Uma vida de fortuna
Os primeiros poucos centavos que Warren Buffett ganhou vieram da
venda de chicletes. E desde o dia em que começou a vender - aos seis
anos - ele mostrou uma atitude inflexível em relação à sua clientela que
revelaria muito sobre seu estilo futuro. "Eu tinha uma bandejinha verde,
dividida em cinco áreas. Tenho quase certeza de que foi minha tia Edie
quem me deu a bandeja. Tinha divisões para cinco diferentes marcas de
goma de mascar: Juicy Fruit, Spearmint, Doublemint e duas outras. Eu
comprava pacotes de chicletes do meu avô e saía de porta em porta, na
vizinhança,
vendendo
minha
mercadoria.
Costumava
fazer
isso
principalmente à noitinha."
Aos 78 anos, Buffett não esquece que, num encontro de 1940, Sidney
Winberg, principal figura do Goldman Sachs, perguntou quais ações ele
considerava "boas"
"Eu me recordo de uma mulher chamada Virginia Macoubrie dizer: 'Vou ficar
com uma tirinha de Juicy Fruit.' E eu disse: 'Não dividimos os pacotinhos de
chicletes' - quer dizer, eu tenho meus princípios. Até hoje, recordo da sra.
Macoubrie dizendo que queria apenas uma tirinha. Mas não, eu vendia em
pacotinhos de cinco tirinhas. Custavam cinco centavos, e ela queria gastar
apenas um."
Acionista da Berkshire Hathaway, a empresa gestora dos recursos de Buffet,
joga bridge na convenção anual com carta em que se reproduz o rosto do
investidor
Fechar uma venda era tentador, mas não suficientemente sedutor a ponto
de fazê-lo mudar de idéia. Se ele vendesse uma tirinha para Virginia
Macoubrie, sobrariam outras quatro para vender a alguma outra pessoa, um
risco que não valia a pena correr. Em cada pacote inteiro, ele tinha um lucro
de dois centavos. Podia sentir o peso e solidez dessas moedinhas na palma
da mão. Foram os primeiros flocos da bola de neve de dinheiro que ele faria
no futuro.
Warren dispunha-se a fracionar o conteúdo das embalagens de papelão
vermelho de Coca-Cola, que vendia de porta em porta nas noites de
verão. Continuava a vender durante as férias da família, para as pessoas
que tomavam banho de sol nas praias do lago Okoboji, em Iowa.
Refrigerantes eram mais lucrativos do que chicletes: Warren ganhava cinco
centavos a cada seis garrafas e enfiava essas moedas orgulhosamente na
pequena bolsa presa à cintura, que também usava ao partir para a venda,
de porta em porta, de exemplares das revistas "Saturday Evening Post" e
"Liberty".
A bolsa em que trazia o troco o fazia sentir-se profissional. Simbolizava a
parte da venda de que Warren mais gostava: colecionar. Embora
colecionasse tampinhas de garrafa, moedas e selos, ele acumulava
principalmente dinheiro. Warren guardava suas moedas em casa, numa
gaveta, eventualmente acrescentando-as aos US$ 20 que seu pai lhe havia
dado quando ele completou seis anos, tudo registrado numa caderneta
marrom - sua primeira conta bancária.
Buffett juntou seus bilhões aos de Bill Gates para financiar projetos
filantrópicos da fundação criada pelo presidente da Microsoft e sua
mulher, Melinda
Aos nove ou dez anos, ele e seu amigo Stu Erickson vendiam bolas de golfe
usadas no campo em Elmwood Park - até que alguém os denunciou e eles
foram expulsos pelos policiais. Quando a polícia conversou com os pais de
Warren, porém, Howard e Leila não se importaram. Simplesmente
entenderam que seu filho era ambicioso. Como único - e precoce - filho dos
Buffetts, Warren como que projetava um "halo", segundo suas irmãs
Roberta (Bertie) e Doris, e se safava, perdoado por muita coisa.
Aos dez anos, conseguiu um emprego para vender amendoim e pipoca em
jogos de futebol na Universidade de Omaha. Warren caminhava nas
arquibancadas gritando: "Amendoim, pipoca, cinco centavos, compre seu
amendoim e pipoca aqui, comigo!" A campanha para a eleição presidencial
de 1940 estava em curso, e ele tinha conseguido vários distintivos dos
candidatos republicanos Wendell Willkie e Charles McNary, que usava na
camisa. Sua avaliação favorita: "Washington não faria, Cleveland não
poderia, Roosevelt não deveria", referindo-se à intolerável decisão de FDR para os Buffetts - de concorrer por um terceiro mandato. Embora os Estados
Unidos não tivessem um limite constitucional para o número de mandatos, o
país tinha, até então, rechaçado a idéia de um "presidente imperial". Howard
achava que FDR era um déspota que tinha aberto seu caminho à
popularidade com atitudes bombásticas. A idéia de mais quatro anos de FDR
quase o deixava apoplético.
