O LÚDICO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO: PROPOSIÇÃO DE
ESTRATÉGIAS EM UMA TURMA DE 1º ANO
AREND, Carline Schröder - UFSM
[email protected]
SILVA, Valmir da - UFSM
[email protected]
Eixo Temático: Práticas e Estágios nas Licenciaturas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho resultou do trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de
Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria, o mesmo volta-se a
reflexão acerca das implicações que as atividades lúdicas e o brincar propostos em sala de
aula exercem no processo de aquisição da leitura e da escrita. A relevância desta investigação
reside na possibilidade de fomentar as discussões referentes a importância do brincar para o
desenvolvimento infantil, tendo em vista a progressiva diminuição que se tem evidenciado
nas instituições de ensino com relação aos espaços do brincar em decorrência da antecipação
do ensino da leitura e da escrita. Logo, como forma de debrucar-me sobre tais questões
desenvolvi esta pesquisa a partir de uma abordagem qualitativa e participativa, utilizando
como instrumentos investigativos observações em uma turma de 1º ano de uma escola pública
do Sistema Estadual da cidade de Santa Maria e, posteriormente, a proposição de estratégias
lúdicas voltadas a favorecer o processo de aquisição da leitura e da escrita inicial. Para tanto,
partimos dos estudos de Vygotski (1994), Ferreiro (2001), Mello (2005) e Bolzan (2007)
entre outros, os quais propõem que o processo inicial de aquisição da linguagem escrita
necessita ser realizado através de atividades que envolvam a interação entre os pares,
ambiente propício para o desenvolvimento e confronto das hipóteses infantis acerca da
linguagem escrita, sendo a escrita encarada como um objeto lingüístico e cultural a ser
compreendido de forma lúdica e prazerosa. A partir dos estudos realizados é possível afirmar
que tais atitudes frente ao ensino, possuem grande validade no âmbito escolar, pois
contribuem significativamente, de forma a estimular a criança a aprendizagem da linguagem
escrita.
Palavras-chave: Lúdico; Alfabetização; Aprendizagem;
A escrita como objeto cultural
A escrita, dia-após-dia, está mais presente na vida do homem, seja na mídia que
bombardeia diariamente, nos outdoors, jornais, revistas, folhetos de propaganda, entre vários
outros meios de comunicação. Contudo, ainda existem inúmeras pessoas que não possuem o
domínio da escrita, e tantas outras que conhecem as letras, porém se solicitadas para ler
4584
determinado texto, apenas identificarão as letras, mas ao serem questionadas a respeito do que
se trata, não saberão responder, pois não compreendem o que está escrito nas entrelinhas, não
percebem as letras como uma representação de idéias, e sim, como um sistema de codificação.
Ler e escrever, não é simplesmente emaranhar palavras, e sim, expressar idéias,
conceitos, tornar isso uma forma de linguagem, é fazer do individuo ser conhecedor do
mundo, podendo este participar de sua construção, a fim de transformar o atual com olhos
para o novo e promissor.
Há uma grande diferença entre indivíduos que dominam e compreendem o mundo
letrado e os que não o conseguem. Acredito, que esse é um assunto que deve ser questionado
e repensado, pois o meio social exige cada vez mais dos indivíduos que possuam uma maior
escolaridade e excelência comprovada.
Atualmente percebe-se certa precocidade no ensino da língua escrita. Da criança,
espera-se que aprenda a ler e a escrever o quanto antes, pois segundo o que pensam
professores e pais, quanto mais conteúdos a criança aprender melhor será seu
desenvolvimento intelectual e a possibilidade de ascender na escola e na vida (Mello, 2005).
Com essa pressa, acaba-se esquecendo, que elas são crianças e adoram brincar, e isto é
deixado completamente de lado. Como afirma Mello: “(...) estamos contaminando, por assim
dizer, a educação infantil com as tarefas do ensino fundamental (...)”(Mello, 2005, p.24). As
pessoas não percebem que para um bom desenvolvimento intelectual e ascensão escolar é
necessário que a criança viva a sua infância, por isso, possibilitar que ela brinque, pule,
imagine, sonhe, crie, é essencial.
