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RODRIGO TOLEDO
DE NÃO-PROFESSOR A PROFESSOR:
uma reflexão sobre a construção da identidade profissional de professores de
Cursos Superiores de Formação Tecnológica
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
UNICID
SÃO PAULO
2011
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RODRIGO TOLEDO
DE NÃO-PROFESSOR A PROFESSOR:
uma reflexão sobre a construção da identidade profissional de professores de
Cursos Superiores de Formação Tecnológica
Dissertação apresentada como exigência
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação junto à Universidade
Cidade de São Paulo – UNICID sob
orientação da Profª. Drª. Ecleide Cunico
Furlanetto.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2011
2
________________________
________________________
________________________
COMISSÃO JULGADORA
3
Aos meus pais, Dalila e Newton,
por darem sentido aos caminhos de minha formação
4
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não só é parte da minha experiência de vida, mas também fruto da
colaboração, direta ou indireta, de muitas pessoas que em diferentes momentos
ofereceram apoio e compartilharam das minhas reflexões.
Primeiramente, à Professora Ecleide Cunico Furlanetto pela dedicação com que
sempre conduziu o trabalho de orientação, ou melhor, de parceria.
Aos Professores Doutores Magali Aparecida Silvestre e Jair Militão da Silva, que
compuseram as bancas de qualificação e defesa, pelas valiosas observações que
permitiram estabelecer melhor os rumos do trabalho.
Agradecimentos especiais aos meus pais, Dalila Toledo e Newton Toledo, que me
ensinaram, e muito, a lutar pelo que acredito.
Às minhas irmãs, Monica Toledo e Janaina Toledo, às minhas sobrinhas, Maria
Eduarda Toledo e Camila Carvalho, e claro à vó Maria, que reforçam a minha
confiança e esperança no mundo.
Ao meu companheiro, amigo e parceiro Rodnei Pereira, pelas leituras incansáveis
deste trabalho, por dividir, somar e compartilhar a vida (com seus prazeres e
dissabores), e que, além de tudo, foi o culpado pelo “empurrão” rumo ao Mestrado.
Aos queridos amigos Roberto Guerreiro, Vanessa Meira, Elaine Grava, Marcio
Vinicius, Leia Carvalho, Daniela Julianetti, Daniela Bernardes, Claudinha, amigos de
todas as horas.
Aos professores, e hoje amigos, que marcaram minha trajetória: Arialdo Germano
Junior, Luciana Chauí, Francirosy Ferreira, Ana Maria Barica, Carmem Taverna,
Vanda Ramiro, José Louco, Adriana Cunha, Edi Vasconcelos, Eraldo, Ana Paula,
Altamiro, Dona Cris e Leonel, responsáveis pela minha crença na transformação.
Um agradecimento especial aos professores participantes da pesquisa.
5
A todos meus alunos das instituições Uniararas, Drummond, Fatef e FIG.
Enfim, aos meus pacientes, que cotidianamente transformam minha visão sobre o
mundo.
6
“Veio só
aportou foi demais
arrasou
um redemoinho de emoção
Balançou
provocou
a melhor
sensação
pois pegou em cheio o coração”
Ozzetti e Tatit (1994).
7
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é refletir sobre o processo de construção da identidade
profissional de professores de Cursos Superiores de Formação Tecnológica.
Cunhou-se o termo não-professor para designar os profissionais que são desafiados
a constituir uma identidade profissional docente para a qual, em tese, não
receberam formação específica. Por diferentes motivos, foram selecionados sete
participantes que atuavam em Instituições de Ensino Superior privadas, da cidade
de São Paulo. Empregou-se como procedimento de coleta de informações a escrita
de uma carta com um conjunto de recomendações a um professor iniciante, cuja
análise do discurso buscou fundamentação na metodologia de pesquisa qualitativa.
A análise dos dados se pautou em autores como Castells (1999), Dejours (1999),
Dubar (2009), Furlanetto (2003), Lessard e Tardif (2009), dentre outros. Os
resultados indicaram que um modo de identificação forte para os participantes é com
a figura do gestor, tal como os gestores de organizações empresariais, que é o que
lhes confere atribuição e pertença no exercício da docência. Diante de tal
descoberta, pode-se afirmar que assistimos ao surgimento de uma nova modalidade
de docente, que carece de maior atenção das políticas educacionais e das
Instituições de Ensino Superior que oferecem Cursos Superiores de Formação
Tecnológica.
Palavras-chave: Formação de professores. Identidade profissional. Cursos
Superiores de Formação Tecnológica.
8
ABSTRACT
The objective of this research is to analyze the building process of technology college
teacher’s professional identity. One coined the expression “non-teacher” to design
the professionals that are challenged to build a teaching professional identity to
which, in thesis, didn’t receive specific training. For different reasons, 7 participants
that lecture in Private Colleges Institutions at São Paulo city were selected. As
gathering information procedure it was applied letter writing with a set of
recommendation to a newcomer teacher, whose analyses discourse tried to be
based upon quality research methodology. The data analyses was guided by authors
like Castells (1999); Dejours (1999); Dubar (2009); Furlanetto (2003); Tardif and
Lessard (2009), among others. The results indicate that a strong identification figure
to the participants is the director or supervisor, such as managers of business
organizations, which allows attribution and belonging in the teaching exercise. In
front of this discovery, it is possible to confirm that we are looking at the beginning of
a new teaching way that needs more attention from education policies and the
College Institutions that offers technologic degree.
Keywords:
Technologic.
Teacher
education.
Professional
identity.
College
Courses
in
9
SUMÁRIO
INICIANDO UM DIÁLOGO.....................................................................................
10
1 IDENTIDADE PROFISSIONAL: O CONTEXTO HISTÓRICO............................
17
1.1 Identidade profissional: o homem implicado no contexto histórico............
20
1.2 Identidade profissional: a construção.........................................................
21
1.3 Identidade profissional: interfaces com a psicodinâmica do trabalho........
28
1.4 Identidade profissional docente: possibilidades.........................................
30
2 O CONTEXTO HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR TECNOLÓGICO...........
34
2.1 A educação tecnológica.............................................................................
35
3 PERCURSO METODOLÓGICO.........................................................................
41
4 ANÁLISE DAS CARTAS.....................................................................................
46
4.1 Procedimentos de análise das cartas.........................................................
46
4.2 Âncoras da docência na vivência profissional............................................
47
4.3 Exercícios da docência...............................................................................
52
4.4 Intersecções teóricas..................................................................................
55
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................
62
APÊNDICES............................................................................................................ 67
ANEXOS.................................................................................................................
69
10
INICIANDO UM DIÁLOGO
Sou docente do Ensino Superior Tecnológico, responsável pelas disciplinas
de Psicologia Aplicada ao Trabalho em duas Instituições de Ensino Superior na
Cidade de São Paulo e Guarulhos.
Meu interesse pela pesquisa em questão emergiu de minha trajetória
profissional, acentuando-se sobremaneira a partir do ano de 2008, época na qual
passei a exercer a função de docente em uma Instituição de Ensino Superior
Tecnológica. É importante ressaltar que antes havia atuado por oito anos como
Psicólogo Organizacional. Nessa função, minha principal atividade era atuar com
processos vinculados ao mundo do trabalho atendendo a demandas das empresas e
dos colaboradores das mesmas.
Ao integrar o quadro docente de um curso tecnológico, em uma Instituição de
Ensino Superior, tive a oportunidade de aproximar-me do processo formativo por
outra perspectiva que não de aluno. Nesse momento, passei a analisar e programar
atividades de ensino que dessem subsídios aos alunos para atuar no mercado de
trabalho.
Nesse novo contexto, deparei-me com um fator que dificultava o exercício da
docência e observei que ele também se impunha a outros professores: a
inexperiência que pode ser compreendida como falta de saberes que davam
sustentação ao trabalho realizado em sala de aula.
Lüdke (2004) afirma que o professor é o fiel depositário da cultura, mas ele
não transmite a cultura simplesmente, ele deve ser capaz de estabelecer elos entre
os diversos saberes presentes no mundo, compreender como foram construídos,
reconhecer suas diferentes interpretações e, conhecendo os estudantes, situá-los
em seu contexto sócio-histórico.
Encarar os desafios propostos pela docência não se apresenta como tarefa
fácil, muitos teóricos me encorajaram a enfrentar esse desafio, entre eles destaco
11
Furlanetto (2003), que evidencia que não só os conhecimentos disciplinares dão
sustentação ao exercício da docência:
O lugar onde o professor constrói respostas para os desafios
impostos pela prática aos poucos vai sendo explorado, desdobrado e
ampliado. O professor toma decisões, processa informações, atribui
sentidos, fundamentado no que conhece e sabe; sua subjetividade é
composta por uma mescla e teorias, vivências, crenças e valores.
(FURLANETTO, 2003, p. 12).
Minha formação inicial estava pautada em conteúdos que fundamentavam a
atuação como Psicólogo em suas mais diversas perspectivas, mas esses saberes
não eram suficientes para o exercício da docência, seria necessário reconstruir
minha identidade profissional.
Como estruturar uma identidade profissional docente articulada a minha
identidade profissional de psicólogo já constituída? Diante desse questionamento,
fez-se necessário refletir sobre o conceito de identidade e identidade profissional.
Com base nos pensamentos de autores como Ciampa (2001), Dubar (2005),
Freitas (2006) e Lemos (2009), podemos inferir que a Identidade se constitui a partir
da atividade humana bem como da ação do sujeito no mundo, o que possibilita a
apropriação e o sentido dado aos papéis sociais que irá desempenhar.
Para Fortes (2008), a identidade é um processo inacabado de continuidade,
ruptura e superação da constituição de um sujeito nas suas relações biográficas e
relacionais, mediadas pelos significados e sentidos que ele atribui a si, ao seu ser e
agir, bem como ao seu lugar no mundo.
Para autores como Pimenta (1999), Tardif (2000), Lüdke (2004) e Garcia
(2009), a identidade profissional docente pode ser compreendia como uma
construção social marcada por múltiplos fatores que interagem entre si, resultando
numa série de representações que o docente faz de si mesmo e de suas funções, e
que o mundo faz dele. Ele estabelece, consciente e inconscientemente, negociações
das quais certamente fazem parte sua trajetória, sua condição concreta de trabalho,
12
o imaginário recorrente acerca dessa profissão e os discursos que circulam no
mundo social e cultural acerca dos docentes.
Diante dos saberes que serão necessários para que o professor apreenda e
disponibilize no exercício da sua atuação docente, é necessário refletir a intersecção
da sua identidade profissional, já constituída, com a sua identidade docente, em
processo de construção, o que é comumente evidenciado nas Instituições de Ensino
Superior Tecnológico.
Dubar (2005) afirma que os diversos papéis que um trabalhador desempenha
ao longo da vida constroem sua Identidade Profissional e ainda afirma que a
Identidade deve ser entendida como algo de grande valia para qualquer pessoa,
pois “a perda da Identidade é sinônimo de alienação, sofrimento, angústia e morte.”
(DUBAR, 2005, p. 13).
Para ele, a Identidade é construída por sucessivas socializações, num
movimento entre o pessoal, o subjetivo e o social. Para ele, a “socialização inicial”
ocorre durante a infância, com a apropriação de valores, regras e signos:
[...] oriundos da família de origem e também do universo escolar e
dos grupos etários nos quais as crianças realizam suas primeiras
experiências de cooperação. [...] Essa socialização também contribui
para fornecer as referências culturais a partir das quais os indivíduos
terão de identificar seus grupos de pertencimento e de referência,
interiorizar seus traços culturais gerais, especializados, opcionais e
individuais [...] antecipar suas socializações posteriores. (DUBAR,
2005, p. 329).
Mas, segundo ele, dentre as múltiplas dimensões que a Identidade assume, a
profissional merece destaque:
Por se tornar um bem raro, o emprego condiciona a construção das
Identidades sociais; por passar por mudanças impressionantes, o
trabalho obriga a transformações identitárias delicadas; por
acompanhar cada vez mais todas as modificações do trabalho e do
emprego, a formação intervém nas dinâmicas identitárias por muito
tempo além do período escolar. (DUBAR, 2005, p. XXVI).
13
O autor aponta momentos distintos das configurações identitárias –
momentos esses que não aparecem necessariamente em todas as carreiras
profissionais. São eles:
Momentos da construção da Identidade correspondendo
tradicionalmente à formação profissional [...], momento da
consolidação da Identidade ligada à inserção e à aquisição
progressiva da qualificação nos planos de carreira profissionais [...]
momento do reconhecimento da Identidade, pautado pelo acesso à
responsabilidade nas camadas empresariais [...], momento de
envelhecimento da Identidade e da passagem progressiva à
aposentadoria. (DUBAR, 2005, p. 327).
Dubar (2005) afirma que, para a compreensão da Identidade profissional,
devemos nos ater primeiramente para a Identidade para Si, que é o entendimento
que o indivíduo tem de si mesmo, o que pensa ser, ou gostaria de ser em relação
com sua trajetória como pessoa.
Josso (2007) contribui para o entendimento da identidade para si, afirmando
que a construção da identidade ou da formação de si põe em cena um sujeito às
voltas com os contextos e com ele-mesmo, numa tensão permanente entre os
modelos possíveis de identificação e as aspirações à diferenciação e à
singularização, sendo elas as fontes de criatividade social e coletiva.
Outro conceito importante para Dubar (2005) é a Identidade para Outro, que é
a construção elaborada na relação com o outro, ou seja, o que o outro diz que sou, a
Identidade que o outro sujeito me atribui. É na articulação desse processo de
construção de Identidade para Si e para o Outro que ocorre a atribuição de papéis
na sociedade bem como a interiorização do momento histórico em que vivo e no
qual me constituo como pessoa.
Dubar (2005) afirma que, além da relação com o outro, o trabalho constitui um
espaço para ocorrência das negociações identitárias, as quais contribuem para a
estruturação das Identidades profissionais. Diante disso, Gatti et al. (2007) afirmam
que podemos analisar que a identidade profissional resulta das relações com o outro
e das interações no trabalho, fundadas nas negociações exigidas no cotidiano, nas
relações estabelecidas e nas interações do trabalho.
