Rev. bras. fisioter. Vol. 6, No. 3 (2002), 167-173
©Associação Brasileira de Fisioterapia
A INFLUÊNCIA DA POSTURA SOBRE O ESTADO COMPORTAMENTAL E A
COORDENAÇÃO MÃO-BOCA DO BEBÊ
Rocha, N. A. C. F. 1 e Tudella, E. 2
1
Professora do Curso de Fisioterapia das Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul (FUNEC-FISA)
2Professora
Adjunto do Curso de Pós-graduação em Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Correspondência para: Nelci Adriana Cicuto Ferreira Rocha, Departamento de Fisioterapia, Avenida Mangará, 477,
Jardim Mangará, Santa Fé do Sul, SP, CEP 15755-000, e-mail: [email protected]
Recebido: 26/4/02- Aceito: 23/8/02
RESUMO
O presente estudo teve por objetivos verificar a tolerância dos bebês em permanecer em uma superfície rígida e a coordenação mãoboca. Foram estudados 17 bebês saudáveis, idade média= 64,47 dias(± 45,29). Estes foram filmados em estado de alerta nas posturas
supina e prona sobre uma mesa de madeira, por um período máximo de 300 segundos. Considerou-se tolerância quando o bebê permanecia
em estado de alerta e intolerância quando apresentava choro, no qual o teste era interrompido. A freqüência e o tempo de permanência
da coordenação mão-boca foram verificados pela análise das fitas de vídeo. Constatou-se que 82,35% dos bebês demonstraram
intolerância à postura prona, enquanto 29,41%, à supina. O teste não paramétrica de Wilcoxon demonstrou diferença significativa
entre as posturas estudadas (p = 0,0026). Verificou-se que o período médio de tolerância em s.upino foi de 248 s (± 101) e em prono,
foi de 161,4 s (± 101,5). A coordenação mão-boca foi verificada em 23,53% dos bebês em uma freqüência média de 1,66 (± 0,57),
quando na postura supina. Desses, 5,8% permaneceram com a mão em contato com a boca por um tempo médio de 2 s. Em prono,
29,14% dos bebês apresentaram a coordenação mão-boca em uma freqüência média de 2,25 (± 1,25) e o tempo médio de permanência
foi de 20,3 s (± 20,88). Conclui-se que a postura prona é pouco tolerada pelos bebês, no entanto, favorece a coordenação mão-boca.
Portanto, deve ser incentivada em momentos de intervenção fisioterapêutica.
Palavras-chave: comportamento, coordenação, mão-boca, recém-nascido, ambiente, postura.
ABSTRACT
The aim of this study was to establish the tolerance of babies to lying on a rigid surface and their hand-mouth coordination. The study
was conducted with 17 healthy babies with an average age of 64.47 (± 45.29) days, who wf:re filmed in the alert state while lying
supine or prone on a wood table for a maximum period of 30.0 seconds. Tolerance was considered as present when the baby remained
in the alert condition and intolerance when the baby cried, and the test was interrupted. The frequency and the time of permanence
of hand-mouth coordination were determined by analysis of the videotape. We observed that 82.35% of the babies demonstrated intolerance of the prone posture and 29.41% of the supine posture. The nonparametric Wilcoxon test demonstrated a significant difference between the postures studied (p = 0.0026). The mean tolerance time was 248 ± 10.1 s for the supine posture and 161.4 ± 101.5 s
for the prone posture. The mean frequency of hand-mouth coordination was 1.66 + 0.57 in 23.53% of the babies in the supine posture.
Of these, 5.8% kept their hand in contact with their mouth for a time of 2 s. In the prone posture, 29.14% of the babies showed handmouth coordination at a frequency of 2.25 ± 1.25, with a mean permanence time of 20.3 ± 20 . 88 s. We concluded that the prone posture is poorly tolerated by babies but favors hand-mouth coordination. Thus, it should be encourage during physiotherapeutic intervention.
Key words: behavior, coordination, hand-mouth, newbom, environment, posture.
Rev. bras. fisioter.
Rocha, N. A. C. F. e Tudella, E.
168
INTRODUÇÃO
Várias pesquisa s têm sido realizadas com objetivo de
verificar e explicar a evolução das habilidad es motoras ao
longo da vida. Alguns estudos apóiam-s e nas explicaç ões
teóricas maturaci onais de que a aquisição das habilidad es
motoras dos bebês depende apenas dos aspectos intrínsecos
do sistema nervoso central (SNC), e que fatores externos
1 2
pouco influenciam na emergência das habilidades. • Todavia,
estudos recentes apontam que a habilidade motora, ao longo
do desenvolvimento, é grandemente influenciada por fatores
externos . 3• 4 De acordo com a Abordag em dos Sistemas
Dinâmic os, fatores externos (como a superfíci e de apoio/
contato) podem influenciar o comportamento motor do bebê.