Muito antes de ser um dos mais ricos do mundo, Buffett leu e releu "The
Intelligent Investor"
Embora achasse Willkie excessivamente liberal para seu gosto, a posição de
Howard era "qualquer outro, para se livrar de Roosevelt". Warren, que
acompanhava as opiniões políticas do pai, gostava de exibir seus distintivos
de Willkie e McNary no estádio. Então, o gerente chamou-o ao escritório e
disse: "Tire esses distintivos. Se não, vai haver uma reação do eleitorado de
Roosevelt."
Warren aplicou os distintivos em seu avental, atrás dos quais ficava
encaixado algum trocado. Quando foi ao escritório, após o jogo, o gerente
mandou que ele tirasse o que tinha nos bolsos, os distintivos e tudo mais. O
gerente apanhou tudo o que Buffet colocara no balcão e recolheu. "Essa foi
minha aula inaugural de negócios", diz Buffett. "Fiquei um bocado
chateado." E quando Roosevelt conquistou o seu terceiro mandato, os
Buffetts ficaram ainda mais aborrecidos.
Embora política fosse o principal interesse de Howard - e dinheiro, apenas
secundário - para seu filho era justamente o contrário. Warren costumava
ficar no escritório do pai, no velho e imponente prédio do Omaha National
Bank, sempre que tinha uma chance, lendo a coluna "O Corretor" na
"Barron's" e os livros na estante de Howard. Ele se plantava na sala de
clientes da Harris Upham & Co. Nessa corretora de valores regional, dois
lances de escada abaixo do escritório de Howard, ele achava o máximo que
o deixassem "atualizar as cotações", rabiscando a giz o preço das ações
numa modorrenta manhã de sábado, nos tempos da Depressão.
Buffett participa animadamente das atividades que reúnem os acionistas
da Berkshire Hathaway para apresentação de resultados e
confraternização
O mercado ainda operava durante uma sessão de duas horas nos fins de
semana. Homens com nada melhor para fazer preenchiam o semicírculo de
cadeiras na sala de clientes, observando, meio indiferentes, os números que
se arrastavam no Trans-Lux, um monitor eletrônico de preços das principais
ações. De vez em quando, alguém saltava da cadeira e rasgava o tanto de
fita que se acumulava na saída da máquina. Warren chegava com Frank
Buffett, seu tio-avô paterno - o misantropo da família, que ficara de coração
partido com a perda de Henrietta, então há muito tempo já morta, para seu
irmão Ernest - e John Barber, seu tio-avô materno. Ambos estavam
escravizados ao velho hábito de pensar apenas numa só direção.
"Tio Frank era pessimista, e tio John era otimista. Eu ficava sentado entre os
dois, e eles como que tentavam chamar minha atenção e me vender a idéia
de que estavam certos. Não se gostavam, de modo que não falavam um
com o outro, mas falavam comigo, que ficava entre eles. Meu tio-avô Frank
achava que tudo no mundo iria para o colapso. E quando alguém ia até o
balcão atrás das cadeiras, e dizia querer comprar cem ações da US Steel a
US$ 23, tio Frank vinha com seu vozeirão: 'US STEEL? VAI CAIR PARA
ZERO!'" Isso não era bom para os negócios. "Não podiam botá-lo para fora,
mas o odiavam, ali. Não era um lugar para pessimistas."
Sentado, espremido entre os tios, Warren olhava os números, que não via
com clareza. Seu problema ao ler o Trans-Lux levou a família a descobrir
que ele era míope. Depois de passar a usar óculos, Warren notou que os
números pareciam mudar segundo alguma lei própria. Embora os tios
tentassem convencê-lo de seus respectivos - e extremados - pontos de
vista, Warren observou que suas opiniões pareciam não ter qualquer relação
com os números que passavam no Trans-Lux. Ele estava determinado a
descobrir o padrão, mas ainda não sabia como.
"Tio Frank e tio John competiam para ver quem me levaria para almoçar,
por que isso era como uma forma de prevalecer sobre o oponente. Com tio
Frank, íamos ao velho Paxton Hotel, onde se podia comprar comida do dia
anterior por um quarto de dólar." Warren, que gostava de estar com adultos,
também apreciava ser disputado pelos tios. Na verdade, gostava de ser alvo
da atenção de qualquer pessoa. Ele ansiava por atenção de outros parentes
e amigos de seus pais, mas particularmente do pai.
