
Uma pergunta que se pode fazer nesse ponto
é se com base nessas informações seria possível
prever a proporção de 9 : 3 : 3 : 1 obtida em F2?
Para muitos essa pergunta parecerá um problema
insolúvel, mas a análise a seguir resolve a questão.
Quando duas ou mais características com
estados contrastantes estão envolvidas, pode-se
verificar que a proporção 3 : 1 ainda é mantida
se considerarmos cada característica individualmente. Verifique no cruzamento mencionado
acima (liso-amarelo x rugoso-verde) que a
proporção 3 : 1 é mantida para cada um dos pares
de estados das características consideradas.
Isso pode ser verificado também matematicamente. Considere a proporção 9/16 liso-amarelo:
3/16 liso-verde: 3/16 rugoso-amarelo: 1/16
rugoso-verde. Considerando o par liso/rugoso
separadamente, temos 9/16 + 3/16 = 12/16 de
sementes do tipo liso e 3/16 + 1/16 = 4/16 do
tipo rugoso. Desde que 12/16 = 3/4 e 4/16 = 1/4,
nós observamos a proporção 3:1 para esse par
de características. O mesmo é verdadeiro para o
par amarelo-verde.
Assim, se nós perguntarmos em que freqüências aparecerão os indivíduos F 2 de um cruzamento diíbrido, a resposta pode ser obtida com
uma simples multiplicação de frações. Assim, dos
3/4 que serão lisos, 3/4 serão também amarelos e
1/4 será verde; portanto 3/4 x 3/4, ou 9/16, serão
lisos e amarelos e 3/4 x 1/4, ou 3/16, serão lisos
e verdes. Do 1/4 de F 2 que será rugoso, 3/4 serão
também amarelos e 1/4 será verde. Logo, 1/4 x
3/4 (ou 3/16) serão rugosos-amarelos e 1/4 x 1/4
(ou 1/16) será rugoso-verde. Esta é a derivação
da proporção 9 : 3 : 3 : 1.
Estas regularidades foram observadas por
Mendel em todos os seus cruzamentos. Por isso,
ele achou que devia haver um princípio fundamental responsável por elas. E havia.
MODELO
PARA CRUZAMENTO MONOÍBRIDO
A figura 10 é um modelo que explica a hipótese
que Mendel propôs para os cruzamentos monoíbridos. Tanto o esquema quanto a terminologia
seriam padronizados meio século mais tarde, no
início do século XX.
A primeira coisa que um leitor atento notaria
é um “erro” nos genótipos da geração P. Eles
estão mostrados como haplóides ao invés de
diplóides e isto levanta um ponto muito importante em nosso estudo sobre conceitos
genéticos. Mendel usou os símbolos de genótipo
para indicar os tipos de fatores hereditários, e
não seu número por gameta. Os gametas
parentais lisos poderiam conter inúmeros fatores
R, e não somente um, como se acredita hoje. A
[Não devemos nos esquecer que Mendel era professor de autopolinização de linhagens puras lisas
Física; teria havido aqui uma influência do pensamento
produzia apenas descendência lisa, pois seus
de Galileu? “Para Galileu, o objetivo da investigação era
o conhecimento da Lei, captada na própria natureza, pela gametas só podiam conter fatores R. (As letras
observação dos fenômenos, confirmada pela maiúsculas e minúsculas indicam que um alelo
é dominante ou recessivo, respectivamente.)
experimentação e matematicamente quantificada”]
37
A pureza dos gametas
No cruzamento entre plantas “puras” de
sementes lisas com plantas de sementes rugosas
poderia haver apenas um tipo de descendência
(Rr) já que há somente um tipo de pólen e um
tipo de óvulo. Quando estas plantas F1 amadureceram, cada flor produziu óvulos e grãos de pólen.
Agora, surge um dos aspectos mais importantes
do modelo de Mendel: ele assumiu que um
gameta poderia apresentar fatores de hereditariedade de apenas um tipo, isto é, um gameta
produzido pela planta F1 iria ter R ou r, mas nunca
ambos (Fig. 10).
P1 Fenótipo
Liso
X
Rugoso
Genótipo
R
r
Genótipo dos
gametas
➤
➤
R
r
Genótipo
➤
➤
Liso
X
Rr
➤
➤
r
R
➤
➤
F2 Fenótipos
e
Genótipos
Rugoso
Rr
Genótipo dos
gametas
➤
➤
F1 Fenótipo
Liso
Rr
R
Liso
RR
r
rugoso
rr
Liso
Rr
Figura 10. Modelo de um cruzamento mendeliano
monoíbrido. Os genótipos dos indivíduos da geração
P estão representados como mostrado por Mendel em
seu trabalho. O quadro de cruzamento abaixo mostra
a origem do F2 (genótipos como representado atualmente) a partir de pólen e óvulos de F1.
Com certeza, esta idéia seria de difícil aceitação pelos geneticistas do início do século – suas
mentes estavam influenciadas pelo conceito de inúmeras gêmulas. Como um gameta poderia ser
“puro”, ou seja, ter gêmulas apenas do tipo R ou r?
Mendel considerou, então, que os indivíduos
de F1 produziam gametas que continham ou o
fator R ou o r, mas nunca ambos. Em seguida,
ele assumiu que óvulos e grãos de pólen seriam
combinados aleatoriamente e que as freqüências
dos diferentes tipos de descendentes seriam
38
determinadas pelas freqüências dos diferentes
tipos de gametas formados.
Deve-se enfatizar nesse ponto que a aparente
simplicidade do esquema da figura 10, sobre a
origem de F2 a partir de gametas de F1, advém do
fato de as classes genotípicas de óvulos e grãos de
pólen estarem em freqüências iguais. Isto é, cada
indivíduo produz 50% de gametas R (pólen ou
óvulo) e 50%, r. As linhas representam todas as
combinações que podem ocorrer – e elas ocorrem
em freqüências iguais. O gameta R da esquerda,
por exemplo, supondo que seja um grão de pólen),
tem igual oportunidade de se combinar com um
óvulo R ou r. O mesmo é válido para o pólen r.
O quadro inferior da figura 10 é um outro
modo convencional de apresentação que facilita
o entendimento de como um cruzamento
monoíbrido, pela hipótese de Mendel, resulta na
proporção de 3 : 1 em F1.
O modelo é válido para todos os cruzamentos
que envolvem apenas um par de estados contrastantes de uma característica. No entanto, o
modelo explicará os resultados apenas nas seguintes condições:
1. Em cada par de unidades hereditárias contrastantes, um membro do par é dominante e o
outro recessivo. Dominância e recessividade
são definições operacionais – determinadas
pelo fenótipo de um indivíduo que apresenta
ambos os tipos de unidades hereditárias.
2. As unidades hereditárias dominantes e recessivas, quando presentes juntas, não modificam
uma à outra de modo permanente. Assim, em
F1 o fator r do parental rugoso, no cruzamento
da figura 10, está combinado com o fator R
do parental liso. Não há expressão do fator r
em F1, mas em F 2 1/4 dos indivíduos são
rugosos e tão enrugados quanto um de seus avós.
3. Por algum mecanismo desconhecido por
Mendel, os dois tipos de fatores segregam de
tal maneira que cada gameta contém apenas
um dos tipos. Assim, no exemplo, os gametas
conterão R ou r.
4. Ainda por outro mecanismo também
desconhecido por Mendel, os gametas que
contêm R e aqueles que contêm r são
produzidos em números iguais.
5. Combinações entre os grãos de pólen e os
óvulos são totalmente ao acaso e a proporção
da descendência resultante irá depender da
proporção das diferentes classes de gametas.
O teste da hipótese
uniformes: expressavam o fenótipo dominante
dos estados contrastantes das duas características analisadas.
Na formação de gametas pelos indivíduos de
F 1, Mendel assumiu, como no cruzamento
monoíbrido, que cada gameta receberia apenas
um tipo de cada uma das duas unidades contrastantes - R ou r. O mesmo foi assumido em relação
a V e v. Neste ponto, outra condição teve que ser
assumida para explicar os resultados obtidos:
deveria haver uma distribuição independente das
unidades de cada par. Assim, cada gameta deveria
ter ou R ou r, além de V ou v. Deveriam, portanto,
ser formadas quatro classes, tanto de grãos de
pólen quanto de óvulos: RV, Rv, rV e rv. O
modelo também exigia que estas classes deveriam
aparecer em igual freqüência - 25 % cada.
➤
➤
Deve ser enfatizado que a concordância entre
os dados e o modelo não é casual. Apesar dos
itens 1 e 2 acima poderem ser considerados fatos,
os itens de 3 a 5 são totalmente hipotéticos –
foram propostos para explicar os dados. Esse é
um procedimento científico perfeitamente
aceitável. Este modelo deve ser considerado
como uma tentativa de explicação, uma hipótese,
que será conirmada ou não através de testes das
deduções feitas a partir dela.
Um teste decisivo era fácil de ser realizado. A
geração F2 do cruzamento representado na figura
10 era composta por três plantas com a característica dominante lisa para cada planta recessiva
rugosa. No entanto, se a hipótese fosse verdadeira, as sementes lisas deveriam ser de dois tipos
e em proporções previsíveis. Assim, para cada Simulação com moedas
semente com genótipo R (lembre-se que estamos
Um jogo simples com duas moedas diferentes
usando ainda o esquema de Mendel e, portanto,
nos ajudará a entender a origem das quatro classes
não falamos em RR), haveria duas Rr.
Não era possível distinguir
visualmente as sementes R e P Fenótipos
Liso - amarelo
X
Rugoso - amarelo
1
Rr, mas se elas fossem plantaGenótipos
RV
rv
das e ocorresse autofertiliGenótipos
zação de suas flores, a descenRV
rv
dos gametas
dência daria a resposta. Neste
caso, as plantas com genótipo
➤
➤
R produziriam apenas semen- F Fenótipos
X
Liso - amarelo
Liso - amarelo
1
tes lisas, enquanto as plantas
Genótipos
RrVv
RrVv
com genótipo Rr dariam
➤
origem a sementes lisas e
RV
RV
Genótipos dos
Genótipos
rugosas, na proporção de 3:1.
