ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128
Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra
São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015
UMA ESCRITA DE SI COMO FALA DO OUTRO: REFLEXÕES A PARTIR DA OBRA
QUARTO DE DEPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA
Erika Nunes de Jesus (UNEB/Campus II)1
INTRODUÇÃO
A escrita, prática quotidiana de Carolina Maria de Jesus, juntamente
com a leitura, são ações reveladoras de um domínio de linguagem, não de uma
mulher que possui “[...] apenas dois anos de grupo escolar, [...]” (Jesus, 2007, p.
16), mas de alguém que, a partir de textos do cânone literário principalmente,
“catados” em meio ao seu trabalho ou lidos nas bancas de jornal, foi capaz de
fazer uso da escrita para “documentar” sua existência de uma forma habilidosa, a
ponto de despertar o interesse de um jornalista em transformar seus escritos em
um livro. O resultado desta ação foi o nascimento de uma obra literária cuja
repercussão causou grande reflexão sobre problemas sociais da época e
desconforto para alguns escritores canônicos. Isto motivou a construção deste
trabalho, que traz a escrita/escritura de Carolina Maria de Jesus como a
enunciação do colonizado capaz de provocar rupturas dentro do espaço
dominado pelo discurso fundador e uma via, um instrumento de descolonização
da linguagem e do ensino da Literatura Brasileira.
Dentro dessa perspectiva, este trabalho, através de sua abordagem,
buscará, em consonância com a legislação em vigor (Lei Federal Nº10. 639/03),
trazer contribuições para o meu trabalho, enquanto educadora, para os
elementos humanos envolvidos nesta atividade e para educadores que desejam
refletir sobre suas práticas de ensino, que buscam alternativas diferentes para a
produção de um não saber homogeneizador.
UMA ESCRITA DE SI ENQUANTO FALA DO OUTRO
A obra Quarto de despejo suscita muitas reflexões ao propor a
construção de sentidos diversos. Na apresentação da obra, feita pelo jornalista
1Mestranda
da Linha 2- Letramento, Identidades e Formação de Professores do Programa de PósGraduação em Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/Campus II – Alagoinhas.
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Audálio Dantas, conseguimos captar fragmentos significativos da recepção crítica
do livro naquela época:
Sobre ele escreveram alguns dos melhores escritores
brasileiros: Raquel de Queiroz, Sérgio Milliet, Helena Silveira,
Manuel Bandeira, entre outros. O que não impediu que alguns
torcessem o nariz para o livro e até lançassem dúvida sobre a
autenticidade do texto de Carolina. Aquilo, diziam, só podia
ser obra de um espertalhão, um golpe publicitário. (DANTAS,
1993)
A “autenticidade” do texto de Carolina Maria é questionada por este
ser fruto de uma “favelada”, “semianalfabeta” deixando-nos entrever que um
sujeito capaz de representar criticamente sua realidade e conseguir a “façanha”
de publicá-la na forma de um livro, um diário, precisa corresponder a
determinados padrões de expressão escrita (Semelhante aos escritores da lista
apresentada pelo próprio jornalista!)
A concepção clássica de cultura abordada por John Brookshire
Thompson (1998, p.170) ao estudar os fenômenos culturais levando em
consideração o estudo do “mundo sócio histórico” formado por um “campo de
significados” e não como resultado de um “mundo natural”, demonstra o quanto
este conceito clássico limita, seleciona, as produções culturais e os “valores” pois
“privilegia alguns” em detrimento de outros, tornando seus “eleitos” indivíduos
“cultos”, de “espírito enobrecido”. Podemos notar essa influência na instituição
educacional ao constatarmos a ausência de obras literárias de escritores não
canônicos disponíveis para o acesso de estudantes e professores nas bibliotecas
escolares, mesmo quando estas são indicadas em alguns documentos de
orientação para a construção dos currículos, Orientações Curriculares Estaduais
para o Ensino Médio, que integram os componentes curriculares de Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira:
Dentre essas obras, é muito importante privilegiar a literatura
feita por escritores/poetas representativos de várias práticas
culturais, ressalte-se a literatura produzida por escritores e
escritoras negros no Brasil e em países africanos de língua
portuguesa, não só clássicos, como Lima Barreto e Machado
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de Assis, mas toda uma geração contemporânea de escritores
e escritoras, [...] (2005, p. 102).
