ARTE, TRANSMÍDIA E REALIDADE AUMENTADA1
Anderson dos Santos Paiva2
José Fernão Bastos Paim3
Resumo: A relação entre arte, ciência e tecnologia vem ganhando uma dimensão cada vez
mais ampla através da apropriação pelos artistas dos recursos, técnicas e procedimentos de
outras áreas como da Ciência da Computação em que a Realidade Aumentada (RA) figura
como uma linha de pesquisa em pleno desenvolvimento. Neste artigo apresentamos uma
abordagem sucinta das questões que envolvem as “poéticas imersivas” e a transmídia
discutindo alguns conceitos e características destes processos híbridos para em seguida
abordar os artistas que dela fizeram uso com o objetivo de repensar as questões inerentes ao
potencial artístico e imersivo da transmídia para as artes visuais contemporâneas.
Palavras-chave: Artes Visuais; Tecnologias contemporâneas; Interatividade.
Absctract: The relationship between art, science and technology is gaining an ever wider
scale through the appropriation of resources by the artists, techniques and procedures as other
areas of Computer Science at the Augmented Reality (AR) appears as a line of research in full
development. In this paper we present a succinct approach to issues involving "immersive
poetic" and transmedia discussing some concepts and characteristics of these hybrid processes
and then approaches the artists who made use of it in order to rethink the inherent artistic
potential and immersive issues transmedia for contemporary visual arts.
Keywords: Visual Arts; Contemporary technologies; Interactivity.
1. Introdução
A produção artística contemporânea tomará cada vez mais conhecimento do termo
“Arte Tecnológica” mediante o acesso e apropriação dos sistemas de Realidade Virtual e
Aumentada a partir dos anos 1990. Contudo, os avanços rumo a expansão da arte no encontro
com a ciência e a tecnologia já era sentido desde muito antes com o advento das redes
telemáticas4. SAÇASHIMA (2011) estabelece como obra inaugural “Hole in Space”, de Kit
Trabalho apresentado no Seminário Temático “Tecnologia e o Ensino nas Redes”, durante a I Jornada
Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos.
2
Bacharel em Artes Plásticas, Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia e Doutorando em
Arte Contemporânea pela Universidade de Coimbra. Professor Assistente do Curso de Artes Visuais da
Universidade Federal de Roraima e líder do grupo de pesquisa ARTEFACTO - Grupo de Estudos e Pesquisas
em Arte e Tecnologia. Email: [email protected]
3
Bacharel em Artes Plásticas e Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia. Professor Auxiliar
do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima e pesquisador do ARTEFACTO - Grupo de
Estudos e Pesquisas em Arte e Tecnologia. Email: [email protected]
4
Telemática é o conjunto de tecnologias da informação e da comunicação resultante da junção entre os recursos
das telecomunicações (telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores, periféricos,
softwares e sistemas de redes), que possibilitou o processamento, a compressão, o armazenamento e a
1
Galloway e Sherrie Rabinowitz, de 1980, que uniu moradores de Los Angeles e Nova Iorque,
conectados através da interação em tempo real possibilitada pela tecnologia telemática com a
transmissão e projeção das imagens em espaços públicos. No contexto brasileiro, diversos
autores apontam como uma das mais relevantes experiências em arte telemática seria a
exposição “Arte pelo telefone: Videotexto”, realizada por Julio Plaza no Museu da Imagem e
Som (São Paulo, 1982) e na 17a Bienal Internacional de São Paulo (São Paulo, 1983).
Este e outros eventos que se seguiriam foram marcados sobretudo pela interatividade
na absorção das Novas Tecnologias da Comunicação. É inclusive Julio Plaza quem propõe os
três graus de abertura de interatividade em relação aos elementos que compõem a poética
imersiva5 (autor, obra e recepção):
A abertura de primeiro grau, fortemente marcada pelo conceito Bakhtiano de
intertextualidade como o “inacabamento de princípio” e “abertura
dialógica”;a abertura de segundo grau, com as “noções de ambiente” e
“participação do espectador” suplantando a obra que passa a ser situação
perceptiva (re-criação); a abertura de terceiro grau, onde os novos processos
de criação artística e exploração estética são operados através de interfaces e
recursos computacionais que possibilitam uma maior interatividade com os
espectadores (FANG LI, 2011, p.36-37).
A interatividade assumiu condição indispensável para compreensão do campo
expandido da arte no encontro com os sistemas de Realidade Virtual e Realidade Aumentada.