Quando completavam dez anos de idade, Howard presenteava cada um dos
filhos com uma viagem à Costa Leste, um acontecimento importante em
suas vidas. Warren sabia exatamente o que queria fazer: "Disse a meu pai
que queria ver três coisas. Queria ver a Scott, uma fábrica de selos e
moedas. Queria ver a fábrica de trenzinhos Lionel. E queria ver a Bolsa de
Valores de Nova York (NYSE). A Scott Stamp and Coin ficava na rua 47, a
Lionel nas imediações da rua 27 e a Bolsa ficava bem no centro."
Em 1940, Wall Street tinha começado a recuperar-se do "crash", mas
continuou sendo um lugar mal visto. Os homens em Wall Street eram como
um bando de mercenários rudes, combatendo depois que a maioria de seus
camaradas haviam tombado na guerra. A maneira como ganhavam a vida
parecia vagamente indigna, em vista das lembranças do "crash" de 1929,
tão recente na mente das pessoas.
Mas, embora não se vangloriassem do fato fora dos muros do bunker,
alguns desses mercenários estavam se dando realmente muito bem. Howard
Buffett levou o filho ao centro de Manhattan e à presença da principal figura
de uma das maiores corretoras. O pequeno Warren começou então a
vislumbrar o que se passava por trás das portas revestidas de ouro.
"Foi quando conheci Sidney Weinberg, que era o homem mais famoso em
Wall Street. Meu pai - dono de uma pequena firma em Omaha - nunca tinha
se encontrado com Weinberg. Mas Weinberg nos recebeu em seu escritório,
talvez por que havia um garotinho ali ou algo assim. Conversamos por uns
30 minutos."
Como sócio sênior no banco de investimentos Goldman Sachs, Weinberg
tinha passado uma década restaurando penosamente a reputação da firma,
que caíra em desgraça por ludibriar investidores com um notório esquema
de pirâmide no "crash" de 1929. Warren nada sabia sobre isso, nem que
Weinberg tivera uma infância de filho de imigrantes e começara a trabalhar
como auxiliar de porteiro no Goldman, esvaziando escarradeiras e
escovando os chapéus de seda dos sócios. Mas ele certamente compreendeu
que estava na presença de alguém importante, assim que se viu no
escritório de Weinberg, todo revestido em nogueira e, emoldurados nas
paredes, originais de cartas, documentos, e retratos de Abraham Lincoln. O
que Weinberg fez no fim de sua visita causou enorme impressão sobre
Warren. "Quando eu estava saindo, ele pôs seu braço em meu ombro e
disse: 'Que ações você acha boas, Warren?'"
"Ele deve ter se esquecido disso tudo no dia seguinte, mas eu nunca
esqueci." Buffett nunca esqueceu que Weinberg, um peixe grande em Wall
Street, tinha dado tal atenção a ele, passando a impressão de importar-se
com sua opinião.
Do Goldman Sachs, Howard levou Warren até a Broad Street e, através de
um conjunto de enormes colunas coríntias, à NYSE. Lá, no templo do
dinheiro, homens em coletes de cores vivas berravam e rabiscavam, em pé
e em torno de baias de negociação delimitadas por ferro forjado, enquanto
mensageiros disparavam para todo lado, no pregão, inundando o piso com
pedaços de papel. Mas foi uma cena no refeitório da Bolsa que capturou a
imaginação de Warren. "Nós almoçamos na NYSE com um sujeito chamado
At Mol, um holandês que era membro da Bolsa e um homem bastante
imponente. Depois do almoço, surgiu um sujeito com uma bandeja com
diferentes tipos de folhas de tabaco. Ele fez um charuto para Mol, que
escolheu as folhas que desejava. Pensei comigo: É isso aí. Isso é o máximo.
Um charuto personalizado."
Um charuto personalizado. As visões que aquele charuto evocaram na mente
matemática de Warren! Ele não tinha qualquer interesse em fumar um
charuto. Mas logo deduziu o que significava ter um empregado para uma
finalidade tão frívola. A justificativa do custo de um funcionário específico
para isso devia estar em que, enquanto a maior parte do país continuava
atolada na Depressão, o patrão do homem do charuto estava ganhando
muito dinheiro. Ele compreendeu imediatamente. A Bolsa deve despejar rios,
fontes, cascatas, infindáveis torrentes de dinheiro, suficientes para alguém
dispor-se a empregar uma pessoa incumbida da incrivelmente supérflua
tarefa de enrolar charutos.