14
A aceitação e vivência desses papéis e suas incorporações no nosso dia a dia
possibilitam o entendimento de nossa identidade profissional, demonstrando que
nossa constituição profissional é resultante de um contexto sócio-histórico.
Boutinet (1999) afirma que o momento histórico complexo e imprevisível em
que
vivemos
levará
o
homem
a
defrontar-se
com
situações
difíceis
e
desestabilizadoras que afetarão sua identidade como pessoa e, consequentemente,
sua identidade profissional.
Com base no que foi exposto, infere-se que o processo formativo é
sustentado por identificações profissionais que contribuem para o cultivo dos
saberes para determinada prática. Diante de tais constatações, justifica-se a
importância de analisar a construção da identidade profissional dos professores dos
Cursos de Ensino Superior Tecnológico
A partir da análise desse contexto, lanço-me com o objetivo de compreender
o processo de construção da identidade profissional do “não-professor”, que atua
nos cursos de Ensino Superior Tecnológico.
Cunhou-se o termo “não-professor” para designar aquele que, não tendo
passado pela formação em licenciatura, chega à docência do Ensino Superior em
função da sua experiência profissional, sendo geralmente direcionado para cursos
de Formação Superior Tecnológica.
Porém, este termo guarda um sentido mais profundo do que situar ou
caracterizar a atividade docente de um professor de uma ou outra modalidade de
ensino. Muito além disto, estamos interessados em investigar o que ocorre numa
espécie de “intervalo” – no qual um profissional se vê desafiado a constituir uma
identidade profissional docente para a qual, em tese, não foi preparado.
Essa reflexão está alinhada com Tardif (2000) na medida em que busca
pesquisar os saberes mobilizados e empregados na prática cotidiana do por “nãoprofessores” de Ensino Superior Tecnológico e suas interlocuções com a identidade
profissional docente.
15
Em direção semelhante, Pereira (2005) nos auxilia a compreender o percurso
da prática profissional para a sala de aula, indicando que, para fazer bem (alguma
coisa), é preciso que se conheça o que se faz e, para se saber bem, é preciso que
se tenha competência para fazer.
Essa discussão encontra relevância no atual contexto de expansão dos
Cursos Superiores Tecnológicos e frente ao aumento de profissionais atuantes
nessa modalidade de ensino, no qual se faz necessário ampliar a reflexão sobre
essa prática pedagógica, nos possibilitando compreender os processos que
constituem a construção da identidade profissional docente desses professores.
Entender o processo de construção da identidade profissional docente é
imprescindível, pois, diante de tal compreensão, seria possível orientar melhor os
profissionais para o exercício da docência, principalmente para caminhar na
contramão dos cursos de formação superior tecnológica que, com base em minha
experiência, parecem exigir uma certa padronização de conteúdos e práticas.
Sendo assim, o presente estudo partiu da hipótese de que a expectativa
acerca do “perfil” de professor esperado pelas instituições de Ensino Superior
Tecnológico, em sua maioria, está ancorada numa representação de que, para ser
um professor em tais cursos, os profissionais deveriam dominar todos os saberes
relacionados à sua prática, de maneira que seu diferencial seria o domínio de um
conjunto de saberes constituídos em experiências fora do meio acadêmico, e que
poderiam ser utilizados no exercício da docência.
Infere-se que tal representação encontra explicação na própria legislação que
regulamenta os referidos cursos e que explica o contexto em que a presente
pesquisa foi realizada, e que abordaremos adiante.
Estas hipóteses explicam a configuração do fenômeno estudado, cujos
desdobramentos serão apresentados da seguinte maneira: no capítulo 1, é discutido
o nosso momento histórico e as transformações sociais e políticas que contribuem
para entender o homem contemporâneo e permitem avaliar o processo de
construção
de
identidade
profissional;
no
capítulo
2,
abordam-se
as
16
regulamentações
sobre
o
Ensino
Superior
Tecnológico,
fundamentado
principalmente nas Leis de Diretrizes e Base (LDB) e em pesquisas recentes sobre a
temática; e, no capítulo 3, apresenta-se o percurso metodológico, seguido pelos
capítulos 4 e 5, que dizem respeito à análise e às considerações finais do estudo.
17
1 IDENTIDADE PROFISSIONAL: O CONTEXTO HISTÓRICO
Para compreender o cenário de constituição de identidades profissionais,
devemos analisar o contexto histórico que proporciona essas mudanças. A
sociedade contemporânea tem-se caracterizado por um processo cada vez mais
denso do avanço tecnológico, que tem por principal consequência, embora não
única, o aumento da produtividade do trabalho.
Parte desse crescimento também amplia algumas condições de conforto e
bem-estar em nosso tempo livre; mas também temos fortes razões para acreditar
que esse benefício que o avanço da tecnologia proporciona é infinitamente inferior
ao nível de potência que ela possibilita para o avanço da produtividade.
Harvey (2007) analisa as transformações do final do século XX na busca de
determinar o que se descreve por sociedade pós-moderna. Um dos temas
abordados pelo autor é a passagem da produção taylorista/fordista para o regime
acumulação flexível e os desdobramentos deste movimento nas relações de trabalho
e na configuração da ordem social.
No período pós-Segunda Guerra, com o rearranjo dos atores do sistema
capitalista, o controle sobre o trabalhador, defendido pelo taylorismo/fordismo, se
consolidará, em grande parte, devido ao desenvolvimento tecnológico e à
racionalidade técnica do trabalho. Assim, até o início da década de 1970 assistimos
à solidificação do modo de produção capitalista, em que o trabalho rotineiro foi eleito
como principal fonte de produtividade. Para o autor, o taylorismo/fordismo do pósguerra se tornou um modo de vida baseado na ideia de padronização de produtos e
consumo de massa, com a própria cultura tornando-se mercadoria e se inserindo na
lógica do consumo.
Ainda, de acordo com Harvey (2007), em 1973 ocorre a crise do petróleo.
Como resultado, temos a elevação do custo dos insumos que possibilitavam o
crescimento da sociedade pós-moderna, que associada à situação econômica
fragilizada, iniciou novo período na economia mundial. Para enfrentar a crise, as
18
corporações buscaram a otimização de recursos pela via da diversificação de
produtos, diversificação de mercados e mudança tecnológica.
Sendo assim, o autor empregou o termo acumulação flexível para designar
esse novo contexto de produção, cuja essência é a flexibilidade dos processos de
trabalho, mercados, produtos e padrões de consumo. Surgiram inovações
comerciais, tecnológicas e organizacionais que modificaram a estrutura rígida de
trabalho do taylorismo/fordismo (produção em massa de poucos produtos não
diversificados), que permitiram o crescimento do setor de serviços e das pequenas
indústrias,
altamente
tecnológicas,
em
detrimento
da
grande
indústria
taylorista/fordista.
Por um lado, Heloani (2002) afirma que a crise das grandes organizações
recolocou para o capital a questão da reestruturação do trabalho a fim de obter a
adesão dos trabalhadores, situação esta que tinha como objetivo atenuar a fuga do
trabalho através de alterações nos espaços laborativos e torná-lo mais atrativo para
a classe operária.
No mundo do trabalho, o aumento da competição, da diminuição do lucro e do
aumento do desemprego, forçou os trabalhadores a aceitarem contratos de trabalho
mais flexíveis: “a redução do emprego regular [forçou o aceite do] trabalho em tempo
parcial, temporário ou subcontratado” (HARVEY, 2007, p. 143).
Outra tendência de modificação foi quanto ao volume de produção. Enquanto
a empresa taylorista/fordista focava a produção em massa de poucos produtos
(rigidez), a configuração de acumulação flexível orientava-se pela possibilidade de
produzir um leque maior de produtos, porém em pequenos lotes (flexibilidade). Por
fim, o autor indica que tal configuração flexível de produção facilita a inovação
produtiva, sustentada pelo advento de tecnologias produtivas baseadas na
automação e na robótica.
Todavia, por outro lado, foi justamente porque se dispunha de avanços
tecnológicos suficientes para, com menor número de horas de trabalho e com
estratégias aparentemente menos violentas, garantir os mesmos níveis de
19
produtividade do trabalhador, que o capitalismo pôde continuar se consolidando
como modelo social hegemônico, proporcionando altos níveis de lucratividade para
as organizações.
Todas essas configurações de mundo de trabalho, com diferentes formas de
organização e diferentes relações de poder, serão fomentadoras de características e
demandas para os sujeitos sociais que as vivem, constituindo, assim, o contexto que
influenciará a formação de identidades sociais e profissionais.
É comum a caracterização do tempo presente pelas perspectivas pós-fordista
e pós-taylorista. Conforme denomina Heloani (2002), são movimentos que
proporcionam o maior envolvimento dos trabalhadores no modo de produção com a
intenção de gerar resultados mais eficientes de produção, e diante desses cenários
percebemos as mudanças que ultrapassam o modo de organização do trabalho nas
organizações, mas também no âmbito econômico e, principalmente, no social.
Nesse cenário de mudança que acompanha nosso momento histórico
percebemos, conforme afirma Hall (2006), que as identidades se tornam
desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições.
Nessa perspectiva nos valemos de Weil (2001) afirmando que os grandes
problemas sociais, principalmente os vinculados ao trabalho, são sintomas de um
desenraizamento profundo, uma vida roubada de sentido, provocada pelo uso da
força, da necessidade de controle, do uso da ciência, da tecnologia e do poderio
econômico.
Weil (2001) ratifica ainda que o desenraizamento é o mal deste século, já que,
por forças políticas e econômicas, deslocam-se populações de seus lugares de
origem, ignoram-se seus vínculos culturais, alienam-se heranças tratadas como uma
abstração sem significado.
20
1.1 Identidade profissional: o homem implicado no contexto histórico
No cenário histórico apresentado, localizamos um homem que se torna
ferramenta da produção, da economia e da política e que se vê obrigado a
reorganizar-se nesse contexto.
Tal situação é vista por Ramos (1999) quando ele afirma que o processo pelo
qual foi instituída a racionalidade do trabalho nos modos de produção industrial
submete o homem a atividades meramente funcionais, que não privilegiam os
processos de entendimento e compreensão. Por isso, ele afirma que os perigos da
massificação dos trabalhadores os leva à robotização da conduta humana e à
limitação dos modos de preservação da sua liberdade.
Nesse contexto, nos deparamos com trajetórias de vida, marcadas, conforme
afirmam Weil (2001) e Safra (2002), pela humilhação, pelo desenraizamento e pela
invisibilidade.
A humilhação é decorrente de um processo de exclusão social, em que o ser
humano é impedido de participar do campo social como um todo. Essa situação
agrava-se quando o ser humilhado atravessa gerações e o homem perde a memória
do evento que originou a humilhação, situando-se como excluído e menor que os
outros homens.
O desenraizamento pode ser definido como a perda de estruturas que o
conectem a sua história. Com isso, o homem sente-se impossibilitado de pertencer,
de encontrar e de reconhecer outros homens, em muitas vezes não reconhecendo a
sua própria humanidade.
Diante do não pertencimento e não reconhecimento, a invisibilidade se torna
presente, pois esse homem deixa de ser visto, deixa de ter um lugar no mundo e
aproxima-se cada vez mais de ser coisa.
21
Arendt (1972 apud COSTA, 1994) contextualiza a sociedade atual, pois
vivemos no mundo agonizante, em que os homens aprendem que são descartáveis
e, através de nosso estilo de vida, o que se torna valorizado é o consumível,
levando-nos a uma necessidade constante de apoderar-se da insígnia da felicidade,
que só pode ser alcançada com a produção e o acúmulo de bens materiais.
Com a discussão sobre globalização, conforme afirma Castells (1999), a
globalização do capital, a "multilateralização" das instituições do poder e a
descentralização da autoridade para governos regionais e locais ocasionam uma
nova geometria do poder, talvez levando a uma nova forma de Estado, o Estado em
rede.
Ratificando, Alves (2001) defende que a globalização é, ao mesmo tempo, a
promessa e a frustração de uma realização histórico-social do gênero humano e a
prova cabal de que o sistema do capital, com sua gana incontrolável, oferece
pequenas perspectivas de futuro para a humanidade.
Esse contexto nos suscita a refletir sobre a organização do trabalho e sobre a
identidade profissional, discussão essa que presentifica a problemática discutida
nessa pesquisa.
1.2 Identidade profissional: a construção
Este capítulo trata de resgatar o amplo conceito de identidade, ainda que de
forma breve, pois Guimarães et al. (2006) alertam não ser fácil encontrar, nas
ciências humanas, um consenso sobre o conceito de identidade, menos ainda, ao
que se estende ao conceito de identidade profissional.
A procura da definição da própria identidade é constante no indivíduo. Para
Ciampa (2001), a identidade é um fenômeno social e pode ser entendida como a
síntese de múltiplas e distintas determinações; o homem, como ser-no-mundo,
busca o desenvolvimento de sua identidade concreta, que define os homens como
iguais a uns e diferente de outros, em um constante movimento de mudanças e
22
transformações, que se realizam sob condições históricas e sociais igualmente em
movimento.
Boutinet (1999) considera que o momento histórico em que vivemos é de
grande complexidade e alguns momentos imprevisíveis levam o homem a defrontarse com situações desestabilizantes para a constituição de sua identidade como
pessoa e consequentemente sua identidade profissional.
Esta discussão insere-se na área da Educação e da Psicologia. Em razão dos
estudos dos fatos e fenômenos humanos, situa-se entre as ciências humanas e
sociais, que, por sua vez, não se distinguem das teorias da socialização, corrobora
Dubar (2005).
Busca-se, nessas teorias e nas ideias deste autor, o conceito e o processo de
construção da Identidade – posteriormente denominado, Identidade Profissional –
que a consideram como produto de conflito ou de uma contradição interna ao mundo
social, e não, essencialmente, como fruto do funcionamento psíquico, conforme
apontam os psicanalistas (DUBAR, 2005).
O autor defende que, desde a infância, a socialização é um processo de
identificação, de construção de Identidade, ou seja, de pertencimento e de relação.