Isso porque, com a popularização e acessibilidade cada vez crescente dos dispositivos
eletrônicos portáteis e o fácil acesso aos múltiplos processos computacionais, tornou-se
possível a exploração de novos meios de representação baseadas na virtualização e simulação
de universos singulares através das “poéticas imersivas” mediadas pelas tecnologias, como
apontado por Diana Domingues, e se concretizaram, nos projetos dos artistas, as diversas
formas de produção de experiências inseridas nos três graus de interatividade propostos por
Julio Plaza.
comunicação de grandes quantidades de dados (nos formatos texto, imagem e som), em curto prazo de tempo,
entre usuários localizados em qualquer ponto do planeta.
5
Segundo Diana Domingues, ‘”os ambientes imersivos gerados pelos artistas exploram a virtualidade em seu
sentido poético,em lugares e durações geralmente subvertidos se pensados em bases de realismo e
assim, buscam desestabilizar a noção de escala, tempo, espaço, cor, brilho, grav idade,dinâmica,
materialidade. Interessam os graus de fantasia e a capacidade de estimular experiências sensoriais como algo
acontecendo, em processos experienciais, fora dos limites do r e a l . ”
2. Arte e Interatividade
Entendendo a Realidade Aumentada (Augmented Reality) como um sistema que
suplementa o mundo real com objetos virtuais gerados por computador parecendo coexistir no
mesmo espaço, do modo estabelecido por Ronald Azuma, podemos entender que as
propriedades da Realidade Aumentada vão além da interatividade. Para sua caracterização se
faz necessário também o processamento de objetos virtuais em tempo real, o fator
tridimensional e o somatório dos elementos reais e virtuais em um mesmo ambiente.
Embora a Realidade Aumentada corresponda a uma determinada linha de pesquisa
da Ciência da Computação, ela tem possibilitado aos artistas de todo o mundo explorarem seu
potencial para a criação de instalações imersivas, performances, obras site-specific dentre
outras possibilidades no campo da arte tecnológica.
No que diz respeito ao ambiente de que se apropriam estes artistas na utilização da
Realidade Aumentada (RA) em suas construções poéticas, ainda podemos apreender muito do
que dispõe seu fundamento básico:
Um ambiente de realidade virtual com RA apresenta três características:
imersão, que leva o usuário a sentir-se ‘fisicamente’ dentro do ambiente
virtual; interação, que permite ao usuário executar ações no ambiente; e
navegação, através da qual o usuário explora o ambiente. Ainda com a
adição de outros elementos, como sons, por exemplo, o que torna o ambiente
ainda mais real” (KIRNER; TORI, 2006, p. 24).
Essas características fundamentais da RA são compreendidas como produtoras de
sentido e construtoras de novas e distintas realidades a partir da ação do interator no contexto
da obra, pois está em jogo a simulação de distintas realidades alimentadas por imagens,
sensações e experiências complementadas pela intuição e imaginário.
A Realidade Aumentada é aplicada a todos os sentidos possíveis: audição,
tato, força, cheiro, etc. E não somente à visão. Esta concepção possibilita
experimentação com outros sentidos, abrindo margem, também, para a
multisensorialidade integrada às tecnologias contemporâneas e inclusão
(BORN, 2012 apud AZUMA, 2011).
Desta forma, há uma conexão entre a criatividade e a sensibilidade do interator,
levando-o também ressignificar a experiência interativa. Isso ocorre de modo diferente na
Realidade Virtual e na Realidade Aumentada, uma vez que a primeira é uma “interface
avançada do usuário” e a segunda é um “ambiente real” com uma interface que possibilita a
visualização e manipulação de objetos virtuais sem necessariamente haver uma experiência
imersiva6.
Kirner e Tori estabelecem uma distinção entre uma e outra quando afirmam que a
Realidade Virtual trabalha unicamente com a virtualidade ao transferir o usuário para o
ambiente virtualizado e prioriza as características de interação do usuário. Já a Realidade
Aumentada dá ênfase a qualidade das imagens e a interação do usuário e possuiria um
mecanismo em que são combinados o mundo real e o mundo virtual, mas permitindo ao
interator manter o “senso de presença” (2006, p.24).
Essas diferenças são importantes para se compreender como se opera a interatividade
e como dela fazem uso os artistas. Diana Domingues chega a tratar deste ponto quando se
refere ao “campo de possibilidades” partindo da escolha pelo programas de dispositivos e
variáveis do sistema, com tecnologias sempre mutantes (1997, p.16).
