CASO BAR BODEGA
 Introdução
 Repercussão
 Cobertura da Imprensa - Dados e Falhas
 Ética da Imprensa na Cobertura do caso
 Conclusão
INTRODUÇÃO – O CRIME
 Madrugada de 10 de agosto de 1996;
 Cinco homens rendem os funcionários
da choperia Bar Bodega e anunciam o
assalto;
 O dentista José Renato Tahan , 26 anos,
entra sem saber o que estava acontecendo
e leva um tiro a queima-roupa;
 A estudante de odontologia Adriana
Ciola, 23 anos,foi atingida no momento em
que os assaltantes fugiram;
INTRODUÇÃO – VÍTIMAS ABASTADAS

Estatísticas
 Adriana (ao lado) e José Renato foram
apenas dois dos 46 homicídios
registrados em São Paulo naquele final
de semana.
- O que os torna mais
relevantes do que os
outros 44?
INTRODUÇÃO – LOCAL DO CRIME
 Pertencia a três atores famosos: Luiz Gustavo e os irmãos Tato e Cássio
Gabus Mendes;
 Localizado em Moema, região nobre, o Bar Bodega era frequentado pela
elite;
 Foi fechado após o crime;
Cássio Gabus Mendes
Tato Gabus Mendes
Luis Gustavo
INTRODUÇÃO – POLÍCIA ÁGIL?
 Poucos dias depois, Policiais do
15º Distrito Policial do Itaim,
comandados pelo delegado João
Lopes Filho, prendem nove pessoas
e as apresentam como responsáveis
pelo assalto;
INTRODUÇÃO – ALGO ESTÁ ERRADO
 15 dias depois do assalto ao bar, cinco
suspeitos são indiciados pela polícia após
confessarem o crime;
 Durante reconstituição, um dos rapazes se
recusou a participar - pois garantia que não
esteve no local delito – e foi impedido de
fazer sua defesa junto aos repórteres;
 O perito criminal Francisco La Regina,
responsável pela reconstituição, percebeu
que as peças não se encaixavam;
INTRODUÇÃO - DE RÉUS A VÍTIMAS
 Sete dos nove presos são libertados
dois meses depois do crime por
insuficiência de provas - os outros dois
tinham antecedentes criminais;
 Jaílson: ''É uma experiência terrível,
que não quero para ninguém. Quem
inventou a cadeia não passou 10
minutos lá dentro. É cruel demais'' ;
 Ficam presos Cléverson Almeida de
Sá - processado pelo roubo de um carro
- e Marcelo Nunes Fernandes - tinha
pena por roubo a cumprir;
 Os acusados relatam que
confessaram o crime sob tortura da
polícia civil;
INTRODUÇÃO – DE RÉUS A VÍTIMAS
 Devido às inconsistências na apuração do
caso, o promotor de justiça Eduardo Araújo da
Silva começa a investigar os depoimentos dos
cinco que foram acusados;
 Fatos relevantes:
 A prisão, a princípio, de nove suspeitos - a
versão correta registrava cinco autores do crime;
 As testemunhas – que estavam no bar na
madrugada do crime - não reconheceram os
indiciados;
 Os parentes dos presos denunciaram que os
policiais haviam torturado os garotos para obter a
confissão do crime;
INTRODUÇÃO – JUSTIÇA COMEÇA A
SER FEITA
 Uma semana depois da soltura, os
quatro verdadeiros criminosos foram
localizados e presos – o último continuava
foragido;
 Eles foram capturados pelo
Departamento de Homicídios e Proteção à
Pessoa (DHPP) com os objetos roubados
dos clientes;
 Presos:
 Sandro Márcio Olímpio – o ''Gaguinho'‘;
 Silvanildo Oliveira da Silva, o ''Nildinho'',
 Zeli Salete Vasco, a ''Gaúcha'‘;
 Sebastião Alves Vital, o ''Basto'‘;
 Foragido
Francisco Ferreira de Souza, o ''Chuim''
INTRODUÇÃO – BAR BODEGA TEM, NA
VERDADE, 16 CULPADOS
 Confirma-se, tempos depois, tortura
e constrangimento ilegal dos suspeitos