Baseada em vários estudos, esta abordage m surgiu
enfatizan do a complex idade e a cooperaç ão entre muitos
compone ntes internos e externos inerente s ao sistema.
Portanto, o comportamento motor observado é resultado da
5
interação de vários elementos: organismo, ambiente e tarefa,
vistos como um sistema multicausal. Estes elementos foram
denominados como restrições e foram definidos como fatores
que influenc iam ou delineiam a realizaçã o de um
comporta mento motor. 6
As restrições do organismo, como o nome sugere, são
impostas pelo próprio organism o. Segundo Darrah &
Bartlett, 7 restriçõe s do organism o são limitaçõe s impostas
por características neurológicas e físicas na criança. Segundo
esses autores, a integridade do SNC e os fatores biomecânicos
são exemplo s desse tipo de restrição . As restriçõe s do
8
ambiente são externas ao organismo, ou seja, estão presentes
no ambiente em que os movimentos estão sendo realizados.
As restriçõe s ambienta is envolvem tanto aspectos físicos
quanto sócio-cu lturais. 5 • 7 Os exemplo s de restriçõe s do
ambiente físico incluem fatores como a gravidad e, a
temperat ura ambiente e as caracterí sticas do suporte da
superfíci e. Referent e aos aspectos sócio-cu lturais, estão
envolvidos, por exemplo, a situação econômica e os costumes
da sociedad e em que a criança está inserida. As restriçõe s
da tarefa, por sua vez, são aquelas requerid as pela tarefa
específica. 8 Refere-se, portanto, ao que precisa ser realizado
9
motoram ente para que o objetivo da tarefa seja atingido.
As restrições da tarefa são encontradas não apenas na meta
do movimento, mas também nos equipam entos utilizado s
na tarefa. 5 Assim, se a tarefa é agarrar um objeto, a
característica do objeto impõe restrições à ação do indivíduo,
na qual determinados movimen tos devem ocorrer para que
5 8
o objeto seja alcançad o e apreendi do com exatidão . •
De acordo com a Abordagem dos Sistemas Dinâmicos,
principa lmente em relação às restriçõe s do ambiente , é
importan te constatar qual o período máximo de tolerânci a
10
do bebê em manter-se em estado de alerta ativo ou inativo
nas posturas supina e prona. Tal investigação se faz necessária
uma vez que muitos estudos sobre o comportamento do bebê
não consideram que o fato de o bebê estar sobre determinadas
posturas e em superfíci e rígida ou macia influenc iará seu
estado comport amental. Além disso, ainda baseado no
pressuposto da Abordagem dos Sistemas Dinâmicos, levantase a hipótese de que manipul ações no ambiente , como
mudança s posturais do bebê devido à ação da gravidad e,
poderão favorecer a emergência de determin ados comportamentos ainda não observad os consisten temente em determinado período de vida.
Diante do exposto, este estudo tem por objetivo verificar
a capacida de de tolerânci a dos bebês em permane cer em
uma superfície rígida nas posturas supina e prona e verificar:
(1) em qual das posturas corporais (restriçã o do ambiente )
o bebê apresenta maior tolerânci a; e (2) verificar em qual
das posturas aumenta a freqüência e o tempo de permanência
do comport amento mão-boc a.
METOD OLOGIA
Sujeitos
Participa ram deste estudo 17 bebês (12 meninos e 5
meninas) consider ados saudáveis, nascidos a termo (idade
gestacio nal média de 38,88 ± 0,85); Apgar entre 8 (M =
8,76; ± 0,43) e 10 (M = 10 ±O) no primeiro e quinto minutos,
respectivamente; com idade média de 64,47 (± 45,29).
Materia is
Para manter a sala de avaliaçã o em temperat ura
adequad a (28 a 29°C), foi utilizado um aquecedo r manual
(Amo) de três resistências e a temperat ura foi monitori zada
por meio de um termôme tro de ambient e graduado em
Celsius (lncoterm ). Referent e à luminosi dade, foram
utilizada s três lâmpada s fluoresce ntes (40 W), suficient es
para a realização da filmagem. Os bebês foram posicionados
em uma mesa de madeira (70 por 1,40 em), recobert a por
um lençol. O tempo de tolerância dos bebês sobre a superfície
rígida foi verificado utilizando-se um cronôme tro (Technos802/5), e uma planilha foi elaborad a para registrar a
freqüênc ia e o tempo de permanê ncia mão-boca. Toda fase
experime ntal foi filmada utilizand o-se uma filmador a
Panason ic (AFX 6) e as fitas foram analisad as em
videocas sete (Panason ic ).