Na Realidade Virtual a interatividade tem forte relação com a visualização que pode
ser imersiva (dispositivos combinados com CAVEs7) ou não-imersiva (por meio de capacetes
ou múltiplas projeções). Contudo, através da Realidade Aumentada, a corporeidade
presentificada (tempo real) pode suscitar outras questões artísticas.
Nas Artes Visuais, percebemos que os recursos do sistema de Realidade Aumentada
possibilitam aos artistas elaborar propostas para incorporar o interator às obras. Esta
incorporação gera a sensação de “se estar nas” obras e não apenas a de se ver as obras. Além
disso, através, por exemplo, dos trabalhos de Phil Worthington e Mark Cypher, percebemos
que os recursos do sistema de Realidade Aumentada permitem criar poéticas que trabalham
com as extensões do corpo: as sombras dos interatores podem ser ampliadas em figuras
significativas nos trabalhos destes artistas, por exemplo (SAÇASHIMA, 2011, p. 88).
6
Kirner e Siscoutto apresentam em Realidade Virtual e Aumentada: conceitos, projeto e aplicações (2007), uma
publicação com diversos autores, estas e outras relações com grande clareza sobre as características e
possibilidades da RV/RA.
7
CAVE (Cave Automatic Virtual Environment) é um ambiente físico onde são projetados gráficos em 3
dimensões, em suas paredes, podendo ser visualizadas através de um dispositivo, em ações de exploração e
interação entre pessoas, objetos e outros na simulação de um ambiente virtual.
Essa relação entre a imersão e interatividade na experiência da “visualização” dos
objetos virtuais da Realidade Aumentada pode ser classificada pelo modo como o usuário vê
o mundo em sobreposição. Assim, a visão direta (imersiva), corresponde a fixação direta dos
olhos para as posições reais com cena óptica ou por vídeo, e, a visão indireta (não imersiva),
em que o usuário vê o mundo através de algum dispositivo (monitor ou projetor), sem relação
com as posições reais.
A tecnologia dos visualizadores é também adotada como um critério de classificação
dos sistemas de Realidade Aumentada: visão óptica direta, visão direta baseada em vídeo,
visão baseada em monitor e visão baseada em projetor (KIRNER; TORI, 2006. p. 28).
Mas, se por um lado esses visualizadores são fundamentais para a combinação de
realidades (real e virtual), por outro lado os artistas podem explorar outros aspectos da
Realidade Aumentada através das formas clássicas de interação8 por navegação, seleção e
manipulação, sem ter necessariamente que se comprometer com todas dimensões deste
sistema.
O artista da comunicação e a sua obra interativa só existem pela interação do
público. Nas artes da interatividade, o destinatário potencial ou interator, ou
seja, aquele que colabora em um processo dialógico com a obra, se torna coautor e a obra em questão torna-se um campo aberto a múltiplas
possibilidades (FANG LI, 2011, p. 42).
É esse pois o desafio atual imposto pelas tecnologias contemporâneas de “colocar o
usuário dentro de um espaço preenchido com dados dinâmicos e contextuais, com os quais o
usuário pode interagir”, como propõe Santaella (2007, p. 277) e, ao mesmo tempo, alterar sua
condição de espectador e usuário. O aspecto principal da relação entre arte e realidade
aumentada é, portanto, elevar o papel do interator ao de co-autor, construindo em pleno
sentido uma “poética imersiva”.
3. Arte e Realidade Aumentada
8
Segundo Louise Poissant, até o aparecimento das novas tecnologias, a atividade artística estava associada à
criação de formas. Diante do abandono gradual dos materiais sólidos e “o declínio do objeto”(POPPER apud
POISSANT, 2009) em prol do que Lyotard chamou de “imateriais”, a ênfase foi se deslocando progressivamente
do processo para a experimentação de dispositivos que convidavam o espectador a se conectar em um outro nível
e, por fim, interagir com a obra de arte e seu ambiente.
Muitos artistas têm conseguido avanços significativos para tornar a experiência em
RA o elemento central da prática artística contemporânea. Em “AR in Art: an evaluation”
(2011), Sunjoy Prabakaran, apresenta uma relação dos diversos artistas envolvidos com
questões comuns à RA. Encontra-se primeiramente listado o artista australiano Jeffrey Shaw,
com as instalações “sculpture” (1981) e “cube” (1982), apresentadas em Amsterdam e Breda,
na Holanda, onde os espectadores poderiam visualizar através de um sistema óptico alguns
objetos virtuais no espaço expositivo do museu.
