Capítulo 38
Com a poeira do chão
Andam bois enfileirados
E, ao longe, na amplidão
Desnuda o solo um arado.
A flor do ipê balança
Mesmo que a chuva não molhe
Igual, penso, é a esperança
De quem planta, mas não colhe.
Geovane Alves de Andrade
1137
Ações do Estado para o Desenvolvimento
e a Conservação das Savanas: a política
de crédito agrícola e os problemas
específicos que ela adquire nas regiões de
Cerrado
Gervásio Castro de Rezende
Ana Cecília Kreter
Julio Cesar de Mello Barros
Abstract
This article, that extends analysis recently presented in a paper published by Revista de
Política Agrícola, seeks to show why the problem of recurrence of the crises of agricultural
indebtedness has become particularly severe in the Cerrado regions. The reasons would be
two: first, the greater specialization of these regions in the production of grains, whose
international prices are very volatile; and secondly, the higher scale adopted in the
production of grains, a fact that the paper tries to explain. The paper ends up making
reference to the proposals for policy changes presented in the published article. It is
expected that these policy changes, in addition to leading to an end of the problem of the
recurrence of crises in the matter of agricultural indebtedness, would lead to a reduction in
the degree of agricultural mechanization, leading to reduction in the size of the agricultural
units and to greater absorption of non-qualified labor in agriculture. This would have the
consequence that agriculture would be able to contribute more to the reduction of poverty
and inequality in Brazil.
1138
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais
Introdução
Este trabalho procura dar seqüência a trabalho anterior de Rezende e Kreter
(2007b), em que foram discutidos os fatores responsáveis pela recorrência de crises de
dívida agrícola no Brasil, com a formulação, também, de medidas que deveriam ser
tomadas – incluindo uma reforma radical no sistema financeiro agrícola – para se evitar
que esse problema continue ocorrendo.
Segundo o argumento principal apresentado nesse trabalho anterior, as crises de
endividamento refletem, de um lado, um aumento do risco agrícola, resultante da maior
abertura da economia – ocorrida no início da década de 1990 –, e da adoção do regime de
câmbio flutuante, em 1999. De outro lado, reflete a inadequação da atual política de
crédito agrícola, sobretudo em razão de que o risco na agricultura é praticamente
ignorado, a priori, no âmbito dessa política.
Neste trabalho, procura-se estender essa análise, argumentando que há razões para
se acreditar que esses problemas da atual política de crédito agrícola devem estar atingindo,
com mais intensidade, as regiões de Cerrado. As razões para se esperar isso são duas.
Primeiro, em virtude do elevado grau de especialização dessas regiões na produção de grãos,
cujos preços são muito instáveis (como está sendo sobejamente demonstrado nos últimos
anos). Segundo, pela maior escala de produção que predomina no cultivo de grãos no Cerrado,
uma vez que essa vem acompanhada de um maior grau de endividamento por parte dos
agricultores. Essa maior escala de produção de grãos no Cerrado é evidenciada em Rezende
(2006), em que se mostra, citando outros autores, que dois terços da área plantada com soja
em Mato Grosso são produzidos em estabelecimentos de áreas acima de mil hectares,
divergindo drasticamente com o que ocorre no restante do País.
O Comportamento dos Mercados de Calcário e de
Máquinas e Equipamentos Agrícolas
Como se sabe, a utilização do calcário para a correção da acidez do solo é
indispensável no Cerrado, razão por que selecionamos o comportamento do mercado
desse insumo como indicador da volatilidade do investimento agrícola nessa região. A
Fig. 1 mostra o comportamento do consumo de calcário em estados da Região CentroOeste e também em Tocantins. Deixa muito clara a elevada volatilidade do investimento
agrícola nessas regiões, especialmente no Estado do Mato Grosso.
1139
Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação...
8
Consumo aparente de calcário
(em milhões de toneladas)
MS
MT
GO
TO
7
6
5
4
3
2
1
0
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fig. 1. Consumo aparente de calcário na Região Centro-Oeste, por estado, 1992-2006.