Socializar-se é assumir pessoalmente suas atitudes, a ponto de elas guiarem
amplamente sua conduta sem que a própria pessoa se dê conta disso (DUBAR,
2005).
Afirma ainda que a Identidade social é uma articulação entre uma transação
“interna” ao indivíduo e uma transação “externa” entre o individuo e as instituições
com as quais ele interage, o que rejeita a distinção entre a Identidade individual e a
coletiva.
Diante dessa relação, a identidade constitui-se tanto numa perspectiva
individual como social. Por isso, apresenta uma divisão interna, uma dualidade entre
a “identidade para si” e a “identidade para o outro”.
23
Esses dois momentos, a identidade para si e a identidade para o outro, são
processos distintos e, ao mesmo tempo, inseparáveis. Esses processos funcionam
como na metáfora do espelho, citada por Dubar (2005) – como se formasse uma
imagem no espelho e refletisse algo distinto do objeto, apesar de ser uma imagem;
como se “eu” me visse diferente de como os outros “me” veem.
É nesse sentido que o autor aponta que a Identidade nada mais é que o
resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e
objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que,
conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições (DUBAR, 2005).
Indica-nos ainda que não existe uma Identidade única, inicialmente em razão
da pluralidade dos grupos de pertencimento ou de referência, mas também devido à
variedade das identificações às quais um sujeito, inquestionavelmente, está
submetido.
Para Dubar (2005), a constituição das Identidades ocorre a partir de uma
articulação entre os processos biográficos e os dialógicos.
O processo biográfico pode ser definido como uma construção no tempo,
pelos indivíduos de identidades sociais e profissionais, a partir das categorias
oferecidas pelas instituições consecutivas (família, escola, empresa, entre outras) e
consideradas acessíveis e valorizadoras, a um só tempo – transação “subjetiva”.
Já o processo dialógico aporta à identidade na experiência dialógica e social
do poder e faz das relações de trabalho o “lugar” em que se lida com o
enfrentamento dos desejos de reconhecimento, em um contexto de acesso desigual
e complexo ao poder. Além disso, remete não a um simples papel passageiro em um
cenário transitório, como no processo biográfico, mas a um investimento essencial
em relações duradouras que colocam em questão o reconhecimento das identidades
associadas aos saberes, às competências e às imagens de si, propostos e
expressos pelos indivíduos nos sistemas de ação em um dado momento e no interior
de um espaço específico e autêntico – transação “objetiva”.
24
Dubar (2005) expõe ainda que a articulação entre esses dois processos
(biográfico e dialógico) é rica em mecanismos de identificação, dentre os quais
podemos citar os atos de atribuição e de pertencimento, que são determinados, o
primeiro, por definir “que tipo de homem você é” ou dizem que é – Identidade para o
Outro, e o segundo, por exprimir “que tipo de homem você quer ser”, ou você diz que
você é – Identidade para Si.
É basicamente por isso que se considera que no relacionamento com os
outros, baseado em sentido, objetivo e necessidade, um indivíduo é identificado e
movido a aceitar ou a recusar as identificações que recebe dos outros.
Especificamente, o primeiro mecanismo (de atribuição) diz respeito à
identidade atribuída pelos outros a uma pessoa e só pode ser analisado dentro de
uma situação na qual o individuo esteja inserido. Além disso, resulta de “relações de
força” entre todos os envolvidos e da autenticidade das categorias utilizadas.
Já o segundo mecanismo (de pertencimento) refere-se à interiorização, à
incorporação da identidade pelo próprio indivíduo, a qual somente se pode analisar
no seio das trajetórias sociais pelas quais ele constrói a “identidade para si”.
Pereira (2005) indica que o pertencimento pode ser compreendido como um
fenômeno construído nos encontros humanos, nas trocas humanas, nos diálogos, na
relação de reciprocidade estabelecida pelos homens.
Safra (2002) contribui para a compreensão do conceito de pertencimento “[...]
a possibilidade de assinalar caminhos possíveis para que o percurso, o devir
humano, possa ocorrer – algo que só acontece a partir do encontro com o Outro,
que presentifique as dimensões fundamentais do ser humano.” (SAFRA, 2002, p.
29).
Dubar (2005) afirma ainda que a questão central da sua discussão instala-se
no fato de os dois processos (atribuição e pertencimento) não serem coincidentes,
causando possível discordância entre as Identidades social virtual (conferida à
pessoa) e real (que ele mesmo se atribui). Eis que entram em jogo as transações
25
“objetivas” (externa) e “subjetivas” (interna), denominadas “estratégias identitárias” e
designadas a minimizar a distância entre as duas Identidades (virtual e real).
A primeira (transação objetiva) tem a finalidade de tentar acomodar a
“Identidade para Si” sobre a “Identidade para o Outro”, enquanto a segunda
(transação subjetiva) tenta assimilar a “Identidade para o Outro” à “Identidade para
Si”, deixando o desejo de construir, para si, novas identidades no futuro (identidades
visadas), vencer a necessidade de defender, proteger uma parte de suas
identificações anteriores (identidades herdadas).
Além disso, a transação subjetiva depende, de fato, das relações para com o
outro, constitutivo da transação objetiva. A relação entre as identidades visadas, em
continuidade às identidades precedentes ou em ruptura com elas, depende de
modos de reconhecimento pelas instituições legítimas e por seus agentes que estão
em relação direta com os sujeitos envolvidos.
Para o autor, a chave do processo de construção das Identidades sociais está
na articulação entre essas duas transações (objetiva e subjetiva), intrínsecas aos
processos, dialógico ou biográfico, complexos, mas autônomos, pois “a Identidade
de uma pessoa não é feita à sua revelia, no entanto não podemos prescindir dos
outros para forjar nossa própria Identidade” (DUBAR, 2005, p. 143).
Dubar (2005) considera ainda que o trabalho, o emprego e também a
formação, por serem campos de construção das categorias sociais, constituem
áreas pertinentes de identificações sociais dos indivíduos, apesar de nem sempre ter
sido assim.
Atualmente, a relação emprego-formação fortalece o centro dos processos
identitários, visto que a formação se torna um elemento cada vez mais valioso para o
acesso ao emprego, ou para a transição de um para outro. Se o emprego era
importante na constituição de identidade social, agora, com a relação citada acima, a
formação também passa a ser.
26
No entanto, o autor alerta que isso não é suficiente para reduzir as
identidades sociais a status de emprego e a níveis de formação. É evidente que,
antes de se identificar pessoalmente um grupo profissional ou um tipo de formação,
o indivíduo, já na infância, constitui uma identidade ética e uma identidade de classe
social, geralmente as de seus pais, de um deles ou de quem tem a incumbência de
educá-lo.
Contudo Dubar (2005) considera que, “nas” e “pelas” categorizações dos
outros e principalmente dos parceiros de escola (seus professores e seus colegas),
a criança vive a experiência de sua primeira Identidade social, tanto pelas categorias
étnicas, política, religiosa, profissional e cultural de seus pais, quanto, agora, pelo
seu desempenho escolar.
As escolhas passam a ser cada vez mais frequentes ao longo da vida do
indivíduo. Não só entre as identidades atribuídas e as assumidas, ou entre as
identidades herdadas e as visadas, mas também agora entre os acontecimentos
mais importantes para a identificação social e profissional.
O egresso do sistema escolar e o confronto com o mercado de trabalho
estabelecem, atualmente, um momento essencial do início da construção de uma
identidade autônoma.
O autor considera também que, em decorrência desse primeiro confronto,
dependerão as modalidades de construção de uma Identidade profissional “que
constitui não só uma Identidade no trabalho, mas também e, sobretudo uma
projeção de si no futuro, a antecipação de uma trajetória de emprego e o
desencadear de uma lógica de aprendizagem, ou melhor, de formação.” (DUBAR,
2005, p. 114).
Já não se trata apenas de “escolha da profissão” ou de obtenção de diplomas,
mas de construção pessoal de uma estratégia identitária que mobilize a imagem de
si, a avaliação de suas capacidades e a realização de seus desejos.
27
Tal ato acentua-se quando se trata da constituição da Identidade Profissional
Docente, dada a situação precária vivenciada hoje na profissão. Dessa forma,
supõe-se que os jovens que buscam a docência também sejam “indivíduos da
geração da crise”, como denomina Dubar (2005), a começar pela escolha.
O autor defende, ainda, que, para construir a Identidade Profissional, o sujeito
deve entrar em contato com essa profissão, participar de alguma forma das
atividades coletivas em organizações, para observar como os diferentes grupos se
identificam com os pares no trabalho, com os chefes e com os outros grupos.
Além disso, aponta que cada profissão está associada a um conjunto de
saberes privilegiados que, por sua vez, estrutura a Identidade Profissional. Essas
Identidades Profissionais, adjuntas a configurações exclusivas de saberes, são
construídas por meio de processos de socialização cada vez mais diversificados.
Já o desenvolvimento da identidade profissional é entendido como um
processo de socialização, o qual ocorre desde a infância, a partir de variadas
identificações que o indivíduo tem durante sua história de vida e que irá
desenvolvendo com adultos significativos, que exercem papéis profissionais. Essas
identificações vão sendo agrupadas à personalidade, tornando-se próprias.
Em outras palavras, a partir do que se admira e se deseja e do que se rejeita,
surgirão as expectativas a respeito de si mesmo e as pretensões do modo como se
anseia alcançá-las, o que significa que a busca e o desenvolvimento profissional
podem ser propiciados pelos saberes e pelas idealizações profissionais.
Em suma, o que se quer destacar é a simultaneidade e a dependência mútua
na constituição das identidades social e profissional. Além disso, frutos de constante
e complexo processo de socialização são resultados de conflitos, de rupturas e de
escolhas, de batalhas internas e externas ao indivíduo, que se divide entre atos de
atribuição e de pertencimento, que busca o que admira e deseja e não aquilo a que
renuncia, a fim de criar estratégias pessoais de apresentação de si mesmo.
28
1.3 Identidade profissional: interfaces com a psicodinâmica do trabalho
A identidade é um elemento-chave da realidade subjetiva porque está
associada à relação dialética com a sociedade e por ser constituída e constituinte a
partir dos processos sociais e, uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou
mesmo remodelada pelas relações sociais. E, por sua vez, os processos sociais
implicados na formação e conservação da identidade são determinados pela
estrutura social.
O trabalho surge como uma das formas de relação do homem com o meio no
qual está inserido. Trabalho como forma de realização, como disciplina, como forma
de sobrevivência. Por meio do trabalho, o homem pode modificar seu meio e
modificar a si mesmo. Sendo assim,
a vida organizacional somente pode ser apreendida e analisada de
forma interacionista: não é o ambiente que determina o ser da
organização e tampouco é o ser da organização que determina o
ambiente, mas a relação entre ambos é que determina o que são,
como são e por que são. (DEJOURS, 1996, p. 152).
Nesta perspectiva, o sujeito não constrói sua própria identidade somente a
partir de si mesmo, necessita do olhar do outro, do julgamento do outro. E no
trabalho, o que o sujeito procura fazer que seja reconhecido é o seu fazer e não o
seu ser (DEJOURS, 1996).
Sendo assim, Dejours (1996) afirma que o indivíduo, ao ingressar em uma
organização (empresa, escola, etc.), faz parte do jogo social vigente. Este jogo social
é a luta pelo reconhecimento ou o desejo do reconhecimento. Cada indivíduo
manifesta seus desejos, seus interesses pessoais que precisam ser reconhecidos
pelos demais. Esta necessidade pode ser identificada como a luta pelo
reconhecimento do desejo, como condição de existência, de sobrevivência dentro
dos grupos ou organizações.
Nesse cenário o prazer e o sofrimento são vivências subjetivas, muitas vezes,
inconscientes, resultantes do confronto entre a história de vida do indivíduo e a
realidade de trabalho. Para Dejours (1996), prazer e sofrimento no trabalho estão
29
associados à organização do trabalho, caracterizada pelo conteúdo da tarefa e
relações socioprofissionais, a qual exerce um impacto no funcionamento psíquico do
trabalhador, gerando sofrimento ou prazer, dependendo do quanto a tarefa é
significativa para o trabalhador e se as relações com colegas e chefias são ou não
de reconhecimento, cooperação, confiança e solidariedade.
O autor afirma, ainda, como o sofrimento é inerente ao mundo do trabalho e,
não sendo tarefa fácil eliminá-lo, é necessário que ele seja transformado. Desta
forma, o sofrimento adquire sentido quando é entendido como um “trampolim” para
se obter reconhecimento, satisfação e prazer no trabalho.
O reconhecimento é a forma específica da retribuição moral-simbólica dada
ao ego como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do
trabalho, ou seja, pelo engajamento da sua subjetividade e inteligência (DEJOURS,
1999).
Por este motivo, o sujeito submete seu trabalho a outros e espera, em troca, o
reconhecimento, pois este simboliza a retribuição fundamental da sublimação. Isto
significa que a sublimação tem papel importante na conquista da identidade, pois o
reconhecimento social e a identidade como condição de sublimação confere à
sublimação uma função essencial à saúde do trabalhador (DEJOURS, 1999).
Dejours (1996) afirma que em razão da indiferença aos desejos individuais
reinantes nas organizações e da competitividade excessiva, o sofrimento parece ser
inevitável, pois o risco de frustração do desejo de reconhecimento é muito grande.
Isso, inevitavelmente, proporciona sérios prejuízos à saúde dos trabalhadores.
O estilo de vida moderno, que dá maior importância ao racional do que ao
afetivo, que valoriza a competitividade constante e os padrões de qualidade e
produtividade, provoca uma série de sofrimentos e deixa os trabalhadores
vulneráveis a doenças, como o stress, depressão, alcoolismo, desequilíbrio
emocional, etc. (CODO, 1998).
30
Entretanto, a mecanização e a robotização que poderiam reduzir o nível de
sofrimento dos trabalhadores muitas vezes contribui para agravá-lo, à medida que
favorece o surgimento do sentimento de incompetência e incapacidade. Isso força o
trabalhador a buscar constantemente atualização, proporcionando sobrecarga de
atividades e responsabilidades. Há a sensação de não conseguir satisfazer as
necessidades da organização ou do mercado.
