Anais do IX Seminário Nacional de
História da Matemática
Sociedade Brasileira de
História da Matemática
Números Negativos: Uma trajetória Histórica
Negative Numbers: A Historical Trajectory
Pedro Franco de Sá1
Luis Jorge Souza dos Anjos2
Resumo
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa bibliográfica sobre a História dos números relativos que teve como objetivo responder
a seguinte questão: como a idéia dos números negativos se desenvolveu ao longo da história? A motivação da pesquisa foi o fato que desde a
nossa formação escolar elementar nos questionamos, sem obter uma resposta plausível, o porquê das regras operatórias com números
negativos, em particular para a regra da multiplicação de dois números negativos. A pesquisa ocorreu por meio da consulta de diversos
trabalhos sobre História da Matemática e o trabalho ficou dividido nas seguintes partes: números negativos na antiguidade, números
negativos na idade média, números negativos na idade moderna e números negativos contemporânea. Durante a apresentação de cada idade
histórica são apresentados personagens envolvidos com as operações envolvendo os números negativos. Os resultados indicam que na idade
antiga temos registro na civilização grega onde são encontrados indícios de operações com números negativos, na obra de Diofanto e na obra
chinesa os noves capítulos da arte de calcular. Na idade média encontramos que os hindus introduziram os números negativos para
representar débitos e também créditos, sendo Brahmagupta quem também estabeleceu as quatro operações com números negativos. Na
modernidade os números relativos começaram a aparecer em trabalhos de Matemáticos como o de Simon Stevin, Colin MacLaurin,
Leonhard Euler e René Descartes, nesse contexto a discussão do conceito de número negativo praticamente não se alterou. Porém, mesmo
com os números negativos sendo mais tratados como objeto de estudo seu conceito ainda continuou fortemente ligado a idéia da
metaforização do número. Na idade Contemporânea, tal problema foi superado no fim do século XIX, como consequência do movimento de
aritimização da análise, com os trabalhos de Hankel e Dedekind nos quais eles apresentam os números como fruto da abstração da mente
humana, o que extinguiu a necessidade da metáfora. Como conseqüência disso surgiram outras construções para os números negativos como
a teoria dos pares ordenados proposta por Hankel e desenvolvida por Stolz e a teoria das congruências proposta por Kronecker, que culminou
com a interpretação das regras operatórias dos números inteiros como conseqüência do referido conjunto possuir a estrutura do anel
comutativo com unidade.
Palavras-chave: História. História da Matemática. História dos Números Negativos.
Abstract
This paper presents the results of a literature on the history of figures aimed to answer the following question: how the idea of negative
numbers was developed throughout history? The motivation of the research was the fact that since our elementary school education in
question, without getting a plausible answer, why the operative rules with negative numbers, in particular for the rule of multiplying two
negative numbers. The research was undertaken through consultation of several works on history of mathematics and the work was divided
into the following parts: negative numbers of old, negative numbers in middle age, negative numbers in modern and contemporary negative
numbers. During the presentation of each age are presented historical characters involved in operations involving negative numbers. The
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Universidade do Estado do Pará. E-mail: [email protected]
Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected]
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results indicate that in old age in Greek civilization we have record where they found traces of operations with negative numbers in the work
of Diophantus and Chinese work in the nine chapters of the art of calculating. In the Middle Ages we find that the Hindus introduced
negative numbers to represent debts and credits as well, with Brahmagupta who also established the four operations with negative numbers.
In modernity the figures began to appear in works of mathematicians such as Simon Stevin, Colin MacLaurin, Leonhard Euler, and Rene
Descartes, in this context to discuss the concept of negative number has hardly changed. However, even with negative numbers being treated
more as objects of study the concept is still strongly linked to continued idea of the number of metaphors. Contemporary age, this problem
was overcome in the late nineteenth century as a consequence of movement arithmetization of analysis, the work of Hankel and Dedekind in
which they present the numbers as a result of abstraction of the human mind, which eliminated the need for metaphor. As a consequence
other buildings appeared to negative numbers as ordered pairs of the theory proposed by Hankel and developed by Stolz and the theory of
congruences proposed by Kronecker, which culminated in the interpretation of the operative rules of whole numbers as a consequence of this
package has the structure commutative ring with unity.