As Orientações Curriculares ressaltam a falta de uma “distribuição
equilibrada” dos livros “nas regiões”, citando a disponibilidade dos mesmos na
internet sendo que o primeiro contato com a obra literária é muito importante
para o estudante ser estimulado devidamente à leitura; isentando o poder público
de garantir o devido acesso ao acervo cultural produzido pela humanidade de
forma igualitária, democrática. Podemos notar neste discurso a força da
dominação hegemônica colonizante, presente nas ausências e nas seleções, na
“valorização” do que deve ser devidamente democratizado e o que não deve:
Algumas valorizações levam um maior peso do que outras em
função do indivíduo que as oferece e da posição da qual fala; e
alguns indivíduos estão em uma melhor posição do que outros
para oferecer valorizações e, se for o caso, impô-las. [...] Mas
esse processo de valorização raramente é consensual ou livre
de conflito. (THOMPSON, 1998, p.204)
A escolha do que “deve” estar disponível na biblioteca escolar está
atrelada não apenas a “imposição” mas a “recepção” de quem vai ler tal obra, o
valor atribuído à produção literária de um escritor envolve também o
reconhecimento do que é “boa literatura” pelo leitor da obra pois a legitimação
implica na aceitação como “legítima” por parte dos que “reconhecem e respeitam
a posição”, de acordo com Thompson (1998, p.204), dos que dominam, dos que
determinam.
E essa ausência também se reflete no currículo escolar,
concretizando a ênfase “nas propostas curriculares” das “culturas hegemônicas”
(SANTOMÉ, 2008, p.161): “As cultura ou vozes dos grupos sociais minoritárias
e/ou marginalizadas não dispõem de estruturas importantes de poder costumam
ser silenciadas, [...]”.
Além da ausência do “conteúdo”, o currículo também silencia as
questões de gênero que estão imbricada no contexto atual, distanciando ainda
mais o debate, a problematização desta temática da sala de aula. A obra Quarto
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de despejo, ao tratar da condição de uma mulher negra, pobre e sua história de
vida contribui para a reflexão, como um ponto de partida; a provocação, o
repensar da mulher, não apagando sua história de lutas e violência, valorizando
sua participação enquanto ser produtor de conhecimento, de cultura. O sistema
de ensino brasileiro colabora para o desconhecimento da “história da mulher”, os
motivos de “sua opressão e silenciamento”. (SANTOMÉ, 2008, p.172) É essencial,
hoje: “Estudar e compreender os erros históricos[...]” como “[...] um bom
antídoto para impedir que fenômenos de marginalização [...] continuem sendo
reproduzidos.” (SANTOMÉ, 2008, p.172).
Carolina Maria de Jesus, ao apresentar sua identidade enquanto
escritora e enquanto mulher ser social, demarca, dessa forma, seu lugar de fala e
escrita, dentro de um contexto social, histórico e cultural em que a produção
literária feminina de uma escritora “favelada” não possuía o reconhecimento
devido. O desvelamento do ser ficcional e real, resulta num ato de coragem e
negação do discurso branco dominante, pois, segundo Cuti (2010, p. 51):
Quando o escritor negro, pela primeira vez, quis dizer-se
negro em seu texto, deve ter pensado muito na repercussão,
no que poderia atingi-lo como reação ao seu texto. Dizer-se
implica revelar o outro na relação com o que se revela. O
branco, como recepção do texto de um negro, historicamente
foi hostil.