durante as investigações;
 Eles sofreram com palmatórias,
espancamentos, choques elétricos,
violência sexual, entre outros (sofridos
no 37º DP e no 15º DP);
 O promotor público, José Carlos
Gobbis Pagliuca, denuncia 11 policiais
civis;
 Os principais: os delegados João
Lopes Filho, José Eduardo Jorge e
Antonino Primanti – que trabalhavam
no 15º Distrito;
INTRODUÇÃO – CONTEXTO IGNORADO
 Na denúncia, Pagliuca disse: "O crime aconteceu em plena época da
campanha eleitoral à Prefeitura de São Paulo, o que não deixou de ser
explorado pelos adversários do candidato apoiado pelo governo do Estado,
que também foi criticado por inoperância ao combate à criminalidade";
 Outras citações do promotor em relação à apresentação dos primeiros
suspeitos presos:
 “como animais em exposição”
 "num espetáculo de degradação humana";
 "Os policiais estavam unidos pelo propósito da promoção pessoal, funcional
e outros não devidamente esclarecidos.".
 Em março de 1997, o juiz José Ernesto de Mattos Lourenço condenaria
quatro dos seis novos réus.
REPERCUSSÃO
 1996 era ano de eleições;
 Familiares de Adriana Ciola criam o movimento Reage São Paulo com apoio
de artistas e instituições;
 Promovem passeatas, manifestações no Ibirapuera e protestos em frente ao
Palácio dos Bandeirantes;
 Reage SP fez reivindicações: o aumento no efetivo da Polícia Militar e a
mudança no código penal para a redução da idade para responsabilidade
criminal;
 A classe média exigia punição;
 O caso estampou as primeiras páginas dos jornais – manchete Folha de S.
Paulo de 27 de agosto de 1996: “C. diz ter atirado por não saber usar arma” –
referindo ao menor Cleverson;
 A imprensa era movida pelo sentimento de justiça;
 Os nove detidos tiveram suas identidades reveladas pela mídia, exigindo,
inclusive, frequentes alternâncias de nomes;
REPERCUSSÃO
 A imprensa se pautava apenas pelas informações da polícia e continuava
dando voz à elite, que exigia a punição de alguém e poderia ser qualquer
pessoa;
 Os erros aconteceram em cadeia: pressão da opinião pública e do
governo - polícia prende inocentes - a mídia se pauta apenas pela polícia e
infla ainda mais o sentimento de justiça da opinião pública;
 A mídia questionou a atitude do Ministério Público em libertar os
suspeitos;
 Na época, o ministro de Segurança Pública, José Afonso da Silva,
absteve-se de qualquer responsabilidade pelo equívoco da polícia e afirmou
desconhecer os detalhes das investigações;
 A imprensa foi discreta quando os verdadeiros culpados, todos brancos,
foram condenados.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 Durante a cobertura do caso do Bar
Bodega, a imprensa se pautou
exclusivamente pelas informações da
polícia e não se preocupou em
estabelecer fontes com o outro lado,
como funcionários do bar que não
identificaram os envolvidos e parentes
dos acusados que denunciavam as
torturas.
COBERTURA DA IMPRENSA –
DADOS E FALHAS
 O caso Bar Bodega foi assunto de diversas
capas de jornais e programas de televisão, desde
o princípio.
 Uma das principais emissoras da TV, a Rede
Globo, no programa Jornal Nacional, mistura o
episódio com diversos acontecimentos violentos.
Além disso, apresenta a cidade de São Paulo
como uma das mais violentas do país.