Keywords: History. History of the Mathematics. History of the Negative Number.
Introdução
A trajetória histórica dos números pode ser dividida em duas categorias: uma que tem
sua origem por motivação externa ou das atividades de contagem e medida e outra que tem
sua origem interna ou das necessidades da própria matemática. Os números naturais e as
frações têm sua origem das atividades de contagem e medida, o que talvez tenha levado os
membros da escola pitagórica a postularem que na natureza tudo é número devido acreditarem
que tudo podia ser contado, logo atribuído um número, e que a qualquer medida também se
poderia atribuir um número ou uma razão entre números. Essa crença foi abalada com a
descoberta das grandezas incomensuráveis o que fez a matemática grega privilegiar o estudo
da geometria em detrimento da aritmética como fonte de rigor para as verdades matemáticas.
Os números negativos, os irracionais e os complexos têm sua trajetória originada nas
necessidades da própria matemática, mais particularmente das manipulações algébricas.
Neste trabalho apresentaremos algumas informações sobre a trajetória histórica do
conceito de número negativo.
Os números negativos na Antiguidade
A Idade Antiga foi marcada pelos feitos das grandes civilizações. Entre elas temos a
civilização babilônica, a egípcia, a grega e a chinesa. Os autores como (BOYER, 1996) e
(EVES, 2004) afirmam que nas civilizações babilônica e egípcia não foram encontrados
registros que permitam concluir que algum uso dos números negativos por estas civilizações.
Segundo (EVES, 2004) um dos trabalhos mais antigos de matemática na china é o
livro intitulado I-Ching ou livro das permutações datado do período Shang, que foi uma
dinastia surgida por volta de 1500 a.C. e que ruiu por volta de 1027 a.C. Acredita-se que esse
livro tenha sido escrito por Wön-Wang (1182-1135 a.C.). É nesse livro que aparece o mais
antigo exemplo de quadrado mágico que se tem registro.
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O Jiu-Zhang Suan-Shu ou nove capítulos sobre a arte aritmética ele foi escrito por
vários autores entres o décimo e o segundo século antes de cristo. Tal livro contém 246
problemas sobre mensuração de terras, agricultura, sociedades, engenharia, impostos,
cálculos, solução de equações e propriedades dos triângulos retângulos.
Segundo (STRUIK, 1992) problema ligado ao dia a dia dos matemáticos chineses
conduziria os a sistemas de equações lineares que era escrito na forma de matriz dos
coeficientes. A solução era dada pelo que nós chamamos hoje de transformação de matrizes.
É nestas matrizes que encontramos pela primeira vez na história da matemática a presença dos
números negativos. No entanto, de acordo com (FOSSA E ANJOS, 2007) afirmam que
durante os primeiros mil anos da era cristã os chineses não concebiam o número negativo
como entidades matemáticas independentes.
Na Grécia antiga foi onde ocorreu o inicio da matemática demonstrativa. Naquela
região ao longo das costas da Ásia Menor e posteriormente na parte continental da Grécia o
pensamento racionalista floresceu com perguntas do tipo como e por quê. Na antiga Grécia
existiu uma escola filosófica denominada escola pitagórica. Ela baseava-se na suposição de
que a causa última das várias características do homem e da matéria são os números inteiros.
Entre as mais variadas contribuições dos pitagóricos à matemática está o famoso teorema de
Pitágoras. Tal teorema, assim como outras descobertas matemáticas, não se sabe ao certo
quem realmente o descobriu, pois eles tinham uma espécie de “código de conduta” o qual
todas as descobertas deveriam ser atribuídas ao líder e fundador Pitágoras. (EVES, 2004)
Nesse contexto surgiu a figura de Diofanto de Alexandria (250 a.c-350 a.c). Ele
escreveu três trabalhos: Aritmética, da qual só restam seis de treze livros, Sobre números
poligonais do qual restou uma pequena parte do original e prismas que foi totalmente perdido.