Nesse dia, Warren teve uma visão de seu futuro, e a conservou quando
retornou a Omaha. Mesmo enquanto se dedicava aos passatempos de um
garoto comum, jogando basquetebol e pingue-pongue, e colecionando
moedas e selos, cultivou uma paixão pelo futuro que previa para si, já então
claramente visível. Ele queria dinheiro.
"Isso poderia me tornar independente. Então, poderia fazer o que quisesse
com minha vida. E a coisa que eu mais queria era trabalhar por conta
própria. Não queria que outras pessoas me comandassem. A idéia de fazer
todo dia o que eu mesmo quisesse era importante para mim."
Uma ferramenta que o ajudaria logo caiu em suas mãos. Um dia, na
biblioteca Benson, um livro despertou sua atenção. A capa prateada brilhava
como uma pilha de moedas, sugerindo o valor de seu conteúdo. Cativado
pelo título, Warren o abriu - e ficou imediatamente possuído. O título era
"One Thousand Ways to Make $1,000" (Mil maneiras de ganhar US$ 1.000).
Em outras palavras, um milhão de dólares. Dentro, uma foto mostrava um
homenzinho fitando uma enorme pilha de moedas.
"A oportunidade bate à porta", dizia a primeira página do texto. "Nunca na
história dos Estados Unidos houve, como hoje, momento tão favorável para
um homem com um capital modesto iniciar seu próprio negócio". Que
mensagem! "Todos nós já ouvimos falar muito sobre oportunidades em anos
passados. Ora, as oportunidades de ontem nada são em comparação com as
oportunidades que hoje aguardam o homem corajoso e habilidoso! Há
fortunas a serem ganhas, que tornarão pequenas as dos Astors e
Rockefellers." Essas palavras assomaram como doces visões de um paraíso
aos olhos de Warren Buffett. Ele passou a virar as páginas mais
rapidamente.
"Mas você só poderá ter sucesso depois de começar", advertia o livro. "A
maneira de começar a ganhar dinheiro é começar. Centenas de milhares de
pessoas neste país que gostariam de ganhar muito dinheiro não estão
conseguindo por que estão esperando que isso ou aquilo venha a acontecer."
"Comece!", mandava o livro, e explicava como. Repleto de conselhos e
idéias de negócios práticos e sobre como ganhar dinheiro, "One Thousand
Ways to Make $1,000" começava com "a história do dinheiro" e fora escrito
num estilo direto e amistoso, como alguém sentado numa varanda
conversando com um amigo. Algumas das idéias para negócios eram
limitadas - comercializar leite de cabra e operar um hospital para bonecas.
Outras eram mais interessantes. A idéia que cativou Warren tratava de
balanças que funcionavam com moedas. Se tivesse uma máquina de pesar,
ele se pesaria 50 vezes por dia. Estava certo de que outras pessoas
pagariam para também fazê-lo.
"O esquema da máquina de pesar era de fácil compreensão. Eu tinha de
comprar uma e usar os lucros para comprar mais máquinas. Em pouco
tempo, teria 20 delas, e todo mundo se pesaria 50 vezes por dia, considerei.
É aqui que está o dinheiro. E em constante acumulação. O que poderia ser
melhor?"
Esse conceito - de lucratividade acumulada - pareceu a Buffet sumamente
importante. O livro dizia que ele poderia ganhar mil dólares. Se ele
recomeçasse a partir de mil dólares e acumulasse 10% ao ano, dizia o livro,
"em cinco anos US$ 1 mil seriam transformados em US$ 1,6 mil, e em dez
anos... quase US$ 2,6 mil; em 25 anos... mais de US$ 10,8 mil". A maneira
como os números explodiam ao crescer a uma taxa constante ao longo do
tempo significava que uma pequena soma poderia transformar-se numa
fortuna. Warren visualizava os números acumulados tão vividamente como
uma bola de neve crescia quando ele a rolava no gramado. E começou a
pensar sobre o tempo de uma maneira diferente. O crescimento acumulado
amarrava o presente ao futuro. Se um dólar hoje iria valer US$ 10 alguns
anos à frente, então, em sua mente, os dois eram a mesma coisa.
Sentado na varanda de seu amigo Stu Erickson, Warren anunciou que seria
um milionário quando tivesse 35 anos. Essa era uma afirmação audaciosa,
quase tola, na boca de uma criança no mundo deprimido de 1941. Mas seus
cálculos - e o livro - diziam que era possível. Ele tinha 25 anos pela frente, e
precisava de mais dinheiro, mas tinha certeza de que seria capaz. Quanto
mais dinheiro acumulasse no início, mais tempo o dinheiro teria para se
acumular, e melhores seriam suas chances de alcançar sua meta.