A Tabela 1 mostra o comportamento das vendas internas de tratores e máquinas
agrícolas e confirma a elevada volatilidade desse mercado. Pode-se notar que essa
volatilidade se revela maior na Região Centro-Oeste.
Tabela 1. Vendas internas de máquinas agrícolas por região, 1995-2006.
Tratores de Rodas (Unidade)
Ano
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
1995
487
2.070
9.186
4.100
1.741
1996
402
1.577
4.369
2.827
1.116
1998
903
1.817
7.475
5.541
2.422
1999
892
1.723
7.612
5.648
2.913
2000
981
2.205
11.071
6.517
3.817
2001
834
1.934
11.005
9.972
4.458
2002
843
2.355
10.764
13.331
5.924
2003
845
2.035
9.535
11.368
5.693
2004
1.076
2.247
8.432
11.373
5.675
2005
803
1.385
8.957
5.147
1.437
2006
824
1.708
10.620
5.615
1.668
Continua...
1140
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais
Tabela 1. Continuação.
Ano
Norte
Nordeste
1995
1996
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
39
6
20
47
47
26
53
76
114
60
30
119
40
113
131
160
154
194
168
217
115
63
Colheitadeiras (Unidade)
Sudeste
Sul
214
68
111
191
492
388
485
583
687
294
79
Centro-Oeste
566
489
1.110
1.409
1.603
2.127
2.830
2.469
2.443
581
523
485
296
1.052
1.072
1.478
1.403
2.086
2.144
2.144
484
335
A Tabela 2, por sua vez, apresenta as informações de vendas internas de tratores
segundo a faixa de potência. Mostra que o maior crescimento, no período de auge, se deu
exatamente nos tratores de maior potência.
Tabela 2. Tratores de rodas por faixa de potência e colheitadeiras vendidos no mercado interno, 19952007.
Tratores de Rodas (Unidades)
Ano
Até 49 CV De 50 a 99 CV
De 100 a 199 CV
Mais de 200 CV Total
Colheitadeiras
1995
1.176
13.418
2.988
2
2
1.423
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
655
855
736
843
840
849
992
899
1.175
1.042
1.242
1.361
7.008
10.210
11.984
11.248
14.190
15.522
18.785
14.689
14.160
10.999
11.667
17.430
2.627
4.664
5409
6.641
9.126
11.649
13.325
13.636
13002
5.398
7.075
11.751
1
2
29
56
135
70
84
181
299
104
157
149
656
857
765
899
975
919
1.076
1.080
299
104
157
149
899
1.662
2.406
2.850
3.628
4.054
5.616
5.434
5.598
1.533
1.030
2.347
Fonte: Anfavea.
1141
Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação...
Instabilidade de Crescimento Agrícola e o Problema do
Endividamento Agrícola
Como se apontou em Rezende e Kreter (2007b) e é um fato bem conhecido, o setor
agrícola enfrenta uma maior volatilidade de renda, por razões de variações climáticas e de
preços. Essas oscilações criam grandes dificuldades para o setor, principalmente nas
atividades em que há imobilização de capital muito elevada e o financiamento ocorre por
meio do endividamento da unidade produtiva.
Uma indicação clara da maior volatilidade da renda agrícola é apresentada na Fig. 2,
que mostra a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola e industrial no Brasil entre
os anos de 1999 e 2007. É muito clara a diferença de comportamento entre os dois PIBs,
causada pela maior variabilidade do PIB agrícola.
36
170
150
32
130
28
110
24
PIB Agrícola
PIB Industrial
PIB Industrial
PIB Agrícola
(Em R$ Bilhões de reais de janeiro de 2008, Dessazonalizado, Deflator: IPCA)
20
2007 - I
2007 - III
2006 - III
2006 - I
2005 - III
2005 - I
2004 - III
2004 - I
2003 - III
2003 - I
2002 - III
2002 - I
2001 - III
2001 - I
2000 - III
2000 - I
1999 - III
1999 - I
90
Fig. 2. Evolução do PIB agrícola e do PIB industrial, Brasil, 1999 a 2007.