Ele foi considerado criador da álgebra por introduzir notações abreviadas para representar
potências e quantidades desconhecidas e, além disso, por abordar a resolução de equações
algébricas sem utilizar-se da geometria. Embora Diofanto tenha dado várias contribuições à
álgebra ele, não fez qualquer referência aos números negativos. No entanto, no começo do
livro I da sua “Aritmética”, que consiste em uma coleção de 150 problemas, ele apresentou
uma declaração muito importante a respeito do que hoje é a multiplicação de números
negativos afirmando que o que está em falta multiplicado pelo que falta resulta em algo
positivo; enquanto que o que está em falta multiplicado pelo que é positivo resulta em algo
que está em falta. Daí pode-se observar que os matemáticos gregos já conheciam a famosa
regra de sinais “menos por menos dá mais” e “menos por mais dá menos” ainda muito
utilizadas nos dias de hoje. Mesmo tendo um enfoque prático Diofanto sinaliza a necessidade
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da criação de um novo “tipo” de número ainda que na prática diária da época eles não fossem
tão importantes. (GONZALEZ, 1990), (BOYER, 1996) e (GLAESER, 1985).
Os números negativos na Idade média
No período de 200 d.C. a 1200 a civilização de Alexandria influenciou os hindus.
Como conseqüência a matemática hindu sofreu a mesma influencia (KLINE, 1972).
Um dos grandes matemáticos indianos foi Brahmagupta. Ele foi matemático e
astrônomo nascido na cidade Ujjain, na Índia central. Em 628 d.C. ele escreveu obra
intitulada BrahmasphutaSidd’hanta (“A abertura do universo”). Esse livro é um trabalho
sobre astronomia em vinte e um capítulos, dos quais o 12º e o 18º se ocuparam da
matemática. Neste livro ele define o zero como resultado de uma subtração de um número por
ele mesmo. A aritmética sistematizada dos números negativos e do zero encontram-se pela
primeira vez em sua obra. Brahmagupta dá em sua obra regras aritméticas de adição e
multiplicação e também introduz os números negativos em termos de fortunas (números
positivos) e débitos (números negativos). Ele, em sua obra fornece as seguintes regras
operatórias com os números negativos: positivo dividido por positivo, ou negativo dividido
por negativo, é afirmativo. Cifra dividida por cifra é nada. Positivo dividido por negativo é
negativo. Negativo dividido por positivo é negativo. Positivo ou negativo dividido por cifra é
uma fração com esse denominador. Brahmagupta complicou-se um pouco ao fazer a
afirmação de que 0/0=0, mas na questão de a : 0 ele não se comprometeu (BOYER, 1996).
Entretanto, a visão dos números negativos como débito não preenchia o requisito da
necessidade da uma metáfora que tinha sido adotado pelos gregos, ou seja, a idéia de debito
não era um modelo em termos de realidade (MEDEIROS e MEDEIROS, 1992).
Outro matemático hindu muito notável foi Bhaskara (1114-1185). Seus trabalhos
versaram sobre astronomia e matemática. Seu livro mais famoso é o Siddahanta S’iromani
(“Diadema sobre um sistema astronômico”) esta publicação faz poucas inovações em relação
ao trabalho de Brahmagupta escrito cinco séculos antes. As obras mais importantes de
Bhaskara são o Lilavati e o Vija-Ganita. Nestas obras encontramos numerosos problemas
sobre tópicos mais utilizados pelos hindus como equações lineares e quadráticas. Num desses
livros Bhaskara resolve uma equação do segundo grau e encontra as raízes 50 e -5 como
soluções do problema. Para o segundo valor ele considerou inadequado devido as pessoas
ainda não aceitarem soluções negativas. Bhaskara também afirmava que as raízes negativas
não podiam existir porque um número negativo não é um quadrado. Essa afirmação ele fez
sem dar definições, axiomas ou teoremas. Contudo, os números negativos ganharam com isso
uma aceitação, ainda que vagarosamente (KLINE, 1972), (BOYER, 1996) e (EVES, 2004).