Cidade Alerta, na Rede Record e, Aqui Agora, no SBT, só falavam do
assunto. Entrevistavam as famílias das vítimas, que pediam pena de morte
aos acusados, e conversavam com pessoas comuns, que se diziam
apavoradas. Além disso, abriam espaço para os policiais, os quais foram
fontes exclusivas de todas as informações.
COBERTURA DA IMPRENSA –
DADOS E FALHAS
Bárbara Gancia
 Na época, a colunista escreveu que os
assaltantes do Bar Bodega eram animais que
matavam por esporte.
“São veneno sem antídoto, nenhum presídio
recuperaria répteis dessa natureza. A vontade de
qualquer pessoa normal é enfiar o cano do revolver
na boca dessa subraça e mandar ver”.
Os Supostos Acusados...
...foram obrigados a dar uma
entrevista. Nela, não poderiam dizer
aquilo que os policiais não quisessem
ouvir.
 A coletiva ainda não havia
terminado, porém os repórteres
entravam ao vivo para fornecer os
programas da tarde. Quase todos
diziam a mesma coisa: “os assassinos
mostraram frieza”. Os apresentadores
clamavam por pena de morte.
 As fotos de primeira página eram
enormes, mostravam os assassinos do
Bar Bodega perfilados. Apenas
Cléverson de costas.
“Assassinos de jovens do Bar Bodega são presos”
“Presos assassinos do Bar Bodega”
“Presos suspeitos do Bar Bodega”
“Chega de Violência”
Cléverson e o Diário

Cléverson cedeu uma entrevista ao Diário Popular. Nela, o então acusado é
descrito como alguém frio, porque só pensava em vingança pelo assassinato da mãe. A
matéria começa assim: “Triste, carrancudo, cheio de ódio e amargura. Assim é
Cléverson, que executou o dentista no dia do assalto ao Bodega”.

Outros veículos, como a Folha de S. Paulo, dizia que o “acusado já havia
matado aos treze”. O Estado de S. Paulo diz que “assassino do Bar Bodega matou
pela segunda vez”. A idade de Cléverson reacende a pressão pela redução da
maioridade penal. A imprensa capitaneia.
Política

Os moradores do bairro de Moema fizeram campanha para que a população
mandasse telegramas para o governador Mário Covas dizendo: “Ou põe a polícia nas
ruas ou perde nosso voto”.

Naquele ano, a campanha para prefeito de São Paulo estava prestes a
começar. Celso Pitta, apadrinhado de Paulo Maluf estava surpreendendo nas pesquisas
com um discurso baseado no pânico e que São Paulo estava tomada por bandidos sem
medo de polícia.
As manchetes dos
jornais ganhavam um tom que
começava a gerar clima de
pânico na sociedade paulista.
(13/08/1996)
Numa hora, um. Na outra, outro!

Começava então uma bola de neve. A princípio, Cléverson era o suspeito dos
homicídios. Mas conforme os dias passavam, novos acusados apareciam. A mídia se
perdia cada vez mais. Manchetes sensacionalistas e linchamento público deram o tom
para esse caso.

A imprensa divulgou fotos dos acusados baseada nas palavras do delegado
João Lopes Filho. Não apurou os fatos. A sociedade pressionou. A polícia, pressionada,
inventou acusados e a mídia acreditou na primeira versão, sem aprofundar as
investigações.
Fim do caso?

O crime estava esclarecido. Nas
páginas dos jornais e na televisão tudo
apontava para a confissão dos acusados que
teriam sido reconhecidos por testemunhas. Fim
de caso.
Ney Gonçalves, frente ao Cidade Alerta na Rede
Record, comemorou ao saber da prisão do “líder do bando”.
“Tá vendo? Quando a sociedade faz pressão, todo mundo
foi lá, criou-se até o movimento Reage São Paulo, que foi a
gota d’água”
A cada semana fazia matérias longas sobre
o temor dos moradores, relatando os últimos crimes
que ocorreram na cidade.
Reage São Paulo
Movimento organizado pelos pais da estudante morta no Bar Bodega,
Adriana Ciola. Não se teve mais notícias desse movimento após a sentença que
inocentou os suspeitos iniciais do crime.
Naquela situação, o movimento Reage São Paulo fazia barulho e
ocupava intensamente a mídia. O principal intuito do movimento era pedir à
população que fosse às ruas protestar contra o governo do estado.
A tia de Adriana chegou a dizer que “o governador Mário Covas é uma
miragem. Está sempre onde não deveria e não se preocupa com a falta de
segurança”.
Adriana Ciola
Um erro de IMPRENSA
Chegou à imprensa um método novo do
sistema
inédito
de
reconhecimento
por
porcentagens: os supostos acusados eram
reconhecidos com 20, 30, 60, 70 e 80% de certeza,
nenhum com 100%.
O processo tinha virado uma bagunça,
mas a imprensa não tinha a menor ideia do que se
passava. Nem interesse em saber.
O Promotor