Nestas condições imaginamos uma criança dia após dia sentada em uma classe
aprendendo que b com a é igual a ba, o quanto isso é enfadonho para uma criança com toda a
energia, tendo que ficar quieta sentada em uma classe, em forma de aluno ideal, disciplinado,
aquele que não questiona, que apenas reproduz o que o professor dita. Esse é o aluno que a
escola não-crítica deseja, esquecendo-se que por trás desse, está a criança cheia de energia,
como afirma Wajskop:
Reprimida na forma de aluno, do qual se espera obediência, silêncio, passividade,
submissão a regras e rotinas – muitas das quais sem objetivos claros -, encontra-se a
criança, curiosa, ativa, ansiosa por novas experiências e pelas oportunidades de
interagir com outras crianças e com o ambiente. (WAJSKOP G. 1995, p.11)
4585
Não é esse tipo de aluno que a escola necessita, ela deverá buscar capacidade em seus
educandos, capacidade de retórica, de critica e de reflexão. Ora, na modernidade a criança
deixa de ser criança muito cedo, ela não faz o que gostaria de fazer, que é brincar e sim o que
os pais querem e o que a escola possibilita. Então, deixá-la brincar é possibilitar-lhe que solte
o imaginário, que brinque de faz de conta, sinta prazer, se expresse, tanto corporal e verbal
quanto artisticamente. Atividades estas, que segundo Mello (2005, p.24) “são essenciais para
a formação da identidade, da inteligência e da personalidade da criança, além de constituírem
as bases para a aquisição da escrita como um instrumento cultural complexo”.
Brincar, na maioria das vezes é visto como algo improdutivo, não se acredita que no
brincar é possível aprender. Brincar possibilita à criança vivenciar coisas que muitas vezes
não lhe é possível. Permite que ela crie formas de expressão, hipóteses a respeito da vida,
socialização entre várias crianças e compartilhamento de experiências vividas.
Segundo Vygotski (1994) para compreender a passagem de um estágio do
desenvolvimento da criança para outro, somente é perceptível através das brincadeiras que ela
realiza, uma vez que o brincar emerge de uma necessidade infantil.
[...]aquilo que é de grande interesse para um bebê deixa de interessar uma criança
um pouco maior. A maturação das necessidades é um tópico predominante nessa
discussão, pois é impossível ignorar que a criança satisfaz certas necessidades no
brinquedo [...] (Idem, p.122).
Portanto, o brinquedo é de extrema importância para o desenvolvimento do aluno,
pois, além de ser uma necessidade para a criança, se utilizar desse brincar para vivenciar
diversas situações, por exemplo, de socialização, apropriação de valores e costumes,
vivenciando situações não somente de prazer, mas também conflituosas.
Como afirma o mesmo autor:
Definir o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança é incorreto por duas
razões. Primeiro, muitas atividades dão à criança experiências de prazer muito mais
intensas do que o brinquedo, como, por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a
criança não se sacie. E, segundo, existem jogos nos quais a própria atividade não é
agradável, como, por exemplo, predominantemente no fim da idade pré-escolar,
jogos que só dão prazer à criança se ela considera o resultado
interessante.[...](VIGOTSKI, 1994, p. 121).
4586
Dessa forma, o brinquedo, mesmo que não possibilite uma sensação prazerosa, ele
possibilita a criança a reflexão e enfrentamento de muitas situações conflituosas que emergem
do ambiente sociocultural no qual está inserido.
O brincar no processo de aquisição da leitura e da escrita
O processo de alfabetização envolve não somente o ser humano, aqui no caso a
criança, mas o meio social em que está inserido. Dessa forma, considerando-o um ser social
ativo, já traz consigo um conhecimento prévio, conhecimento este que diz respeito à realidade
em que vive, pessoas com quem convive, etc. A interação do ser humano (criança) com o
meio social, tanto família, bairro ou escola, possibilita que crie hipóteses, conceitos, tenha
seus pontos de vista e tire suas próprias conclusões, como afirma Ferreiro:
[...]A criança que cresce em um meio “letrado” está exposta à influência de uma
série de ações. E quando dizemos ações, neste contexto, queremos dizer interações.