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Os árabes apesar de sua contribuição para o aperfeiçoamento do sistema de numeração
hindu por meio dos trabalhos de um dos seus maiores matemáticos, Al-Kwarizmi que faleceu
em 850 d.C. Em oposição a Brahmagupta, Al-Kwarizmi e outros matemáticos árabes só
consideravam raízes positivas e não utilizavam nenhum tipo de abreviatura ou símbolos de
notação. Era totalmente oral, isto é, utilizavam-se apenas da linguagem natural e careciam de
um simbolismo específico. Com isso, apesar dos árabes conhecerem os números negativos,
devido a influencia hindu a aplicação dos números negativos foi não utilizada pelos árabes na
idade media. (KLINE, 1972)
Os números negativos na Idade Moderna
Apesar dos desenvolvimentos de Brahmagupta, muitos matemáticos europeus, nos
séculos XVI e XVII, não apreciavam os números negativos e se esses números apareciam nos
seus cálculos, eles os consideravam falsos ou impossíveis. Simon Stevin (1548-1620) um
matemático Belga, contribuiu para o processo de incorporação dos números negativos no
meio acadêmico quando aceitou esse tipo de número como raízes e coeficientes de equações
com o uso da proposição de que as raízes negativas das equações são as raízes positivas da
equação obtida pela substituição de x por (-x), ou seja, se -2 era raiz de uma equação x2-px =
q, isto implicava que +2 é raiz de -x2 + px = -q. Ele admitiu a adição de x + (-y) em lugar de
considerar a subtração de y de x. Também justificou geometricamente a regra da
multiplicação de números negativos utilizando uso da identidade algébrica: (a-b).(c-d) = acbc- ad+ bd. Mas nada afirmou sobre seu direito de existir como símbolo de uma quantidade,
ou seja, um número propriamente dito. Seu uso restringiu-se como um “artifício de cálculo” e
seu êxito nos cálculos justificavam seu uso (GLAESER, 1985) e (KLINE, 1972).
Girolamo Cardano (1501-1576) em sua obra „Ars Magna‟ dividiu os números entre
“números verdadeiros”, ou seja, os números considerados reais em sua época, naturais,
frações positivas e alguns racionais; e “números fictícios” ou “números falsos”
correspondendo aos negativos e suas raízes complexas. É no século XVIII que a situação dos
números negativos mudou consideravelmente quando foi descoberta uma interpretação
geométrica dos números positivos e negativos como sendo segmentos de direções opostas. Os
números negativos começaram a aparecer naturalmente em trabalhos científicos, justificados
pela seguinte frase: a eficácia do cálculo é suficiente para confortar o matemático em sua fé.
Porém, em trabalhos de cunho didático para iniciantes, ainda não houvera um pesquisador
capaz de formalizar com clareza de raciocínio a validade dos números negativos. Aos poucos
foram surgindo matemáticos que começaram a inserir novas idéias na ciência. Mas
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inicialmente vamos falar um pouco de famosos matemáticos que repudiavam os negativos
(GLAESER, 1985) e (BOYER, 1996).
François Viète (1540-1603) é conhecido como um dos introdutores dos símbolos "+",
"-" e "=", entretanto estes símbolos referiam-se apenas à operação de subtração entre números
'verdadeiros', isto é, positivos. Para Viète, os números negativos eram desprovidos do
significado intuitivo e físico, era do tipo de que em vez de dizer acrescente -3, diria diminua
3. Mas, Viète acabou contribuindo para o amadurecimento dos números relativos, com a
inserção de uma nova notação na matemática que passou a ser abundantemente utilizada pelos
matemáticos no futuro.
Descartes (1596-1650) na obra, La Géometre, inclui a aplicação da álgebra à
geometria, o que originou a Geometria Cartesiana. Ele tomou como 'falsas‟ as raízes
negativas, alegando serem „menores que nada‟ e desenvolveu a transformação das raízes
negativas em positivas, tal atitude mostra que ele se desvia do problema revelando
insegurança diante do uso dos números negativos. Com isso, ele estabelecia que o número de
raízes “verdadeiras” era igual a, no máximo, o número de trocas de sinais nos coeficientes da
equação.