RRVV
grãos de pólen
dos
óvulos
Rv
Rv
Mendel deixou que as plantas
F2 se autofecundassem e obteRRVv
RRVv
rV
rV
ve o resultado esperado de
RrVV
RRvv
RrVV
acordo com sua hipótese.
rv
rv
➤
➤
➤
➤
➤
➤
➤
PARA
RrVv
F2 Genótipos
CRUZAMENTO DIÍBRIDO
A figura 11 mostra o
modelo de cruzamento diíbrido já discutido anteriormente. A linhagem pura de
plantas amarelo-lisas foi
cruzada com a linhagem pura
verde-rugosa. Os indivíduos
resultantes em F 1 foram
➤
➤
MODELO
RrVv
RrVv
Rrvv
rrVV
rrVv
RrVv
Rrvv
rrVv
rrvv
Figura 11. Modelo de um cruzamento mendeliano diíbrido. Os genótipos
da geração P foram representados como Mendel os teria representado. O
quadro de cruzamento mostra a origem de F2 a partir de grãos de pólen e
óvulos de F1 (os genótipos como representados atualmente).
39
de gametas. Cada moeda representará um gene
e, em uma delas, “cara” representará, por
exemplo, o alelo dominante R enquanto “coroa”
será o alelo recessivo r. Na outra moeda, “cara”
representará o alelo dominante V e “coroa”, o
alelo recessivo v. As moedas são então lançadas
e os resultados anotados. Se arremessos
suficientes forem feitos, espera-se 1/4 de “caras”
para ambas as moedas (ou seja, a categoria RV
acima); 1/4 de “coroas” para ambas as moedas
(o que corresponde à categoria rv); 1/4 será
“cara” para uma das moedas e “coroa” para a
outra (= Rv) e 1/4 será o contrário (= vR).
Quando há quatro classes de gametas não é
prático usar as linhas indicativas utilizadas na
figura 10; assim, na parte inferior da figura 11 há
um quadro indicando todas as possíveis
combinações de grãos de pólen e óvulos na
produção de F2 (para simplificar, todos os
genótipos foram representados como diplóides).
Há 16 combinações possíveis e, se considerarmos
os fenótipos, 9 das 16 são amarelo-lisas, 3 são
verde-lisas, 3 são amarelo-rugosas e 1 é verderugosa. Isto representa uma proporção de
9:3:3:1.
Note que somente os fenótipos amarelo-liso
e verde-rugoso estavam presentes nas gerações
P e F1. O modelo predizia, no entanto, que dois
novos tipos de sementes deveriam aparecer:
verde-lisas e amarelo-rugosas.
A seguir estão os resultados registrados por
Mendel para F2:
hipótese predizia que, exceto as 32 sementes
verde-rugosas, todas as outras classes consistiriam de indivíduos geneticamente diferentes,
apesar de iguais na aparência. Isto pôde ser
testado, plantando-se as sementes F2, permitindo
a autopolinização das plantas adultas e, então,
contando-se as sementes F3.
Primeiramente, considere as 32 sementes
verde-rugosas. O modelo prevê que estas
manteriam suas características, se autofecundadas. Tais sementes foram plantadas e 30
atingiram a fase adulta. Todas comprovaram ser
verde-rugosas.
As 101 sementes amarelo-rugosas eram idênticas quanto à aparência. Podemos ver, no
entanto, a partir do modelo da figura 11, que dois
genótipos estão aí representados dentre os 3/16
desta categoria: um dos três é rrVV e os outros
dois são rrVv ( Mendel usaria rV, ao invés de
rrVV, mas, para facilitar, estou usando a mesma
representação da figura 11). Desta forma, uma
em cada três destas sementes, o grupo rrVV,
manteria suas características, produzindo apenas
sementes amarelo-rugosas, por autofecundação.
Já o grupo rrVv ( duas das três), deveria produzir
sementes em uma proporção de 3 amarelorugosas para 1 verde-rugosa. As 101 sementes
foram plantadas, sendo que 96 atingiram a
maturidade. Destas, 28 (onde o esperado era 32)
produziram apenas sementes amarelo-rugosas,
enquanto 68 (o esperado era 64) produziram
tanto sementes amarelo-rugosas como verderugosas em uma proporção de 3:1. Assim, a
dedução a partir da hipótese foi confirmada.
Fenótipo
Obtido Esperado
A mesma análise foi realizada com as sementes
verde-lisas. A proporção de 3/16 desta classe
lisa - amarela
315
313
deveria ser composta por 1/3 RRvv e 2/3 Rrvv.
lisa - verde
108
104
O 1/3, representado por RRvv, deveria produzir
rugosa - amarela
101
104
prole idêntica. Os 2/3 restantes deveriam produzir
rugosa - verde
32
35
sementes em uma proporção de 3 verde-lisas para
1 verde-rugosa. As 108 sementes foram plantadas
Os números observados correspondiam aos e 102 atingiram a maturidade. O número esperado
obtidos experimentalmente por Mendel e os de indivíduos que originariam descendentes todos
números esperados correspondiam à proporção verde-lisos era 34, enquanto 68 resultariam na
exata de 9:3:3:1. A concordância entre os dois proporção de 3 : 1. Os números observados fovalores é extraordinária, como Weldon e Fisher ram 35 e 67, respectivamente.
O teste mais complexo para a hipótese baseounotariam anos mais tarde.
se nos 9/16 de F2 que eram amarelo-lisos. A
Outros testes da hipótese
distribuição no quadro é a seguinte: 1 dos 9 é
O modelo do cruzamento diíbrido permitiu RRVV, 2 são RRVv, 2 são RrVV e 4 são RrVv.
testes ainda mais requintados para a hipótese. A Assim, somente 1/9, o grupo RRVV, deveria
40
linhagem pura de plantas com uma
produzir prole ‘pura’. A descendência de RRVv
característica dominante com outra pura
estaria em uma proporção de 3 amarelo-lisas para
recessiva, o híbrido formado seria idêntico ao
1 verde-lisa. Os RrVV deveriam produzir 3
parental dominante e uniforme na aparência.
amarelo-lisas para 1 amarelo-rugosa. E finalmente, os RrVv, que são iguais aos F1 na figura 3. Já que o híbrido descrito acima era idêntico
em aparência ao parental puro dominante, era
11, deveriam resultar na proporção de 9:3:3:1.
possível concluir que não havia relação exata
As 315 sementes foram plantadas e 301 chegaram
entre genótipo e fenótipo. Assim, o fenótipo
à fase adulta. O modelo predizia que os números
liso poderia ser conseqüência tanto do
esperados em cada classe seriam, na ordem apregenótipo RR (Mendel diria R) quanto do Rr.
sentada acima, 33, 67, 67 e 134. Por exemplo,
1/9 ou 33 sementes deveriam manter suas caracte- 4. Os fatores da hereditariedade responsáveis
pelas condições de dominância e recessividade
rísticas, uma vez que o modelo previa que esse
não eram modificados quando ocorriam junnúmero de sementes corresponderia à RRVV.
tos no híbrido. Se dois destes híbridos fossem
Mendel observou o seguinte resultado: 38, 65,
cruzados, a descendência seria constituída
60 e 138.
tanto por indivíduos manifestando o estado
O fato de F2 resultar em uma F3 que não difere
dominante da característica quanto por aqueles
significativamente da hipótese, em testes tão preciapresentado o estado recessivo, não havendo
sos quanto estes, é um argumento muito forte em
evidência de que os fatores hereditários
favor da validade da hipótese. Em todos os casos
responsáveis por eles fossem modificados por
os números observados foram bem próximos dos
sua associação nos híbridos parentais.
esperados. E os valores esperados basearam-se na
Qualquer indivíduo recessivo de F2 deveria ser
probabilidade dos gametas se comportarem de
acordo com regras precisas. No entanto, os númefenotipicamente idêntico à geração recessiva
ros observados e esperados nunca foram idênticos.
original P.
A probabilidade disto ocorrer equivaleria à proba- 5. Quando híbridos tais como Rr eram
bilidade de obtermos 5 “caras” e 5 “coroas” em 10
cruzados, os dois tipos de unidade heredilançamentos de moedas.
tária (R e r) segregavam um do outro e
recombinavam-se aleatoriamente na fertilização. A proporção fenotípica na descenAS CONCLUSÕES DE MENDEL
dência seria de 3 : 1, enquanto que genotipicamente, usando a nomenclatura atual, seria
Os experimentos de Mendel com cruzamentos
de 1 RR, 2 Rr e 1 rr. A segregação dos
de variedades de ervilha e a notável análise que
fatores de um mesmo par ficou conhecida
ele fez dos resultados levaram a oito importantes
como “Primeira Lei de Mendel”.
conclusões, arroladas a seguir. Deve-se ressaltar
que, em 1865, tais conclusões eram válidas para 6. Essa proporção somente poderia ocorrer se
cada gameta recebesse apenas um tipo de fator
ervilhas e somente para ervilhas. Para ter certeza,
de hereditariedade – no caso, R ou r.
Mendel realizou alguns cruzamentos preliminares
7. Quando um cruzamento envolvia dois pares
com feijão, mas os resultados foram confusos.
de unidades hereditárias contrastantes, tal
1. A conclusão mais importante era a de que a
como RrVv x RrVv, cada par se comportava
herança parecia seguir regras definidas e
independentemente. Isto é, os diferentes tipos
relativamente simples. Mendel propôs um
de unidades hereditárias associavam-se indemodelo que poderia explicar os dados de todos
pendentemente uns dos outros. Então, os
os seus cruzamentos. Além disto, o modelo tinha
gametas podiam ser somente de quatro tipos:
um grande poder de previsão – um objetivo de
RV, Rv, rV ou rv. Desta maneira, todas as
todas as hipóteses e teorias em Ciência.
combinações possíveis seriam obtidas, com
2. Quando dois tipos diferentes de plantas eram
base estritamente na regra de que cada gameta
cruzados, não havia mistura dos estados das
podia apresentar somente um tipo de cada um
características individuais. Nos sete pares de
dos pares de unidades hereditárias. As
estados contrastantes de caracteres estudados,
diferentes classes de gameta estariam em
um estado era dominante e o outro recessivo.
freqüências iguais. Este fenômeno de associaIsto significava que em um cruzamento de uma
41
ção independente ficou conhecido como
“Segunda Lei de Mendel”.