Procedim entos de Teste
Obtido o parecer favoráve l do Comitê de Ética da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar ), a Secretaria
de Saúde da cidade de Santa Fé do Sul foi contatad a e
esclarecida sobre o trabalho, a fim de que autorizasse o livre
acesso ao Centro de Saúde da cidade para a coleta dos dados
e também para o contato com as mães. Os responsáveis pelos
bebês foram então informad os da natureza do estudo e
convidados a participar. Caso aceitasse m deveriam assinar
o Termo de Consenti mento Livre e Esclarec ido. Os dados
sobre a gestação , parto, peso de nascimen to do bebê,
comprimento, Apgar, sexo e idade gestacional foram obtidos
Vol. 6 No. 3, 2002
Comportamento do Bebê nas Posturas Corporais
dos prontuários do Centro de Saúde e do Cartão da
Maternidade. No próprio Centro de Saúde, o bebê e responsável
eram encaminhados para a sala de teste. Essa sala, preparada
especialmente para o desenvolvimento do estudo, era
desprovida de ruídos e a temperatura ambiente mantida em
tomo de 29°C, com iluminação mista (luz da janela e lâmpada
fluorescente de 40 W), suficiente para a captação das imagens.
No momento do teste, os bebês deveriam estar dentro dos
critérios preestabelecidos, tais como: terem sido alimentados
de 1 a 1h30 antes do teste e encontrar-se em estado
comportamental 3 (alerta inativo) ou 4 (alerta ativo), segundo
Prechtl & Beintema. 10 As roupas dos bebês eram retiradas
pela mãe ou examinadora e, então, eles eram posicionados
sobre a mesa de teste (consistência rígida). Dos 17 bebês
avaliados, 8 foram posicionados primeiramente em supino
e os outros 9 foram posicionados em prono, por um período
máximo de 300 segundos em cada postura. Considerou-se
tolerância quando o bebê permanecia no estado 3 ou 4. Por
outro lado, quando o bebê apresentava o comportamento de
choro (estado 5) antes do tempo máximo estipulado, era
considerado como intolerância, o teste era interrompido e o
tempo de permanência na postura era anotado na planilha.
Os vídeos dos bebês foram analisados posteriormente pela
examinadora e uma auxiliar, de forma independente, com o
intuito de verificar a freqüência e o tempo de permanência
do comportamento mão-boca. Caso houvesse discordância
entre as mesmas, o teste era repetido. Considerou-se freqüência
do comportamento mão-boca quando uma das mãos ou ambas
tocavam a região oral (lábios ou cavidade bucal). 11 • 12 O tempo
de permanência do comportamento mão-boca foi considerado
quando a mão do bebê permanecia em contato com a região
oral por mais de um segundo.
169
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foi utilizado o teste estatístico não paramétrica de
Wilcoxon para dados não pareados a fim de verificar a
diferença significativa entre o comportamento de tolerância
e intolerância nas posturas supina e prona. No entanto, os
dados de freqüência e tempo de permanência do comportamento mão-boca receberam apenas uma análise descritiva,
pois não foi possível tratamento estatístico.
:RESULTADOS
Capacidade de Tolerância dos Bebês nas
Posturas Supina e Prona
Dos 17 bebês estudados, 5 (29 ,41%) apresentaram o
comportamento de choro na postura supina, enquanto 14
(82,35%) apresentaram o comportamento de choro na postura
prona antes do tempo estipulado de 300 segundos (Figura 1).
Observou-se que a maioria dos bebês na faixa etária
estudada não tolera a postura prona quando está sobre uma
superfície rígida. Verificou-se que as crianças nas diferentes
faixas etárias estudadas suportaram a postura supina no tempo
mínimo de 200 e máximo de 300 segundos (M =248 ± 101).
Constatou-se, portanto, que na postura prona apresentaram
tempo inferior, com tempo mínimo de 94 segundos e máximo
de 250 segundos (M = 161,4 ± 101,5) (Figura 2).
De acordo com o teste estatístico não paramétrica de
Wilcoxon para dados n.ão pareados, constatou-se diferença
significativa (Z = 3,01 p = 0,0026) entre as posturas. Esses
dados sugerem que os bebês suportam a superfície rígida
em supino, em média, por 248 segundos; já a postura prona
é menos tolerada pelos !bebês, ou seja, não excedeu o tempo
médio de 162 segundos.