A Tabela 3 mostra como se elevou o endividamento agrícola exatamente a partir
do período em que a agricultura entra em crise, a partir de 2004. A questão é saber se,
com a melhoria da renda agrícola, iniciada a partir do final de 2006, ocorrerá o movimento
inverso, ou seja, uma redução da dívida agrícola. Em Rezende e Kreter (2007b) propõe-se
1142
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais
que se deveria introduzir mudanças no atual sistema financeiro agrícola exatamente
nesse sentido, ou seja, de se reduzir a dívida em fases de bonança e de se permitir que ela
se eleve em fases de crise.
Tabela 3. Saldos devedores rurais médios anuais segundo a finalidade, 1995/20081.
Anos
1
Total
Finalidades
Comercialização
Custeio
Investimento
1995
43.6
8.6
20.3
14.7
1996
40.3
6.0
21.1
13.2
1997
38.3
6.2
19.1
13.0
1998
41.4
6.7
18.3
16.5
1999
45.6
4.0
23.1
18.5
2000
49.5
3.0
25.5
21.0
2001
53.2
3.6
26.4
23.2
2002
55.8
3.2
26.3
26.4
2003
63.7
4.1
29.2
30.4
2004
70.4
4.0
31.5
35.0
2005
76.4
3.1
34.2
39.0
2006
83.7
4.7
37.1
41.9
2007
91.2
4.7
40.8
45.6
Em bilhões de Reais de janeiro de 2008, Deflator IPCA
Como se pode notar na Tabela 3, foi de fato muito rápido o endividamento agrícola,
especialmente na fase de boom do período 1999/2004. De 1995 a 2007, a dívida agrícola
total mais que dobrou. Conforme explicitado em Rezende e Kreter (2007b), metade dessa
dívida se refere a crédito de investimento, o que mostra a relação da dívida com o
crescimento do setor.
Entretanto, como mostrado na Tabela 4 e também como discutido em Rezende e
Kreter (2007b), boa parte desses recursos é originária de fundos públicos (“recursos
repassados”), que são originários de impostos federais [PIS-Pasep, no caso do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de
Renda (IR), no caso dos Fundos Constitucionais]. Suscita-se também, em Rezende e
Kreter (2007b), a necessidade de se avaliarem os usos alternativos desses recursos, de
maneira a se avaliar se não teriam um uso alternativo mais eficiente do ponto de vista
1143
Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação...
social (no sentido da análise de custo-benefício social). Note-se que esses usos
alternativos poderiam até mesmo beneficiar mais a própria agricultura – caso se constate
a economicidade social de se investir em infra-estrutura agrícola, por exemplo, ou ainda
em pesquisa agrícola.
Tabela 4. Saldos devedores rurais médios anuais segundo a fonte do recurso, 1995/20081.
Anos
1
Total
Fontes de Recursos
Livres
Obrigatórios
Repassados
1995
43.6
12.4
18.1
13.1
1996
40.3
8.9
18.4
13.0
1997
38.3
6.0
17.4
14.9
1998
41.4
4.4
19.0
18.0
1999
45.6
5.3
22.1
18.2
2000
49.5
4.2
25.9
19.4
2001
53.2
3.9
28.3
21.0
2002
55.8
3.4
30.0
22.4
2003
63.7
3.3
33.8
26.6
2004
70.4
3.0
37.7
29.7
2005
76.4
3.7
38.1
34.6
2006
83.7
3.9
41.8
37.9
2007
91.2
3.8
47.6
39.8
Em bilhões de Reais de janeiro de 2008. Deflator IPCA.
Um Outro Indicador da Volatilidade Agrícola: o
comportamento dos preços de venda e de
arrendamento de terra
Um último indicador da volatidade da renda agrícola – um fenômeno que, como
argumentado em Rezende e Kreter (2007a), não tem sido levado em conta de forma explícita
no desenho do atual sistema financeiro agrícola – pode ser visto no mercado de terras: tanto
no de preços de venda quanto no de arrendamento. Isso é mostrado nas Fig. 3 e 4. Note-se
que o comportamento dos preços de arrendamento de terras parece mais volátil do que os
preços de venda, o que é consistente com o que se deveria esperar, já que os preços de
venda tendem a refletir um horizonte temporal mais longo do que os preços de arrendamento.