O processo de compreensão da obra literária que figura os estudos
de Literatura Brasileira deve observar o contexto de produção da obra e o
contexto em que o estudo se insere, para Sahlins (1979, 188) a “[...] produção,
portanto, é algo maior e diferente de uma prática lógica de eficiência material. É
uma intenção cultural.” demonstrando que uma obra literária não é construída
com fins apenas utilitários, é o ser humano que dá significação e esta não pode
ser compreendida fora de um contexto social. Mas esse contexto é dinâmico,
condicionado às mudanças que ocorrem nas sociedades. A percepção de uma
possível construção de identidade negra da escritora Carolina Maria de Jesus,
seguindo as trilhas deixadas por Luiz Gama, Cruz e Sousa e Lima Barreto, se
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concretiza através da escrita incessante (atrelando-se à leitura), não apenas como
um ato isolado, mas como uma prática de comunicação consigo e com o mundo
circundante “[...] Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever.
Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.” (JESUS, 2007, p. 22). A
escrita, prática quotidiana de Carolina Maria de Jesus, juntamente com a leitura,
são ações que não se dissociam, não se excluem; se completam. É a fonte de
estudo (autodidata) necessária na formação do escritor que envereda pelos
caminhos da literatura engajada na temática do embate dos conflitos raciais que
marcam a sociedade brasileira e a formação intelectual do escritor “formal” e
informalmente (CUTI, 2010, p. 29). São práticas que revelam um domínio de
linguagem, não de uma mulher que possui “[...] apenas dois anos de grupo
escolar, [...] (Jesus, 2007, p. 16), mas de alguém que, a partir dos textos “catados”
e lidos, foi capaz de fazer uso de um gênero textual de uma forma habilidosa e
transformá-lo em um livro, uma obra literária: “Um sapateiro perguntou-me se o
meu livro é comunista. Respondi que é realista. Ele disse-me que não é
aconselhável escrever a realidade.” (JESUS, p. 2007, p. 108).
Não apenas escrevê-la, mas dizer a realidade, em 1ª pessoa,
tornando-se parte do discurso, fazendo da obra uma denúncia, quebrando o
silêncio que encerra a voz das “minorias” (BERND, 1988, p. 41), marcando o lugar
do sujeito/emissor do discurso:
Evidentemente, o narrador na perspectiva da terceira pessoa
não conta com a mesma ilusão de testemunho a que o texto
pode levar o leitor quando o narrador é personagem contando
sua própria história. E quando se fala em ilusão de
testemunho estamos falando de algo importante na literatura:
a verossimilhança. (CUTI, 2010, p. 87).
A relato confessional, em forma de diário, foi o recurso utilizado por
Carolina para legitimar, “referendar o seu discurso, divergindo dos escritos negros
que, para garantir o “reconhecimento” de sua obra (BERND, 1988, p. 40),
camuflaram sua identidade ao não mostrar os conflitos, as tensões, os embates
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sociais em seu discurso e, assim, obter a legitimação de sua produção, por parte
da crítica literária:
A verossimilhança, portanto, precisa de que alguém a
referende. E este alguém só pode fazê-lo com base em seus
referenciais, em sua experiência de vida. Os sentimentos mais
profundos vividos pelos indivíduos negros são o aporte para a
verossimilhança da literatura negro-brasileira. (CUTI, 2010, p.
87)
A Carolina do “Quarto de despejo” não é apenas a favelada que
relata seu dia a dia, que se conforma com a condição que lhe é imposta, sem
desejos, sonhos ou perspectivas.
A obra “respeita” a variedade linguística
utilizada pela autora para reforçar a verossimilhança de sua escrita, uma escrita
quotidiana, muitas vezes próxima da variedade oral:
Lavei os utensilios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho
homem em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pretendo
relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de
alto preço, residir numa casa confortavel, mas não é possivel.