Já G. Leibniz (1646-1716) afirmou que se poderia calcular com as proporções, -1: 1 =
1: -1, uma vez que 'formalmente' isto equivalia a calcular com quantidades imaginárias, que já
àquela época haviam sido introduzidas. Leibniz, nada mais fez que condicionar a validade das
operações com os negativos, até então obscuras. Na ausência de fundamentação estrutural, até
mesmo para os positivos, tomou a regra (-) x (-) = (+) sem discussão (MEDEIROS e
MEDEIROS, 1992).
Outros matemáticos dos séculos XVI e XVII, que não aceitaram os números negativos
como mais que meros símbolos e os que o aceitavam não os admitiam como raízes de
equações, a exemplo temos Pierre de Fermat (1601-1665) que fez com que seu amigo Jacques
de Billy redigisse conselhos sobe o comportamento a adotar diante de uma “raiz falsa” em
uma equação diofantina a fim de se obter uma “solução aceitável”. Até aqui percebemos que a
difusão dos números negativos não se deu de forma tranqüila e imediata. E esta descrença
quanto aos números negativos vão permanecer até o século XIX (GLAESER, 1985).
Foi no final do século XVII que nasceu um matemático que começou a mudar
definitivamente a aceitação dos números negativos neste momento em que a matemática
européia desenvolvia-se nasceu um matemático que começou a mudar definitivamente a
aceitação dos números negativos, seu nome era Colin MacLaurin (1698-1746) em seu livro
"Tratado da Álgebra" (1748) publicado postumamente que se tornou uma obra de referência
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na Grã-Bretanha, pois tratou de definições sobre quantidades negativas o que representou um
grande avanço na época. Nesta obra, MacLaurin expõe a idéia de que uma quantidade
negativa é tão real quanto uma positiva, porém tomada em sentido oposto. Entretanto, ele
afirmava que esta quantidade só existiria por comparação e nunca isoladamente. Para isto ele
enunciou: se uma quantidade negativa não possui outra que lhe seja oposta não se pode desta
subtrair outra menor. Ou seja, Maclaurin somente admitia quantidades negativas em relação
ao zero origem. Algo que outrora causava grandes conflitos, pois não se faziam a distinção do
zero absoluto ao zero relativo à origem. Em um trecho de sua obra ele define a regra de sinais,
esta dedução deu início a uma era de formalismo até então inexistente. Ele foi o primeiro
matemático moderno que chegou muito perto de compreender os números negativos
tornando-se, portanto, uma importante referência para as futuras gerações de matemáticos
(MEDEIROS e MEDEIROS, 1992) e (BOYER, 1996).
Leonhard Euler (1707-1783) foi um dos mais destacados matemáticos do século
XVIII, manipulava números negativos e complexos com extrema naturalidade, porém, sem
levantar polêmicas sobre o grau de validade de seus métodos. Desenvolveu uma obra de
cunho pedagógico para principiantes, em 1770, tentando justificar a regra. Em sua obra
Elementos de Álgebra, Euler discorre sobre os números negativos com extrema naturalidade,
divaga a respeito de números simétricos e dá vários exemplos de operações com números
negativos. É claro que este tipo de argumentação vem demonstrar que qualquer matemático
mais rigoroso, não pode ficar satisfeito, pois principalmente o terceiro argumento de Euler
não consegue provar ou mesmo justificar coerentemente que negativo por negativo é igual a
positivo. No fundo, este tipo de argumentação denota que Euler não tinha ainda
conhecimentos suficientes para justificar estes resultados convincentemente. Na mesma obra
de Euler podemos verificar que ele entende os números negativos como sendo apenas uma
quantidade que se pode representar por uma letra precedida do sinal – (menos). Euler não
compreende ainda que os números negativos sejam quantidades menores que zero (BOYER,
1996) e (GLAESER, 1985).