Um ano mais tarde, na primavera de 1942, Buffet havia entesourado US$
120. Cooptando sua irmã Doris como sócia, adquiriu três ações da Cities
Service Preferred para cada um, que lhe custaram US$ 114,75. "Eu não
sabia que essas ações estavam muito bem quando as comprei", diz. Ele
sabia apenas que era uma ação favorita que seu pai vendia há anos a seus
clientes.
O mercado sofreu uma queda em junho, e a Cities Service Preferred baixou
de US$ 38,25 para US$ 27 por ação. Doris, diz ele, "lembrava-o" a cada dia,
a caminho da escola, que sua ação estava caindo. Warren diz que se sentiu
terrivelmente responsável. Quando a ação finalmente teve uma recuperação,
ele a vendeu a US$ 40, com um lucro de US$ 5 para si e para a irmã. "Foi
quando percebi que ele sabia o que estava fazendo", recorda Doris. Mas a
Cities Service rapidamente disparou para US$ 202 por ação. Warren
aprendeu três lições e passou a considerar o episódio como um dos mais
importantes de sua vida. Uma lição foi não se fixar em quanto havia pago
por uma ação. A segunda foi não correr intempestivamente para obter um
pequeno lucro. Ele aprendeu essas duas lições pensando nos US$ 492 que
teria ganho caso tivesse sido mais paciente. Tinham sido necessários cinco
anos de trabalho, desde a idade de seis anos, para poupar os US$ 120 e
comprar essa ação. Baseado em quanto então ganhava vendendo bolas de
golfe ou pipoca e amendoim em bailes, deu-se conta de que poderia levar
anos para recuperar o lucro que havia "perdido". Nunca esqueceria esse
erro.
E houve um terceira lição, sobre investir dinheiro de outras pessoas. Se
cometesse um erro, alguém poderia ficar zangado com ele. Por isso, Warren
passou a não querer assumir responsabilidade pelo dinheiro de outras
pessoas, a menos que tivesse certeza de que poderia ser bem-sucedido.
Em janeiro de 1943, após a eleição de seu pai, Howard, para uma cadeira de
deputado republicano pelo Estado de Nebraska, os Buffetts mudaram-se
para a Virgínia. Warren, com 12 anos, teve de mudar de escola.
Desenraizado e infeliz, suas notas escolares caíram e seu comportamento
rapidamente se deteriorou.
"Havia várias coisas que eu estava fazendo em Omaha. Eu tinha um belo
nicho, lá. Quando nos mudamos para Washington, a mesa de pingue-pongue
desapareceu. E os escoteiros. Eu estava envolvido com muitas coisas, mas
todas sumiram quando nos mudamos. Por isso, fiquei zangado. Mas não
sabia exatamente como focar minha ira. Eu apenas sabia que estava me
divertindo muito menos do que antes de meu pai ser eleito."
Más notas foram o menos ruim dos problemas de Warren no ginásio. Os pais
não sabiam, mas seu filho tinha abraçado uma vida de crime. "Eu era antisocial durante a oitava e nona séries, depois que mudamos para lá. Passei a
me relacionar com más companhias e fiz coisas que não deveria. Eu estava
simplesmente me rebelando. Eu estava insatisfeito."
Ele começou com inocentes travessuras estudantis. "Eu adorava a gráfica.
Durante as aulas, lá, eu costumava calcular freqüências de letras e de
números. Isso era algo que eu conseguia fazer sozinho. Sabia compor um
texto, todo esse tipo de coisas. Eu gostava de imprimir todo tipo de coisas.
Compus um cabeçalho de correspondência para a American Temperance
Union, associação antialcoólica presidida pelo reverendo A. W. Paul. Nesses
papéis timbrados, escrevi cartas para pessoas dizendo que durante anos eu
explicara por todo o país sobre os males da bebida, e que nessas viagens eu
era sempre acompanhado por Harold, meu jovem aprendiz. Harold era um
exemplo do que a bebida podia fazer aos homens. Ele ficava lá no palco com
um copo de bebida, a fala toda enrolada, incapaz de compreender o que se
passava em torno dele, patético. Então eu escrevi que, infelizmente, o
jovem Harold tinha morrido na semana anterior, e que um amigo comum
tinha sugerido que você (o destinatário) poderia substituir Harold."