Dejours (1999) argumenta que a empresa tende a se tornar fonte de angústia
e de prazer ao indivíduo, pois ele está ligado à organização não apenas por laços
morais, por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que ela lhe
proporciona, mas também por laços emocionais.
Dejours (1996) afirma ainda que, dependendo da carga psíquica do trabalho,
ele pode ser fonte de equilíbrio para uns e para outros pode ser fonte de fadiga. A
carga psíquica do trabalho aparece como um regulador da carga global de trabalho
e, ao permitir descarga psíquica, projeta-se como instrumento de equilíbrio para o
trabalhador.
Quanto menos liberdade de organização do trabalho, maior é a carga
psíquica do trabalhador; e quando não é possível a organização do trabalho pelo
trabalhador, ocorre um bloqueio do aparelho psíquico na relação com a tarefa e,
consequentemente, surgem a fadiga e o sofrimento (DEJOURS, 1996).
Há de se notar que a produção de identidades, orientada por uma
racionalidade, tende a produzir indivíduos incapazes de perceber com clareza seu
próprio sofrimento e a dificuldade de direcionar sua trajetória profissional.
1.4 Identidade profissional docente: possibilidades
Sabe-se que a Docência é uma das profissões mais antigas, com a qual a
maioria das pessoas teve contato e que, durante muito tempo, se referiam a ela
como uma vocação, um sacerdócio, com base nas qualidades morais que o
profissional deveria possuir, segundo Lessard e Tardif (2008).
31
Guimarães et al. (2006) defendem que por volta dos anos 1990, período de
aprofundamento das políticas neoliberais, o Brasil encontra-se com dívidas
crescentes que ameaçam as relações de parceria no mercado mundial. Não se
imaginava, até então, que esse dado político e econômico pudesse exercer
influências e consequências sobre a Educação no país.
Os que tinham uma compreensão da lógica da sociedade capitalista
deixaram-se embalar pelo ideal da democracia, sem sequer questionar a redução
crescente dos recursos públicos, a diminuição das obrigações do Estado, a
desregulamentação da economia, o acompanhamento e a avaliação rigorosos,
estabelecidos pelo FMI e pelo Banco Mundial sobre os indicadores econômicos,
como condição para empréstimos aos países endividados, conforme apontam
Guimarães et al. (2006).
Com o pretexto de tais ações constituírem “medidas para avaliar a pobreza”
(GUIMARÃES et al., 2006), os organismos internacionais financiadores exigiram,
como condição do empréstimo, que o Estado brasileiro cumprisse políticas sociais
por eles determinadas, como na área educacional.
Os autores afirmam, ainda, que uma delas, vista por alguns com bons olhos,
diante da situação catastrófica de analfabetismo no país, foi a Priorização da
Educação Básica, que gerou massificação da educação, ou seja, a obrigatoriedade
desse nível de estudo, que resultou em salas de aulas numerosas.
Corroborando, Lessard e Tardif (2008) defendem que todas essas mudanças
não significaram, necessariamente, melhorias na qualidade do ensino e apontam
algumas de suas consequências negativas, como: a queda do nível dos estudos, a
permissividade generalizada, os diplomas desvalorizados, o declínio da cultura geral
e a escola “vale-tudo”, expressões muitas vezes usadas para caracterizar a evolução
das últimas décadas em matéria de ensino.
Os autores ainda destacam as causas apontadas para a crise do ensino: “a
degeneração do modelo de ensino clássico, sem que outro modelo tenha
capacidade de se mostrar conveniente e suficientemente consistente para substituir
32
e preencher o vácuo deixado pelo modelo clássico” (LESSARD; TARDIF, 2008, p.
257).
Nessa situação, apontam, ainda, que os professores são/estão abandonados
em sua relação diária com os alunos e na busca por encontrar e dar sentido à sua
profissão.
Esse mal-estar dos professores é designado, conforme apontam Lessard e
Tardif (2008). O fato – que defendem – é a crise do ensino basear-se também na
decomposição do modelo docente, o qual não “sobrevive”, como disciplinador e
erudito, transmitindo o mais claramente possível, graças ao seu perfeito domínio da
exposição e à sua paixão intelectual, o patrimônio nacional e a grande cultura
universal a alunos escolhidos a dedo por sua origem de classe, próximos da cultura
escolar e dos seus códigos implícitos.
Lessard e Tardif (2008) fazem essas observações a respeito da situação atual
da docência, sob a ordem das representações simbólicas de mercado, e consideram
que tal situação revela as dimensões fundamentais do trabalho docente,
constantemente, redefinida e recomposta em função das pressões e das condições
em que se exerce. Diante disso, os autores percebem essa evolução como processo
a tornar mais complexo e a recompor um trabalho que, como defendem, tenta
reconhecer e incorporar dimensões inerentes, de certa maneira, à atividade docente.
Exemplo disso é a pesquisa realizada por Lüdke e Boing (2004), na qual
consideram que, apesar de ser uma situação complexa, a docência vive um
processo de declínio, o qual se deve também ao fato de não ser categorizada como
profissão.
Os autores adotaram a concepção defendida por Cogan (1991 apud
LESSARD; TARDIF, 2008), de que:
toda profissão exige uma profunda base de conhecimentos gerais e
sistematizados, o interesse geral acima dos próprios, um código de
ética controlando a profissão pelos próprios pares e honorários como
contraprestação de um serviço e não a manifestação de um interesse
33
pecuniário. (COGAN, 1991 apud LESSARD; TARDIF, 2008, p. 1.1611.162).
Baseados nessa concepção, os autores questionam a consideração (ou não)
da docência como profissão, pelos seguintes fatos: por não possuírem saberes bem
definidos, já que não ensinam puros saberes científicos, nem autonomia como grupo
ocupacional, visto que estão inseridos em um sistema subordinado à regularização
pelo Estado que lhe impõe limites; por possuírem multiplicidade de vias de formação
(tempo e nível de instituição formadora) e por não terem um sindicato/conselho bem
estruturado.
Contudo apontam que talvez o aspecto crucial para se considerar que a
docência viva um processo de declínio seja a decadência do salário e da
consequência negativa desse fato para a dignidade e o respeito de uma categoria
profissional, principalmente considerando-se que, há trinta anos, o salário do
professor representava garantia de vida digna aos que exercessem o magistério. Ou
seja, ao mesmo tempo que se evidencia a importância do saber docente na
sociedade, percebe-se que a “profissão” de professor não mantém o mesmo
prestígio social.
Isso é preocupante, pois, como afirmam Lüdke e Boing (2004), a identidade
profissional dos professores, foco desta pesquisa, vem sofrendo os efeitos das
transformações ocorridas no mercado, principalmente por sua fragilidade, própria de
um grupo cuja função não parece tão específica aos olhos da sociedade, visto que
certos adultos acham que qualquer um deles pode exercê-la, dado o grande número
de pessoas que a exercem, com diferentes qualificações, ou até sem nenhuma.
As reflexões até aqui apresentadas ilustram o contexto no qual a identidade
profissional docente se constitui e que está na base de consideração da pesquisa.
34
2 O CONTEXTO HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR TECNOLÓGICO
A competitividade proposta pelo mercado de trabalho, uma constante
discutida no âmbito organizacional, estendeu-se ao setor educacional, associada ao
nível de turbulência que as economias nacionais têm vivenciado, demandando
novos estudos para eliminar as carências de ambos setores.
Fleury e Fleury (2004, p. 122) destacam a importância da educação no
desenvolvimento econômico de um país. Os autores analisam empresas
multinacionais e empresas brasileiras, e salientam que “a atratividade do país seria
maior
se,
além
dos
incentivos
econômico-financeiros,
houvesse
maiores
investimentos educacionais, disponibilizando no mercado pessoas mais qualificadas,
melhoria na infra-estrutura e a reforma tributária” (FLEURY; FLEURY, 2004, p. 122).
Os autores ainda indicam que o Brasil necessita desenvolver uma estratégia
coerente para aproveitar as oportunidades da economia do conhecimento e
minimizar os riscos que ela traz, precisa ainda atentar para os gastos com educação
de modo eficiente, que é a base para criar, adquirir, adaptar, disseminar,
compartilhar e usar o conhecimento, não somente em cursos acadêmicos e
bacharelados, mas também em cursos profissionalizantes voltados para atender às
necessidades do mundo da produção e do trabalho (FLEURY; FLEURY, 2004).
Os autores, Fleury e Fleury (2004), afirmam que, mediante este cenário,
apesar das muitas iniciativas do segmento empresarial na busca e promoção da
aprendizagem e na difusão do conhecimento, o governo tem um importante papel na
sua efetividade, seja por meio de treinamento formal ou de esforços por consórcio de
empresas para desenvolver técnicas de produção de aprendizagem intensiva, como
o sistema S (SENAI, Senac, etc.).
Segundo Souza (2005), a educação profissional precisa ser flexível para
permitir a introdução de estruturas modulares no currículo, permitir e facilitar
frequentes idas e vindas entre o mercado de trabalho e o sistema de educação
profissional e a atualização técnica e profissional dos trabalhadores.
35
Além disso, “o sistema de educação profissional precisa estar profundamente
vinculado ao mercado de trabalho e à evolução tecnológica” (SOUZA, 2005, p. 4).
Em consonância com as tendências internacionais, o Brasil tem adotado, por
meio do Ministério da Educação, estratégias de política educacional nos diversos
níveis de ensino, em particular na educação profissional e tecnológica.
2.1 A educação tecnológica
Historicamente, no Brasil, o termo educação tecnológica começou a ser
usado na década de 70 e manteve ao longo do tempo a influência histórica que
marcou o preconceito à educação profissional, sempre associada à formação
profissional de classes menos favorecidas (SILVA, 2007).
A autora afirma que esse preconceito começou a ser mitigado somente nos
últimos anos por meio da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1998) e da LDB
(BRASIL, 1996), que determina que a educação profissional deve integrar-se às
diferentes formas de educação (BRASIL, 2004).
Os Cursos Superiores de Tecnologia (CSTs) originaram-se das necessidades
do mercado nos anos 60, e foram respaldados pela Lei nº. 4.024 (BRASIL, 1961), a
primeira LDB. Em seu Artigo 104, a LDB contemplava “a organização de cursos ou
escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios”
(BRASIL, 2011).
A reforma universitária implantada pela Lei Federal nº. 5.540 (BRASIL, 1968)
propôs a instalação e o funcionamento de “cursos profissionais de curta duração,
destinados a proporcionar habilitações intermediárias de grau superior”, a serem
ministrados em universidades ou estabelecimentos de educação superior. Esta lei
não explicitou a possibilidade de os cursos serem ofertados por centros criados
especialmente para esse fim, mas nos seus Artigos 18 e 23 mencionou a
possibilidade de implantação de faculdades e de cursos de tecnologia que
ofertassem cursos profissionais com duração e modalidades diferentes para atender
a realidades diversas do mercado de trabalho (CONSELHO NACIONAL DE
36
EDUCAÇÃO, 2002), e, assim, surgiram os primeiros centros de educação
tecnológica no Brasil (BRASIL, 2011c).
A LDB de 1996 (BRASIL, 1996) possui 92 artigos versando sobre a
Educação, quatro deles tratam da educação profissional (artigos 39 a 42) (BRASIL,
2004).
Contudo, ela não explicita a modalidade dos cursos tecnológicos. Outras
alterações foram feitas para caracterizar a educação profissional, como o Decreto nº.
2.208, de 17 de abril de 1997 (BRASIL, 1997a), que regulamentou os artigos 39 a
42, especificando e reorganizando a educação profissional (BRASIL, 2003b).
Com a LDB de 1996 e este Decreto nº. 2.208/1997, o Ensino Tecnológico
ganhou nova dimensão e reiniciou sua trajetória no ensino brasileiro.
O mesmo Decreto nº. 2.208/1997 distinguiu três níveis no ensino profissional:
o básico, o técnico e o tecnológico (correspondentes a cursos de nível superior na
área tecnológica, destinados a egressos do Ensino Médio e Técnico).
A organização e o incentivo desta modalidade educacional pela Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) trouxeram uma nova perspectiva de
formação superior para o Brasil, já existente em outros países.
Em
2001,
o
Parecer
CNE/CES
436
(CONSELHO
NACIONAL
DE
EDUCAÇÃO, 2001) discutiu e analisou os Cursos Superiores de Tecnologia,
definindo-os como cursos de graduação com características especiais, distintos dos
tradicionais. Segundo o parecer, todos os cursos de nível tecnológico são cursos de
graduação, e seus concluintes ficam aptos a prosseguir seus estudos em nível de
pós-graduação. Por isso, estão enquadrados no disposto no Inciso II do Artigo 44 da
LDB, que regulamenta o Ensino Superior no Brasil (BRASIL, 2004).
Em 2002, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Profissional de Nível Tecnológico foram discutidas pelo Parecer CNE/CP 29
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002) que, além de definirem os critérios
37
e objetivos da educação tecnológica, as Diretrizes também constituíram um esforço
de romper com o preconceito histórico nacional de que a educação para o trabalho
destina-se à formação profissional de classes sociais menos favorecidas, ofertando
uma educação profissional de nível superior fundamentada no desenvolvimento do
conhecimento tecnológico e na realidade do mundo do trabalho (TAKAHASHI,
2010).
Esta resolução, fundamentada no Parecer CNE/CES 436/2001 (CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001) e no Parecer CNE/CP 29/2002 (CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002), define, em seu Art. 1º, que a educação
profissional de nível tecnológico, integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito à aquisição
de competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores
profissionais nos quais haja utilização de tecnologias.
Neste âmbito, entende-se por competência profissional “a capacidade pessoal
de mobilizar, articular e colocar em ação conhecimentos, habilidades, atitudes e
valores necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas
pela natureza do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico” (CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002, Art.7º) (BRASIL, 2003b).