100%
82,35%
80%
60%
40%
20%
0%
Pro na
Supina
POSTURAS
Figura I. Porcentagem dos bebês que apresentaram intolerância às posturas prona e supina.
Rev. bras. fisioter.
Rocha, N. A. C. F. e Tudella, E.
170
300
250
~
o
c.
E
~
248
200
161,4
150
100
50
o
Pro na
Supina
POSTURAS
Figura 2. Tempo máximo de permanênci a nas posturas prona e supina.
Comportamento Mão-Boca nas Posturas Supina e Prona
Verificou -se que, na postura supina, dos 17 bebês
estudados apenas 4 (23,53%) apresentar am tal comportamento com freqüênci a média de 1,66 resvalos (± 0,57)
(Figura 3). Desses bebês, apenas 1 (5,8%) permaneceu com
a mão em contato com a boca por 2 segundos (Figura 4).
Quando em prono, observou- se que 5 bebês (29,14%)
apresentar am freqüência média de 2,25 resvalos( ± 1,25)
e todos mantivera m as mãos em contato com a boca por
um período médio de 20,3 segundos (± 20,88) (Figuras
3 e 4 ). Apesar de não ser objetivo do estudo, verificouse que 3 bebês (17 ,64%) mudaram espontane amente da
postura supina para a lateral. Quando em decúbito lateral,
pôde-se constatar aumento do tempo de permanên cia do
contato da mão na boca, que foi em média de 25,41
segundos (± 22,98).
Supina
Pro na
POSTURAS
Figura 3. Médias da freqüência do comportamento mão-boca (FCMB) nas posturas prona e supina.
Vol. 6 No. 3, 2002
Comportamento do Bebê nas Posturas Ccnporais
171
25 .--------------- ---------------- ---------------.
20,3
20+-----~-------r------------------------~
:§:
o
E
~
15 +-------1
a.
o +-------1
1
5 +-------1
2
Pro na
Supina
POSTURAS
Figura 4. Médias do tempo de permanência do comportamento mão-boca nas posturas prona e supina_
DISCUSSÃO
Nossos objetivos foram atingidos ao verificarmos a
capacidade de tolerância dos bebês por intermédio da análise
comportamental diante do posicionamento nas posturas supina
e prona em superfície rígida e a influência da postura adotada
na aquisição da coordenação mão-boca na faixa etária de
O a 4 meses_
Em relação à capacidade de tolerância à postura
adotada, este estudo vem ao encontro dos achados de Bly, 13
no qual relata que, nos primeiros meses de vida, a postura
prona é pouco tolerada pelos bebês, provavelmente pela
pouca funcionalidade em relação à utilização dos membros
superiores, pois nesta postura a maior mobilidade encontrase nos membros inferiores.
Outra explicação para a intolerância à postura prona
pode ser atribuída à distribuição de peso corporal que se
faz mais anteriormente, 14 dificultando assim a elevação da
cabeça da superfície nos primeiros meses de vida. Assim
sendo, parece que a postura prona é pouco tolerada pelos
bebês na faixa etária estudada também quando estão sobre
superfície rígida.
Em relação aos resultados do comportamento mão-boca,
a postura parece interferir na aquisição desse comportamento.
O aumento da freqüência e tempo de permanência do
comportamento mão-boca causado pela mudança da postura
pode ser considerado um resultado notável, uma vez que
tal comportamento é eventualmente observado em bebês nos
primeiros meses de vida. 15 • 16 Portanto, pode-se inferir com
os resultados do presente estudo que a postura prona
efetivamente eliciou o comportamento mão-boca. Este
resultado pode ser particularmente interessante, referindose à intervenção fisioterapêutica e posicionamento, uma vez
que esse comportamento é ainda mais raro em bebês com
distúrbios neuro-sensório-mot ores. 11
Contrariamente, S.aint-Anne Dargassies, 17 defende que
o comportamento mão-boca é resultado de um forte "estado
oral" que estimula a flexão das extremidades superiores no
lado no qual a boca est;i orientada, tanto na postura supina
quanto na prona. Segundo Bly, 13 o neonato freqüentemente
traz a mão à boca, e isso é possível graças à hipertonia flexora
dos membros, principalmente quando está em prono, e
também é favorecido pela rotação da cabeça, quando
posicionada em supino. Portanto, ambos os estudos 17• 13 não
relatam a influência da postura no comportamento mão-boca.
Outros estudos, como de Lew & Butterworth, 18 consideram que o contato mão-boca possa estar associado a uma
postura flexora do braço. Entretanto, devido à influência
do reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA), o bebê pode
adotar uma postura assimétrica, impedindo a emergência do
contato mão-boca. 13 • 15
Os resultados obtidos neste estudo suportam os fundamentos da Abordagem dos Sistemas Dinâmicos, promovendo
suporte experimental ao manipular fatores externos, como
mudança da postura, constatando influência na aquisição
de habilidades motoras tal como na coordenação mão-boca.