Ao contrário da imprensa, que se
desinteressou da possibilidade de tortura, o
promotor fez a avaliação final do caso. Nela,
ele descreveu as confissões de Cléverson.
Um relatório de 35 páginas, dirigido ao
Departamento de Inquérito e Polícia Judiciária
do Estado de São Paulo.

Depois de relatar em detalhes a noite
do crime, o promotor foi direto às revelações
que a imprensa nunca se preocupou em
investigar. Segue um trecho:
“Apesar das diligências realizadas
pela Autoridade Policial, não foi possível
apurar a participação dos indiciados no crime;
pelo contrário, os elementos de provas
coligidos autorizam a conclusão de que outros
foram os autores da grave infração penal”.
O promotor listou uma série de inconsistências, todas ignoradas pela
imprensa. A seguir, duas das inconsistências:
 9 pessoas foram presas, porém, 5 haviam entrado no Bar. Ao todo, 13 pessoas
foram autuadas pelo crime.
 Nenhuma arma utilizada no crime foi encontrada em posse dos acusados. Nem
mesmo encontrada.
No final, o promotor pede a libertação dos presos por insuficiência de provas e
que fosse aberta uma investigação sobre a conduta dos policiais acusados de tortura.
Ele, o promotor, virou alvo de ira e revolta da sociedade.
A Libertação
Após serem libertados, nas entrevistas, os sete acusados fizeram uma
denúncia publicamente: “o delegado assistente e outros policiais batiam e o delegado
titular, João Lopes, dava as ordens”. Um deles disse que “o delegado não gostava de
preto”.
As imagens dos setes libertados foram destaque nos telejornais do dia e
jornais do dia seguinte. Os sete comemorando, de mãos dadas, com os braços
levantados. A cena foi avaliada desafiadora, ofensiva.
Com a palavra, eles!
Ney Gonçalves: “A polícia tem que ficar de olho nesses que
saíram, porque eles não são flor que se cheire”.
O promotor Eduardo: “Há indícios de tortura, espancamentos,
choques em partes íntimas. E, por isso, eles confessaram...
Confessaram à imprensa porque foram coagidos, com ameaças e
torturas”.
Carlos Ciola, pai de Adriana: “Esse promotor colocou bandidos
culpados na rua e que dificilmente serão recapturados. E o caso do
Bodega, esse senhor estragou. Graças à ação desse senhor, o caso
Bodega provavelmente ficará impune”.
Jornal Nacional: “Estão em liberdade sete dos nove acusados de
assaltar e matar duas pessoas no Bar Bodega em São Paulo”.
“Cidade ficou mais órfã. Polícia e MP disputam os holofotes”.
“Soltos sete suspeitos de homicídio”. O jornal nem cita a acusação
de tortura nos seus títulos. A matéria diz que os sete acusados
deixaram o 69º DP posando como vencedores para os fotógrafos.
“Caso Bodega gera crise com polícia paulista”. A matéria diz que a
Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo,
lançou nota rechaçando o “controle da Polícia pelo MP”. O objetivo
era desmoralizar a investigação policial.
“Torturar para negar”? O delegado João Lopes Filho nega qualquer
tipo de tortura. Segundo ele, “tortura é para obrigar a confessar. E
seis não confessaram”.
Hebe Camargo
O assunto continuou “quente” por alguns dias, não a denúncia de tortura
somente a reação à libertação dos acusados. Nos jornais, nos telejornais, nos
programas femininos da tarde, da noite, como o da Hebe.
Antes da sentença, que deu absolvição aos acusados, Hebe Camargo disse:
“Não podemos nos calar, ou então não poderemos mais sair de casa”.
Mesmo depois da notícia da prisão dos verdadeiros culpados, a apresentadora
não falou absolutamente nada a respeito das acusações que fez aos “supostos
suspeitos”, nem ao menos um pedido de desculpa.
Eis que...
As rádios anunciaram, os programas da tarde na televisão repetiram, “presos
novos acusados do caso Bodega”. Os jornais do dia seguinte contaram os detalhes com
maior distanciamento possível. As notícias relataram que, desta vez, a polícia dizia ter