Estas competências acompanham o diploma do curso e são definidas no
perfil profissional do mesmo. A partir de 2004, a educação profissional em vigor no
Brasil, segundo o Decreto nº. 2.208/97 (BRASIL, 1997a), reformada pelo Decreto nº.
5.154, de 23 de julho de 2004 (BRASIL, 2004a), passou a se constituir de três
níveis: “I - formação inicial e continuada de trabalhadores; II - educação profissional
técnica de nível médio; e III - educação profissional tecnológica de graduação e de
pós-graduação” (BRASIL, 2003a).
O Decreto nº. 5.154 afirma que o primeiro nível, formação inicial e continuada
de trabalhadores, refere-se à capacitação, aperfeiçoamento, especialização e
atualização em todos os níveis de escolaridade, sendo articulada preferencialmente
com os cursos de educação de jovens e adultos, e objetiva a elevação do nível de
escolaridade do trabalhador.
38
Continua afirmando que o segundo nível refere-se à educação profissional
técnica de nível médio, que pode ser ofertada integrada com o Ensino Médio,
concomitante ou subsequente.
E finaliza que, dentre as três modalidades do ensino profissional, o terceiro
nível, de educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação,
assume um caráter específico e próprio. Esta modalidade visa à qualificação e
requalificação de acordo com novas necessidades do mercado de trabalho, e é
suportada pelo surgimento das novas tecnologias, exigidas pela globalização
econômica que demanda do trabalhador novas competências e habilidades.
Assim, a educação profissional e tecnológica começou a consolidar-se como
um esforço estratégico do Ministério da Educação visando às mudanças no mundo
do trabalho, na economia nacional e internacional, e nos sistemas sociais: “cursos
superiores de tecnologia [...] uma das principais respostas do setor educacional às
necessidades e demandas da sociedade brasileira” (CONSELHO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 2001) (BRASIL, 2004a).
Takahashi (2010) afirma que a principal diferença entre os cursos de
graduação tecnológicos (que conferem o diploma de tecnólogo) e os cursos de
Ensino Superior (que conferem o diploma de licenciatura ou bacharel) está na
proposta do primeiro. Os cursos tecnológicos vêm atender a uma demanda do
mercado por especialistas dentro de uma área de conhecimento, em vez dos
generalistas formados pelas outras modalidades de Ensino Superior. Os principais
atributos da Educação Tecnológica são o foco, a rapidez, a inserção no mercado de
trabalho e a metodologia. O foco desta modalidade é a formação em um campo de
trabalho definido, alinhado às necessidades atuais.
A rapidez refere-se à oferta do curso com uma carga horária menor, de dois
ou três anos. Por estarem pautados em pesquisas de mercados para sua oferta e
funcionamento, visam à rápida inserção do aluno no mercado de trabalho de acordo
com as tendências do mercado.
39
A metodologia praticada abrange técnicas, métodos e estratégias focadas na
aprendizagem, no saber e no saber-fazer, com propostas didático-pedagógicas
voltadas para a prática. Por isso, os cursos tecnológicos não constituem cursos
permanentes, mas sim cursos que devem ser continuamente revistos, redesenhados
e reorganizados para garantir a adequação à mutabilidade das necessidades do
mercado de trabalho (TAKAHASHI, 2010). Os currículos dos CSTs devem ter
flexibilidade, interdisciplinaridade, contextualização e atualização permanente.
Os CSTs também têm uma organização modular, que possibilita o início em
qualquer momento do curso, não levando em conta a organização curricular
bastante presente nos cursos de Licenciatura e Bacharelado, em que as disciplinas
em geral mantêm uma organização de conteúdo, um percurso científico que está
pautado em um ponto de partida e um ponto de chegado, que vão privilegiar os
saberes teóricos e práticos e, ao final da formação, tendem a organizar a prática
profissional.
A estrutura modular proposta pelos CSTs demonstra, em algumas
instituições, um descolamento entre os conteúdos propostos para cada módulo, que
se organizam de forma independente e fragmentada.
Com essa prática, percebemos ainda que algumas instituições que mantêm
os CSTs exigem dos alunos trabalhos de conclusão modular, denominados Trabalho
de Graduação Interdisciplinar (TGI), que são exigidos para cada módulo concluído, e
que, em tese, é na feitura deste trabalho que ocorreria a interligação dos
conhecimentos construídos nas diferentes disciplinas e módulos que certificam o
aluno. Este modelo é muito diferente do modelo presente nos cursos de Licenciatura
e Bacharelado, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que incentiva e propõe ao
aluno uma possibilidade de exercer a pesquisa e a investigação científica, que está
alinhada com o item III do Artigo 43 da LDB de 1996:
[É papel das IES] incentivar o trabalho de pesquisa e investigação
científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da
criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive. (LDB, 1996).
40
Cabe problematizar que a interligação dos saberes propostos pelos TGIs não
ocorre naturalmente, e exige uma mediação pedagógica muito cuidadosa. Esta
situação evidencia outro fenômeno que merece ser analisado em futuras pesquisas.
Numa tentativa de analisar o percurso apresentado até o presente momento
do texto, convém problematizar algumas questões. Na redação final da LDB, a
identidade da educação profissional não fica clara, ao contrário do que foi feito com
a Educação Especial ou a Educação Indígena, por exemplo, não se explicita a
transversalidade da Educação Profissional, nem a articulação curricular com o
Ensino Médio como ocorria, por exemplo, na vigência da LDB 5.692/71.
No caso dos CSTs, ocorre um fenômeno semelhante, pois são cursos que
compõem o Ensino Superior, regulamentados e supervisionados pelo MEC, mas
desarticulados da Educação Profissional. Assim, há uma fluidez na identidade
destes cursos, reforçada por normas e leis evasivas e dúbias: eles não são cursos
profissionalizantes de nível médio, mas também não são cursos superiores
tradicionais, que conferem titulação aos seus egressos: os chamados tecnólogos,
que não são técnicos tampouco bacharéis. O impacto desta formação configura
outro fenômeno que deixa pistas para futuras investigações.
Um outro aspecto que merece atenção é o fato de os CSTs funcionarem e
serem supervisionados pelo MEC no bojo das diferentes modalidades de cursos
superiores que existem atualmente, o que nos leva a questionar se as
especificidades dos CSTs são devidamente consideradas nos processos de
avaliação do MEC, face à fragilidade e incipiência dos aspectos que levantamos
anteriormente, bem como frente à organização e funcionamento de tais cursos.
Todos os condicionantes objetivos expostos causam impactos sobre a
identidade profissional dos professores que atuam nestes cursos, cabendo recuperar
o objeto de pesquisa do presente trabalho: compreender o processo de construção
da identidade profissional do “não-professor”, que atua nos cursos de Ensino
Superior Tecnológico, que será retomado a seguir.
41
3 PERCURSO METODOLÓGICO
A pesquisa insere-se na abordagem qualitativa que, segundo Chizzotti (2008),
implica em uma partilha com pessoas que constituem objetos de pesquisa, para
extrair dessa relação os significados visíveis e latentes que somente são
perceptíveis a uma atenção sensível.
Os dados foram coletados inicialmente a partir de um questionário de préseleção (Apêndice A), para professores de Cursos Superiores de Tecnologia, que
serviu como instrumento para seleção dos participantes do estudo.
O questionário foi aplicado a um conjunto de 20 sujeitos que atuam como
professores na modalidade de ensino apresentada anteriormente, na zona leste da
Capital. Deste total de participantes, foram selecionados como participantes do
estudo e convidados a escrever a carta (Apêndice B) aqueles que preencherem os
seguintes critérios:
•
Interesse em participar da pesquisa;
•
Tempo de experiência profissional – será escolhido o profissional que
apresentar tempo igual ou maior do que cinco anos de exercício em
determinada carreira que não a docência;
•
Tempo de experiência na atuação como docente – será escolhido o
profissional que apresentar tempo igual ou maior do que dois anos de
exercício como docente para cursos de Ensino Superior Tecnológico;
•
Concordar em redigir uma carta destinada a um docente iniciante,
mediante as comandas alinhadas entre o pesquisador e sujeito;
•
Concordar em assinar os termos de livre consentimento e participação
na pesquisa (Anexo A).
Uma vez selecionados, os participantes foram convidados a redigir uma carta
(Apêndice B), em que pudessem construir um conjunto de recomendações para
professor iniciante.
42
A opção pela utilização da carta como instrumento de coleta de informações
para esta pesquisa deu-se a um conjunto de motivos. Entre eles destacam-se:
•
A carta é um gênero textual que favorece, dada sua informalidade, bem
como dado o domínio das suas marcas linguísticas pela maioria das
pessoas em nossa cultura, que os sujeitos exponham suas ideias,
concepções e teorias sobre o que está sob investigação sem as
pressões que se criam em ambientes formais de pesquisa;
•
Pela possibilidade de atingir um maior número de sujeitos, dados o
tempo e os recursos disponíveis para a realização do estudo.
Moraes (2006) defende que entre os diferentes usos da carta, um deles se
refere à possibilidade de revelar conteúdos intimistas e privativos que elas carregam,
conforme afirma a autora:
O ato de escrever cartas sempre (ou quase sempre) traz consigo a
preocupação de ser entendido ou, mesmo, a insegurança e a
vergonha de escrever para alguém que, do outro lado do papel e de
um outro espaço geográfico, vai penetrar nas palavras, nos sentidos
das narrativas e nas histórias de vida de quem escreveu. Para o
autor-escritor da carta, existe sempre um leitor-destinatário situado
em um determinado espaço-tempo histórico. Por isto, quem escreve
sempre tem presente questões dessa ordem: para quem se escreve;
o que escrever; como escrever para ser entendido; o que pode ser
partilhado com o outro; o lugar-tempo de onde se escreve e para o
qual se escreve. (MORAES, 2006, p. 172).
Diante disso, compreendemos que a carta, portanto, é um gênero textual que
permite que o sujeito que a escreve reflita sobre sua própria subjetividade. Uma vez
que, ao escrever algo a alguém, o sujeito (em geral) escolhe cuidadosamente o que
vai escrever, na busca de se fazer compreender.
Na comanda da carta (Apêndice B), utilizada como disparador para os
sujeitos, foi solicitado que o professor realizasse recomendações para um professor
iniciante na docência do Ensino Superior Tecnológico.
43
A opção pelo gênero textual carta se deu, uma vez que uma das
características das cartas é a informalidade (SILVA, 2002), que delimita o campo de
reflexão do professor/sujeito, no que se refere ao contexto sociocultural no qual a
pesquisa será desenvolvida.
As cartas passaram por uma análise de conteúdo. Desta maneira, buscou-se
construir eixos de análise que serviram de base para a análise dos dados
(CHIZZOTTI, 2008).
A etapa de pré-seleção foi realizada no primeiro semestre do ano de 2011,
nos horários e locais combinados com os sujeitos.
A pesquisa ocorreu circunscrita à zona leste da Capital, e será realizada com
docentes que atuam em instituições, exclusivamente privadas, de Ensino Superior
Tecnológico. Tal opção se justifica em virtude do tempo e dos recursos necessários
ao desenvolvimento do estudo, que não permitiriam expandi-lo para outras regiões
ou instituições com características diferentes das que já foram apresentadas.
Antes de apresentar os resultados obtidos, convém informar que todos os
participantes
demonstraram
disponibilidade
para
participar
caracterização dos participantes é apresentada pelo quadro 1:
do
estudo.
A
44
Quadro 1 – Caracterização dos participantes
NOMES
Afonso
Bartolomeu
Clarice
Daniel
Edson
Fernando
Gabriel
Experiência
Docente
no Ensino
Superior
Tecnológico
5 anos
4 anos
6 anos
4 anos
6 anos
5 anos
4 anos
Experiência em
outra
Atividade
Profissional
12 anos
15 anos
18 anos
7 anos
9 anos
11 anos
13 anos
Formação
Inicial
Engenha
ria
Administração
Psicologia
Turismo
Direito
Ciências
Computação
Comunicação
Social
PósGraduação
em nível
lato sensu
(Especialização)
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
PósGraduação
em nível
stricto
sensu
(Mestrado)
Não
Sim
Não
Sim
Não
Não
Sim
Fonte: Elaborado pelo autor.
Todos os sujeitos atenderam aos requisitos necessários para a participação
na pesquisa, como tempo de atuação docente e tempo de atuação profissional
(excluindo docência) e aceitaram redigir a carta para um professor iniciante,
conforme a comanda sugerida (Apêndice B).
Dos dados evidenciados no quadro, destaca-se o tempo de experiência
profissional acumulado pelos sujeitos antes do exercício da docência, que
corresponde a uma exigência comum nos cursos de Ensino Superior Tecnológico e
que, portanto, são adequados para analisar o que os sujeitos comunicam sobre a
construção das suas identidades profissionais no contexto no qual ela ocorre.
45
Convém retomar o porquê se decidiu solicitar a escrita de uma carta com um
conjunto
de
recomendações
a
um
professor
iniciante.
Para
fazer
tais
recomendações, cada participante teve de recuperar, necessariamente, as
experiências vividas por ele no início da atividade docente, bem como essas
experiências se interligam àquelas acumuladas pelos participantes, ao longo de
cinco anos, em média, que foi o que nos permitiu depreender as concepções dos
participantes sobre a docência e, portanto, os momentos cruciais da construção da
sua identidade profissional.
46
4 ANÁLISE DAS CARTAS
4.1 Procedimento de análise das cartas
A análise das cartas buscou fundamentação metodológica na pesquisa
qualitativa, indicada para a apreensão de processos, como maior profundidade, de
acordo com Candela, Coll e Rockwell (2009).
Após a leitura do conteúdo das cartas, algumas temáticas recorrentes foram
identificadas possibilitando organizá-las em eixos de análise, que foram definidos
como:
•
Âncoras da Docência na vivência profissional;
•
Exercício da Docência
Sendo assim, buscou-se entender o que os participantes escreveram, de
modo que não apenas demonstrasse literalmente suas considerações, mas também
o que os discursos revelavam e em que princípios suas afirmações estavam
assentadas.