Ao posicionarmos o be:bê em um contexto biomecânico
facilitatório (por exemplo, postura prona), o comportamento
que era pouco presente passa a ser mais freqüente e intenso.
Pode-se inferir, portanto, que a postura prona promoveu
restrição aos graus de liberdade: os cotovelos permanecem
fletidos e os membros superiores próximos ao corpo,
favorecendo, assim, uma aproximação das mãos à boca em
tal fase do desenvolvimento. A influência externa no
comportamento motor também pode ser vista nos trabalhos
desenvolvidos por Thelen 19 e Ferreira & Barela, 20 que avaliaram crianças que não apresentavam o padrão de marcha,
porém, ao serem posicionadas na postura ortostática sobre
uma esteira motorizada, passaram a realizar regular
alternância de passos. Tais estudos demonstram que a
172
Rocha, N. A. C. F. e Tudella, E.
maturação do SNC é importante, porém não é o único ou
principal fator que influencia o desenvolvimento, como era
imposto pela teoria neuro-maturacional. Presumivelmente,
a esteira nunca mudou o estado maturacional na subjacente
troca de padrão, porém, houve interação dinâmica entre vários
fatores (externos e internos) atuando mutuamente entre si.
No presente estudo, o ambiente representado pela mudança
de posturas (decúbitos) pôde modificar imediatamente um
comport amento imaturo para um eficiente padrão de
coordena ção, ou seja, favorece r o aparecim ento do
comporta mento mão-boc a, aqui constatado pelo aumento
tanto da freqüênc ia quanto do tempo de permanê ncia do
comport amento mão-boc a.
Uma importan te contribu ição dos estudos contemporâneos que podem ser atribuídos aos achados do presente
21 22 23 24
estudo estão reunidos nos trabalhos de Thelen et al. • • •
Esses trabalho s reúnem evidênci as de que o processo de
desenvolvimento não é executado por programas, esquemas
ou planos já existentes, mas como um componente disponível
que pode ser ordenado, ou seja, o comportamento é moldado
por conseqü ências funciona is referente s à tarefa e ao
ambiente. Portanto, a diferença entre a visão maturacional
e a Abordag em dos Sistemas Dinâmicos é que na primeira
abordagem invoca-se tipicamente o tempo como o componente de controle , ou seja, a criança só apresent aria
determinado comportamento se o sistema tivesse maturado.
Já na segunda abordage m considera-se que o controle do
movimen to é auto-org anizacio nal, ou seja, o movimen to
humano envolve um estado móvel, flexível, mais do que
22
25
um resultado de tempo pré-programado. Thelen aponta
o tempo como uma propried ade emergente em relação às
restrições ambientais e da tarefa. Pode-se inferir, portanto,
que o sistema se amolda às circunstâncias, ou seja, neste
caso o ambiente impôs restrições a tal comportamento.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é que, mesmo
a postura prona sendo pouco tolerada pelos bebês, deve ser
encorajada, visto favorece r o comportamento mão-boc a e,
conseqüentemente, a exploração tátil-bucal. Tal exploração
é um componente de aprendizagem sensorial do bebê e um
precurso r de novas habilidad es, como a coordena ção de
15
junção de mãos, buco-manual e óculo-manual. Devemos,
então, favorecer tais aquisições em momentos de intervenção
fisioterapêutica, direcionada a orientações e posicionamento
de bebês, principalmente em crianças com distúrbios motores.
A aquisiçã o dessas coordena ções é fundame ntal para a
continui dade do amplo desenvol vimento do bebê, não
somente voltado para explorar e mover partes corporais e
objetos, mas também para capacita r o desenvol vimento
emocional, voltado a conquist as exploratórias do meio.
Conclui-se, então, que a mudança da coordenação mãoboca diante das posturas adotadas sugere influênci as das
restrições do ambiente , as quais proporcionam os limites
ou as condiçõe s para o processo de auto-org anização .
Rev. bras. fisioter.
Portanto, essas medidas permitem -nos inferir que, a partir
da Abordag em dos Sistemas Dinâmicos, a informação do
ambiente é a base para a ação motora. Porém, novos estudos
necessitam ser realizados para o melhor esclarecimento da
interferê ncia da postura na coordena ção mão-boca.
Agradecim entos- Professor Jorge Oishi, do Departame nto de Estatística
da UFSCar, pela orientação na análise estatística.
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