Através das interações adulto-adulto, adulto-criança e crianças entre si, criam-se as
condições para a inteligilidade dos símbolos. A experiência com leitores de textos
informa sobre a possibilidade de interpretação dos mesmos, sobre as exigências
desta interpretação e sobre as ações pertinentes, convencionalmente estabelecidas
[...]. A criança se vê continuamente envolvida, como agente e observador, no mundo
“letrado”. Os adultos lhe dão a possibilidade de agir como se fosse leitor – ou
escritor -, oferecendo múltiplas oportunidades para sua realização (livros de
histórias, periódicos, papel e lápis, tintas, etc.). O fato de poder comportar-se como
leitor antes de sê-lo, faz com que se aprenda precocemente o essencial das práticas
sociais ligadas à escrita. (FERREIRO, 2001, p. 59-60).
Portanto, a criança ao crescer em volta de adultos letrados que fazem uso
cotidianamente de uma diversidade de materiais escritos, tem sua curiosidade aguçada a
respeito deste objeto de conhecimento, e assim, da mesma forma como acontece com a
linguagem falada, a criança sente a necessidade de conhecer este objeto cultural do qual os
adultos tanto se utilizam.
Nesse processo de descoberta a criança obtém informações das mais diversas formas
como, por exemplo, quando a mãe recebe uma correspondência de uma pessoa, quando esta
presencia um ato de leitura, a escrita de um bilhete, a consulta de uma lista telefônica, todos
esses elementos vão sendo reunidos pela criança, viabilizando a elaboração de hipóteses
acerca deste mundo ainda desconhecido para ela, o do ler e do escrever.
4587
Entretanto, muitas vezes, esta criança ao chegar à escola, não tem esses conhecimentos
reconhecidos como válidos, passando então a ser analisada tendo como parâmetro uma série
de pré-requisitos, tais como as habilidades motoras, perceptíveis e visuais.
Com relação a estes aspectos Bolzan(2007) argumenta:
Os pré-requisitos não podem ser entendidos como habilidades que a criança deve ter
desenvolvido para ingressar em certo nível na escola. Precisam ser entendidos, sim,
como aquelas hipóteses, conceitos, relações, que a criança já construiu antes de
ingressar em uma instituição formal de ensino. (BOLZAN, 2007, p.25).
Nessa perspectiva, as hipóteses infantis necessitam ser consideradas pelo professor,
pois este conhecimento que a criança já traz consigo, somado ao conhecimento que o
professor traz na sala de aula, possibilitará que a criança confronte os conhecimentos e tire
suas conclusões. Desta forma, ela estará construindo seu conhecimento.
Ferreiro e Teberosky (1987) ao debruçarem-se sobre o processo de construção da
linguagem escrita pela criança apontam para a existência de três grandes períodos. Segundo
estas autoras inicialmente, a criança supõe que a escrita é uma outra forma de desenhar as
coisas, sendo assim, o primeiro período caracteriza-se pela busca de diferenciação entre o que
é desenho e o que não é. Nessa etapa a criança descobre que a escrita não é um desenho, pois
quando se desenha as formas do grafismo assemelham-se as formas dos objetos e ao escrever
isto não ocorre.
O segundo período é caracterizado pela construção do modo de diferenciação entre o
encadeamento de letras, no qual a criança passa a dar-se conta das características formais da
escrita e constrói então duas hipóteses que vão acompanhá-la durante o processo de
alfabetização. Primeiro é preciso um número de letras, entre 2 e 4, para que esteja escrita
alguma coisa; de que é preciso um mínimo de variedade de caracteres para que uma série de
letras “sirva para ler”. Normalmente, nesse período, utilizam principalmente as letras de seu
nome, com o cuidado de não repetir as letras (Ferreiro e Teberosky, 1987).
O terceiro período é o que corresponde a fonetização da escrita, o qual começa pela
apresentação da hipótese silábica, passando pela hipótese silábico-alfabético, culminando na
hipótese ou nível alfabético. Nesse período a criança descobre que a escrita representa a fala.