provas, além das confissões.
Foram presos: Sandro Márcio, o Gaguinho; Silvanildo de Oliveira, o Nildinho;
Francisco Ferreira de Souza, o Chuim; Sebastião Alves Vital, o Basto; e uma mulher,
Zeli Salete Vasco, apontada como a motorista que ficou esperando o grupo no carro.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 Durante a cobertura do caso do Bar
Bodega, a imprensa se pautou
exclusivamente pelas informações da
polícia e não se preocupou em
estabelecer fontes com o outro lado,
como funcionários do bar que não
identificaram os envolvidos e parentes
dos acusados que denunciavam as
torturas.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 A versão da polícia era única, mesmo quando se tratava dos
reconhecimentos. Os delegados envolvidos no caso afirmavam que
os acusados foram reconhecidos, sem dúvida alguma, pelos
funcionários e clientes do Bodega. E assim era reproduzido na
imprensa.
Porém, a mídia não reproduzia que dois clientes do bar que
testemunharam disseram não reconhecer nenhum dos acusados, o
que já deveria levantar suspeitas na cobertura do caso.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 A imprensa publicava informações contraditórias dia após dia e
não se preocupava em checar se o conteúdo publicado era
verdadeiro ou falso e, assim, feriu o código de ética.
 Segundo o Artigo 14 do Código de Ética, o jornalista deve:
a) Ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas,
objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não
suficientemente demonstradas ou verificadas;
b) Tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas
informações que divulgar.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 Em todas as matérias eram divulgados
os nomes e as fotos dos acusados.
Nenhuma apontava para os possíveis
erros na apuração dos fatos.
 Quando o Promotor Eduardo Araújo da
Silva pediu a libertação dos presos por
insuficiência de provas e solicitou a
abertura de uma investigação sobre a
conduta dos policiais, a imprensa criticou
duramente a atitude. O promotor virou
alvo de ira e revolta.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 De acordo com o livro Bar Bodega – Um Crime de Imprensa, escrito pelo
jornalista Carlos Dorneles, os telejornais da tarde alertavam para o perigo da
decisão do promotor de justiça.
 O autor transcreve uma reportagem com o promotor. Ele diz: “Há indícios
de tortura, espancamentos, choques em partes íntimas. E, por isso, eles
confessaram...”. A repórter intervém: “ Mas, diante das câmeras, quase toda
a imprensa conseguiu falar com eles e eles confessaram”. O promotor
responde: “ Eles alegaram que confessaram para a imprensa porque foram
coagidos com ameaças de mais tortura.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 Depois dessa afirmação, entra uma
frase de Cléverson, principal acusado,
dizendo: “ Eu matei eles mesmo” .
 Em uma entrevista para o Jornal
Gente, comandado por José Paulo de
Andrade, na Rádio Bandeirantes, o
promotor Eduardo Araújo foi
bombardeado com perguntas
tendenciosas e acusativas.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 A entrevista começa com as seguintes perguntas:
“ O senhor acha que cumpriu sua missão como promotor público?
O senhor acha que defendeu a sociedade colocando em liberdade
esses suspeitos”?
 E continua com um tom cada vez mais acusativo, coagindo a
promotoria do caso. Depois disso, o promotor nunca mais se
atreveu a dar um nova entrevista.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
A Reviravolta
 Quando os verdadeiros assaltantes do Bodega foram presos, a imprensa
ficou emudecida. O caso desapareceria rapidamente das manchetes.
 “A prisão dos verdadeiros culpados era um atestado revelador demais do
tipo de comportamento que a imprensa adota em situações como essa,