8. A hipótese mendeliana, e sua formulação em
um modelo, era tão específica que deduções
podiam ser feitas e testadas pela observação e
experimentos. Nenhum outro campo da
Biologia experimental havia atingido equivalente nível de desenvolvimento em 1865.
O trabalho de Mendel não é compreendido
Mas, como vimos, naquela época nenhum
biólogo parecia ter consciência de que esse era o
caso. Certamente, o trabalho de Mendel não seria
tão importante, se ele valesse apenas para ervilhas,
do mesmo modo que se a descoberta das células
por Hooke se aplicasse apenas à cortiça.
O campo do conhecimento relativo aos
cruzamentos de plantas estava cheio de dados
que não permitiam conclusões gerais. Mendel
escreveu cartas para um grande estudioso na
área, Nägeli, explicando seus resultados. Nägeli
deve ter considerado os dados para ervilhas
apenas como mais um exemplo da enorme
variação nos resultados obtidos em experimentos de hibridação.
Nägeli sugeriu que Mendel utilizasse outra
planta, a chicória ( Hieracium sp.). Mendel assim
o fez e falhou em encontrar regras consistentes
para a herança. (Ocorre que Mendel não estava
realizando os experimentos que acreditava estar).
Era extremamente dificil realizar experimentos
de hibridação com as pequenas flores de
Hieracium. Contudo, Mendel acreditou ter
conseguido em muitos casos, e surpreendeu-se
com a falta de uniformidade dos resultados. O
problema estava, na realidade, com Hieracium,
e não com Mendel. Muito depois de sua morte,
descobriu-se que, em Hieracium, ocorre um tipo
de desenvolvimento partenogenético, em que há
a formação de um novo indivíduo a partir de um
óvulo não fecundado. Assim, nenhuma proporção
uniforme era de se esperar se parte da prole era
resultado de fertilização e parte, de apomixia.
Deste modo, o próprio Mendel passou a
acreditar que seus primeiros resultados tinham
aplicação restrita, e o fato é que seu modelo foi
ignorado nas três últimas décadas do século XIX.
Durante esse período, os principais estudiosos
de hereditariedade abandonaram o paradigma do
cruzamento experimental e se concentraram
principalmente no comportamento dos cromossomos na meiose, mitose e fertilização. Eles acreditavam estar construindo uma base física para a
herança, e pesquisas posteriores viriam a mostrar
que eles estavam corretos.
EXERCÍCIOS
PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS
4. O desenvolvimento do pólen de uma planta
no estigma da flor de outra planta é um (a) ( ).
Preencha os espaços em branco nas frases
de 1 a 8 usando o termo abaixo mais
apropriado.
(a) autofecundação
(e) hibridação
(b) espécie
(f) híbrido
(c) fecundação cruzada (g) óvulo
(d) grão-de-pólen
(h) variedade
5. A ( ) em ervilha é feita removendo-se as
anteras de uma flor, antes de sua maturação e,
mais tarde, colocando-se pólen de outra planta
sobre o seu estigma.
1. A estrutura da flor que contém os gametas
masculinos, ou núcleos gaméticos, é o ( ).
6. O termo ( ), empregado por Mendel, referese ao indivíduo proveniente do cruzamento
entre duas plantas de linhagens diferentes.
2. O ( ) das plantas angiospermas é uma
estrutura multicelular onde se forma o gameta
feminino, a oofera.
7. ( ) era o termo usado para designar plantas
cultivadas que diferiam entre si quanto a uma
ou algumas características contrastantes, transmissíveis aos descendentes.
3. Na ervilha ocorre ( ) , isto é, o gameta
masculino fecunda o gameta feminino da
mesma flor.
8. ( ) é o termo usado para designar grupos
de populações naturais capazes de se cruzar,
produzindo descendência fértil.
42
21. Uma das premissas do modelo mendeliano
de monoibridismo é que a ( ) se dê
aleatoriamente na fertilização, por meio da
combinação ao acaso dos gametas masculinos
e femininos.
Preencha os espaços em branco nas frases de
9 a 16 usando o termo abaixo mais apropriado.
(a) dominante (d) geração F1 (g) monoíbrido
(b) fenótipo (e) geração P (h) recessivo
(c) genótipo (f) geração F2
9. As duas linhagens puras com uma ou mais
características em seus estados contrastantes
que são cruzadas em um experimento genético
constituem o (a) ( ).
10. Mendel chamou de ( ) o estado da
característica que aparecia em todas as plantas
da primeira geração híbrida.
11. O estado da característica que não aparecia
nos indivíduos híbridos foi denominado por
Mendel de ( ).
12. A primeira geração híbrida, ou seja, aquela
resultante do cruzamento entre indivíduos de
variedades diferentes, é chamada ( ).
13. A descendência resultante da autofecundação da primeira geração híbrida é chamada ( ).
14.O termo ( ) é empregado para designar as
características apresentadas por um indivíduo,
sejam elas morfológicas, fisiológicas, ou
comportamentais.
15. O termo ( ) refere-se à constituição genética
do indivíduo, isto é, aos fatores hereditários,
ou genes, que ele possui.
16. Um cruzamento ( ) envolve indivíduos que
diferem apenas quanto a um caráter, com dois
estados contrastantes.
Preencha os espaços em branco nas frases de
17 a 21 usando o termo abaixo mais apropriado.
(a) associação dos fatores
(b) haplóide
(c) diplóide
(d) pureza dos gametas
(e) segregação dos fatores
17. Gameta é uma célula ( ) pois apresenta
apenas um lote de cromossomos.
18. O zigoto, por possuir dois lotes cromossômicos, é uma célula ( ).
19. A expressão ( ) significa que um gameta
contém apenas um fator para cada característica hereditária.
20. A ( ) ocorreria, segundo Mendel, na
formação dos gametas e seria responsável por
sua pureza.
PARTE B: LIGANDO CONCEITOS
E FATOS
Utilize as alternativas abaixo para completar as
frases de 22 a 26.
(a). 1 : 1
(b). 1 : 2 : 1
(c). 3 : 1
(d). 1 : 1 : 1 : 1
(e). 9 : 3 : 3 : 1
22. Nos cruzamentos envolvendo apenas um
par de caracteres contrastantes, Mendel obteve
na geração F 2 indivíduos com características
dominante e recessiva, na proporção de ( ).
23. Quando Mendel seguiu a herança de duas
características, isto é, em cruzamentos diíbridos,
encontrou na geração F2 indivíduos com ambos
os estados dominantes para as duas
características analisadas , com um dominante e
o outro recessivo, com o primeiro recessivo e o
outro dominante e com ambos recessivos,
respectivamente, na proporção de ( ).
24. A proporção de ( ) na geração F 2
corresponderia, segundo o modelo do
monoibridismo, aos genótipos dos indivíduos
dominantes puros, híbridos e recessivos,
respectivamente.
25. Um organismo heretorozigótico quanto a um
par de fatores formará gametas na ( ).
26. Um organismo duplo-heterozigótico quanto
a dois pares de fatores com segregação independente formará gametas na proporção ( ).
27. Mendel selecionou 22 ( ) de ervilha capazes
de se cruzar e produzir descendência fértil, para
seus experimentos de hibridação.
a. espécies
c. populações
b. fatores
d. variedades
28. De acordo com o modelo do monoibridismo,
os indivíduos da geração F 2
a. são todos puros.
b. são todos híbridos.
c. são metade puros e metade híbridos.
d. são 3/4 puros e 1/4 híbridos.
29. Se você tem uma drosófila com uma
determinada característica dominante, que tipo
de teste poderia ser feito para se determinar
se ela é pura (AA) ou híbrida (Aa)?
43
Utilize as alternativas abaixo para responder às
questões 30 e 31.
a.
b.
c.
d.
cinza. O cruzamento desses últimos indivíduos
entre si produziu uma geração F2 constituída
por 198 camundongos cinzas e 72 brancos.
associação
dominância
segregação independente
segregação
a. Proponha uma hipótese para explicar esses
resultados.
b. Com base na sua hipótese faça um diagrama
do cruzamento e compare os resultados
observados com os esperados de acordo com
o diagrama.
30. A pureza dos gametas é resultado da ( )
dos fatores de cada par na formação dos
gametas.
31. Os quatro tipos de gametas que um diíbrido
forma resulta da ( ) dos fatores dos dois pares.
42. Um dos diferentes tipos de albinismo que
ocorrem na espécie humana é determinado por
um fator recessivo a.
PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR
32. No que a análise de Mendel diferiu da de
seus predecessores que trabalharam com
hibridação de plantas?
a. Do casamento entre uma mulher portadora
do fator para albinismo (Aa) e um homem albino, qual a proporção esperada de filhos albinos?
33. Quais as razões que levaram Mendel a
escolher ervilha como material para os seus
experimentos?
b. Do casamento entre dois portadores (Aa),
qual a proporção esperada de filhos albinos?
34. Qual foi a hipótese levantada por Mendel
para explicar a proporção 3 : 1 obtida em
cruzamentos monoíbridos?
43. Em algumas variedades de gado bovino, a
ausência de chifres é condicionada por um fator
dominante (C). Um touro sem chifres foi cruzado
com três vacas. No cruzamento com a vaca I,
portadora de chifres, foi produzido um bezerro
sem chifres. No cruzamento com a vaca II,
portadora de chifres, foi produzido um bezerro
com chifres. No cruzamento com a vaca III, sem
chifres, foi produzido um bezerro com chifres.
35. Como pode ser derivada a proporção
9 : 3 : 3 : 1, típica de um cruzamento diíbrido, a
partir da proporção 3 : 1, típica de um cruzamento monoíbrido?
36. Quais das condições necessárias para que
o modelo mendeliano fosse válido podiam ser
consideradas fatos?
a. Proponha uma hipótese para explicar esses
resultados.
37. Como se explica o fato de Mendel não ter
encontrado as proporções previstas por suas
leis em cruzamentos de plantas de Hieracium?
38. Admitindo-se a segregação independente,
quantos tipos de gameta cada indivíduo abaixo
produz?
I. AaBbCCdd; II. AaBbcc; III. AAbbCCDDEe
39. Enuncie a primeira e a segunda leis de
Mendel.