Também nos anos 80 o artista Myron Krueger apresentou uma instalação em RA no
Museu de História Natural de Connecticut, EUA (1988) dispondo de tela de projeção e
câmera de vídeo em que as imagens dos visitantes eram combinadas com imagens gráficas.
Depois ele mesmo desenvolveu um sistema de computador para melhorar o reconhecimento e
análise das imagens dos visitantes permitindo, após seu aprimoramento a exploração até 25
padrões de interação9.
Ulrike Gabriel, com sua “Perceptual Arena” (1993) também trabalhou com a
interatividade, contudo ampliando a dimensão imersiva com os interatores utilizando visores
para manipular formas abstratas geradas por computador e projetadas em uma tela grande. E
ainda nos anos 1990, Charlotte Davies, desenvolveu “Osmose” (1995), um ambiente de
realidade virtual imersiva e interativa com sistema de computação gráfica 3D e som interativo
com rastreamento de movimento em tempo real para explorar a percepção e consciência dos
interatores. Obra que assinala o início da Arte Virtual, segundo Oliver Grau.
Osmose cultiva o parâmetro usuário-interface – um parâmetro
essencial na arte virtual – em um grau que ainda não pôde ser
igualado; seria possível escrever um tratado todo sobre esse aspecto.
Osmose é uma simulação, tecnicamente avançada e visualmente
impressionante, de uma série de espaços textuais e naturais
amplamente ramificados: uma esfera mineral-vegetal inatingível
(GRAU, 2007, p.220).
Nos primeiros anos do século XXI o projeto “CoExistence” (2001), de Rebecca
Allen, despontou como uma instalação de arte interativa em RA, apresentada no Instituto de
Design de Interação de Ivrea, na Itália. O trabalho consistiu em uma experiência
9
Diana Domingues refere-se a Myron Kruger como o primeiro a falar dos responsive environments. Nesses
ambientes de Realidade Aumentada, ocorre um controle das imagens pelas ações do corpo através de interfaces
que permitem a captura e processamento de gestos.
compartilhada entre interatores com sensores e visores que exploravam a respiração e outras
sensações tácteis, demonstrando os aspectos de subjetividade surgidos na interdependência
entre os seres humanos e as interfaces computacionais.
Logo depois surgiram outros trabalhos na dimensão da RA como do artista Ken
Rinaldo com “Augmented Fish Reality”, apresentado em Lille, França (2004), com imagens
de peixes geradas por computador, tigelas projetadas e sensores infravermelho responsáveis
pelo movimento desses seres virtuais, permitindo uma boa interação com os visitantes. Já o
grupo Blast Theory apresentou seu trabalho “FLYPAD” (2006) na Galeria Pública de West
Bromwich, na Inglaterra, como um misto de realidade aumentada e site specific para criar
uma experiência colaborativa semelhante a imersão em jogos eletrônicos. Através desta obra
os interatores criaram avatares que dinamizaram o lugar expositivo através da interação
proporcionada por 11 terminais colocados no átrio central da galeria.
No Brasil, Chan Fang Li (2011), cita os experimentos artísticos em RA como a obra
“VR Aquarium” de Diana Domingues e Grupo Artecno, apresentada no Museu de Ciências
Naturais da UCS em que ocorre a interação de peixes reais e virtuais modelados em programa
computacional. Outra artista citado por Fang Li é Sanders Veenhof, com sua obra intitulada
“A Primeira Flashmob de Realidade Aumentada do Mundo”, realizada na praça Dam de
Amsterdam (Holanda) no ano de 2010, com a disposição de marcadores para captura dos
interatores através de dispositivos móveis (celulares e iphones). E a obra <Body> de Camila
Hamdan, realizada em 2008, que explora o potencial do corpo com marcadores que
possibilitam a visualização de tatuagens em RA de modo a diluir a linha tênue entre real e
virtual corpóreo mediante uma atividade exógena e endógena.
Uma obra que possui grande destaque no cenário nacional devido aos avanços
empreendidos em RA é o Projeto OPE_RA, das artistas Daniela Kutschat e Rejane Cantoni,
constituído de um ambiente imersivo-interativo que se assemelha a um mundo virtual onde
ocorre a interação humano-computador na produção de experiências multisensoriais. O
projeto é uma pesquisa em processo, desenvolvido desde 1999, conquistando diversos
prêmios nacionais e internacionais ao longo dos anos com a criação de várias instalações
imersivas.