A partir da leitura das cartas, suscitou o desafio de decidir como se
encaminharia o procedimento de análise, sobretudo porque o pesquisador não tinha
como princípio encontrar respostas engendradas em verdades absolutas, e sim,
intencionava perceber as marcas da construção da identidade profissional docente.
Como se poderá observar, nem todos os sujeitos se manifestaram da mesma
maneira (Anexo D), nem na mesma sequência, a respeito dos assuntos, mesmo
porque, como se justificou nos Procedimentos Metodológicos, a carta como
instrumento de coleta de dado implica um clima de informalidade, pois o que se
pretendeu nesse material foi revelar o que os participantes pensavam e
recomendavam a respeito do seu trabalho.
Diante disso, apresentam-se as discussões provocadas a partir dos eixos de
análises citados anteriormente, e dos quais se tratou a seguir.
47
4.2 Âncoras da docência na vivência profissional
Optou-se por utilizar o termo Âncoras da docência na vivência profissional,
pois, se tomarmos a imagem da âncora e sua funcionalidade, veremos que é um
instrumento fundamental para o navio fixar-se em terra. Ela permite que o navio
atraque em um porto e mantenha-se seguro até a próxima viagem.
Como metáfora, a âncora representa um conjunto de saberes, com relativa
estabilidade, que permitem ao docente viver uma experiência de encontro com suas
referências subjetivas, aquelas que já foram construídas com base em vivências
educativas que permearam sua trajetória.
Com isso, convém mencionar o estudo feito por Silva (2007), que nos auxilia
a compreender as bases da ação docente de um conjunto de professores do ensino
técnico e que nos permitiu estabelecer uma relação com a discussão proposta neste
trabalho.
A pesquisadora, ao abordar os processos de construção da profissionalidade
docente, denominou o fenômeno que abordamos anteriormente como Ethos
Profissional, e, ao discuti-lo, ela afirmou que:
Com freqüência, observo em sala de aula a presença marcante do
profissional de área, que pode ser constatada, com base nas
manifestações, posturas, convicções e ações revelam sua formação
de origem. Parece tecer suas práticas profissionais entrelaçadas ao
ethos de sua formação de origem, não levando em conta as
atribuições do exercício da docência consideradas importantes pela
Instituição; tais como: planejamento, avaliação, etc. (SILVA, 2007, p.
14).
A análise acima nos ajudou a inferir que a ação do docente que atua em
cursos de Ensino Superior Tecnológico está pautada nas suas experiências
profissionais, fora do ambiente acadêmico, bem como nos auxiliou a delinear o
caminho de análise dos dados. Para discuti-los, trabalharemos com a metáfora dos
portos.
48
Tomamos a imagem do porto como aquela de um local que serve de
ancoradouro para os navios que chegam, que foi o que permitiu o exercício de
descrever o processo que se denominou de não-professor a professor e que
abordaremos a seguir.
Porto 1 – O trabalho por processos
A análise dos dados revelou que o primeiro porto é o do Trabalho por
Processo, comum nos contextos organizacionais, que exige dos profissionais
atenderem às demandas conforme elas são solicitadas. Referem-se a processos
com etapas muito claras e distintas, marcadas por normas e procedimentos
considerados generalizáveis, expressas em geral, por fluxogramas, e que pretendem
regular as ações do trabalhador.
Assim, identificamos as marcas da lógica do trabalho por processos no
discurso que segue:
Professor, a vantagem do tecnólogo [é] a ideia de atender à
demanda do mercado de trabalho e suas necessidades imediatas,
portanto, a formação tem um caminho diferente, ela foca objetividade
e temas específicos. (Afonso)
Afonso revela em seu discurso a necessidade de trabalhar com temas
específicos, pois o objetivo das organizações é atingir um patamar de lucratividade
que só pode ser alcançado com o alinhamento e direcionamento estratégico do
trabalho dos empregados.
A lógica do trabalho por processos se expressa, no discurso do professor
Afonso, no trabalho pedagógico a partir de temas. Embora se possa questionar que
essa opção fragmenta o conhecimento, não fica evidente no discurso como são
feitas as articulações que podem “garantir”, de certa maneira, que o aluno tenha uma
visão do “todo”.
49
A participante Clarice discute a questão do Fluxo Organizacional, que
determina os encaminhamentos necessários para o “sucesso” das demandas
organizacionais e que também se insere na lógica do trabalho por processos:
É importante lembrar que os alunos iniciantes nem sempre
compreendem o fluxo organizacional existente no Ensino Superior,
por isso, deve-se ressaltar alguns expedientes tais como: licenças
médicas, pontualidade no pagamento das mensalidades, postura
madura e cordial entre todos, evitando assim, atritos que possam
acarretar procedimentos disciplinares. (Clarice)
O discurso de Clarice revela a necessidade de o profissional apropriar-se dos
conteúdos de funcionamento institucional para apoiar seus alunos na melhor
adequação às normas institucionais, o que é outra ideia fortemente presente no
imaginário empresarial, mas que se distancia, de certo modo, do papel do professor.
Por exemplo, em nossa cultura não fazem parte das funções do professor questões
relacionadas ao pagamento de mensalidades e afastamentos médicos, e ele
comumente não se envolve com elas, sendo a sua função mediar a construção do
conhecimento.
Porto 2 – O absenteísmo
Identificamos como um segundo momento crucial do fenômeno em estudo o
absenteísmo.
O absenteísmo se refere ao controle de faltas ao trabalho no contexto
organizacional. Neste contexto, quanto menor o índice de ausências, maior o
resultado.
O participante Bartolomeu o apresenta num trecho da sua carta:
[O] Controle de faltas e busca constante aos [alunos] mais distantes,
[faz] com que o grupo consiga chegar unido ao final da disciplina.
(Bartolomeu)
O discurso de Bartolomeu parece sugerir que este controle seja feito com os
alunos faltosos, pois, garantindo a presença daqueles, tem-se a possibilidade de
alinhavar seu desempenho à cultura de resultados que deles se espera, tal como as
50
empresas esperam dos seus empregados e que difere bastante do que se vive no
contexto de uma sala de aula, que comumente é heterogênea.
Pode-se problematizar, ainda, a concepção de grupo do entrevistado. Sua
afirmação parece condizer com a ideia de grupo presente na maioria das empresas,
nos nossos dias, em que se acredita que os colaboradores devem chegar juntos ao
mesmo patamar de conhecimento. Isso é condição para que as empresas garantam
o lucro e para que garantam sua manutenção no mercado.
Porto 3 – As competências essenciais que todo colaborador deve ter
Algumas passagens das cartas dos participantes fizeram menção a um
conjunto de competências que eles consideravam fundamentais a um profissional do
mercado, alinhados com as exigências organizacionais, representadas pelos trechos
das cartas de Clarice e Daniel:
Ao professor será uma oportunidade enorme para que você (sic)
possa exercitar sua autoconfiança, sua capacidade de liderar, de
ouvir e ser ouvido e de tomar decisões que às vezes apesar de
impopulares são necessárias. (Clarice)
O professor deve respeitar e se dar respeito, por este motivo é muito
importante que trabalhemos os processos de comunicação e
liderança dentro da sala de aula. (Daniel)
Clarice e Daniel discutem a necessidade de alinhar atitudes às competências
necessárias para um bom profissional, conforme é amplamente discutido no
contexto empresarial, em que todo profissional precisa desenvolver ou aprimorar
algumas competências para alcançar um melhor posicionamento no contexto do
trabalho empresarial, no qual se valoriza a liderança e a tomada de decisão afinada
com a autoconfiança.
Os saberes esperados dos alunos valorizam atitudes e comportamentos, os
participantes pouco falam das atitudes esperadas de estudantes, bem como pouco
relatam sobre como conduzir um processo pedagógico que evidencie, com clareza,
diferentes etapas dos percursos de ensino e aprendizagem, ou seja, de onde se
parte com cada turma e aonde se espera chegar com elas.
51
Pouco falam, também, da valorização da experiência e dos conhecimentos
prévios dos alunos. Além disso, reforçam a necessidade de uma comunicação clara
e objetiva que facilita a compreensão dos resultados que todos devem alcançar.
A competência da comunicação é, talvez, aquela que mais se aproxima
daquilo que se espera de qualquer aluno: que ele leia, escreva, fale e ouça bem, na
perspectiva de formação de um sujeito crítico, participativo e que seja capaz de
analisar e intervir no contexto sociocultural real do qual faz parte.
Porto 4 – O gestor como modelo
Outra referência forte no discurso dos participantes foi o do gestor como
modelo. Nos contextos organizacionais existe uma forte concepção de que o gestor
precisa tornar-se referência para seus subordinados, buscando, assim, garantir que
seus subordinados percebam como devem se comportar na empresa:
O professor deve chegar no mínimo com a antecedência de dez
minutos na sala de aulas e iniciar suas atividades no horário sendo
uma forma posterior para exigir tal comportamento do aluno. (Daniel)
O participante Fernando também revela em seu discurso a lógica do gestor
como modelo:
[o professor deve] estimular a participação dos alunos nas
discussões teóricas e práticas. (Fernando)
Fernando
reforça
uma
das
atitudes
mais
difundidas
no
contexto
organizacional, que indica a necessidade de um gestor agir em favor de um contexto
participativo e colaborativo, estimulando uma reorganização do trabalho, podendo,
assim, conduzir seus subordinados em direção a um trabalho mais produtivo e
garantir resultados satisfatórios para as empresas. Cabe perguntar se tal prática, no
contexto de uma sala de aula, está a serviço da aprendizagem de todos e de cada
um dos alunos.
52
Porto 5 – A experiência profissional
A experiência profissional no mercado foi citada pelo professor Gabriel como
fundamental para a realização do trabalho docente:
É fundamental que o docente tenha sólida vivência profissional e
prática nas disciplinas em que ministra. (Gabriel)
Gabriel parece indicar que a legitimidade de um professor para ministrar uma
determinada disciplina se encontra na vivência prática dos seus postulados, assim
como no contexto organizacional. Para um gestor assumir seu papel, é de extrema
necessidade demonstrar uma experiência profissional que lhe permita assumir o
papel de direcionador e responsável pelas suas equipes de trabalho.
A discussão feita até o momento privilegiou as relações que os participantes
estabeleceram com sua vivência profissional anterior à docência. Na seção seguinte,
abordou-se o que afirmaram sobre a prática docente.
4.3 Exercícios da docência
O exercício de análise das cartas, na tentativa de buscar o que os
participantes disseram sobre o fazer docente, evidenciou que seus discursos foram
marcados fortemente por saberes atitudinais e procedimentais.
Por isso, nesta seção, privilegiaram-se as indicações realizadas pelos
participantes aos professores iniciantes, apoiadas nos conceitos de conteúdos
atitudinais e procedimentais, como apresentados por Coll et al. (1997).
O exercício apoiado nos conteúdos procedimentais está presente nos
excertos abaixo.
Nas suas aulas sugiro que você priorize exemplos práticos e
vivências aliadas à teoria, [isso] pode facilitar a vida sua e do aluno.
(Afonso)
53
Afonso discorre sobre a importância de criar pontos de ancoragem para
garantir que o aluno compreenda os conteúdos que estão sendo trabalhados, o que
se aplica a conteúdos de natureza conceitual, aqueles que, em tese, são mais
complexos e que requerem maior atenção do professor na mediação.
Realiza ainda algumas indicações e reflexões sobre o trabalho, apoiado nos
conteúdos procedimentais:
Boa parte dos cursos tecnológicos define nas ementas dos
conteúdos curriculares as competências e as habilidades que o aluno
deve ter, trabalhe para o desenvolvimento delas, mas, não como
técnica, pois, técnica fica obsoleta e conhecimento não. (Afonso)
Parece revelar-se no discurso de Afonso uma contradição, pois, ao mesmo
tempo que é necessário privilegiar a prática, a mesma tem um caráter transitório,
pois as mudanças rápidas nos contextos de trabalho exigem que o profissional
aprimore seu hall de informações para uma boa prática do trabalho.
Por outro lado, tal contradição evidencia um outro momento crucial da
construção da identidade docente do participante, a compreensão de que a prática
pela prática não basta. Toda “boa” prática, necessariamente, sustenta-se numa
teoria bem fundamentada, o que compõe um saber fundamental do professor, em
acordo com Weisz (2000).
Bartolomeu também prescreve algumas de suas experiências para o
professor iniciante.
Faça trabalhos em grupo e dinâmicas que permitam a utilização da
criatividade com foco na meta [pois] serão essenciais para o sucesso
do docente. (Bartolomeu)
Privilegiar o trabalho em grupo com atividades situacionais e lúdicas parece
ser importante para a prática docente, como indica Bartolomeu, pois com esse
referencial evidencia-se a necessidade de partir de contextos concretos para
aproximar-se da teoria necessária para o trabalho docente, em que os saberes já
produzidos ficam em segundo plano para o profissional.
54
Aqui há outra aproximação com os saberes docentes: a de que é necessário
fazer a informação circular entre os alunos, o que é um saber docente altamente
complexo e que exige um trabalho planejado e uma boa sistematização, pois o
trabalho em grupo, em si, não basta. O professor deve saber o que quer com o
trabalho em grupo e como sistematizará o que cada grupo produziu. O mesmo vale
para dinâmicas. O que se quer com as dinâmicas? O que se espera que os alunos
aprendam com elas? Como o professor as utiliza e sistematiza seu uso no contexto
da sala de aula?
Fernando e Gabriel apresentam algumas outras sugestões de como organizar
o trabalho.
Fazer uso de tecnologias de e-learning para comunicados, artigos,
conteúdos adicionais, vídeos, fórum de discussão e temas vinculados
com a disciplina aplicada. (Fernando)
Atividades práticas e simuladas são ótimas ferramentas, em conjunto
com seminários, pesquisas além das aulas expositivas, o que
formará um interessante material de transmissão de conhecimento.
(Gabriel)
Os participantes se esforçam em dar exemplos sobre como o novo colega
pode organizar seu trabalho, o que evidencia seus saberes docentes que foram
construídos na/pela experiência que demonstram as aproximações com os saberes
da docência.