40. Com base nas hipóteses e observações de
Mendel, esquematize os resultados esperados
nos seguintes cruzamentos:
a. ervilha alta homozigótica (dominante) com
ervilha anã.
b. F1 do cruzamento (a) entre si.
c. F1 do cruzamento (a) com a ervilha anã original.
41. O biólogo francês Cuenot, no início do
século, cruzou camundongos selvagens de cor
cinza, com camundongos brancos (albinos). Na
primeira geração todos os indivíduos tinham cor
44
b. Com base na sua hipótese faça um diagrama
do cruzamento e compare os resultados
observados com os esperados de acordo com
o diagrama.
44. Uma planta de flores longas e brancas foi
cruzada com outra de flores curtas e vermelhas.
Os descendentes obtidos, todos de flores
longas e vermelhas, foram autofecundados
produzindo os seguintes tipos de descendente:
63 com flores longas e vermelhas,
21 com flores longas e brancas,
20 com flores curtas e vermelhas e
8 com flores curtas e brancas.
a. Proponha uma hipótese para explicar esses
resultados.
b. Com base na sua hipótese faça um diagrama
do cruzamento e compare os resultados
observados com os esperados pelo diagrama.
A REDESCOBERTA E A EXPANSÃO
DO MENDELISMO
Quarta aula
(T4)
Texto adaptado de:
MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986.
MENDELISMO ,
Objetivos da Unidade
1. Identificar os motivos que fizeram com que o trabalho
de Mendel permanecesse ignorado por 35 anos.
2. Explicar os motivos do antagonismo entre mendelistas
e biometristas.
3. Conceituar os seguintes termos: alelo, homozigoto,
heterozigoto, loco gênico e gene.
4. Resolver problemas sobre variações nas proporções
mendelianas.
dúvida, encontrada na negligência em relação
aos estudos experimentais sobre o problema de
Espécie, decorrente da aceitação geral das
doutrinas darwinianas. O problema da Espécie,
conforme concebido por Gartner, Kölreuter,
Naudin, Mendel e os demais hibridistas da
primeira metade do século XIX, não mais atraia
os pesquisadores. A questão, acreditava-se, já
havia sido respondida e o debate concluído.
Ninguém mais tinha interesse no assunto [uma
mudança de paradigma!]. Várias outras linhas
de pesquisa haviam sido repentinamente abertas
e, em 1865, os pesquisadores mais entusiastas
naturalmente consideraram esses novos métodos
mais atraentes do que as observações tediosas
dos hibridistas, cujos questionamentos tinham,
além do mais, levado a resultados inconclusivos.
Entretanto, se pretendemos avançar no estudo
da hereditariedade e levar adiante o problema
de “O que é uma Espécie?” como uma questão
diferente de “Como uma espécie sobrevive?”
devemos voltar e retomar a linha de questionamento exatamente como Mendel a tomou.”
E, como podemos ver, foi exatamente o que
Bateson fez.
O trabalho de Mendel com ervilhas não é o
único exemplo de uma importante descoberta não
compreendida pela comunidade científica de seu
tempo. Novos paradigmas dificilmente são
prontamente identificados e adotados. A maioria
UM NOVO PARADIGMA
Muita importância é dada ao fato de que o
trabalho de Mendel foi publicado em uma obscura
revista de uma sociedade também obscura, de tal
modo que foi esquecido ou desconhecido por 35
anos, durante os quais floresceram a Citologia e
um enorme interesse pela hereditariedade. Um
julgamento mais acurado, eu acredito, nos levaria
à conclusão de que sua publicação foi desconsiderada, e não desconhecida. Essa publicação era
do conhecimento de Focke (1881), que a discutiu
brevemente em seu criterioso tratado de hibridação em plantas, e também foi mencionada mais
tarde por Bailey (1895). Como já mencionado,
Mendel se correspondia com um dos mais proeminentes estudiosos de hereditariedade daqueles
tempos, Karl Wilhelm von Nägeli, o qual não se
mostrou impressionado com os resultados dos
cruzamentos em ervilhas.
A explicação de Bateson, em sua introdução
à publicação de Mendel (Mendel, 1902, p.2), foi
a seguinte: “Pode parecer surpreendente que um
trabalho de tal importância não tenha tido reconhecimento por tanto tempo, e não tenha se
difundido no mundo científico. É bem verdade
que a revista em que ele foi publicado era pouco
divulgada, mas circunstâncias como esta raramente tem retardado o reconhecimento de um
trabalho pela comunidade. A causa será, sem
45
dos cientistas de qualquer época, estará ocupada
fazendo sua ciência normal, seguindo os paradigmas preexistentes. A dificuldade em mudar o
que se faz e como se pensa gera resistência às
novas idéias e ao empreendimento de novos programas de pesquisa.
Isto não foi problema para de Vries e Correns
em 1900. A razão pela qual eles entenderam a
importância das conclusões de Mendel foi terem
feito o mesmo tipo de trabalho e desenvolvido
hipóteses semelhantes, antes mesmo de lerem a
publicação de Mendel. Eles estavam trabalhando
no novo paradigma antes de conhecerem seu
paradigmático autor.
O mesmo pode ser dito de Bateson. Ele havia
estudado variação e hibridação em plantas por
anos e, apesar de nunca ter observado as regularidades do modelo mendeliano, ele sabia os tipos de
experimentos que deveriam ser feitos. Considere o
parágrafo a seguir, sobre as idéias de Bateson.
Em 11 e 12 de julho de 1899, uma terça e uma
quarta-feira, a “Royal Horticultural Society”
realizou uma “Conferência Internacional sobre
Hibridação (cruzamento entre espécies) e sobre
Cruzamento de Variedades” em Chiswick,
Londres. O volume 24 da revista da Sociedade
consiste do registro da conferência. Assim, temos
acesso às opiniões de importantes pesquisadores
em hibridações com plantas, da época imediatamente antes de Mendel mudar sua Ciência. A
maioria dos artigos da revista descrevem
resultados de cruzamentos, mas Bateson preferiu
um discurso mais teórico, como podemos notar
no trecho seguinte (Bateson, 1900a): “O que
precisamos inicialmente saber é o que acontece
quando uma variedade é cruzada com outras
variedades próximas. Se pretendemos que o
resultado tenha algum valor científico, é quase
absolutamente necessário que a descendência de
tais cruzamentos seja então examinada estatisticamente. Deve ser registrado quantos descendentes se parecem com cada um dos parentais e
quantos mostram o caráter intermediário entre
eles. Se os parentais diferem em vários caracteres, a descendência deve ser examinada estatisticamente e classificada, considerando cada um
dos caracteres separadamente.”
É como se Bateson estivesse aconselhando um
estudante de graduação, que atendia pelo nome
de Mendel, como planejar o programa de pesquisa
para seu Ph.D. (doutorado em filosofia)!
Há vários aspectos da história de Mendel que
são interessantes. Um deles é a atenção quase universal que é dada ao cientista que fez a descoberta.
Até recentemente, cientistas, especialmente
biologistas, raramente poderiam ter a expectativa
de fazer fortuna como cientistas – isto é, ganhar
uma grande soma de dinheiro. A recompensa para
um cientista era o próprio prazer de investigar a
natureza e a aprovação de seus pares pela pesquisa
bem feita e pela formulação de hipóteses arrojadas
e imaginativas. Hoje, cientistas vêem o trabalho de
Mendel com admiração. Como poderia ter ele
avançado tanto em relação aos paradigmas da época
e feito observações que, logo após sua morte,
revolucionariam as Ciências Biológicas?
Outro ponto interessante é que, repetidamente
na história, parece que quando o campo está
“pronto” a descoberta será feita. Se Mendel não
tivesse nascido, o caminho da Genética não seria
muito diferente. Ao redor de 1900, alguém chegaria às mesmas conclusões. Apenas aconteceu de
serem de Vries e Correns. Tschermak estava tão
perto da resposta que geralmente é incluído com
de Vries e Correns como co-redescobridor.
Bateson, em mais ou menos um ano, poderia ter
descoberto independentemente as regras mendelianas da herança. Como parece, o progresso da
Ciência é inevitável.
OPOSIÇÃO
INICIAL AO MENDELISMO
No decorrer da história de Mendel, podemos ser
levados a acreditar que em 1900, com a publicação
dos artigos de de Vries e Correns, a “Ciência pura”
tinha finalmente triunfado. Mas não foi bem assim.
Havia vigorosa, muitas vezes sarcástica, oposição
às conclusões de Mendel (Provine, 1971). Esse
duelo científico envolveu principalmente três
ingleses - William Bateson versus Karl Pearson e
W. F. R. Weldon, cada lado apoiado por um grupo
de seguidores. As duas escolas eram fundamentalmente diferentes em suas propostas. Bateson
procurava informações sobre herança através de
cruzamentos experimentais. Weldon, Francis Galton
e Karl Pearson procuravam aplicar métodos matemáticos, especialmente estatísticos, aos problemas
biológicos. A oposição destes biometristas é realmente surpreendente, se lembrarmos que Mendel
se baseou na matemática.
A disputa básica começou antes de 1900 e
estava relacionada com a temática evolutiva. Mais
46
uma vez era o caso de paradigmas conflitantes.
Weldon, Galton, Pearson e outros eram seguidores de Darwin, acreditando que a evolução dos
seres está baseada em alterações filogenéticas
graduais. Em populações naturais a variação
tende a ser contínua. Quando organizados pelo
tamanho ou outra característica qualquer, os indivíduos de uma espécie parecem mostrar uma
variação contínua. Não surpreende que se considerasse a evolução envolvendo mudanças tão
pequenas que, apenas após longo intervalo de
tempo, seria possível observar qualquer diferença.
A lei da herança ancestral de Galton
Uma importante asserção desta escola da
variação contínua era a “lei da herança ancestral”
de Galton. Ele considerava a herança na sua totalidade e realçava que cada característica hereditária
de um indivíduo não provinha apenas dos pais,
mas também dos ancestrais mais remotos. Galton
(1897) propôs sua famosa lei, baseando-se em
cuidadoso estudo de genealogias de cães basset.