As pessoas com quem Warren se sentia mais à vontade incentivavam seus
impulsos anti-sociais. Ele e seus novos amigos, Don Danly e Charlie Tron,
começaram a freqüentar a nova loja da Sears. Próxima à praça Near Tenley
Circle, na interseção das avenidas Nebraska e Wisconsin, a loja era uma
notável e surpreendente intervenção de design moderno no meio de
Tenleytown, o segundo mais antigo bairro em Washington. Letras de metal
da altura de um homem anunciavam "Sears" vários andares acima da
calçada. Na cobertura, por trás do letreiro, havia, oculta, uma novidade, um
estacionamento a céu aberto que se tornara popular entre a garotada
ginasiana, que lá ia estacionar e namorar. A loja tinha se transformado no
ponto de encontro de todos os estudantes mais jovens. Warren e seus
amigos pegavam o ônibus H2 para ir até lá na hora do almoço ou aos
sábados.
A maior parte da garotada gostava da pequena e escurinha lanchonete que a
Sears tinha instalado no sub-solo, com sua hipnótica esteira transportadora
que despejava rosquinhas o dia inteiro. Mas Warren, Don e Charlie preferiam
a Woolworth's, do outro lado da rua, embora um posto policial ficasse na
esquina oposta. A Woolworth's ficava na esquina diagonalmente oposta à
Sears. Eles podiam almoçar e ficar de olho, com más intenções, através da
janela. Depois de comerem seus hambúrgueres, os garotos caminhavam
escada abaixo até o nível inferior da Sears, passando ao largo do balcão da
lanchonete e indo diretamente à seção de artigos esportivos.
"A gente roubava cegamente. Roubávamos coisas para as quais não
tínhamos uso. Roubávamos sacos e tacos de golfe. Eu saía do andar onde
ficavam os artigos esportivos, e subia as escadas até a rua carregando um
saco de golfe com tacos, e os tacos eram roubados - e o saco também. Eu
roubei centenas de bolas de golfe." Eles chamavam isso de "pescaria".
"Não sei como não éramos apanhados. Não poderíamos parecer inocentes.
Um adolescente fazendo algo de errado não tem um aspecto inocente. Eu
pegava as bolas de golfe e enchia sacos cor de laranja no meu guardaroupa. Tão rápido quanto a Sears as punha à venda, eu ia "pescando" as tais
bolas. Eu não tinha uso para elas, na realidade. Eu não as estava vendendo.
É difícil pensar numa razão pela qual eu fazia essa multiplicação de bolas de
golfe no armário, onde o saco alaranjado crescia sem parar. Eu deveria ter
diversificado meus roubos. Em vez disso, inventei uma história maluca para
meus pais - e sabia que eles não acreditavam em mim -, mas dizia a eles
que eu tinha um amigo cujo pai tinha morrido. E ele não parava de
encontrar mais e mais dessas bolas de golfe que seu pai tinha comprado.
Quem sabe o que meus pais falavam a respeito, entre eles?"
Os Buffetts estavam aborrecidos. Warren era seu filho cheio de qualidades,
mas no fim de 1944 ele tinha se convertido em péssimo aluno. "Minhas
notas eram a quantificação de minha infelicidade. Em matemática, C. Em
inglês, C, D e D. E X em autoconfiança, iniciativa e cortesia. Quanto menos
eu interagia com professores, melhor era. Eles me puseram numa sala por
algum tempo, e enfiavam minhas lições por baixo da porta, assim como se
eu fosse um Hannibal Lecter".
Quando veio o dia da formatura e os alunos foram orientados a comparecer
de terno e gravata, Warren recusou-se. Isso, para o diretor Bertie Backus,
foi a gota d'água. "Eles não me diplomaram com toda a classe, por que eu
era indisciplinado e não usava as roupas adequadas. Foi grave. Foi
desagradável. Eu estava realmente me rebelando. Alguns dos professores
previam que eu seria um fracasso desastroso. Bati o recorde de anotações
por mau comportamento. "Mas meu pai nunca desistiu de mim. Minha mãe
também não. Nenhum dos dois. É ótimo ter pais que acreditam em você."
Na primavera de 1945, quando Warren estava iniciando o curso ginasial, a
paciência dos Buffetts também se esgotara. Nessa altura dos
acontecimentos, já não era grande mistério como motivar Warren. Howard
ameaçou suprimir a fonte de seu dinheiro, as entregas de jornais que ele
começara a fazer em Washington e que rapidamente ampliaram sua
poupança. "Meu pai, que sempre me apoiou, disse: 'Sei do que você é
capaz. E não estou pedindo um desempenho 100%, mas você pode
continuar se comportando dessa maneira ou pode fazer alguma coisa em
relação ao seu potencial. Se não fizer isso, vai ter de desistir da entrega de
jornais.' Aquilo me atingiu. Meu pai era uma pessoa contida, e apenas
deixava entrever que estava desapontado comigo. Isso me matou,
provavelmente bem mais do que se me dissesse que eu não poderia mais
fazer isso ou aquilo."