(JESUS,2007, p.22, sic)
Em relação ao ensino da língua portuguesa, é necessário buscar um
ensino “não artificial” da língua, visto que, descolonizar “[...] implica pensar a
partida das línguas e das categorias de pensamento não incluídas nos
fundamentos dos pensamentos ocidentais.” (MIGNOLO, 2008, p. 305);
pensamentos ocidentais, no campo linguístico, significa formas de pensamentos e
expressões impostos, excludentes e rotuladoras; responsáveis por classificações
preconceituosas e estigmatizadas das pessoas que não seguem a língua
portuguesa padrão em suas atividades linguísticas, principalmente na expressão
escrita.
Ao apresentar esta linguagem, a obra abre espaço para a reflexão
sobre a desigualdade social no acesso à educação formal que marca a sociedade
brasileira. Vera Masagão Ribeiro (2003, p. 20) constata na análise dos dados da
pesquisa do INAF, em 2001, que “habilidades básicas de leitura e escrita estão
muito desigualmente distribuídas entre a população brasileira, e que tal
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desigualdade está associada a outras formas de desigualdade e exclusão”. A
forma de se expressar, de se declarar parte de uma sociedade que é ignorada
pelas autoridades, mesmo não aceitando as condições subumanas a que é
obrigada a conviver na favela e não aceitar ser reduzida a uma “favelada”,
desumanizada, mantendo a ideia de coletividade, “pertencimento”, a escritora
nos lembra a abordagem de Kuper (228, p.298) ao tratar da identidade como uma
construção na participação cultural, individual e coletiva: “[...] Aqui na favela
quase todos lutam com dificuldades para viver. Mas quem manifesta o que sofre é
só eu. E faço isso em prol dos outros.” (Jesus, 2007, p. 37)
É pela coletividade, na “solidariedade” e no “desejo de
pertencimento” que a identidade “negro-brasileira” está baseada, segundo Cuti
(2010, p.90): “Compreender a história e se ver dentro dela leva o indivíduo a
estabelecer vínculos afetivos capazes de gerar um comprometimento no plano
das ideias.” É a fala de quem está dentro, no interior dos sentimentos, do eu
poético, na “subjetividade”. Mas um eu lírico que se volta para o enobrecimento,
à “exaltação” do negro” e pelo erotismo como instrumento de combate e
“rebeldia’ ao aprisionamento do corpo (CUTI, 2010, p.97):
A Dona Adelaide veio trazer a minha blusa de lã e ficou
admirada vendo o senhor Manoel dentro de casa. [...] Ela me
olhava e olhava ele. Ele com seus sapatos reluzentes. [...] Ela
ficou horrorizada porque eu durmo com ele. Ela me olhou com
repugnância quando eu disse que ele vai me dar uma maquina
de costura e um radio.
-O senhor é solteiro?
-Sou.
-Para a senhora ele está bem, porque ele é solteiro e a
senhora também.
...Percebi que a sua intenção era de diminuir-me aos olhos
dele. Mas ela chegou tarde demais, porque a nossa amizade é
igual uma raiz que segura uma planta na terra. Já está firme.
Dormi com ele. E a noite foi deliciosa. (JESUS, 2007, p.169170).
Portanto, a leitura numa sociedade em transformação, é uma
atividade extremamente importante para o indivíduo construir suas relações com
o outro e com o seu meio, daí a importância das atividades quotidianas de
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Carolina relatadas em sua obra e o estudo desses processos de leitura tem de
grande relevância para o trabalho com a língua e a literatura no ensino, depois é a
linguagem que media nossas ações no mundo:
De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que
a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do
mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de
reescrevê-lo, quer dizer, de transformá-lo através de nossa
prática consciente. (FREIRE, 2006, p.20).