“A lei a ser examinada pode parecer à primeira vista muito artificial para ser verdadeira, mas
uma análise mais acurada mostra a predisposição advinda dessa impressão superficial é infundada. O assunto será mencionado novamente,
por enquanto a lei deve ser enunciada. Ela diz
que os dois genitores contribuem ambos com
aproximadamente metade, ou (0,5) do total da
herança da descendência; os quatro avós, com
um quarto, ou (0,5)2; os oito bisavós, com um
oitavo, ou (0,5)3, e assim por diante. Assim, a
soma da contribuição ancestral é expressa pela
série {(0,5) + (0,5) 2 + (0,5)3 + ....)}, que, sendo
igual a 1, dá conta de toda a hereditariedade.”
Assim, traços de nossos mais remotos ancestrais poderiam ser encontrados em nós e esta
herança passada frearia mudanças repentinas. As
exigências darwinianas de um mecanismo para
mudanças imperceptíveis e lentas na evolução
estariam então satisfeitas.
Mas, como funcionaria a Lei de Galton? Atualmente, a noção de que nossos genes são herdados
apenas dos nossos pais, exatamente metade de
cada, está tão fixada em nossas mentes, que não
podemos imaginar um mecanismo de herança de
ancestrais veneráveis, sobrepondo-se à paterna.
A resposta é que Galton estava se referindo a
fenótipos, e não genótipos. Já era bem conhecido
47
que um indivíduo pode expressar certas características fenotípicas que seus pais não expressam.
Variação contínua e descontínua em debate
A noção de variação contínua em evolução e,
claro, em herança, foi contestada por Bateson e
outros. Ele havia estudado evolução e hereditariedade por muitos anos. Em 1894, produziu o
imenso volume Materials for the Study of Variation Treated with Especial Regard to Discontinuity in the Origin of Species (“Materiais para o
Estudo da Variação voltado especialmente para
a Descontinuidade na Origem das Espécies”). Ele
desejava descobrir se as evidências sugeriam que
a evolução é produto de variação contínua ou
descontínua, e concluiu que esta última é possível.
Sobre isso, escreveu, em 1900: “Nós aprendemos
que Evolução é um processo muito lento, acontecendo por passos infinitesimais. Na horticultura
é raro acontecer algo desse tipo .... O melhoramento de organismos anda a galope. Nesse caso,
portanto, em que pode ser mostrado que a variação dos organismos é descontínua, não é mais
necessário supor que para sua produção foram
necessárias inúmeras gerações de seleção e
acúmulo gradual das diferenças, e o processo
de Evolução torna-se assim mais fácil de ser
entendido. De acordo com o que pode ser descrito
como a visão mais aceita, esse processo consiste
na transição gradual de um tipo normal para outro
tipo normal. Essa suposição implica na hipótese
quase impossível de que cada tipo intermediário
apareceu sucessivamente entre as duas formas
extremas. Se existir descontinuidade essa hipótese
é totalmente dispensável.”
Não é de admirar que Bateson acreditou ser o
paradigma mendeliano tão aceitável. Diferenças
hereditárias poderiam ser marcantes, isto é, as
variações pareciam ser descontínuas. Para
Bateson e seus seguidores o modelo de Mendel
era compatível com o seu paradigma.
(Como um aparte, seria interessante notar que
o motivo deste debate ainda hoje é pertinente.
Alguns evolucionistas acreditam que o padrão
principal seguido pela evolução é baseado em
mudanças pequenas. Outros acreditam ser o
padrão comum de pequenas mudanças, ocorrendo durante longos períodos de tempo, seguidas
por mudanças bruscas de curta duração –
equilíbrio pontuado. Parte da confusão é conse-
qüência da dificuldade de definição quanto ao
tamanho da mudança, para considerá-la grande
ou pequena. Além disso, o que é exatamente um
longo ou um curto período de tempo? Alguns
curtos períodos são de 10 mil anos. A resposta
será, provavelmente, que algumas linhagens
caracterizam-se por mudanças lentas e relativamente constantes ao longo das eras, outras por
períodos de estase e de saltos, e outras por
mudanças pequenas em períodos muito longos
de tempo. As duas escolas opostas seriam, então:
“Evolução Gradual” e “Evolução em Saltos”).
A veemência com que estes debates se
deram indica claramente que os partidários do
antigo paradigma da variação contínua sentiram-se ameaçados. Mesmo aqueles que, do
outro lado, viram a proposta de Mendel como
uma grande promessa, isto é, a idéia da variação
descontínua, tinham que admitir que as conclusões de Mendel não poderiam explicar os
resultados de cruzamentos para todos os organismos e para todas as características.
A conseqüência foi que Bateson e os hibridistas continuaram a realizar experimentos que
mostravam até que ponto os princípios de Mendel
poderiam ser aplicados, e Weldon e outros continuaram a apontar que nem tudo poderia ser explicado a partir da hipótese original de Mendel.
Weldon (1902) resumiu as conclusões de
Mendel e escreveu: “É evidente a importância
de se testarem essas afirmações incomuns por
meio de um estudo cuidadoso dos resultados
numéricos, e pela aplicação de tais testes sempre
que possível. Tenho a impressão que ao negligenciarem essas precauções alguns escritores
deixaram de apreciar como os resultados de
Mendel concordam de modo surpreendentemente
consistente com sua teoria.”
A concordância entre o esperado e o obtido
por Mendel
Weldon submeteu as proporções obtidas por
Mendel a testes estatísticos e concluiu que: “se os
experimentos fossem repetidos uma centena de
vezes, nós esperaríamos obter um resultado pior
cerca de 95 vezes, ou as chances contra um resultado igual ou melhor que esse é de 20 para 1 .”
Anos mais tarde, ainda outro cientista inclinado à área matemática, R. A. Fisher (1936), veio
a considerar a questão dos dados de Mendel
serem “tão bons”. De qualquer modo, havia abun48
dante confirmação disto. Sinnott e Dunn (1925,
p. 47) relacionaram as proporções obtidas por
Mendel e por outros seis experimentadores que
tentaram conferir os resultados dele, entre 1900
e 1909. No caso de amarelo x verde, por exemplo,
o número total de sementes foi 179399. Destas,
134707 eram amarelas (75,09%) e 44692
(24,91%) eram verdes. Mendel havia registrado
75,05% e 24,95%, respectivamente. Aparentemente, não era muito difícil a obtenção de dados
“tão bons”.
Mendel nunca publicou seu trabalho completo.
Seu artigo de 1865 foi baseado em palestras e
pareceu razoável a ele selecionar os dados dos
cruzamentos que melhor ilustravam a hipótese
que estava propondo. Em conferências, normalmente, os cientistas não descrevem todos os seus
experimentos, nem apresentam todos os seus
resultados – mesmo quando parecem fazê-lo.
Então, Mendel também estava seguindo os procedimentos de sua época, não os atuais. Mas, após
todas as verificações e discussões, comprovouse que Mendel estava certo.
S. Wright (1966) estudou novamente os dados,
e concluiu “Estou convicto, entretanto, de que
não houve esforço deliberado em falsificação”.
A questão da dominância e da recessividade
Weldon continuou a questionar a noção de
dominância e recessividade. Ele cometeu o erro,
que Mendel insistiu em evitar, de assumir que um
tal fenótipo implica sempre em um mesmo genótipo. Weldon conhecia muitas variedades de
ervilhas que tinham características semelhantes
àquelas que Mendel usou. Mas elas nem sempre
davam os mesmos resultados quando cruzadas.
Weldon parecia não entender que um determinado
fenótipo em uma variedade poderia não ter a
mesma base genotípica que um fenótipo aparentemente idêntico, em outra variedade. Além disso,
Weldon parecia não entender a importância de se
conhecer previamente a constituição dos pais se, por exemplo, o fenótipo era produzido por
um genótipo homozigótico ou heterozigótico. No
entanto, foi capaz de citar casos onde a dominância não era completa e os “híbridos” eram intermediários. Isto seria comprovado em vários casos,
como Correns e outros iriam descobrir mais tarde.
Weldon atacava a idéia de que as “afirmações
de Mendel eram universalmente válidas” e
resumiu, “Eu penso que nós só podemos concluir
que aquela segregação dos caracteres das
sementes nos cruzamentos de ervilha não é de
ocorrência universal, e que quando ocorre, pode
ou não seguir as leis de Mendel. A lei da segregação, como a lei da dominância, parece portanto
se aplicar a raças com ancestralidades particulares... . O erro fundamental que invalida todo
trabalho baseado no método de Mendel é negligenciar a ancestralidade, e tentar considerar o
efeito completo de um genitor particular sobre a
descendência, como devido à existência no
genitor de caracteres estruturais particulares;
enquanto que os resultados contraditórios
obtidos por aqueles que observaram a descendência de genitores aparentemente idênticos em
certos caracteres mostram claramente que não
apenas os pais, mas também sua raça, isto é,
sua ancestralidade, devem ser levados em conta
antes que os resultados de um cruzamento entre
eles possam ser previstos.”
A última objeção é um tanto estranha.
Mendel tomou muito cuidado para se assegurar
que suas variedades originais sofressem autofertilização. Esta é uma das razões pelas quais
ele obteve sucesso, quando tantos falharam. O
última frase da citação mostra que Weldon
ainda achava que a Lei da Herança Ancestral
de Galton deveria ser considerada.
O mendelismo estava em clara competição
com a Lei de Galton e, portanto, não surpreende
que os biometristas estivessem ansiosos para
contestar seus resultados e conclusões – foi isso
que Weldon fez. Algumas indicações da alta
consideração desse grupo por Galton estão
presentes nas seguintes citações de Pearson
(1898): “Em resumo, se a lei do Sr. Galton pode
ser firmemente estabelecida, ela é uma solução
completa, em qualquer caso, para todo o problema de hereditariedade. Ela baseia a questão
da herança em duas constantes, que podem de
uma vez por todas ser determinadas; daí sua
importância fundamental.”
E Pearson fecha seu artigo com esta arrogante
nota: “No momento eu meramente registraria
minha opinião pessoal que, com todas as reservas
devidas, me parece que a Lei da Herança Ancestral irá provar ser uma das mais brilhantes
descobertas do Sr. Galton; é altamente provável
que é seu enunciado descritivo simples que reúne
sob o mesmo foco todas as complexas linhas da
hereditariedade. Se a evolução darwiniana é
seleção natural combinada com hereditariedade,
então a afirmação simples que abarca todo o
campo da hereditariedade deverá se tornar para
o biólogo uma referência quase do mesmo nível
que a lei da gravitação é para o astrônomo.”