O desenvolvimento de interfaces humano-computador desenhadas para
possibilitar interação simbiótica entre agentes humanos e artificiais é uma
parte fundamental de nossa pesquisa. Até o presente, essa estratégia nos
levou a desenhar e desenvolver sistemas de rastreamento alternativos e a
experimentar tecnologias de ambientes imersivos e interativos (sistemas de
realidade virtual). Exemplos são: OP_ERA: HYPERVIEWS, OP_ERA:
HAPTIC WALL, OP_ERA: HAPTIC INTERFACE e OP_ERA: SONIC
DIMENSION (HANNS; CANTONI, 2006, p.356).
Outro artista brasileiro cujo trabalho dialoga com a Realidade Aumentada na criação
de instalações imersivas é Gilbertto Prado com o projeto denominado “Acaso 3052”, que
provocou uma discussão sobre a violência na cidade do Rio de Janeiro, com destaque para a
chacina ocorrida no ano de 2005, mesmo ano de realização do projeto. A interação nesta obra
ocorre pela operacionalização de eventos mediante o deslocamento do corpo do interator no
espaço imersivo10.
O interator, ao pisar num tapete todo azul feito a mão pelas mulheres de
presos, aciona um dispositivo que gera um evento: imagens de um corpo nu
em agonia são projetadas no chão e um vento forte bate na parede frontal. O
artista tem clara intenção de fazer da aproximação do interator uma ação
geradora de eventos. O artista utilizou como dispositivo de entrada vários
'tapetes de dança' cobertos pelo tapete azul. No teto, um projetor fixado num
suporte giratório projeta imagens em um dos vários espelhos fixados no teto
e que projeta a imagem no chão (SAÇASHIMA, 2011, p.72).
Esta e outras obras citadas tratam da interatividade e imersão pelo agenciamento
corpóreo no que concerne mais particularmente as artes visuais, uma vez que na Realidade
Aumentada para que se produza uma experiência de imersão é necessário que ela se faça por
meio da mediação da interface gráfica e na utilização de equipamentos como luvas de dados,
óculos estereoscópicos e capacetes HDM, dentre outros.
4. Transmídia e sua interação com a arte e realidade aumentada
Um importante ponto de convergência da potência transformadora de processos
interativos entre a Arte e a Realidade Aumentada tem sido a Transmídia enquanto meio de
cruzamento de projetos e media diversas.
10
Silvia Regina Guadagnini apresenta em sua pesquisa de mestrado uma ampla leitura do trabalho de Gilbertto
Prado e suas relações com a imersão tecnológica.
A Transmídia pode ser entendida como “o além de” ou “através de” múltiplas mídias
em que a imersão decorre do universo narrativo criado com certas regras para facilitar o maior
envolvimento das pessoas na história que é contada, geralmente seguindo uma regra quase
clássica de apresentação, conflito e desfecho. A ampliação da narrativa recaí na denominada
Transmedia Storytelling, um termo presente na obra Cultura da Convergência de Henri
Jenkings, e diz respeito as formas de se contar essa história tendo por suporte medias tão
diferenciadas.
Mas como pode a transmídia somar-se aos aspectos imersivos da confluência da arte
com as tecnologias digitais comuns à Realidade Aumentada? As amplas possibilidades de
interação por si somente já garantem parte da imersão do usuário/interator perante estímulos
corpóreos.
A excitação corporal, no caso das interacções performativas ancoradas no
espaço físico, aliada à experiência háptica, no caso das interacções on-line,
não apelam à interpretação semântica mas mobilizam o participante/jogador
de forma sensual. Poder-se-ia dizer que a técnica, os operadores técnicos e a
tecnologia tomam o comando na hierarquia das artes e do design e, neste
contexto, a produção cultural torna-se acima de tudo um problema técnico de
programação de emoções (GOUVEIA, 2010, p.4).
Muitas artistas ultimamente têm buscado explorar essas relações. Um exemplo de
destaque no cenário atual é Biermann, um artista especializado em utilizar da Realidade
Aumentada para fazer intervenções com transmídia em espaços públicos. Um importante
projeto desenvolvido por ele foi Re+Public, com parceria com outros atores da relação
RA/Transmídia, como Ean Mering e Jordan Seiler. Este projeto estabeleceu uma série de
aplicativos móveis com muitos aspectos interativos que desde 2011 deu origem a vários
aplicativos beta em que usuários interagem com outdoors e prédios em importantes centros de
cidades americanas e européias.
