Autora : Catarina Soromenho
Logo existo
As marcas são acusadas de serem manipuladoras, de controlar a nossa vida, a nossa vontade, os nossos
valores. Num cenário assim ocorre-nos idealizar um mundo livre de marcas, tal como Thomas Morus idealizou
uma sociedade perfeita. Mas não é a Utopia de Morus, uma obra de referência da corrente distópica?
“Comprar, comprar e nunca deixar de comprar. Assim era ensinado às pessoas. Comprar era uma satisfação
geral. Do outro lado estavam os produtores. Pessoas e máquinas confundiam-se na linha de montagem das
grandes indústrias”.
Aldous Huxley in “Admirável Mundo de Novo “
As marcas não têm dentes, nem mordem, não têm grandes orelhas nem umas manápulas enormes mas podem
parecer uns monstros.
As marcas são frequentemente acusadas de manipular, controlar, de serem maquiavélicas, corromper as
crianças, destruir o ambiente. De ter tanto poderque aniquilam os nossos valores morais impondo os seus. De
nos seduzir a ser e a pensar como elas.
Este tipo de acusações parece ganhar voz e consistência no livro que Naomi Klein publicou em 2000 e
acusado por muitos de ser um verdadeiro manifesto anti-marcas e a bíblia dos movimentos antiglobalização.
Em No Logo: taking aim at the brand bullies, a autora defende que “As marcas poderosas já não se limitam a
fazer publicidade nas revistas, controlam os seus conteúdos” , acusando os espaços de liberdade cultural que
ainda nos restam de estarem também eles a ser invadidos discretamente pelas marcas, como é o caso dos
patrocínios.
Esta ideia de invasão da nossa esfera privada, de controlo e poder social das marcas que caracteriza o
período “pós – publicitário” e que, levada ao limite é comparável à sociedade totalitária satirizada por Orwell
em 1984, é suficentemente asfixiante para gerar visões críticas e apelar ao sonho de uma sociedade mais
equilibrada e livre.
Por oposição a um mundo em que as marcas tomaram o poder, o mundo sem marcas configura-se assim como
uma utopia, enquanto projecto imaginário de um mundo perfeito que “a ser exequível asseguraria a felicidade
geral”.
Partindo desse ideal e, salvaguardando o facto de não ser propriamente um mundo No Logo que Klein
defende - numa entrevista publicada no Expesso a própria autora reconhece que o título da sua obra, pode
passar “a mensagem de que quero banir os logotipos”, mas é meramente simbólico – imaginemos o
mundo sem marcas.
Um mundo onde todos os serviços eram uma espécie de serviço público, os supermercados eram uma
parafernália de produtos brancos, os carros distinguiam-se pelas cores... e de repente o que parece ser uma
utopia começa a ganhar contornos distópicos.
Um artigo publicado no The Economist (8- 14/09/01) intitulado Pro Bono e que surge como reacção ao livro
de Naomi klein defende que “as pessoas gostam de marcas; elas não só simplificam as escolhas e garantem a
qualidade mas também acrescentam divertimento e acção”.
Para Olins “num mundo irreligioso, as marcas proporcionam-nos crenças”, ajudando assim a reforçar
sentimentos de identidade e pertença.
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É quase irrefutável que as marcas, apesar de tudo, são emoção enquanto geradoras de sentimentos, são um
meio de afirmação e de expressão da individualidade de cada um e uma forma de nos sentirmos mais
seguros.
Assim, o que poderia ser a descrição de um mundo sem marcas pode parecer tão cinzento como a cidade que
Fritz Lang retratou em Metrópolis ou tão totalitário como a sociedade descrita por Orwell em 1984.
O mundo sem marcas assemelha-se a uma espécie de fábula futurista, como o Admirável Mundo Novo, de
Huxley.
Nesta obra, quando o selvagem John Lock chega à cidade cheio de vontade de conhecer e experimentar as
sensações que W. Shakespeare descreve com tanto sentimento e perfeição, os seus planos são “destruídos”
ao ser confrontado com milhares de pesoas idênticas, vestidas de cáqui, outras de verde e percebe a triste
ausência de emoções e sentimentos.