Bateson versus Weldon
Esta área desenvolveu-se muito rapidamente
no anos 1900 - 1903. O artigo de deVries (1900)
sobre a ‘redescoberta’ havia sido submetido à
publicação em 14 de março de 1900 e o de
Correns (1900) em 26 de abril. Essas publicações
geraram muita discussão. Logo depois, Bateson
(1900b) discutiu tais artigos em um encontro da
“Royal Horticultural Society”. Subseqüentemente, foi feita uma tradução do artigo de Mendel
(1902), possibilitando uma análise por todo o
mundo científico – poucas bibliotecas deveriam
possuir o original de 1865. O artigo anti-Mendel
de Weldon (1902) foi recebido pelos editores da
Biometrika em 9 de dezembro de 1901.
Bateson iniciou imediatamente a produção de
um livro, Mendel’s Principles of Heredity: A defense (“Os Princípios da Hereditariedade de
Mendel: Uma Defesa”) (1902). Este livro não
apenas apresenta uma tradução dos artigos de
Mendel sobre Pisum e Hieracium, como também
discute seus dados com clareza.
Bateson, então, documenta a visão errônea e
distorcida de Weldon sobre o trabalho de Mendel.
Weldon, vendo seu paradigma severamente contestado, respondeu-lhe de uma maneira que gostaríamos de acreditar não ocorresse em Ciência. Ele
trouxe o descrédito para si mesmo e para os biometristas como um grupo. Bateson conclui com o
seguinte: “Eu acredito que o que escrevi convenceu
o leitor de que nós estamos [como conseqüência
do trabalho de Mendel] finalmente começando a
nos mover. O Professor Weldon declara que ele
“não deseja depreciar a importância das
realizações de Mendel”; que ele deseja “simplesmente chamar a atenção para uma série de fatos
que para ele parecem sugerir linhas frutíferas de
investigação”. Eu me aventuro a auxiliá-lo nesse
propósito, pois eu penso que, da maneira como ele
está desamparado - citando uma frase de Horace
Walpole, está tão próximo de acender fogo com
pano molhado quanto de estimular o interesse pelas
descobertas de Mendel com sua apreciação
humorada. Se eu contribui um pouco para essa
causa, meu tempo não foi perdido.
49
Nestas páginas eu apenas toquei as fronteiras
desse novo campo que está se descortinando
diante de nós, de onde em um período de dez
anos deveremos olhar para trás, para o cativeiro
dos dias atuais. Logo, toda a ciência que lida
com animais e plantas estará repleta de descobertas que o trabalho de Mendel tornou possíveis. O criador, seja de plantas ou de animais,
não mais se desgastando nos velhos caminhos
tradicionais, será superado apenas pelo químico
em recursos e em capacidade de previsão. Cada
concepção de vida da qual fizer parte a hereditariedade - e qual delas estaria isenta? - deverá
mudar antes do desencadeamento de fatos que
está por vir.”
A previsão de Bateson sobre o que se veria
dez anos mais tarde estava correta - Morgan estabeleceria as bases para um desenvolvimento
espantoso em Genética.
Bateson, o campeão e o profeta, fez muito para
proteger e promover o mendelismo em sua fase
inicial. Ele agiu de maneira similar a seu compatriota,
Thomas Henry Huxley, que meio século antes, havia
sido vigoroso e efetivo defensor do darwinismo.
DEFININDO
Bateson (em Bateson e Saunders, 1902)
forneceu-nos algumas das terminologias básicas
para a Genética mendeliana: “Esta pureza da
linhagem germinativa, e sua incapacidade de
transmitir simultaneamente as duas características antagônicas, é o fato central do trabalho
de Mendel. Nós chegamos assim à concepção
de unidades de caráter existentes em pares antagônicos. Nós propomos para tais caracteres a
denominação de alelomorfos, e para o zigoto
formado pela união de gametas portadores de
alelomorfos antagônicos, a denominação de
heterozigótico. De modo semelhante, o zigoto
formado pela união de gametas portadores de
alelomorfos semelhantes deve ser chamado
homozigótico”. Mais tarde, o termo alelomorfo
foi encurtado para alelo.
ALGUNS TERMOS GENÉTICOS
No ano de 1902 surgiu uma outra publicação
de fundamental importância - a primeira das
comunicações ao Comitê de Evolução da Royal
Society, realizada por Bateson e pela senhorita
Saunders (1902). Em 1897 eles deram início a
uma série de cruzamentos em uma grande
variedade de plantas e animais. Seu objetivo inicial
era aprender mais sobre os fenômenos de herança
contínua e descontínua, e também sobre o fenômeno da “predominância”, que mais tarde seria
denominado dominância. Naquela época eles
pensaram que, “Do que foi averiguado até o
momento sobre o fenômeno da hereditariedade,
não se pode evitar a inferência de que não há
uma lei universal, mas que, por meio do estudo
de diversos casos específicos, diferentes leis
podem ser descobertas.”
Um empreendimento muito grande para Darwin, Nägeli, Weismann e Galton! Por outro lado,
Bateson e Saunders, antes de publicarem seus
resultados, perceberam que “todo o problema da
hereditariedade estava sofrendo uma completa
revolução”. Essa visão permitiu que eles usassem o
paradigma mendeliano para explicar seus resultados.
50
Distinguindo gene e alelo
Nesse ponto irei explicar como planejo usar
os termos gene, loco gênico, e alelo. Os
professores com larga experiência no ensino de
Genética em cursos introdutórios sabem o quanto
é difícil para os estudantes lidarem com essa
terminologia. Esta dificuldade se deve mais ao
modo inexato como muitos geneticistas usam
estes termos, do que à falta de competência do
aluno. E, atualmente, apareceu um complicador
adicional: quanto mais se sabe a respeito das bases
moleculares de um loco gênico, mais complicado
se torna o conceito de gene. No momento, vamos
ignorar o presente e discutir os genes como eles
eram concebidos nos Anos Dourados da Genética
Clássica: pequenas contas de um colar – na
verdade, não exatamente isso.
O principal problema é o uso freqüente dos
termos alelo e gene como sinônimos. Eu tentarei
não fazer isso, mas como muitos de meus amigos
geneticistas, eu poderei algumas vezes incorrer
nesse erro. Gene será a menor porção do cromossomo (os átomos da hereditariedade!) que produz
um efeito definido que, é claro, precisa ser detectável (ou nós nunca poderiamos saber de sua
existência). A posição que o gene ocupa no
cromossomo será seu loco. Alelos serão as diferentes variantes detectáveis de um dado gene.
Cada gene deve ter pelo menos dois alelos – de
outro modo nós não saberíamos de sua existência.
Um gene revela sua existência quando ele muta
de tal modo que o novo alelo mutante tenha um
efeito detectável.
VARIAÇÕES
NAS PROPORÇÕES
MENDELIANAS
Os resultados dos cruzamentos entre variedades de ervilhas - dominância e recessividade,
segregação e segregação independente, com suas
conse-qüências, ou sejam, a proporção 3 : 1 em
F2 de um cruzamento monoíbrido e a proporção
9 : 3 : 3 : 1 no F2 de um cruzamento diíbrido exibiram um alto grau de uniformidade e, por
isso, levantaram a questão da universalidade
dos resultados.
Um caso típico de monoibridismo
Em sua primeira comunicação ao Comitê de
Evolução, Bateson e Saunders (1902) descreveram vários cruzamentos, muitos dos quais iniciados antes deles tomarem conhecimento do
trabalho de Mendel. Saunders descreveu seus
experimentos com plantas de espécies selvagens
do gênero Lychnis. Algumas das espécies são
pubescentes, isto é, com pêlos, e outras são
glabras, isto é, sem pêlos.
a. Cruzamentos de plantas pubescentes com
plantas glabras produziram em F1 1006 plantas
pubescentes e nenhuma glabra.
b. Quando indivíduos F1 foram cruzados entre
si, obteve-se um F2 constituído por 408 plantas
pubescentes e 126 glabras. Esses resultados
podem ser explicados assumindo-se a existência de um gene condicionante do caráter, que
se apresenta sob a forma de um alelo dominante, condicionante do traço pubescente, e
de um alelo recessivo, condicionante do traço
glabro. Essa conclusão se baseia no fato de o
caráter glabro não ter aparecido em F1, mas
ter reaparecido em 1/4 dos indivíduos de F2.
c. Quando um indivíduo F1 foi cruzado com uma
planta pubescente pura, a descendência continha
41 plantas pubescentes e nenhuma glabra.
d. Quando um indivíduo F1 foi cruzado com
uma planta glabra pura, a descendência
obtida era formada por 447 plantas pubescentes e 433 glabras.
de dois tipos de gameta (nas mesmas proporções)
pela geração F1, a qual é, portanto, formada por
indivíduos heterozigóticos.
Com base nesse raciocínio, quando se deseja
determinar o genótipo de um indivíduo com
fenótipo dominante faz-se o cruzamento dele com
um indivíduo com fenótipo recessivo. No caso
dos descendentes serem todos de fenótipo dominante, conclui-se que o indivíduo em teste formou
apenas um tipo de gameta, sendo, portanto,
homozigótico. No caso de se obter os dois fenótipos na progênie, conclui-se que o indivíduo em
teste formou dois tipos de gameta, sendo,
portanto, heterozigótico. Esse tipo de cruzamento, com o intuito de se determinar o genótipo
de um indivíduo, é chamado cruzamento-teste.
Herança da forma da crista em Gallus gallus
Na mesma publicação Bateson descreveu seus
primeiros experimentos com Gallus gallus. Ele
estudou muitos tipos de características, incluindo
a forma da crista desses galináceos. (Fig. 12)
A
B
C
D
Figura 12. Tipos de crista em Gallus gallus: A. crista
simples; B. crista ervilha; C. crista rosa; D. crista noz.