A leitura da literatura de escritores e escritoras não canônicos, isto
inclui a produção de estudantes e de sua comunidade, demonstram um passo em
direção a uma visão descolonizante do trabalho com Linguagem e uma concepção
de cultura que respeite “[...] a forma como o Povo entende e expressa o mundo e
como o Povo se compreende nas suas relações com o mundo” (FREIRE, 2006, p.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho com a Literatura e com a Linguagem deve corresponder a
uma concepção de cultura descolonizante e é através da leitura de texto literários
diversificados (canônicos e não canônicos, principalmente) que dará acesso ao
acervo produzido pelos escritores negro-brasileiro (entre outras etnias e ou/a
grupos minoritários) em consonância com a prerrogativa do Estatuto da Igualdade
Racial (2006): “Art. 19. A população afro-brasileira tem direito a participar de
atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas a seus
interesses [...]”.
Partindo deste pressuposto, fez-se necessário um estudo sobre a
noção da descolonização, a partir da abordagem de Boaventura de Sousa Santos
(2010) por tratar do processo de construção do colonialismo, suas implicações
epistemológicas e suas consequências mundiais. Trata do pensamento descolonial
e de seus reflexos na forma de produzir e reconhecer o conhecimento científico,
cultural e os saberes locais. Nessa perspectiva, a noção de descolonialidade de
Walter D. Mignolo (2008), também traz grande contribuição por destacar a
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importância da educação no processo descolonial por ser fator de suma
relevância na formação cidadã do ser.
A escola é o espaço no qual a literatura precisa ser presença
permanente assim como a literatura produzida por escritores não canônicos e a
literatura produzida pelos próprios estudantes, ao passo que a literatura
portuguesa e brasileira (apenas a vertente canônica) trabalhadas nas aulas e livros
didáticos de Língua Portuguesa e Literatura privilegiam essas vertentes em
detrimentos de outras. Isso pode ser feito dentro de “pluralismo histórico”
(SEGATO, 2010, p. 35) não apenas a superficial” pluralidade cultural” tão festejada
nos documentos oficiais produzidos pelo MEC. É um pluralismo que:
La perspectiva del “pluralismo histórico” no deja de ser una
tipo de relativismo, sólo que, en lugar de colocar la cultura
como referente de identidad fijo, inerte, inmune al tiempo,
coloca el proyecto histórico de un pueblo como vector
centralde la diferencia.
É preciso que haja uma mobilização por parte de todos os envolvidos
no processo educativo das escolas públicas para a efetiva implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e de outras culturas
que contribuíram para a formação do “povo” brasileiro para, assim, haver a
formação de um público leitor mas, principalmente, de leitores e escritores
proficientes, semelhantes a Carolina, “leitores de diários” e escritores de diários.
Buscando uma fala de si na construção do outro, para valorizar a pluralidade
cultural de forma contextual, valorizando memórias e saberes existentes para
uma educação descolonial sem perder sua construção histórica, sem apagar
memórias ou destruir saberes.
REFERÊNCIAS
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Médio. Áreas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Salvador, 2005.
BERND, Zilá. O que é Negritude. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
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diário de uma favelada. São Paulo: Ática, Cortez, 2007.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 6ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982.
-----------------A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São
Paulo: Cortez, 2006.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, AÇÃO EDUCATIVA, IBOPE. Indicador de
alfabetismo funcional: INAF Brasil 2011. Principais resultados São Paulo,2011.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo:
Ática: 2007.
KUPER, Adam. Cultura, diferença e identidade. IN: Cultura: a visão dos
antropólogos. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2002.
RIBEIRO, Vera Masagão. Por mais e melhores leitores: uma introdução. IN:
Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.
SAHLINS, Marshall. La Pensée Bourgeoise. A sociedade ocidental enquanto
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SEGATO, Rita Laura. Los cauces profundos de la raza latinoamericana: Una
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RIBEIRO, Vera Masagão. Por mais e melhores leitores: uma introdução. IN:
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THOMPSON, John, B. Capítulo III. O conceito de cultura. In: Ideologia e cultura
moderna. Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa.
Petrópolis: Vozes.
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