Estamos em uma bolha imobiliária residencial?
(por Marcio Fenelon)
Olhando para minha infância, lembro muito bem como foi uma enorme conquista
para minha família ter uma casa própria. Foram muitos anos de aluguel, que deixava
minha mãe angustiada.
Era difícil porque simplesmente não se tinha acesso a financiamento. A primeira casa
que meu pai comprou foi paga em 18 meses diretamente com o proprietário! Imagina
isto. E agora o financiamento mais fácil tem sido um grande fator da dinâmica dos
imóveis.
Já comentei anteriormente sobre a definição de bolha imobiliária e as condições que
levaram para tal situação no caso dos EUA. Agora vamos comparar o caso americano
com o brasileiro.
Primeiro vamos olhar as coincidências. O mercado americano apresentou um incrível
aumento de preço em poucos anos. Olhando friamente o comportamento do
mercado brasileiro de imóveis residenciais, tivemos aumentos até mais fortes.
Este gráfico mostra que o índice de preço de imóveis residenciais dados em garantia
para financiamentos, divulgado pelo Bacen (IVG-R), mais do que quintuplicou em
bases nominais, saindo de 100 em março de 2001 para 550 em junho de 2014.
Especialmente nos últimos anos, desde 2007, o preço mais que dobrou de valor.
Mas somente um aumento de preços não é suficiente para configurar uma bolha.
Você precisa de causas insustentáveis para ter um quadro de bolha.
Outra coincidência com o mercado americano e uma das causas para o aumento de
preços dos imóveis brasileiros certamente está relacionado com o financiamento
imobiliário. Em primeiro lugar houve um fortíssimo aumento no volume de
financiamento.
O saldo de crédito de financiamentos imobiliários cresceu de 1,6% do PIB em 2007
para 9,3% em 2014. De novo, mais de 5 vezes maior. Para se ter uma ideia, em 2007
foram feitos financiamentos imobiliários totalizando R$ 18 bilhões. Em 2013 tivemos
“só” R$ 109 bilhões.
Além disso, houve outros três aspectos importantes.
1) Aumentou-se o prazo para pagamento passando de aproximadamente 15 anos
para até 35 anos atualmente.
2) O total financiado aumentou de 50% do imóvel para 80%.
3) O custo dos empréstimos reduziu de TR+12% ao ano para algo como TR+8,5% ao
ano, ou até menos em empréstimos para o programa Minha Casa Minha Vida.
Até aqui as semelhanças entre a situação americana e brasileira são assustadoras aumento de crédito e aumento de preços muito fortes.
Agora vejamos as diferenças.
O crescimento em si do crédito não caracteriza uma bolha. A não ser que esse
crescimento ocorresse com empréstimos mal feitos.
A dívida imobiliária americana representava 90% do PIB, no auge. A dívida brasileira
representa pouco mais de 9% do PIB.
Mais importante do que isso, as famílias americanas estavam pagando o equivalente a
36% da renda nas prestações de seus financiamentos imobiliários, enquanto no Brasil
esse número está em 17%.
A disciplina na concessão de crédito no Brasil é muito maior que a americana. Só se
empresta para as pessoas com renda pelo menos três vezes maior que as prestações
(exceção para o Minha Casa Minha Vida), enquanto que nos EUA estavam fazendo os
famosos empréstimos NINJA (No Income, No Job, No Asset) para pessoas sem
renda, sem trabalho e sem ativos.
A disciplina é tanta que a inadimplência continua sob controle, se situando na faixa de
2%. De novo, a exceção é o programa Minha Casa Minha Vida com inadimplência bem
maior.
Além disso, um ponto importante de diferença entre a situação americana e a
brasileira foi o crescimento da renda das pessoas.
A renda per capita brasileira subiu 72% entre 2007 e 2013, enquanto nos EUA não
houve nenhum aumento de renda durante a bolha imobiliária.
Resumindo, temos aqui um efeito quádruplo:
- Disponibilidade de financiamento
- Aumento do percentual financiado dos imóveis
- Custos menores e prazos maiores
- Aumento de renda per capita
O que isso significa na prática?
Vamos supor que uma pessoa ganhasse R$ 5 mil em 2007. Com esse salário e com as
condições de prazo, custo e recursos próprios, ela poderia financiar no máximo R$
125 mil e comprar um imóvel de, no máximo, R$ 250 mil.
Agora vamos supor que a renda dessa pessoa subiu na média da renda per capita
brasileira, ou seja, essa pessoa está ganhando agora R$ 8.600. Com melhores
condições de financiamento, maior prazo, menor custo, e percentual de
financiamento, ela poderia financiar R$ 330 mil e comprar um imóvel de R$ 660 mil.
Um valor 165% maior com o mesmo comprometimento de renda.
Para sermos justos, se supormos que essa pessoa possa entrar com só 20% de
recursos próprios, então ela poderia comprar um imóvel de R$ 412,5 mil, 65% maior
do que nas condições anteriores.
A conclusão é que, do ponto de vista de capacidade de pagamento, o crescimento de
preços que aconteceu entre 2007 e 2014 é consistente e justificável.
Porém fica claro que os preços atuais estão tão caros quanto estavam em 2007.
Avançamos muito para chegar no mesmo lugar.
E, apesar de importante, só com essa conclusão não dá para cravar que não há bolha
imobiliária. Ainda temos os outros fatores que elevaram a demanda.
Resta saber como se comportarão em um mercado mais devagar tanto na renda
quanto com a nova realidade das condições de financiamento imobiliário.
Até a próxima.
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