Esses tipos de cruzamento, em que o indivíduo
é cruzado com um ou outro dos tipos parentais
Um dos tipos de crista era ervilha e o outro,
recebe o nome de retrocruzamento. O fato de
no retrocruzamento com o parental recessivo (d) simples.
ter sido produzido 50% de indivíduos pubescentes a. Quando ervilha foi cruzada com simples, todo
o F1 apresentou crista ervilha.
e 50% glabros corrobora a hipótese da produção
51
b. Quando indivíduos F1 foram cruzados entre si, f. A situação se tornou mais complicada com o
a descendência foi composta por 332 indivíduos
resultado do cruzamento entre animais de uma
com crista ervilha e 110 com crista simples.
linhagem pura de crista ervilha com animais
de uma linhagem pura de crista rosa. A geração
Esses resultados podem ser explicados assuF 1 foi uniforme mas todos os animais
mindo-se a existência de um gene condicionante do
apresentavam um tipo de crista diferente da
caráter, que se apresenta sob a forma de um alelo
dos tipos parentais – crista noz. Esse tipo de
dominante, condicionante de crista ervilha, e de um
crista já era conhecido de outros cruzamentos.
alelo recessivo, condicionante de crista simples.
Em uma segunda publicação (Bateson et al., g. Quando os F1 com crista noz foram cruzados
entre si, obteve-se, em F2, 99 noz, 26 rosa, 38
1905), Bateson relatou outros experimentos sobre
ervilha e 16 simples.
herança da forma da crista em Gallus gallus.
Pode-se perceber que a proporção em F2 é
c. Quando indivíduos com um terceiro tipo de
aproximadamente
9 : 3 : 3 : 1. Esta proporção pode
crista, denominada rosa, foram cruzadas com
indivíduos de crista simples obteve-se um F 1 ser tomada como significando o envolvimento de
dois genes cada um deles com um par de alelos.
totalmente composto por rosa.
Estes alelos estão cumprindo as regras mendelianas
d. Quando os F1 foram cruzados entre si, obtevede dominância, segregação e segregação indepense um F2 formado por 221 rosa e 83 simples.
dente. A situação é enigmática apenas porque ame. Quando indivíduos F1 foram cruzados com
bos os pares estão afetando a mesma característica,
indivíduos de crista simples, a descendência foi
a forma da crista. (Figs. 13 e 14)
composta de 449 rosa e 469 simples. (Fig. 13)
h. Quando indivíduos noz foram cruzados com
Esses resultados podem ser explicados assusimples, a descendência foi de 139 noz, 142
mindo-se a existência de um gene condicionante do
rosa, 112 ervilha e 141 simples.
caráter, que se apresenta sob a forma de um alelo
Esse foi um cruzamento teste, onde um
dominante, condicionante de crista rosa, e de um
indivíduo recessivo (crista simples) foi cruzado
alelo recessivo, condicionante de crista simples.
Assim, rosa e ervilha são ambos dominantes com um indíviduo cujo genótipo se deseja
sobre simples. Mas como pode haver três alelos: determinar (crista noz). O fato de terem sido
produzidos quatro tipos de descendente nas
simples, rosa e ervilha?
P1 Fenótipo
R
r
➤
simples
rr
Rosa
Rr
E
E
➤
➤
Rosa
RR
Ervilha
Ee
e
R
F2 Fenótipos
e
Genótipos
X
Ee
Genótipo dos
gametas
r
➤
➤
Ervilha
➤
Genótipo
Rosa
Rr
R
e
Rr
➤
➤
F2 Fenótipos
e
Genótipos
E
➤
r
Genótipo dos
gametas
F1 Fenótipo
➤
➤
Genótipo dos
gametas
ee
Rosa
Rr
Simples
EE
➤
X
X
Genótipo
➤
Genótipo
➤
➤
Rosa
Ervilha
➤
rr
P1 Fenótipo
➤
RR
➤
F1 Fenótipo
Simples
➤
Genótipo dos
gametas
X
➤
Genótipo
Rosa
Ervilha
e
Ee
Ervilha
simples
EE
ee
Ervilha
Ee
Figura 13. Diagramas genéticos de cruzamentos entre galináceos com diferentes tipos de crista.
52
P1 Fenótipos
Ervilha
Genótipos
X
Rosa
EErr
➤
➤
Genótipos
dos gametas
eeRR
Er
eR
Noz
Genótipos
EeRr
X
Noz
EeRr
➤
➤
ER
ER
EERR
Er
Er
➤
➤
EERr
eR
Genótipos
dos óvulos
➤
➤
Genótipos dos
espermatozóides
➤
➤
➤
➤
F1 Fenótipos
EERr
eR
F2 Genótipos
EeRr
EErr
EeRr
Eerr
EeRR
EeRr
eeRR
eeRr
➤
➤
EeRR
er
er
EeRr
Eerr
eeRr
proporção fenotípica obtida
em F2 pode-se explicar esse
caso supondo que a cor da flor
seja determinada por um único
gene com dois alelos. Uma
planta homozigótica para um
dos alelos produz flor rosa, a
homozigótica para o outro
alelo produz flor branca e a
heterozigótica produz flor
violeta [Nota do tradutor:
Posteriormente, este e outros
casos semelhantes, no quais
a proporção fenotípica era
1 : 2 : 1 e não 3 : 1 passaram a
ser denominados de padrão de
herança monofatorial com
codominância]
Herança da cor da flor em
Lathyrus e em Matthiola
eerr
Os cruzamentos a seguir
mostraram outra variação das
Figura 14. Diagrama genético de um cruzamento entre galináceos de crista proporções mendelianas e são
mais difíceis de serem
ervilha e de crista rosa, mostrando a produção de indivíduos de crista noz.
compreendidos.
Bateson e colaboradores
mesmas porcentagens indica que o indivíduo em (1906) haviam realizado numerosos cruzamentos
teste produziu quatro tipos de gameta na propor- com ervilhas-de-cheiro (gênero Lathyrus) e com
ção de 1 : 1 : 1 : 1. Isso corrobora o envolvimento crucíferas (gênero Matthiola), obtendo em amde dois genes com segregação independente. bos os casos resultados confusos.
Casos como esse, em que dois ou mais genes a. Quando duas variedades diferentes com flores
interagem na determinação de um mesmo caráter,
brancas foram cruzadas, todas as plantas de
são conhecidos como interação gênica.
F1 foram coloridas.
b. Quando os F1 foram cruzados entre si, pareceu
à primeira vista, que havia um número igual
Herança da cor da flor em Salvia
de flores brancas e coloridas em F2. Entretanto,
Em seu segundo trabalho (Bateson et al.,
estudos posteriores mostraram que a propor1905), Bateson apresentou os resultados de vários
ção em F2 era na verdade de 9 coloridas para
cruzamentos com plantas de sangue-de-adão
7 brancas.
(gênero Salvia). Foram usadas linhagens com
A figura 15 apresenta o diagrama de Bateson
flores rosa e branca.
para os resultados de F 2. Ele e seus co-autores
a. Quando rosa é cruzado com branco todo o F1
concluíram que a cor branca das flores das duas
é violeta.
variedades originais não era determinada pelo
b. Em um cruzamento entre plantas F 1 foram mesmo genótipo. Um genótipo era CCrr e o outro
obtidas 59 plantas de flores violetas, 25 rosas ccRR. Para que as flores fossem coloridas era
e 34 brancas. Em outro cruzamento, foram
necessário que a planta possuísse pelo menos um
obtidas 225 violetas, 92 rosas e 114 brancas.
C e um R. Em F1, por essa hipótese, todos seriam
Note que o F1 apresenta um fenótipo diferente CcRr, e portanto, coloridos. Casos como esse,
dos de ambos os tipos parentais. Com base na em que alelos de um gene mascaram a expressão
53
P1 Fenótipos
Branca
Genótipos
X
Bran
CCrr
CONCLUSÃO
ccRR
➤
➤
Este quadro da Genética dos
primeiros anos do século XX
Cr
cR
nos conscientizou da complexidade e confusão que existia
➤
➤
naquela época. Aqueles que
F1 Fenótipos
Colorida
X
Colorida
desejavam que o mundo vivo
Genótipos
CcRr
CcRr
se comportasse como o deli➤
neado pelas ervilhas de Mendel
CR
CR
Genótipos dos
Genótipos logo verificaram que isto não
CCRR
grãos de pólen
dos óvulos era verdadeiro. Isto não signifiCr
Cr
ca que a história original de
CCRr
CCRr
cR
cR
Mendel estivesse “errada”. Isto
significa apenas que ela estava
CCrr
CcRR
CcRR
cr
cr
incompleta e que estava sendo
CcRr
CcRr
CcRr
CcRr
substituída por uma compreF2 Genótipos
ensão mais profunda da
Ccrr
ccRR
Ccrr
natureza da hereditariedade.
Nenhuma das regras originais
ccRr
ccRr
de Mendel mostrou-se verdadeira para todos os casos.
ccrr
Pode ser argumentado que
o significativo progresso da
Figura 15. Diagrama que mostra a natureza da razão 9 : 7 em F2 de um Genética foi baseado numa
cruzamento entre variedades de ervilha-doce. O estado colorido do caráter atitude que pode ser vista como
cor da flor aparece apenas quando os alelos C e R se encontram. Cada
“não-científica”. Ou seja, desde
quadro corresponde a um zigoto e as letras em seu interior mostram seu
o momento em que as hipóteses
genótipo. Os quadros escuros representam as plantas com flores coloridas
de Mendel se tornaram conhee os claros, as com flores brancas.
cidas, ficou claro que elas não
se aplicavam a todos os organisde outro gene, são conhecidos como casos e inte- mos. Entretanto, os que realmente acreditavam nelas
ignoraram as exceções e lentamente encontraram
ração gênica com epistasia.
Esses poucos exemplos de cruzamentos gené- explicações para esses casos que podiam ser
ticos indicam o tipo de problemas que se pode colocadas em termos originais do mendelismo. À
encontrar em estudos genéticos. Há inúmeros medida que o conhecimento sobre experimentos de
outros, é claro. Os livros indicados na bibliografia cruzamentos em diferentes espécies aumentava, foi
complementar trazem diversos exemplos. Muitos possível expandir a teoria para acomodar os novos
dos problemas nestes livros apresentam apenas resultados. Foi possível compreender mais e mais
as proporções observadas e não os números reais as exceções.