Daniel e Edson realizam algumas reflexões sobre o trabalho docente e
parecem estar mais próximos dos saberes necessários para a prática docente, mas
apoiam-se ainda em conteúdos procedimentais:
Todas as atividades pedagógicas devem seguir a ementa bem como
a indicação das referencias e livros de apoio. (Daniel)
O participante evidencia o papel do planejamento na atuação docente. Resta
saber se a concepção de planejamento como um norteador de um trabalho
organizado e sistemático ou como o cumprimento de protocolos institucionais e
padronizados das IES.
55
Edson afirma:
[O professor deve] valer-se de instrumentos capazes de facilitar a
compreensão de sua matéria, conhecendo inclusive as tendências
pedagógicas, os meios auxiliares de ensino, o processo de
avaliação. (Edson)
O participante reconhece os saberes que todo professor deve ter,
mencionando inclusive a importância do processo de avaliação.
A participante Clarice apresenta em sua carta uma indicação de natureza
atitudinal:
A postura humilde e franca costumam cativar os alunos, traduzindose em uma relação dialógica em que ambos (professor e aluno) só
têm a ganhar. (Clarice)
Clarice ressalta que se aproximar dos alunos parece auxiliar no processo de
aprendizagem, e que essa troca possibilita que todos revejam seu posicionamento
frente aos objetivos de aprendizagem que devem ser alcançados.
Chamou-nos a atenção o fato de os participantes não mencionarem a
importância dos conteúdos conceituais, como o proposto por Coll et al. (1997).
Porém, o tempo e os recursos destinados para este estudo não permitiram que se
pudesse recorrer aos participantes. E uma vez que se percebeu que era possível
dissertar sobre os dados obtidos, prosseguimos com a análise a partir das
informações disponíveis.
4.4 Intersecções teóricas
Ao construir os eixos de análise, verificou-se a necessidade de alinhavá-los
aos pressupostos teóricos que embasaram o presente estudo. Diante disso,
retomaram-se as proposições de Dubar (2005).
A opção pelo eixo “âncoras da docência na vivência profissional” se deu na
medida em que percebemos seu alinhamento com as reflexões propostas por Dubar
(2005) sobre a constituição da identidade profissional.
56
Dubar (2005) destaca o caráter dinâmico da constituição da identidade
profissional, sempre em mutação na sua relação com os processos sociais,
principalmente nos contextos que refletem sobre o mercado de trabalho.
[...] hoje em dia, é na confrontação com o mercado de trabalho que,
certamente, se situa a implicação identitária mais importante dos
indivíduos na geração de crise. Essa confrontação assume formas
sociais diversas e significativas conforme os países, os níveis de
escolaridade e as origens sociais. Mas é de seu resultado que
dependem tanto a identificação por outrem de suas competências, de
seu status e de sua carreira possível, quanto na construção de si, de
seu projeto, de suas aspirações e de sua identidade possível.
(DUBAR, 2005, p. 148).
Apoiados nas ideias propostas por Dubar (2005), Burnier et al. (2007)
analisam o contexto da profissionalização e colaboram na compreensão do processo
de identidade profissional.
Acerca da profissionalização e suas implicações no processo de
construção das identidades, Kaddouri (2005) reforça as ideias até
então apresentadas, definindo a profissionalização como um
processo em movimento, dinâmico, que se constrói basicamente a
partir de três projetos: institucional, coletivo e individual, que estão
mutuamente interligados. O institucional refere-se à busca de normas
e valores, como uma expressão do projeto identitário institucional
para as pessoas. A profissionalização é caracterizada como coletiva
quando reivindicada por um grupo profissional na elaboração de
estratégias comuns de transformação da prática. O autor sugere que
o projeto institucional, em parceria com o coletivo/individual, pode
acarretar divergências na relação entre o indivíduo e os responsáveis
pela instituição. Consequentemente, essas relações de tensão
conduzirão os indivíduos rumo a diferentes estratégias identitárias,
nas quais o processo de construção da identidade profissional não
deverá ser identificado como resultado da soma de experiências
individuais e coletivas, mas como um processo de reformulação e
tentativas sucessivas de integração da atividade profissional.
(BURNIER et al., 2007, p. 348).
Se pensarmos a identidade profissional como um empreendimento individual
do sujeito, não se pode pensá-la descolada dos condicionantes sociais e históricos
do contexto no qual acontece tal processo de constituição identitária.
No caso específico de professores, é importante lembrar que a profissão
docente é permeada por conceitos e representações proclamadas, por exemplo,
pelos textos das políticas públicas, pela imprensa, dentre outros, que em muitos
57
momentos discutem temas como qualidade na educação, condições de trabalho,
salário e carreira docente, impacto da escolarização; e que vão constituindo o que
se pensa sobre o professor.
Gatti (1996), ao discutir a construção da identidade profissional de docentes
alerta para a necessidade de perceber a ação tanto dos sujeitos construtores quanto
das circunstâncias em que tal construção ocorre.
Assim, a análise do conteúdo das cartas procurou levar em consideração os
aspectos mencionados acima, e a partir dele, nos encontramos com o conceito de
matrizes pedagógicas, como proposto por Furlanetto (2009):
As matrizes se apresentam como arquivos pedagógicos que contêm
conteúdos coletivos e pessoais que são acessados quando o
professor se exerce nos espaços pedagógicos. Esses arquivos, ao
contrário do que se acreditava, articulam conhecimentos
epistemológicos e técnicos, mas articulam, também, saberes,
crenças, mitos construídos a partir de experiências significativas de
aprendizagem. (FURLANETTO, 2009, p. 1.115).
Com base na definição da pesquisadora, podemos inferir que as matrizes
pedagógicas dos participantes se constituem na zona dos saberes profissionais
constituídos num momento anterior ao da experiência docente.
Já o segundo eixo de análise, “Exercício Docente”, exprime as informações já
incorporadas pelos sujeitos e exprime um conjunto de indicações que foram feitas
aos professores iniciantes, como na proposta da pesquisa. Neste eixo, localizamos
uma aproximação com o conceito de pertencimento, e que foi revelando o que os
participantes diziam sobre a própria identidade – identidade para si –, enquanto
teciam as recomendações para os novos colegas.
Aqui convém retomar o termo não-professor. No início da pesquisa, tínhamos
como hipótese que o profissional não-professor se constituiria professor a partir da
internalização dos conhecimentos oriundos da Didática, enquanto disciplina da
Pedagogia e das Licenciaturas de uma forma geral.
58
Contudo, a análise dos dados indicou que um modo de identificação forte
para os participantes é com a figura do gestor, tal como os gestores de organizações
empresariais. Com isso identificamos que um momento crucial da construção da
identidade profissional docente dos participantes do estudo foi a do professor-gestor,
que representa aquilo que lhes confere atribuição e pertença no exercício da
docência.
Chegamos, assim, à compreensão de que o não-professor, apresentado no
início do trabalho, é o professor-gestor. Sendo assim, o que faltaria para que o nãoprofessor “chegasse” a professor?
Para tentar responder a esse questionamento, convém refletir sobre alguns
aspectos.
Em primeiro lugar, convém retomar a seguinte afirmação de Zabala:
As intenções educativas, isto é, aquilo que se pretende conseguir
dos cidadãos mais jovens da sociedade, são reflexo da concepção
social do ensino e, portanto, consequência da posição ideológica da
qual se parte. Essas intenções ou propósitos educativos, explicitados
ou não, determinam a importância daquilo que é relevante para os
alunos aprenderem. (ZABALA, 1997, p. 160).
A afirmação de Zabala (1997) nos auxiliou a perceber que os participantes da
pesquisa partem de um pressuposto de aprendizagem organizado por etapas, pois
pretendem formar um profissional para o mercado de trabalho e buscam desenvolver
conteúdos técnicos, competências, destrezas e atitudes valorizadas nas empresas.
Dessa forma, não partem do que os alunos conhecem, mas sim das
necessidades das empresas.
Aproximando essa perspectiva dos excertos recortados das cartas de
recomendação, percebemos que os professores, ao organizarem seu trabalho
docente, realizam a gestão dos processos de aprendizagem dos alunos, pautados
em uma concepção de gestão empresarial. Nesse sentido, convocamos novamente
o autor:
59
Se aceitarmos que tudo aquilo que é suscetível de ser aprendido
pode ser considerado conteúdo de aprendizagem, podemos concluir
que as intenções ou propósitos educativos manifestam-se na
importância atribuída a cada um dos possíveis conteúdos educativos.
Uma concepção social do ensino como educador de futuros
universitários priorizará os conteúdos que favoreçam o êxito
universitário; as concepções que situem o ensino como formador de
profissionais centrarão o trabalho nos conteúdos técnicos,
habilidades e destrezas; aquelas que entendam o ensino como meio
para a socialização e o desenvolvimento de cidadãos comprometidos
na participação e melhoria da sociedade potencializarão formas de
atuação centradas em conteúdos referentes a atitudes. E assim
sucessivamente. (ZABALA, 1997, p. 161).
Finalmente, percebemos que a construção da identidade profissional de
professores de Cursos Superiores de Formação Tecnológica está associada
diretamente aos conceitos organizados pelo sujeito, o não-professor, que precisa
buscar suas referências – a identidade para si – que auxiliam a compreender que
profissional ele é.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na busca por possíveis respostas ao problema colocado nesta pesquisa,
deparei-me com os meus diversos papéis que se sobrepunham: o professor e o
pesquisador. Ambos levantaram inúmeras questões, ora convergentes, ora
divergentes, sobre a construção da identidade profissional docente.
O conflito gerado por esses diferentes papéis assumidos por mim ao longo de
minha trajetória foi o que justamente viabilizou a realização desta pesquisa, ainda
que tenha sido um processo difícil e repleto de angústias e tensões.
A opção metodológica inovadora de coleta de dados e recorte para análise
utilizada nessa pesquisa possibilitou manter o problema suscitado para a realização
desse estudo.
Torna-se importante resgatar as ideias propostas pelo estudo, pois partimos
das hipóteses de que o processo formativo é sustentado por identificações
profissionais que contribuem para o cultivo dos saberes para determinada prática.
Diante de tais constatações, justificou-se a importância de analisar a construção da
identidade profissional dos professores dos Cursos de Ensino Superior Tecnológico
Dentre tantas descobertas realizadas neste percurso, como pesquisador,
decidi por destacar as que considerei mais relevantes.
Em primeiro lugar, a identificação dos participantes está muito próximo da
figura/papel do gestor, tal como os gestores de organizações empresariais. E nesse
cenário, a atuação docente baseia-se na figura do professor-gestor.
Um segundo ponto ressaltado na pesquisa, leva-nos a refletir acerca da
atuação do não-professor. Uma vez que percebemos que sua identidade profissional
docente se conecta a um modelo organicista e corporativo, é urgente e necessária a
revisão dos processos que constituem a formação desse profissional docente, seja
pelas políticas públicas, seja pelas IES.
61
Em termos gerais, o não-professor atua como professor, diante dos
resultados apresentados pela pesquisa, é necessário que estudos futuros possam
discutir a respeito do que é ser professor em um contexto que privilegia o saber
fazer.
Não temos a pretensão de esgotar estas questões na reflexão que
apresentamos, e sim suscitar algumas ideias que possam iniciar um diálogo que
julgamos essencial de ser feito.
Finalizamos alertando as Instituições de Ensino Superior, que são
responsáveis pelo trabalho de professores dos Cursos Superiores de Tecnologia, de
que um novo professor está presente em suas salas de aula e que ele merece uma
atenção especial, pois as aproximações e os distanciamentos entre o papel de
gestor e o de professor não podem ser realizados individualmente por cada docente,
mas requerem uma construção coletiva.
Isso não significa destituir o sujeito da sua autonomia, do seu “tempo
subjetivo”, da sua responsabilidade ou do seu comprometimento com seu trabalho.
O que defendemos é que o exercício da docência requer, além de mobilização de
conhecimentos experienciais, outros conhecimentos que permitam ampliar a
compreensão da ação e a ação docente.
62
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67
APÊNDICE A – Questionário de pré-seleção dos participantes
DADOS PESSOAIS
NOME:
IDADE:
FORMAÇÃO
FORMAÇÃO: (Graduação; Especialização, Mestrado, Doutorado)
ANO DE CONCLUSÃO:
INSTITUIÇÃO:
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL (atividades profissionais relevantes na sua trajetória
profissional – cargos e atividades desenvolvidas, anteriores à atuação docente):
TEMPO DE EXPERIÊNCIA (nas atividades acima):
COM RELAÇÃO À ATUAÇÃO DOCENTE
CURSOS EM QUE ATUA:
DISCIPLINAS QUE MINISTRA:
TEMPO DE EXPERIÊNCIA COMO DOCENTE:
De acordo com o Decreto nº 93.933 de 14/01/87; resolução CNS nº 196/96, os dados dos
participantes e das Instituições citadas estarão em absoluto sigilo. Todas as informações
obtidas na pesquisa serão utilizadas apenas para a análise científica dos dados e, em caso
algum, os nomes dos participantes constarão de eventuais publicações.
68
APÊNDICE B – Comanda para elaboração da carta
Imagine que você orientará um professor que, pela primeira vez, assumirá turmas no Ensino
Superior Tecnológico. Escreva-lhe uma carta contendo um conjunto de recomendações que
faria, considerando as questões pedagógicas que dizem respeito à atividade docente nesta
modalidade de ensino.
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69
ANEXO A – Formulário de consentimento livre e esclarecido
(Decreto nº 93.933 de 14/01/87; resolução CNS nº 196/96)
Este
formulário
de
consentimento
tem
por
objetivo
informar-lhe
sobre
esta
pesquisa, a qual você foi convidado a participar, bem como ter sua autorização explícita para realizála.
Espera-se através deste, possibilitar-lhe uma idéia básica sobre a pesquisa e o que a sua
participação envolverá. Se você deseja mais detalhes sobre algo mencionado aqui, ou informações
não incluídas, sinta-se à vontade para perguntar.
Por favor, leia cuidadosamente esse formulário e as informações aqui contidas.