Esta descoberta leva-a a formular uma hipótese ao mesmo tempo falsa e necessária, é a
4588
hipótese silábica, ou seja, a criança passa a atribuir a cada letra o som de uma sílaba (Ferreiro
e Teberosky, 1987).
Essa hipótese gera inúmeros conflitos cognitivos, tanto com as informações que a
criança recebe do mundo, como com as hipóteses de quantidade e variedade de caracteres,
construídas pela própria criança. A dificuldade de abandonar a construção precedente e de
substituí-la por outra é representada por um período intermediário, denominado hipótese
silábico-alfabética.
A etapa final da evolução é o acesso aos princípios do sistema alfabético, no qual a
criança consegue compreender como se opera esse sistema, entendendo quais são suas regras
de produção.
Partindo do pressuposto que a alfabetização é um processo contínuo, que se dá
mediante a possibilidade de interagir com a escrita em todas as suas possibilidades, é
importante que as crianças vivenciem atividades que possibilitem a elas espaços para a
reflexão sobre o que a escrita representa e como ela pode ser representada, ou seja, que
possibilite a elaboração e o confronto das hipóteses infantis acerca da linguagem escrita, pois
é assim que estas aprenderão (Ferreiro e Teberosky, 1987).
Portanto, mudar a metodologia para a apropriação da leitura e da escrita é essencial,
pois, não podemos continuar com uma simples repetição e memorização de letras. Construir
um conhecimento a respeito da escrita implica a compreensão sobre a organização deste
sistema de representação.
Segundo Ferreiro:
A escrita pode ser concebida de duas formas muito diferentes e conforme o modo de
considerá-las as conseqüências pedagógicas mudam drasticamente. A escrita pode
ser considerada como uma forma de representação da linguagem ou como um
código de transcrição gráfica das unidades sonoras. (...) Se a escrita é concebida
como um código de transcrição, sua aprendizagem é concebida como a aquisição de
uma técnica; se a escrita é concebida como um sistema de representação, sua
aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou
seja, em uma aprendizagem conceitual. (FERREIRO, 2001, p.10 e 16).
É importante perceber que aprender a ler e escrever é um processo longo e complexo.
Ferreiro (2001) postula que a língua escrita refere-se a uma linguagem em outro nível, uma
vez que as unidades da escrita não estão pré-determinadas pela fala, mas devem ser
redefinidas, uma vez que este objeto de conhecimento é um fenômeno lingüístico e cultural.
4589
Nesta mesma direção, indicam os estudos de Vygotski (apud POWACZUK, 2008,
p.59) que dominar a escrita significa dominar um sistema simbólico extremamente complexo,
pois um aspecto deste sistema é que ele constitui-se em um simbolismo de segunda ordem
que, gradualmente torna-se um simbolismo direto, ou seja, a linguagem escrita é constituída
por um sistema de signos que designam os sons e a linguagem falada, os quais, por sua vez,
são signos das relações e entidades reais. Entretanto para que a aquisição da linguagem escrita
seja efetiva é necessário que o elo intermediário – representado pela linguagem oral –
desapareça gradualmente e a escrita transforme-se em um sistema de signos que simbolizem
diretamente os objetos e as situações designadas. Só assim, o indivíduo será capaz de ler
idéias e não palavras compostas de sílabas, num texto. Da mesma forma, ao escrever,
registrará idéias e não apenas grafará palavras (MELLO, 2005).
Assim, a aprendizagem da linguagem escrita implica a compreensão do que
caracteriza uma representação, visto que a escrita refere-se a uma atividade simbólica, e tal
como outras atividades desta natureza, envolve a representação de uma coisa por outra, a
utilização de signos auxiliares para representar significados (Vygotski, 1994).
Essa representação é perceptível nas brincadeiras das crianças. Segundo Mello:
No faz-de-conta, a ausência de alguns objetos necessários à brincadeira é
compensado por objetos que passam a representar os ausentes e, aos poucos, se
convertem em signos que representam os objetos ausentes (...) é o gesto que atribui a
função de signo ao objeto e, ao longo do exercício do faz-de-conta, graças ao uso
prolongado desse o novo significado transfere-se ao objeto e este passa a representar
o novo objeto para a criança, independente do gesto. (Ibidem, p. 27-28).