5. Considerações finais
As Artes Visuais vem continuamente se apropriando das tecnologias da comunicação
e informação desde a reprodutibilidade técnica proporcionada pelos meios eletrônicos,
seguido pelo advento da telemática e multimídia até as novas formas de interação e imersão
proporcionada pela Realidade Virtual, Realidade Aumentada e pela Transmídia. Os artistas
contemporâneos buscam nas práticas imersivas facilitada por esses sistemas, construir novos
cenários, ambientes e universos em que o interator torna-se co-autor do projeto transformado
em obra, com a sua presença e agenciamento corpóreo intercambiada por sensores e demais
aparatos tecnológicos remodeladores do espaço. Assim as Artes Visuais, por intermédio do
uso criativo da tecnologias e poéticas imersivas, produzem uma renovação do seu campo de
atuação e se lança ao desafio sempre contemporâneo de “levar ao paroxismo a sensibilidade
liberada dos condicionamentos dos mundos da matéria. Geram mundos não para imitar a vida,
mas para expandi-la” (DOMINGUES, 2003).
Referências
BORN, Rodrigo M. “Do simulacro às novas mídias no ensino de arte”. Disponível em
<http://www.nest.ceart.udesc.br/wp-content/uploads/2013/03/artigo-Rodrigo-Born.pdf>.
Acesso em: 20/02/2014.
DOMINGUES, Diana. “A arte no século XXI: a humanização das tecnologias”. São Paulo:
UNESP, 1997.
DOMINGUES, Diana. “Poéticas imersivas e realismo virtual”. In: LEÃO, Lúcia (Org.)
“Cibercultura 2.0”. São Paulo: U.N. Nojosa, 2003.
FANG LIN, Chan. “AR|RA: a arte em realidade aumentada”. 2011. 95fl. Dissertação
(Mestrado em Artes) – Curso de Pós Graduação em Artes, Instituto de Artes, Universidade
Estadual Paulista. São Paulo-SP, 2011.
GOUVEIA, Patricia. [NET]AR[G]Ts: experiências transmedia e narrativas cruzadas.
Disponível
em
<http://movlab.ulusofona.pt/cms/templates/movlab/files/publicacoes/artech2010_pg10.pdf>.
Acesso em: 20/02/2014.
GRAU, Oliver. “Arte Virtual: da ilusão à imersão”. São Paulo: Editora Unesp, 2007.
GUADAGNINI, Silvia Regina. Imersão e interação nas instalações imersivas de três artistas
brasileiros: Diana Domingues, Equipe Interdisciplinar SCIArts e Gilberto Prado. Dissertação
(Mestrado em Artes Visuais) – Curso de Pós Graduação em Artes Visuais, Centro de Artes,
Universidade Estadual de Santa Catarina. Florianópolis-SC, 2007.
HANNS, Daniela Kutschat; CANTONI, Rejane Caetano A. “Experimentos em Arte, Ciência
e Tecnologia: Projeto OP_ERA”. In: KIRNER, Claudio; TORI, Romero. Fundamentos e
Tecnologia da Realidade Virtual e Aumentada. Livro do Pré-Simpósio VII Sympossium on
Virtual Reality. Belém, 2006.
KIRNER, Claudio; TORI, Romero. “Fundamentos da Realidade Aumentada”. In: KIRNER,
Claudio; TORI, Romero, SISCOUTTO, Robson. Fundamentos e Tecnologia da Realidade
Virtual e Aumentada. Livro do Pré-Simpósio VII Sympossium on Virtual Reality. Belém,
2006.
MACIEL, Kátia; PARENTE, André (Org.) “Redes sensoriais: arte, ciência, tecnologia”. Rio
de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2003.
PRABAKARAN,
Sunjoy.
“Augmented
Reality
in
Art”.
Disponível
em:
<http://creativetechnology.salford.ac.uk/students03_04/mact11_12/sunjoy_prabakaran/files/E
valuation%20AR%20in%20ART.pdf>. Acesso em: 20/02/2014.
SAÇASHIMA, Rosemery Emika. “A realidade aumentada: desafios técnicos e algumas
aplicações em jogos e nas artes visuais”. 2011. 90fl. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais)
– Curso de Pós Graduação em Artes Visuais, Escola de Comunicações e Artes, Universidade
de São Paulo. São Paulo-SP, 2011.
SANTAELLA, Lúcia. “Linguagens líquidas na era da mobilidade”. São Paulo: Paulus, 2007.
Download

ARTE, TRANSMÍDIA E REALIDADE