Preços de arrendamentos de terras (em R$/ha)
10
jun. 1998
set. 1998
dez. 1998
mar. 1999
jun. 1999
set. 1999
dez. 1999
mar. 2000
jun. 2000
set. 2000
dez. 2000
mar. 2001
jun. 2001
set. 2001
dez. 2001
mar. 2002
jun. 2002
set. 2002
dez. 2002
mar. 2003
jun. 2003
set. 2003
dez. 2003
mar. 2004
jun. 2004
set. 2004
dez. 2004
mar. 2005
jun. 2005
set. 2005
dez. 2005
mar. 2006
jun. 2006
set. 2006
dez. 2006
jun. 1998
set. 1998
dez. 1998
mar. 1999
jun. 1999
set. 1999
dez. 1999
mar. 2000
jun. 2000
set. 2000
dez. 2000
mar. 2001
jun. 2001
set. 2001
dez. 2001
mar. 2002
jun. 2002
set. 2002
dez. 2002
mar. 2003
jun. 2003
set. 2003
dez. 2003
mar. 2004
jun. 2004
set. 2004
dez. 2004
mar. 2005
jun. 2005
set. 2005
dez. 2005
mar. 2006
jun. 2006
set. 2006
dez. 2006
Preços de vendas de terras (em R$/ha)
1144
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais
10700
8700
GO
MT
GO
PR
MT
SP
6700
4700
2700
700
Fig. 3. Evolução dos preços de vendas de terras – lavouras, 1998 a 2006.
Em Reais de janeiro de 2008. Deflator IPCA.
430
360
PR
RS
290
220
150
80
Fig. 4. Evolução dos preços de arrendamentos de terras – lavouras, 1998 a 2006.
Em Reais de janeiro de 2008. Deflator IPCA.
Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação...
1145
A Produção Agrícola dos Cerrados e o Problema de
sua Especialização Relativa em Grãos
Conforme mostram claramente as Tabelas 5 a 7, a Região Centro-Oeste dedica,
em termos relativos, uma área muito maior à produção de grãos do que as demais
regiões do Brasil, especialmente em relação à Região Sudeste, já que a Região Sul
também concentra sua produção de lavouras nos grãos.
Pode-se esperar que a especialização relativa, em grãos, da produção de lavouras
dessas duas regiões crie uma maior instabilidade em sua renda agrícola, em face da
maior instabilidade – agravada recentemente pela atuação de uma série de fenômenos –
dos preços dos grãos, o que se soma à instabilidade climática, que atinge especialmente
a Região Sul.
No caso do Cerrado, contudo, a relevância desse fato é maior, do ponto de vista da
análise dos fatores que contribuem para as crises de endividamento agrícola no Brasil.
Com efeito, como já se apontou na Introdução, a escala de produção de grãos no
Cerrado é muito maior do que nos estados da Região Sul, e as razões para que isso
aconteça serão objeto de análise na próxima seção. Para nossos propósitos atuais, basta
reter que essa combinação de escala muito elevada de produção – o que acaba
requerendo um elevado grau de endividamento – com grande especialização relativa em
grãos não pode senão aumentar a recorrência do problema da dívida agrícola nos
Cerrados, mais talvez do que nas demais regiões agrícolas do Brasil.
Note-se que os Cerrados dedicam, também, uma parcela muito grande de sua
área agrícola total à pecuária, e poder-se-ia esperar que uma diversificação lavourapecuária poderia reduzir o risco das atividades de lavoura ou de pecuária, quando
consideradas individualmente.
Existem, de fato, muitas circunstâncias de interação entre lavoura e pecuária nos
Cerrados. A renovação de pastagens, por exemplo, costuma ser feita por meio da cessão
da terra em arrendamento para uma atividade de lavoura, o arrendatário devolvendo a
terra ao proprietário já com o plantio de gramíneas. Para que uma combinação dessas
atividades de lavoura e de pecuária levasse à redução do risco, entretanto, seria
1146
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais
necessário que elas fossem atividades desenvolvidas pelo mesmo agricultor, que estaria,
então, diversificando o próprio investimento. Isso, contudo, parece não ocorrer, visto que
pecuaristas e produtores agrícolas stricto sensu não são as mesmas pessoas.