Dessa forma, é possível dizer que as brincadeiras são fundamentais à apropriação da
leitura e da escrita, uma vez que possibilita a criança a reflexão sobre as diferentes
possibilidades de representação e expressão de idéias.
Segundo Vygotski (1994), quando a criança deseja vivenciar determinada situação ou
brincar com um brinquedo que não é possível naquele momento, ela se utiliza do gesto
representacional, quando pega outro objeto, que para ela possui alguma semelhança com o
objeto a ser representado e passa a imaginar o brinquedo ou situação. Ela envolve-se em um
mundo ilusório e imaginativo para satisfazer essa vontade.
No processo de imaginação, as crianças ao brincar respeitam algumas regras que esse
processo requer. Por exemplo, as regras de comportamento, quando uma criança brinca
4590
imitando sua mãe, segue uma forma comportamental que para ela seria o comportamento de
uma mãe. Já os jogos com regras pré-estabelecidas, requerem uma situação imaginária, pois,
ao jogar, insere-se no mundo ilusório daquele jogo, é como se a pessoa que está jogando, com
um tabuleiro, por exemplo, estivesse dentro do jogo, a peça do jogo é o jogador (Vygotski,
1994).
E com o processo de aquisição da leitura e da escrita, de certa forma, deveria ocorrer
algo semelhante. Pois a escrita como sistema de representação, ao possibilitar a criança que
imagine, crie, estruture hipóteses, que irão, aos poucos, fazendo com que ela compreenda
esses sistemas complexos que são a leitura e a escrita. Portanto é de fundamental importância
que a criança aprenda através de brincadeiras, jogos.
Sendo assim, possibilitar à criança que brinque, se expresse, crie, imagine, é
fundamental para que elas tenham acesso a uma aprendizagem mais prazerosa, eficaz e de
acordo com as necessidades que possue, aumentando, dessa forma, a auto-estima, o bomhumor e o prazer pelo ato educativo, o que acarretará em diminuição dos índices de evasão e
repetência escolar.
A pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa, de cunho participativo,
utilizando como procedimentos, observações em uma turma de alfabetização de uma escola
do Sistema Estadual de ensino da cidade de Santa Maria, e posteriormente a proposição de
estratégias para uma alfabetização amparada nos pressupostos teóricos e metodológicos de
Vygotski (1994), Ferreiro (2001) e Mello (2005) entre outros, os quais propõem que o
processo inicial de aquisição da linguagem escrita deve ser realizada através de atividades que
envolvam a interação entre os pares, ambiente propício para o desenvolvimento de hipóteses,
onde a escrita é encarada como uma linguagem em outro nível, se tratando de um objeto
lingüístico e cultural a ser compreendido de forma lúdica e prazerosa.
Com o objetivo de enfatizar a importância da pesquisa para a educação, ou seja, que o
professor torne-se pesquisador, refletindo sobre sua prática pedagógica, para então, tornar o
aluno, seu objeto de pesquisa, em parceiro de trabalho, questionando-o e instigando-o a
pesquisar. Porém, para que o pesquisador possa questionar, faz-se necessário questionar a si
primeiro, para assim, construir e reconstruir seus conceitos, conhecimentos e reflexões
(DEMO, 2000). Assim, dando à pesquisa o caráter qualitativo e reflexivo.
A partir dessas reflexões partiu-se para a proposição das estratégias. Com a intenção
de conhecer os alunos com os quais o trabalho se desenvolveria, conhecer seus gostos, suas
4591
preferências e, principalmente, suas concepções acerca da escrita, iniciou-se o trabalho
explorando o nome de cada uma das crianças a partir da confecção de um álbum de figurinhas
com as imagens das crianças e um jogo da memória.
Assim, foram recolhidas fotos 3x4 de cada um dos alunos, estas fotos foram
escaneadas e impressas para cada um deles. Cada aluno recebeu as fotos dos colegas e o
álbum, esse possuía um espaço para colar a foto e logo abaixo o nome de qual criança deveria
ser a foto. Alguns receberam duas fotos de uma mesma pessoa, outros não receberam
nenhuma foto de determinado colega. Então foi necessário o deslocamento e a interação entre
os demais colegas para saber quem possuía duas figurinhas repetidas e pudesse trocar. Os
nomes foram escritos em ordem alfabética, para que os alunos ao interagirem com o nome dos
colegas percebessem que há uma ordem a ser seguida.