Jean Le Rond D‟Alembert (1717-1783) foi enciclopedista e demonstrou-se confuso na
assimilação dos números relativos, conforme mostra o artigo “Negativo” que escreveu na
Enciclopédia temos: "Dizer que as quantidades negativas estão abaixo de nada é afirmar
uma coisa que não se pode conceber" e "Quantidades negativas encontradas no cálculo
algébrico indicam realmente quantidades positivas que supusemos numa falsa posição. O
sinal de menos que encontramos antes de uma quantidade serve para retificar um erro que
cometemos na hipótese inicial". (GLAESER, 1985, p. 73)
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Os números negativos na idade contemporânea
Augustin Louis Cauchy (1789-1857) em meio a todas essas idéias que tangenciavam a
historia dos números negativos, Cauchy foi o responsável pelo início de uma confusão entre
(+ e -) operatórios e predicativos e que futuramente irá despertar o interesse de Hankel. Ele,
em um de seus artigos define as leis de crescimento e diminuição, respectivamente, pelos
sinais + e - (operatórios) e em seguida define quantidades negativas por grandezas que
diminuem representadas por um número precedido do sinal – e positivas precedido pelo sinal
+. No entanto estas definições caíram em contradição, pois podemos diminuir um número
(grandeza) positivo multiplicando-o por um fator entre 0 e 1, e além disto sabe-se que o
produto de duas quantidades negativas resultaria num aumento, contradizendo portanto, às
definições cauchynianas. Porém, ele se pôs a refletir e então adotou um novo ponto de vista,
apresentando a multiplicação de modo formal. A partir destas quatro equações Cauchy define
a regra de sinais. Finalmente Richard Dedekind (1831-1916), estabeleceu uma relação de
equivalência entre pares de números naturais e faz referência da subtração como inversa da
adição: a- b = c- d, logo a + d = b + d. Dedekind demonstrou que esta relação é de
equivalência, e que o conjunto das classes de equivalência será o conjunto dos números
inteiros. Porém, a legitimidade dos números negativos deve-se definitivamente a Hermann
Hankel (BOYER, 1996) e (EVES, 2004).
Hermann Hankel (1839-1873) foi quem publicou em 1867, "Teoria do Sistema dos
números Complexos". Ele formulou o princípio de permanência das formas equivalentes e das
leis formais que estabelece um critério geral de algumas aplicações do conceito de número,
que atinge o máximo de compreensão sobre os números relativos. É importante destacar que
Hankel tinha o propósito de definir a teoria sobre números complexos e foi apenas de
passagem, em algumas de suas demonstrações que ele desvendou por completo todas as
dúvidas que pairavam sobre os números negativos. Ele afirmava que os números não são
descobertos e sim inventados, imaginados. Ou seja, „aqueles que se aventurarem em procurar
todas as explicações lógicas na natureza, ou mundo real, jamais conseguirão adquirir
maturidade em conceitos matemáticos, que outrora, são definidos para um mundo ideal’. Sob
esta linha de raciocínio ele abandonou o ponto de vista "concreto" baseado em exemplos
práticos passando a adotar o "formal" a partir das propriedades aditivas de IR e
multiplicativas em IR+, Hankel propôs estender estas propriedades de IR+ a IR (BOYER,
1996) e (EVES, 2004).
Diante da revolução causada pela obra de Hankel, surge então a seguinte indagação
„seria possível obter-se este nível de compreensão sobre os números negativos, séculos
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antes?‟. Se os antecessores de Hankel dispusessem de um bom modelo capaz de sustentar as
principais propriedades sobre o conjunto dos números negativos, certamente a resposta para
esta pergunta seria óbvia, sim. Porém a história mostrou que os dois principais modelos,
comercial (dívidas e bens) e geométrico (produto equivalente a área), possuíam falhas que de
certo só serviram para desnortear o raciocínio de grandes matemáticos que calcaram suas
teorias sobre tais modelos. Portanto, a revolução principal realizada por Hankel foi a de
recusar a busca por um modelo (GLAESER, 1985) e (MEDEIROS e MEDEIROS, 1992).