Na primavera de 1950, Warren estava perto de terminar a faculdade. Após
três anos de estudo, só precisava freqüentar algumas aulas de um curso de
verão para se diplomar. E então ele tomou uma decisão que reverteu
inteiramente sua trajetória. Depois do ginasial, sentira-se plenamente
qualificado para atingir sua meta de tornar-se um milionário aos 35 anos
sem avançar em sua escolaridade. Mas, agora que estava perto de diplomarse, o ponto em que a maioria das pessoas não querem mais saber de
estudar e estão prontas a enfrentar o mercado de trabalho, Warren
preparou-se para pôr o trabalho de lado. Tinha decidido que sua ambição
era cursar a Harvard Business School. Durante sua história educacional
inteira, ele tinha exibido escasso interesse em escolaridade formal - em
contraposição a aprendizagem - e considerava-se em grande medida autodidata. Harvard, porém, poderia oferecer a ele duas coisas importantes:
prestígio e uma rede de contatos futuros. Recentemente, tinha visto o pai
ser tirado do Congresso e sua carreira como corretor de valores ser
liqüidada, em parte por que tendia a se isolar, sacrificando relacionamentos
em nome de ideais rígidos. Assim, não foi de surpreender que Warren
escolhesse Harvard.
Ele tinha tanta certeza de que Harvard o escolheria, que já estava exortando
seu amigo "Big Jerry" Orans a ir "comigo para Harvard". Além disso, estava
certo de que sequer teria de tirar dinheiro do bolso para pagar o curso.
"Um dia, li uma pequena nota no "Daily Nebraskan": 'A bolsa de estudos
patrocinada pelo fundo criado por John E. Miller será concedida hoje.
Candidatos devem ir à sala 300 do edifício da Business Administration.' A
bolsa era de US$ 500 e cobriria um curso superior da escolha do candidato.
Fui a única pessoa a comparecer. Os três professores lá continuaram
esperando (que mais alguém aparecesse). Eu disse, então: 'Não, não. São
três da tarde.' Ganhei a bolsa sem fazer nada."
Enriquecido com essa pepita descoberta no jornal da faculdade, Warren
acordou no meio da noite e pegou o trem para Chicago, onde aconteceria
sua entrevista em Harvard. Tinha 19 anos. Era, portanto, mais jovem do que
um aluno graduado médio, e ainda mais jovem do que o aluno médio numa
escola de administração e negócios. Suas notas eram boas, mas não
espetaculares. Embora fosse filho de um congressista, Warren não estava se
valendo de contatos para tentar entrar em Harvard. Como Howard Buffett
não coçava as costas de ninguém, ninguém coçava as costas dele - nem de
seu filho.
Warren estava confiando em seu conhecimento sobre o funcionamento da
Bolsa para causar boa impressão na entrevista. Até então, sua experiência
era de que sempre que ele começava a falar sobre ações as pessoas só
faziam escutá-lo. Seus pais e professores, os amigos de seus pais e seus
colegas estudantes - todo mundo queria ouvi-lo falar sobre esse assunto.
Mas ele não tinha compreendido que, em Harvard, o objetivo era formar
líderes. Quando chegou em Chicago e se apresentou, o entrevistador logo
percebeu - observando sua confiança limitada a um só assunto -, sua
insegurança, seu frágil conteúdo mais interior.
"Eu parecia ter 16 anos e, emocionalmente, tinha uns 9. Passei dez minutos
com um graduado por Harvard que estava conduzindo a entrevista. Ele
avaliou minhas capacidades e me rejeitou." Warren não teve a oportunidade
de exibir seu conhecimento sobre ações. O entrevistador disse,
delicadamente, que ele teria uma chance melhor dentro de alguns anos.
Warren era ingênuo. Não compreendeu o que isso realmente significava.
Quando chegou a carta de Harvard recusando sua admissão, ficou chocado.
Seu primeiro pensamento foi: "O que vou dizer a meu pai?"
Howard poderia ser desajeitado e inflexível, mas não era exigente com os
filhos. O sonho de Harvard era de Warren, não de seu pai. Howard estava
acostumado com fracassos. A questão real deveria ter sido: "O que vou dizer
à minha mãe?" Essas conversas aconteceram, mas a lembrança delas se
esvaiu. Apesar disso, Warren mais tarde viria a considerar sua rejeição por
Harvard como o episódio crucial de sua vida.
Quase imediatamente, ele começou a buscar outras escolas. Enquanto
folheava o catálogo de Columbia, certo dia encontrou dois nomes que lhe
eram familiares: Benjamin Graham e David Dodd. "Eram grandes nomes
para mim. Eu tinha acabado de ler o livro de Graham, mas não tinha idéia
de que ele estava lecionando em Columbia".