O jogo da memória foi confeccionado também com fotos dos alunos, uma cartela era a
foto e a outra era o nome do colega, dessa forma, conhecendo o nome do colega.
Essas duas atividades tiveram sua importância no que concerne a criação de um
espaço para as crianças confrontarem suas hipóteses acerca do registro dos nomes dos demais
colegas, e permitir que elas percebam que as imagens são uma forma de expressão, mas que
essas imagens também podem ser representadas pela escrita.
Assim como, a valorização do aluno como um ser possuidor de opinião, crítico e
criativo, um indivíduo provido de uma história e preferências. Nesse sentido, compartilho
com Mello (2005, p.38) da opinião de que a criança ao trazer sua história para a escola,
expressar suas opiniões, angústias e sentimentos e propor soluções à problemas vividos no
grupo, ela deixa de ser anônima a passa a ter uma identidade no grupo, pois ela passa a sentirse aceita, acolhida nesse ambiente, afastando também, o sentimento de exclusão que as
crianças podem desenvolver por não terem a possibilidade de se expressarem e esses são
aspectos fundamentais para que a aprendizagem tenha sucesso.
Outra atividade proposta, foi a leitura de livros de histórias infantis, cada criança
recebeu alguns livros para manusear e escolher o que desejassem ler, após todas as crianças
terem lidos seu livros, foi solicitada a leitura da história para as demais crianças. Todas
ouviam atentamente a história e quando o colega que estava contando a história não mostrava
as imagens do livro elas cobravam, “mostre as figuras”, “deixe-nos ver”.
Deixar a criança expressar o que pensa a respeito de determinado assunto é de
fundamental importância, pois abre-se espaço para a proposição das opiniões, emoções,
4592
sentimentos. Esse espaço deve ser possibilitado para a criança dentro da sala de aula, pois ela
se encontra em momentos de construção e desenvolvimento da personalidade e
individualidade.
O fato de as crianças necessitarem visualizar a imagem, se deve ao processo de
atribuição de significado pela criança na leitura, está estreitamente vinculada as imagens.
Então, para ela atribuir significado ao que ouviu é necessário a visualização. Portanto, quando
o educador realizar uma atividade - brincadeira com seus alunos, é necessário que ele leve
para suas aulas elementos com os quais as crianças podem interagir e após solicitar um
registro dessa interação, para que a aula possa significar algo para a criança. Esse registro
pode ser realizado em forma de desenho, pintura, expressão corporal, escultura, etc., é nesse
momento que o professor, como mediador, irá contribuir e conduzir para que a criança
compreenda a função social tanto da fala como da escrita. Nesta direção, posiciona-se Mello:
Só a criança que entende o objetivo do que lhe é proposto e que atua motivada por
esse objetivo é capaz de atribuir um sentido que a envolva na atividade. Os fazeres
propostos para as crianças na escola têm mais possibilidades de se estabelecer como
atividade quanto maior for a participação da criança na escola dando a conhecer suas
necessidades de conhecimento(...)A informação vai ser apropriada apenas se a
criança puder interpretá-la e expressá-la na forma de uma linguagem – que pode ser
a fala, um texto escrito, um desenho, uma maquete, uma escultura, um jogo de fazde-conta, uma dança – que torne objetiva essa sua compreensão. (MELLO, 2005,
p.32 e 33).
Nessa atividade, foi possível as crianças criarem seus personagens, realizarem
diferentes leituras das imagens, estimular a criatividade, a emoção com que as histórias eram
contadas. A sala transformou-se em um local de grande silêncio, todos prestavam muita
atenção as histórias, e no final davam suas opiniões, ou quando eram mostradas as imagens,
as crianças repetiam a fala do colega que contava a história. A sala de aula tomou ares de um
mundo encantado, onde a imaginação reinava com toda sua plenitude.