O que estes mundos têm em comum é o facto de estarem muito perto do pesadelo e longe dos ideais de
felicidade. Trata-se de sociedades em que às liberdades individuais, sociais e de participação social se
sobrepõe a noção de colectivismo.
Estas representações encaixam perfeitamente no conceito de distopia, termo geralmente aplicável a tudo o
que põe em causa ou satiriza a utopia e confrontam-nos com uma questão paradoxal: será uma sociedade
sem marcas uma utopia ou uma distopia?
Thomas Morus idealizou uma ilha onde não havia propriedade privada nem intolerância religiosa a que deu o
nome Utopia, no entanto a sua obra é considerada uma referência da literatura distópica ou anti-utópica.
As fronteiras entre o que é um sonho ou um ideal de perfeição e um pesadelo ou um mundo horribilis, o que é
utopia ou distopia podem ser ténues se assumirmos que está directamente relacionada com experiências
individuais e condições sociais que determinam uma visão da realidade mais ou menos crítica.
Voltando a Naomi Klein e áquele que é o argumento central da sua obra: as marcas são a grande fonte de
valor de uma empresa, logo, o processo produtivo é desvalorizado o que gera grandes precaridades laborais
enquanto o grande investimento se centra na construção das imagens, estilos de vida e aspirações que as
marcas potenciam.
Assim sendo e, considerando todo o sistema produtivo que alimenta as grandes multinacionais, o
desemprego que a exportação dos centros de produção para países do terceiro mundo provoca e a
exploração da mão de obra nestes países, um mundo sem marcas parece ser, de facto, uma utopia.
Uma utopia no sentido em que, como já vimos, se trata de um projecto dificilmente irrealizável mas que
acarreta a convicção de que a sua realização trará maior satisfação colectiva.
Nesse sentido e pondo de parte o poder económico, social e político das marcas concentremo-nos mais ao
nível da sua dimensão simbólica. O que as marcas nos trazem de positivo, o prazer de consumir, a satisfação
de um desejo ou de uma aspiração, a ilusão de aceder a um determinado estilo de vida, a liberdade de escolha
e de afirmação, do direito à diferença são sentimentos que derivam de um universo simbólico.
E quando falamos de sentimentos estamos no domínio do privado,da individualidade, da intimidade, domínios
incompatíveis com o ideal colectivista totalitário e absolutista que as utopias defendem em nome de uma
sociedade ou de um estado ideal.
O mundo sem marcas, afigura-se como um mundo marcado pela ausência de símbolos, de sonho, de
individualidade, de afirmação, logo, um mundo onde eu existo menos.
O mundo sem marcas estaria assim simbolicamente muito perto do pesadelo distópico.
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Mas, se como defende Klein, é por as grandes multinacionais se empenharem mais na promoção do universo
simbólico das marcas que os processos produtivos ocorrem em condições sociais inaceitáveis, se a dimensão
simbólica é por isso indissociável da dimensão económica e social, o sonho genérico deum mundo sem
marcas volta a ganhar consistência e assume-se como força mobilizadora de uma sociedade mais justa.
Utopia distópica ou distópica utopia? Como diria o selvagem John Lock, “A felicidade nunca é grandiosa”.
Referências
Noami Klein, 2000, “No Logo: taking aim at the brand bullies”
João Almeida Santos, www.lxxl.pt/babel/biblioteca/nologo.html
Jorge Nascimento Rodrigues, “A política Pepsodente ruiu” entrevista a Naomi
Klein publicada no jornal Expresso
The Economist, 06 Set. 2001, “The Case for brands”
The Economist, 06 Set. 2001 “Who´s wearing the trousers?”
Carlos Ceia, E-dicionário de Termos Literários
“A conceoção da Utopia” Enciclopédia Digital Direitos Humanos II
Wikipédia “Brave New World”; “Fritz Lang”; Thomas Morus”; Georges Orwell.
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