O livro de Graham era "The Intelligent Investor", publicado em 1949. Esse
livro de "conselhos práticos" para todo tipo de investidor - do cauteloso (ou
"defensivo") ao especulativo (ou "empreendedor") - rompeu as convenções
de Wall Street. Ali se explicava pela primeira vez - de uma forma que as
pessoas comuns pudessem compreender - que o mercado acionário não
funciona como magia negra. Usando exemplos de ações reais, como as da
Northern Pacific Railway e da American-Hawaiian Steamship Company,
Graham ilustrava uma abordagem racional, matemática, à avaliação de
ações. Investir, dizia ele, deveria ser uma prática sistemática.
Warren apaixonou-se pelo livro. Durante anos, ele tinha ido à biblioteca para
checar cada livro disponível sobre ações e investimentos. Muitos tratavam
de sistemas de escolha de ações baseados em modelos e padrões. Warren
queria um "sistema", algo que funcionasse confiavelmente. Ficara fascinado
com padrões numéricos - a análise técnica.
"Li todos esses livros repetidas vezes. O que provavelmente produziu a
maior influência sobre mim foi o de Garfield Drew, que escreveu um
importante livro sobre negócios com número de ações menor do que o
"pacote" usual de 100 ações ("odd lot stock trading"). E o reli umas três
vezes. Li Edwards e McGee, que é a bíblia da análise técnica. Ia à biblioteca
e devorava esses livros." Mas quando Warren descobriu "The Intelligent
Investor", leu e releu seguidamente. "Foi quase como se ele tivesse
encontrado um deus", disse Truman Wood, com quem Warren morava.
Segundo o catálogo que Warren havia encontrado, a pessoa que se tornara
seu autor favorito, Ben Graham, era professor de finanças na Universidade
Columbia. E David Dodd estava lá, também. Dodd era vice-reitor da
Graduate School of Business, e diretor do Departamento de Finanças.
Em 1934, Graham e Dodd haviam escrito a quatro mãos um texto seminal
sobre investimentos, "Security Analysis", do qual "The Intelligent Investor"
era a versão para leigos. Matricular-se em Columbia implicaria que ele
poderia estudar em Nova York com Graham e Dodd. E, como salientava o
catálogo de Columbia, "nenhuma outra cidade no mundo oferece tantas
oportunidades para uma pessoa familiarizar-se em primeira mão com a
administração real de negócios. Aqui, um estudante pode ter contato pessoal
com líderes destacados no mundo dos negócios, muitos dos quais oferecem
generosamente seu tempo para tomar parte em seminários e conferências.
Empresas acolhem com satisfação grupos de alunos como visitantes". Nem
Harvard poderia oferecer isso.
Warren decidiu que tinha que ir para Columbia. Mas já era quase tarde
demais. "Escrevi a eles em agosto, cerca de um mês antes do início dos
cursos, bem mais tarde do que era esperado. Não recordo o que escrevi.
Provavelmente, disse que tinha encontrado um catálogo na Universidade de
Omaha, e ele dizia que o senhor e Ben Graham lecionavam lá, e então
pensei: vocês estão lá, no Olimpo, sorrindo, benevolentes, diante de nós,
mortais, cá embaixo. Se puder ser admitido, adoraria. Tenho certeza de que
não foi um pedido muito convencional."
Mas num pedido apresentado por escrito, por mais não convencional que
fosse, Warren pôde modelar a impressão que causaria de maneira mais
bem-sucedida do que se estivesse numa entrevista pessoal. O pedido
terminou caindo na mesa de David Dodd, que, como vice-reitor, era o
encarregado das admissões. Em 1950, após ter lecionado em Columbia
durante 27 anos, Dodd tinha se tornado sócio-júnior do famoso Benjamin
Graham.
Homem magro, frágil e quase calvo que cuidava de uma esposa deficiente
em casa, Dodd era filho de um ministro presbiteriano e oito anos mais velho
do que o pai de Warren. Embora Dodd possa ter sido tocado de alguma
forma pela natueza pessoal do pedido de matrícula, era também verdade
que em Columbia ele e Graham estavam mais interessados na aptidão de
seus alunos para os negócios e investimentos do que em sua maturidade
emocional. Graham e Dodd não estavam tentando criar líderes. Eles
ensinavam um ofício especializado. Qualquer que tenha sido a razão, após o
encerramento do prazo e sem uma entrevista, Warren foi aceito em
Columbia.
Fonte: Valor Econômico
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Uma vida de fortuna