quando os acusados são pobres, sem assistência jurídica, sem nenhuma
possibilidade de defesa”.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
 Nas matérias publicadas, não havia nenhum comentário sobre o fato de
que os acusados anteriores eram mulatos, e não brancos como os
verdadeiros assaltantes. Nada foi dito sobre a idade deles, já que os
verdadeiros eram bem mais velhos, um tinha 31 anos e o outro 41,
enquanto os primeiros acusados eram muitos mais jovens. Os mais velhos
tinham 24 anos.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
A Ação Desvairada
 Na sentença de condenação dos verdadeiros criminosos, o juiz Ernesto de
Mattos Lourenço dedicou parte do documento à imprensa:
Seria a imprensa também a provocadora da ação desvairada que vitimou
jovens inocentes que injustamente foram presos, sem qualquer
interferência?
A resposta é sim.
Há muito tempo a imprensa afastou-se da função de noticiar o fato e
assumiu ares de julgadora, na ânsia desesperada de noticiar escândalos e
explorar a miséria humana, sem se dar conta dos seus limites.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
Passaram a acusar, julgar e penalizar com execração pública. Os holofotes
das câmaras funcionam como luzes da ribalta. A vaidade descontrolada
provoca o esquecimento dos valores. A dignidade do ser humano passou a
ter importância mínima ou nenhuma. A imagem das pessoas é a matériaprima da diversão.
O final da sentença apontou para a elite:
O crime que ceifou duas vidas prematuramente de jovens filhos da classe
média num dos bairros mais finos da cidade provocou até mesmo o
nascimento de um movimento que se intitulou ‘Reage São Paulo’. Essa
face hipócrita da sociedade, sem embargo da necessidade de reação
contra a inoperância do Estado diante da violência crescente e
assustadora.
ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA
DO CASO
Essa mesma sociedade, todavia, jamais reagiu quando os filhos de
famílias miseráveis, nos confins da periferia regional e social, foram e
continuam sendo assassinados. São Paulo Reage diante da morte de
filhos ilustres, mas não se emociona diante da mortes dos filhos
desprovidos de capacidade econômica, que não podem frequentar
casa noturnas de Moema.
A conclusão é dolorosa: matar filho de rico em bairro de classe média
alta ou abastada dá notícia, repercute, revolta a sociedade, que reage.
O mesmo fato, quando atinge o marginalizado da economia, não
desperta nenhuma reação.
DEZ ANOS DEPOIS...
 Como já era de se esperar, nenhum dos acusados, os quais foram
injustamente expostos na mídia como assassinos de jovens de classe
média, conseguiu retomar a vida com dignidade. Em todos os lugares por
onde passavam eram conhecidos como os envolvidos no caso Bodega.
 Os traumas por causa das torturas também foram inevitáveis.
 Cléverson foi assassinado uma semana antes de completar 20 anos, por
causa de uma rixa de grupos. A morte dele nunca foi investigada.
 Os verdadeiros autores do assalto ao Bar Bodega foram condenados a
penas que variaram de 23 a 48 anos.
 Nunca mais se ouviu falar do movimento Reage São Paulo. Ele começou e
acabou junto com o caso Bodega.
DEZ ANOS DEPOIS...
 Os policiais acusados de tortura continuaram suas carreiras normalmente.
 Nenhum médico do IML foi punido.
 Só Valmir da Silva e Valmir Vieira Martins entraram na Justiça contra o
Estado. Entre vitórias e derrotas nas várias instâncias, adiamentos e
esquecimentos dos processos em alguma prateleira da Justiças até hoje
eles não receberam nada.
 Nenhum veículo da imprensa foi processado.
Se há uma fantasia maior,
Uma mentira mais poderosa,
Um mito mais vulgar,
É o de que a imprensa só
retrata.
Carlos Dorneles
Por Camila Silveira, Felipe Ferreira e Leila Aleixo
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ÉTICA DA IMPRENSA NA COBERTURA DO CASO