Tabela 5. Área colhida da Região Centro-Oeste, 1995-2005.
Ano
Área colhida (em milhares de hectares)
Algodão herbáceo
Arroz
Café
Soja
Milho
Cana-de-açúcar
1995
199
774
24
4.532
1.814
278
1996
196
682
18
3.703
1.857
308
1997
152
563
22
4.135
2.113
323
1998
342
553
28
5.171
1.585
352
1999
363
994
38
5.071
1.801
372
2000
404
916
41
5.530
1.803
373
2001
570
618
51
5.760
2.010
396
2002
476
596
43
6.954
1.917
434
2003
437
604
44
8.045
2.337
482
2004
671
958
46
9.701
2.295
515
2005
700
1.090
40
10.854
2.172
540
Tabela 6. Área colhida da Região Sudeste, 1995-2005.
Ano
Área colhida (em milhares de hectares)
Algodão herbáceo
Arroz
Café
Soja
Milho
Cana-de-açúcar
1995
241
527
1.537
1.131
2.830
2.728
1996
162
319
1.530
1.035
2.532
2.955
1997
135
301
1.599
1.069
2.623
2.936
1998
204
255
1.669
1.090
2.437
3.059
1999
125
246
1.730
1.096
2.571
3.051
2000
115
204
1.738
1.135
2.387
2.979
2001
109
146
1.823
1.162
2.393
3.070
2002
102
143
1.872
1.294
2.333
3.147
2003
99
129
1.859
1.528
2.436
3.341
2004
138
137
1.849
1.866
2.455
3.517
2005
166
149
1.824
1.900
2.486
3.667
1147
Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação...
Tabela 7. Área colhida da Região Sul, 1995-2005.
Ano
Área colhida (em milhares de hectares)
Algodão herbáceo
Arroz
Café
1995
283
1.242
37
1996
182
1.068
135
Soja
Milho
Cana-de-açúcar
5.417
5.639
291
5.040
4.572
338
1997
60
1.002
128
5.671
4.797
344
1998
113
1.030
128
6.249
4.467
356
1999
48
1.198
139
6.059
4.618
386
2000
54
1.159
142
6.072
4.543
375
2001
71
1.164
66
5.991
5.386
386
2002
36
1.195
129
6.845
4.682
409
2003
30
1.176
126
7.498
5.118
423
2004
47
1.263
117
8.294
4.453
448
2005
57
1.217
106
8.239
3.724
454
Porque a Escala de Produção de Grãos nos Cerrados é
Maior do que nas Demais Regiões Agrícolas do Brasil
Como se apontou antes, a escala média de produção de grãos nas regiões de
Cerrado costuma ser muito maior do que a escala da mesma produção em outras regiões
do Brasil. Essa questão foi objeto de análise em Rezende (2006), tendo-se destacado os
seguintes fatores explicativos. Em primeiro lugar, o rigor climático no Cerrado tornaria
absolutamente inviável a agricultura familiar, em virtude da impossibilidade de obtenção
de renda no período seco, seja mediante produção própria ou via mercado de trabalho
rural. Em segundo lugar, o relevo mais plano e o fato de que os solos de Cerrado, em sua
maior parte, são profundos, bem drenados e dotados de excelentes características
físicas, fazem com que seja mais baixo o custo da produção mecanizada vis-à-vis a
produção não-mecanizada. Em terceiro lugar, em face da indivisibilidade dos
equipamentos atuais e da ausência de um mercado de aluguel de máquinas, o
investimento, além de ser muito alto, tem de ser arcado pelo próprio agricultor, o que
elimina a presença do pequeno produtor, em razão do seu fraco acesso ao crédito.