Descobriu-se que alguns dos problemas mais
de indivíduos em cada classe fenotípica. Terá
maior valor se os estudantes manipularem os difíceis tinham base cromossômica. Um desses
dados reais porque eles podem chegar a uma problemas foi o dos “cromossomos acessórios” ou
conclusão importante; quando somente as “cromossomos X”. Para discutir esse caso
proporções são dadas, esta conclusão importante precisamos ver agora o que os citologistas estavam
fazendo nos primeiros anos do século vinte.
já foi alcançada.
Genótipos
dos gametas
➤
➤
➤
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54
EXERCÍCIOS
(d) homozigótico
(e) interação gênica sem epistasia
(f) codominância
PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS
Preencha os espaços em branco nas frases de
1 a 6 usando o termo abaixo mais apropriado.
11. O zigoto, e conseqüentemente o indivíduo,
resultante da união de gametas portadores de
um mesmo tipo de alelo é chamado ( ).
(a) biometrista
(d) hibridista
(b) evolução gradual (e) variação contínua
(c) evolução em saltos (f) variação descontínua
12. O zigoto, e conseqüentemente o indivíduo,
resultante da união de gametas portadores de
alelos diferentes de um mesmo gene é
denominado ( ).
1. A escola ( ) se caracterizava por procurar
obter informações sobre hereditariedade por
meio de cruzamentos experimentais.
13. O fenômeno de dois ou mais genes atuarem
na determinação de uma mesma característica
é chamado ( ).
2. A escola ( ) se caracterizava por procurar
compreender hereditariedade por meio da
aplicação de métodos matemáticos.
14. O fenômeno de a expressão de um alelo
de um gene mascarar o efeito de um alelo de
um outro gene é chamado ( ).
3. Um caráter com ( ) apresenta diferenças
pequenas e graduais entre os indivíduos de
uma população.
15. O fenômeno de um alelo de um gene
mascarar o efeito de um outro alelo do mesmo
gene é chamado ( ).
4. Um caráter com ( ) apresenta diferenças
contrastantes, facilmente identificáveis, entre os
indivíduos de uma população.
5. Pequenas mudanças, lentas e relativamente
constantes ao longo do tempo caracteriza a ( ).
6. Períodos de mudanças lentas e graduais
seguido de períodos curtos de mudanças
bruscas caracteriza o ( ).
Preencha os espaços em branco nas frases de
7 a 10 usando o termo abaixo mais apropriado.
(a) alelo ou alelomorfo
(b) gene
(c) loco
(d) mutação
7. ( ) pode ser definido como a porção do cromossomo (um segmento da molécula da
hereditariedade) que produz um efeito
detectável no indivíduo.
8. Uma alteração hereditária em uma
característica é chamada ( ).
9. Cada uma das formas detectáveis de um ( )
é chamada ( ).
10. A posição que um determinado ( ) ocupa
no cromossomo é seu (sua) ( ).
Preencha os espaços em branco nas frases de
11 a 15 usando o termo abaixo mais apropriado.
(a) dominância
(b) interação gênica com epistasia
(c) heterozigótico
PARTE B: LIGANDO CONCEITOS
E FATOS
Indique os termos que completam ou
respondem as questões de 16 a 28.
16. Para Weldon e Pearson, seguidores de
Galton, o mendelismo era incompatível com a
teoria darwinista e por isso o combatiam. Esse
pensamento era defendido pela chamada escola
a. evolucionista.
c. hibridista.
b. biometrista.
d. darwinista.
17. A “lei da herança ancestral” de Galton dizia que
a. as características adquiridas eram hereditárias.
b. as regras da herança podiam ser expressas
matematicamente pelas fórmulas 3:1 e 9:3:3:1.
c. a contribuição ancestral na formação de um
indivíduo era de 1/2 dos pais, 1/4 dos avós, 1/8
dos bisavós e assim por diante.
d. as mudanças hereditárias eram lentas e
graduais e dependiam da ancestralidade.
18.Para Bateson a explicação mendeliana para
a hereditariedade não se contrapunha ao
darwinismo, pois o processo de evolução podia envolver características
a. adquiridas.
b. com variação contínua.
c. com variação descontínua.
d. com efeito aditivo.
55
Utilize as alternativas abaixo para completar as
frases de 19 e 20.
a. dominância
c. interação gênica
b. epistasia
d. variação contínua
19. Em galinhas, como observado por Bateson
e colaboradores no início do século, o
cruzamento entre indivíduos de crista noz
produz descendência com crista tipo noz, rosa,
ervilha e simples, na proporção de 9:3:3:1,
respectivamente. Trata-se de ( ).
20. Em ervilha-de-cheiro, Bateson e colaboradores obtiveram, no cruzamento entre plantas
híbridas com flores coloridas, plantas com flores
coloridas e plantas com flores brancas na
proporção de 9:7. Trata-se de ( ).
27. No caso de uma interação entre dois genes
com segregação independente, em que o alelo
dominante de um dos genes mascara ou inibe
a expressão do outro gene, a proporção
fenotípica esperada no cruzamento de dois
duplo-heterozigotos é ( ).
28. No caso de uma interação entre dois genes
com segregação independente, em que o par
de alelos recessivos de um dos genes mascara
ou inibe a expressão do outro gene, a proporção
fenotípica esperada no cruzamento de dois
duplo-heterozigotos é ( ).
PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR
29. Qual a explicação que se costuma dar para
o fato de o trabalho de Mendel não ter sido
entendido durante 35 anos?
21. O cruzamento de um indivíduo com fenótipo
dominante com outro de fenótipo recessivo,
com o objetivo de se determinar o genótipo do
primeiro, é denominado
a. cruzamento teste. c. monoibridismo.
b. diibridismo.
d. retrocruzamento.
30. Por que Moore admite que o antagonismo
entre o mendelista Bateson e os biometristas
Weldon e Pearson era uma questão de conflito
de paradigmas?
Utilize as alternativas abaixo para responder às
questões de 22 e 25.
a. diplóide.
c. heterozigótico.
b. haplóide. d. homozigótico.
31. Por que algumas pessoas levantaram a
questão de que Mendel pode ter falsificado seus
resultados?
32. Como surgem os diferentes alelos de uma
gene?
22. No cruzamento entre um indivíduo com um
caráter hereditário dominante eoutro com o
caráter recessivo, todos os descendentes
apresentaram o caráter dominante. Pode-se
dizer, portanto, que, muito provavelmente, o tipo
parental dominante é ( ).
23. Em um cruzamento entre um indivíduo com
um caráter hereditário dominante e outro com
o caráter recessivo, foram produzidos descendentes com o caráter dominante e descendentes com o caráter recessivo. Esse resultado
permite concluir que o tipo parental dominante
é ( ).
24. Um indivíduo que apresenta em suas células
apenas um alelo de cada gene é ( ).
25. Um indivíduo que apresenta em suas células
um par de alelos de cada gene é ( ).
Utilize as alternativas abaixo para responder às
questões de 26 a 28.
a. 1 : 2 : 1
c. 9 : 7
b. 9 : 3 : 4
d. 12 : 3 : 1
26. Nos casos em que alelos diferentes de um
gene se expressam na condição heterozigótica,
a proporção fenotípica esperada em um
cruzamento entre dois híbridos é ( ).
33. Quais serão as proporções fenotípicas
esperadas em um cruzamento entre dois duploheterozigotos em que os dois genes
apresentam segregação independente e
interagem das seguintes maneiras:
a. um dos genes na condição homozigótica
recessiva, independentemente da condição do
outro gene, condiciona o fenótipo A; em
qualquer outra situação o fenótipo do indivíduo
será B.
b. os alelos recessivos não produzem nenhum
tipo de pigmento e cada alelo dominante
condiciona a produção de uma quantidade X
de um mesmo pigmento.
c. basta ter um alelo dominante de qualquer
dos dois genes para apresentar o fenótipo A;
no caso dos dois genes estarem na condição
homozigótica recessiva, o fenótipo será B.
34. Em rabanetes, a forma da raiz pode ser
arredondada, ovalada ou alongada. Cruzamentos entre plantas de raiz alongada e plantas
de raiz arredondada produziram apenas indivíduos com raiz ovalada. Em cruzamentos
desses indivíduos entre si foram obtidos 400
56
descendentes, dos quais 100 apresentaram raízes
alongadas, 195 apresentaram raízes ovaladas e
105 apresentaram raízes arredondadas.
a. Proponha uma hipótese para explicar esses
resultados.
b. Com base na sua hipótese faça um diagrama
do cruzamento e compare os resultados
observados com os esperados de acordo com
o diagrama.
c. Os resultados obtidos estão de acordo com
as leis mendelianas? Explique
d. De acordo com a hipótese, se cruzássemos
rabanetes de raiz ovalada com rabanetes de
raiz arredondada, quais as proporções fenotípica e genotípica esperadas na descendência?
35. Em abóboras, a forma do fruto pode ser
discóide, esférica ou alongada. Uma variedade
pura de frutos discóides foi cruzada com uma
variedade pura de frutos alongados. A geração
F1 foi inteiramente constituída por plantas de
frutos discóides. A autofecundação das plantas
F1 produziu 80 descendentes, dos quais 30
tinham frutos esféricos, 5 tinham frutos alongados e 45 tinham frutos discóides.
b. Com base na sua hipótese faça um diagrama
do cruzamento e compare os resultados
observados com os esperados de acordo com
o diagrama.
c. Os resultados obtidos estão de acordo com
as leis mendelianas? Explique.
36. Em uma certa linhagem de animais foram
identificados dois genes com segregação
independente afetando a massa. Os alelos
dominantes condicionam, cada um, um
acréscimo de 10 gramas à massa básica de 50
gramas do duplo-recessivo. Determine a massa
máxima e a mínima na descendência de um
cruzamento Aabb X AaBB.
37. A pigmentação da plumagem em uma certa
linhagem de galinhas é condicionada por dois
genes com segregação independente. O alelo
dominante de um dos genes ( C) condiciona a
produção de pigmento enquanto o alelo
recessivo ( c) é inativo, condicionando cor branca. O alelo dominante do outro gene (I) inibe a
formação de pigmento, enquanto o alelo
recessivo (i) não o faz. Determine a proporção
fenotípica em um cruzamento entre dois
indivíduos duplo-heterozigóticos.
a. Proponha uma hipótese para explicar esses
resultados.
57
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Apostila Genética I (Psicologia)