Título do Projeto: De Não-Professor a Professor: Uma Reflexão Sobre a Construção da Identidade
Profissional de Professores de Cursos Superiores de Formação Tecnológica
Pesquisador: Rodrigo Toledo
Procedimento:
Os dados que se pretende coletar referem-se a redação de uma carta, contendo um conjunto de
recomendações a um professor iniciante. Se houver necessidade, realizar-se-ão conversas
recorrentes, visando garantir a fidedignidade do estudo.
Risco ou desconforto:
Não há risco associado a esta coleta de dados, mas se em algum momento, você
sentir-se desconfortável, pode solicitar o encerramento da participação, bem como a exclusão do
material produzido para a pesquisa.
Sigilo:
Os
nomes
dos
participantes
e
das
Instituições
estarão
em
absoluto
sigilo.
Todas as informações obtidas na pesquisa serão utilizadas apenas para a análise
científica dos dados e em caso algum, os nomes dos participantes constarão de
eventuais publicações.
Consentimento:
A
sua
assinatura
neste
formulário
indica
que
você
está
participando
voluntariamente. Indica também que leu e entendeu as informações contidas neste
formulário. Você é livre para se recusar a responder a específicos itens ou questões
durante a entrevista. Você é livre para desistir de ser participante do estudo em
qualquer momento, sem nenhuma penalidade. Sinta-se livre para pedir explicações
ou esclarecimentos a qualquer momento durante a pesquisa. Se você tem outras
questões que concernem a este estudo, por favor, pergunte ao pesquisador.
Uma cópia deste consentimento será entregue ao participante da pesquisa.
___________________________
Participante
______________
Data
70
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ____________________________________________________, portador do
RG__________________, declaro ter recebido as devidas explicações sobre a
pesquisa intitulada De Não-Professor a Professor: Uma Reflexão Sobre a
Construção da Identidade Profissional de Professores de Cursos Superiores de
Formação Tecnológica e concordo que minha desistência poderá ocorrer em
qualquer momento sem que ocorra quaisquer prejuízos.
Declaro ainda estar ciente de que a participação é voluntária e que fui
devidamente esclarecido (a) quanto aos objetivos e procedimentos desta pesquisa.
Nome: ________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Pesquisador
Nome: __________________________ RG:______________________
Data: ____/____/___
71
ANEXO B – Transcrição das cartas aos novos professores
CARTA 01 – AFONSO
Seja bem-vindo a sua nova atividade profissional. Ser professor em curso superior de
tecnologia é bastante interessante, sobretudo pelo perfil de alunos que buscam esse curso,
muitos não tem idéia da diferença entre o tecnólogo e o bacharelado, acreditando que o
tecnólogo tem a vantagem de ser mais rápido.
Professor, a vantagem do tecnólogo não é essa, mas, sim a idéia de atender à demanda do
mercado de trabalho e suas necessidades imediatas, portanto, a formação tem um caminho
diferente, ela foca objetividade e temas específicos, mas, não deve abrir mão dos
elementos humanos da formação. Nas suas aulas sugiro que você priorize exemplos
práticos e vivências aliadas á teoria, pode facilitar a vida sua e do aluno, mas, tome cuidado
para não dar exemplos muito distantes da realidade do aluno, ele vai fingir que entendeu
mais não vai se apropriar.
A escala pode ser gradativa, mas, não ache que só exemplo e estudo de caso vão salvar a
vida, é necessária leitura e reflexão sobre os temas. Boa parte dos cursos tecnólogos define
nas ementas dos conteúdos curriculares as competências e as habilidades que o aluno
deve ter, trabalhe para o desenvolvimento delas, mas, não como técnica, pois, técnica fica
obsoleta e conhecimento não.
Juízo, e bom trabalho.
CARTA 02 – BARTOLOMEU
Para qualquer disciplina dos cursos tecnológicos, importante que o Docente tome
conhecimento prévio da ementa, do programa pedagógico, das disciplinas que fazem parte
de núcleos comuns disciplinares e procure seus pares que lecionam as mesmas disciplinas,
para em acordo com o contido na orientação pedagógica, centralizarem as informações de
forma a não divergir das metas do Ministério da Educação.
Ao Docente nesta modalidade de formação, é muito importante que passe aos estudantes a
sua experiência profissional, para que possam ter idéia de quanto o mercado é excludente.
Os cursos tecnológicos por sua carga, é o caminho mais curto entre o estudante e um cargo
gerencial,portanto, a preparação da metodologia deve ser o mais importante no contato
entre docente e estudantes.
O conteúdo programático precisa ser respeitado de forma a despertar o interesse pelo
estudante, para que tome gosto pela disciplina. A preparação do plano de estudo, plano de
72
aula, relatórios de aulas, avaliações, trabalhos em grupo, dinâmicas que permitam a
utilização da criatividade com foco na meta serão essenciais para o sucesso do docente.
Independente da Disciplina, programa de estudo, caberá ao Docente em cursos de
formação tecnológica guardar alguns minutos para trazer ao conhecimento dos estudantes
para pequena discussão, as atualidades sobre a Disciplina no mundo real, captando assim
a opinião do grupo sobre determinado assunto.
Por exemplo, no caso de gerenciamento de materiais e patrimônio, como os estudantes
entendem o momento do Procurement como ferramenta no processo de compras?
Importante ainda é o tempo para a preparação da aula, as discussões que ocorrerão, os
trabalhos que irão propor a união da turma, os resultados esperados pelo Docente sendo
divulgados a turma sempre. As visitas técnicas devem fazer parte da programação e
conteúdo programático como parte importantíssima da formação tecnológica. O incentivo
aos projetos desde o início da Disciplina, como forma de colocar o estudante em contato
permanente com o assunto, despertando interesse de buscar a diferença quando se tornar
egresso.
Cabe ao docente postura séria sem demonstração de superioridade, cumprimento dos
programas determinados pela entidade de Ensino, métodos de avaliação que fujam do
cotidiano (prova escrita,decorar matéria para a prova,etc...). Jogos contribuem para um
melhor entendimento da matéria sempre. Controle de faltas e busca constante aos mais
distantes fazendo com que o grupo consiga chegar unido ao final da disciplina também
favorece a Disciplina, uma vez que o público dos cursos tecnólogos é na maioria pessoas
que por algum motivo deixou o tempo passar, ou são jovens que querem fazer o tempo
passar rapidamente.
CARTA 03 – CLARICE
Caro Colega,
Fiquei muito contente ao saber que você foi aprovado no processo seletivo para obtenção
de uma vaga de professor nesta conceituada universidade.
Gostaria de lhe repassar algumas orientações as quais também recebi quando iniciei na
profissão de professor-tutor, profissão ainda considerada extremamente nova e que,
portanto carregada de dúvidas e preconceitos.
Nesta função é essencial ter características de gestor, isto é, ser organizado, realizar
leituras prévias do assunto a ser trabalhado em aula, manter bom relacionamento com os
73
alunos, principalmente por meio de um “contrato didático” elaborado a partir da reflexão do
próprio professor e corpo discente.
Ao desenvolver as aulas, é importante manter uma postura entusiasmada e, que
conseqüentemente estimule os alunos e as alunas a continuar pesquisando os assuntos
tratados, pois muitos deles serão essenciais ao seu bom desempenho, podendo ser
determinantes para sua colocação no mercado de trabalho.
É importante lembrar que os alunos iniciantes nem sempre compreende o fluxo
organizacional existente no Ensino Superior, por isso, deve-se ressaltar alguns expedientes
tais como: licenças médicas, pontualidade no pagamento das mensalidades, postura
madura e cordial entre todos, evitando assim, atritos que possam acarretar procedimentos
disciplinares.
Quando houver alguma temática que você julgar mais complexa, é importante frisar ao
aluno que a nossa atualidade é denominada de “Era do conhecimento e da informação”, e
que sendo assim, juntos poderão pesquisar de forma mais aprofundada sobre o referido
assunto. A postura humilde e franca costumam cativar os alunos, traduzindo-se em uma
relação dialógica em que ambos (professor e aluno) só têm a ganhar.
Tenho notado também que os alunos gostam de sentir que o professor é interessado e
compromissado, por isso sempre que possível viabilize devolutivas que sejam do interesse
deles, quer sejam assuntos relacionados aos conteúdos ou assuntos administrativos.
Enfim, ser um professor será uma oportunidade enorme para que você possa exercitar sua
auto-confiança, sua capacidade de liderar, de ouvir e ser ouvido e de tomar decisões que às
vezes apesar de impopulares são necessárias.
Uma orientação final seria a de que você não deixe de participar das reuniões de orientação
e que compartilhe suas dúvidas com os colegas.
Espero que você goste desta função, pois eu simplesmente adoro, porque tenho a
oportunidade de sentir-me como parte de um processo cada vez mais aceito e funcional de
educação em nosso país.
Qualquer dúvida, entre em contato comigo.
CARTA 04 – DANIEL
Caro Colega segue algumas instruções para o seu primeiro dia de aula:
•
Comportamento
74
O professor deve respeitar e se dar respeito, por este motivo é muito importante que
trabalhemos os processos de comunicação liderança dentro da sala de aula.
Evite conversas e brincadeiras inoportunas, bem como comentar referente a sua vida
pessoal, lembre-se de que aluno deseja respeito mas acima de tudo uma grande aula.
Saiba exercer a liderança e administre de forma adequada as brincadeiras como forma de
trazer o aluno.
•
Rotinas Operacionais
O professor deve elaborar o plano de Ensino bem como o cronograma de suas aulas, afim
de que não se perca no seu próprio conteúdo ou explicações e consiga assim cumprir todo
o programa ao fim do curso.
Faz parte da atividade do professor alimentar o diário com as respectivas presenças, notas
e conteúdos ministrados, sendo esta atividade parte obrigatório da atividade exigida de um
professor pelos competentes.
A correção das atividades e avaliações compõem o rol de tarefas onde normalmente existe
um tempo pré estabelecido para a sua entrega.
Todas as atividades pedagógicas devem seguir a ementa bem como a indicação das
referencias e livros de apoio.
O professor deve demonstrar organização sempre arrumando seus pertences antes e
durante para evitar paradas desnecessários tendo ao fim da aula a obrigação de apagar a
lousa demonstrando assim organização.
•
Preparar Aula
O professor deve:
Preparar a aula com antecedência, bem como o respectivo material que será utilizado.
O professor deve chegar no mínimo com a antecedência de dez minutos na sala de aulas e
iniciar suas atividades no horário sendo uma forma posterior para exigir tal comportamento
do aluno.
A preparação da apostila ou a utilização de livros fica a critério do professor devendo
observar algumas características:
Livros Vantagens: São referencias e normalmente completos.
Livros Desvantagens: A maior parte dos alunos não compram e normalmente você não ira
ministrar todos os capítulos podendo gerar insatisfação dos alunos e dúvidas..
Apostilas Vantagens: Esta moldado de acordo com sua visão e experiência
75
Apostilas Desvantagem: Demanda de tempo e trabalho para criar
•
Observações Gerais
Caso o aluno tenha duvidas que você não saiba responder use da sinceridade e diga que
será abordado este assunto posteriormente ou diga ao aluno que você desconhece tal tema
e trará a resposta na próxima aula. Cumpra sua promessa mas evite não ter a resposta,
pois se for constante cairá em descrédito.
Se não tiver resposta certa não dê, pesquise.
Traga alunos rebeldes para o seu lado caso contrario terá sérios problemas.
Seja um professor atencioso e rígido quando necessário, não perca o controle da sala.
CARTA 05 – EDSON
Caro professor, segue um conjunto de recomendações simples, para o bom exercício de
suas atividades.
Conhecer muito bem a área de ensino escolhida, esse é o ponto de partida para se tornar
um bom educador;
Manter-se
atualizado,
investindo
inclusive
em
pós-graduação
ou
formações
extracurriculares;
Valer-se de instrumentos capazes de facilitar a compreensão de sua matéria, conhecendo
inclusive as tendências pedagógicas, os meios auxiliares de ensino, o processo de
avaliação;
Ter realmente vocação profissional;
De nada valem as técnicas e o conhecimento se o coração estiver em descompasso com a
profissão abraçada.
CARTA 06 – FERNANDO
Prezado Professor (a)
É com muita satisfação que recebemos o seu aporte profissional para a atividade
acadêmica do curso superior tecnológico.
Gostaria de apresentar algumas recomendações especiais para este curso, com o objetivo
de compatibilizar a sua metodologia didática com os objetivos propostos pela nossa
instituição de ensino:
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•
Estimular a participação dos alunos nas discussões teóricas e práticas;
•
Considerar a trajetória profissional dos alunos e relacioná-la com os temas atuais
discutidos, como também fazer a convergência com a inexperiência profissional de
outros, de forma que todos participem e seja gerado um conhecimento útil coletivo;
•
Diversificar os métodos de avaliação e atribuição de nota, considerando
especialmente a participação em classe e trabalhos que requeiram pesquisa de
campo.
•
Fazer uso de tecnologias de e-learning para comunicados, artigos, conteúdos
adicionais, vídeos, fórum de discussão e temas vinculados com a disciplina aplicada;
•
Atenciosamente
CARTA 07 – GABRIEL
Prezado Professor,
A atividade docente para cursos superiores de tecnologia exige dos profissionais
conhecimentos sólidos e, sobretudo práticos, vez que uma das características principais
desta modalidade educacional é a curta duração, não sendo possível uma plataforma muito
teórica.
Desta forma é fundamental que o docente tenha sólida vivência profissional e pratica nas
disciplinas em que ministra, aliado a uma forte formação intelectual e acadêmica.
Atividades práticas e simuladas são ótimas ferramentas, em conjunto com seminários,
pesquisas além das aulas expositivas, o que formará um interessante material de
transmissão de conhecimento.
Nesta modalidade de ensino, em que tese, a quantidade reduzida de encontro ou aulas, é
vital que o docente faça uso constante da pesquisa e leitura para seus alunos, para que os
mesmos estejam preparados para a seqüência de seus estudos (pós graduação).
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Uma análise do trabalho docente em tempos de formação continuada