No final do século XIX surgiram teorias com o objetivo de dar existência ao numero
inteiro ou de construir o sistema dos números inteiros Z, sem se importar com o significado
concreto ou metafórico buscado pelos matemáticos anteriores. Praticamente todas as teorias
se basearam no principio da permanência das formas. Essas teorias podem ser classificadas
em dois grandes grupos: extensão do número cardinal e extensão do número ordinal. No
grupo das teorias dos números inteiros como extensão do número cardinal temos a teoria dos
pares ordenados. Essa teoria foi construída a partir da idéia de Hankel de conceber um
número negativo como a diferença de dois naturais com o minuendo menor que o subtraendo,
junto com a idéia de Hamilton de considerar os números complexos como pares de números
reais. A primeira versão da teoria dos pares foi dada pro Hankel em 1867. Posteriormente foi
desenvolvida por Otto Stolz em 1885, depois por Tannery em 1886 e finalmente por
Dedekind. Além da teoria dos pares ordenados temos a teoria das congruências que foi
proposta por Leopold Kronecker em 1887, a teoria das congruências interpretou o calculo dos
números inteiros como o calculo de congruências modulo x +1 em um anel de polinômios em
uma variável com coeficientes naturais. A intenção de Kronecker foi justificar o cálculo com
os números inteiros sem propor uma definição dos mesmos. Outra teoria dentro do grupo em
questão foi a teoria dos operadores que foi proposta por Méray que no ano de 1889 realizou
um tratamento das frações como operadores e devido ao sucesso obtido em 1890 propôs uma
teoria para os números inteiros com base no tratamento dado as frações, ou seja, interpretando
os números inteiros como operadores. Dentre as teorias dos números inteiros como extensão
do cardinal a teoria dos pares foi a mais amplamente difundida. As teorias dos números
inteiros como extensão do número ordinal se basearam na idéia intuitiva de que os números
inteiros estendem a ordem preexistente entre os números positivos e materializaram a reta
numérica que já vinha desde os tempos de Isaac Newton. Com esta concepção o numero
inteiro designa uma posição de objetos de uma série que procede ilimitadamente não somente
após cada elemento, mas também antes de cada elemento. Uma versão da teoria dos números
inteiros como extensão do número ordinal foi desenvolvida por Alessandro Padoa que propôs
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uma teoria axiomática, uma generalização da axiomática de Peano para o número natural.
Outro matemático que contribuiu com uma teoria dos números inteiros como extensão do
número ordinal foi Bertrand Russel que propôs uma definição de numero inteiro baseada na
relação de ordem. Caracterizou a idéia de ordem como uma relação assimétrica e transitiva e
definiu os números inteiros como relações assimétricas entre números naturais. A teoria de
Russel também se relacionou com a teoria de Dedekind, pois para este um número inteiro era
uma classe de equivalência de pares ordenados de números naturais que coincidia com o grafo
da relação proposta por Russel (GONZALEZ, 1990).
Considerações finais
A realização deste estudo permitiu o resgate histórico preliminar do desenvolvimento
histórico das regras operatórias dos números negativos que culminou na construção dos
números inteiros. Talvez o conhecimento dessa trajetória viria a facilitar o entendimento das
regras operatórias. E também que a justificativa plena da regra de sinais da multiplicação de
números negativos não seria possível na escolarização elementar e que, portanto, mesmo
sendo falha a regra da amizade ainda seria mais atraente para explicar a referida regra e dessa
forma de não utilizar o dito inglês “menos vezes menos dá mais, a razão disso não interessa”.
Referências
BOYER, B. C. História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.
EVES, Howard. Introdução à historia da matemática. Trad.: Hygino H. Domingues.
Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
FOSSA, John Andrew e ANJOS, Marta Figueiredo dos. Sobre a incompatibilidade dos
números negativos com o conceito grego de Arithmós. Revista Brasileira de História da
Matemática. V.7, n.14, p.163-171, 2007
GLAESER, Georges. Epistemologia dos números negativos. Boletim do GEPEM, n°17. p.29124, 1985.
GONZALEZ, J.L. Numeros Enteros. Madrid: Sintesis, 1990.
KLINE, Morris. Mathematical thought from ancient to modern times. Vol. 1. New York:
Oxford University 1972.
MEDEIROS, Alexandre & MEDEIROS, Cleide. Números Negativos: Uma história de
incertezas. Bolema, ano 7, n.° 8, p. 49-59, 1992.
STRUIK, Dirk. História concisa das matemáticas. 2ª ed.Trad.: João Cosme S. Guerreiro.
Lisboa: Gradiva, 1992
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Números Negativos Uma Trajetória Histórica