Note-se que, como Rezende e Kreter (2007a) assinalaram, a ausência de um
mercado de aluguel de máquinas e equipamentos na agricultura brasileira tem que ver
com a nossa legislação trabalhista, uma vez que esse mercado de aluguel de máquinas
1148
Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais
exigiria que a mão-de-obra – o tratorista, por exemplo – tivesse de ser contratada pelo
proprietário das máquinas. Contudo, essa contratação de mão-de-obra é proibida pela
legislação trabalhista agrícola brasileira, já que “terceirização” de mão-de-obra em
atividades fins é proibida nesse setor. Rezende e Kreter (2007) mostram, de uma forma
mais geral, como essa legislação trabalhista desestimula o uso da mão-de-obra na
agricultura – sobretudo a de menor qualificação –, contribuindo, dessa maneira, para
aumentar o grau de mecanização no campo.
Deve-se notar, também, que, como apontado anteriormente e é objeto de análise
mais específica em Rezende e Kreter (2007a), o crédito ao qual o grande produtor tem
acesso, e que é vital para a mecanização agrícola no Cerrado, provém de fundos públicos
– especificamente, o FAT e os Fundos Constitucionais, ambos originados de impostos.
Nessas condições, o custo fixo da maquinaria por unidade de produto fica menor à
medida que aumenta a escala de produção. O importante a reter dessa análise, exposta
inicialmente em Rezende (2006), é que é a mecanização em si, e não a presença de
economias de escala, que explicaria a predominância da produção em grande escala no
Cerrado.
Apontou-se, ainda, em Rezende (2006), que “o uso de mecanização agrícola na
agricultura brasileira tem sua rentabilidade distorcida em função dos altos custos da
mão-de-obra assalariada no campo, fruto da legislação trabalhista e da elevada carga
tributária que incide sobre a folha de pagamento.”1
Considerações Finais
O problema do endividamento agrícola no Brasil tornou-se, infelizmente, um
problema crônico e tornou-se um problema político importante tanto para os agricultores
quanto para o governo.
Em Rezende e Kreter (2007), mostrou-se que o fato de que parte importante do
endividamento agrícola é de longo prazo dificulta a capacidade de a agricultura enfrentar
situações adversas da renda agrícola, como aconteceu a partir do segundo semestre de
1
Esse papel da legislação trabalhista em estimular a mecanização agrícola no Brasil e desestimular o
emprego de mão-de-obra temporária na agricultura foi destacado em Rezende e Kreter (2007).
Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação...
1149
2004 até 2007. Criticou-se, também, o fato de o sistema de crédito agrícola não levar em
conta, de fato, a priori, o risco agrícola, nem na concessão dos empréstimos, nem na
administração da dívida. Essas críticas levaram a sugestões de reforma do atual sistema
de crédito agrícola.
Este trabalho, por sua vez, procurou argumentar que as regiões do Cerrado devem
ser as que mais vêm sofrendo os efeitos desse inadequado sistema financeiro agrícola, já
que são as que enfrentam mais risco em sua atividade agrícola e aquelas cujos
agricultores têm de se endividar mais, individualmente, em virtude da maior escala das
suas unidades de produção. Isso inclui, aliás, não só crédito de longo prazo, que tem sido
o foco de interesse deste trabalho e do anterior de Rezende e Kreter (2007), mas também
crédito de curto prazo, já que, em função da sua maior escala de produção, a demanda de
custeio, por exemplo, sempre ultrapassa os limites da política oficial, forçando os
agricultores a buscar financiamento no mercado informal, junto às tradings ou às
fornecedoras de insumos, a juros muito mais elevados.
Referências
REZENDE, G. C. Ocupação agrícola, estrutura agrária e mercado de trabalho rural no Cerrado: o papel do
preço da terra, dos recursos naturais e das políticas públicas. In: PAULA, L. F. de; FERREIRA, L.; ASSIS,
M. (Org.). Perspectivas para a economia brasileira: inserção internacional e políticas públicas. Rio
de Janeiro: UERJ, 2006. p. 293-320.
REZENDE, G. C.; KRETER, A. C. Agricultural labor market legislation and poverty in Brazil. II. A
transaction costs approach. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 121-137, jul./
dez. 2007a.
REZENDE, G. C.; KRETER, A. C. A recorrência de crises de endividamento agrícola e a necessidade de
reforma da política de crédito. Revista de Política Agrícola, Brasília, ano 16, n. 4, p. 4-20, out./dez.
2007b.
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Capítulo 38 - Embrapa Cerrados