As diferentes formas de expressão possibilitadas nas atividades são fundamentais ao
processo de aprendizagem da leitura e da escrita, pois com tais atividades a aula torna-se mais
prazerosa, sendo possível mesclar o imaginário e o real.
A leitura das imagens, também como uma alfabetização visual, possibilita a criança a
criar situações que os personagens de suas histórias vivenciam, as quais podem ter situações
que elas já vivenciaram, ou que elas já conhecem do mundo no qual vivem, pois ela atribui
4593
um significado pessoal àquilo que ela já vivenciou, podendo trazer a tona nessas
interpretações.
Fazer do personagem uma representação de si, como se fosse a criança que estivesse
ali vivenciando aquela situação. A possibilidade de a criança expressar não somente o que
está vendo nas imagens, mas também o mundo que ela cria para esse personagem e a livre
expressão desse pensamento é o elemento culminante do processo inicial de aquisição da
linguagem escrita, pois ela está trazendo suas idéias referentes àquelas imagens.
Mello (2005) indica que atividades dessa categoria, são essenciais para a formação
das bases necessárias ao desenvolvimento das formas superiores de comunicação humana,
pois, dessa forma, lhes é dada a possibilidade de perceber a linguagem escrita considerando
sua função social, de expressar idéias, vivências, sentimentos e comunicar-se. Nesta direção, a
criança ingressa no processo de aquisição da linguagem escrita percebendo-a como uma
forma de expressão e conhecimento do mundo, ela percebe na escrita um sentido, o qual a
instiga a conhecer e desvendar esse sistema de representação.
Outra atividade proposta aos alunos foi uma história contada através de dedoches. Para
contar a história criou-se um local na sala onde era possível esconder-se. Contou-se a história
e após solicitou-se que realizassem um desenho sobre o que haviam entendido da mesma, já
indicando que ao terminarem seus desenhos, contariam para os colegas suas interpretações,
também no escoderijo, utillizando-se dos dedoches.
Segundo (Vygotski, 1994) estas são formas de expressão muito valiosas para o
desenvolvimento das crianças, tanto intelectual quanto pessoalmente, pois possibilita a elas
colocar-se no lugar do outro, assumindo comportamentos que não são seus por natureza, mas
sim do personagem que criaram e que agora representam. E através do brinquedo que a
criança passa a assimilar funções sociais e comportamentos das pessoas. Essas atitudes e
comportamentos formam as bases para a apropriação da leitura e da escrita.
Na perspectiva deste autor é o gesto praticado pela criança que atribui significado ao
objeto utilizado no jogo de faz de conta. Pelo uso prolongado do objeto representando, este
passa a assumir características do objeto representado, adquirindo, então, um novo
significado. É o que ocorre com os fantoches, a eles é inventado um personagem, que possui
determinadas características, mesmo que não possua as características do objeto original, a ele
é criada uma situação na qual assume o papel daquele personagem, e com esse vivenciar ele
passa a ser o objeto antes representado.
4594
Segundo Faria (2005) a criança se expressa sem usar palavras, sem a escrita, e a nós,
educadores, cabe a tarefa de potencializar as diferentes formas de expressão da criança, sendo
a escrita uma delas. Esta autora, partindo dos estudos vygotskianos enfatiza a importância de
explorar os desenhos, as brincadeiras de faz de conta, entre outras. Segundo a autora:
o desenho e o faz-de-conta são atividades essenciais para o desenvolvimento das
formas superiores de comunicação humana, e se desejamos que as crianças se
apropriem da escrita com uma forma de linguagem expressiva, é necessário que elas
se utilizem profundamente do faz-de-conta e do desenho livre, vividos ambos como
formas de expressão e de atribuição pessoal de significado àquilo que a criança vai
conhecendo no mundo da cultura e da natureza. (MELLO, 2005, p. 28-29).
É importante perceber que a criança ao desenhar, os traços assemelham-se aos traços
do objeto desenhado, já na escrita, isso não acontece. No desenho ela é capaz de elaborar
diversas formas de representação. Então, possibilitar que a criança desenhe bastante no
período em que se encontra na escola e possibilitar a ela o contato com livros de histórias,
reportagens de jornais, ler textos para eles é de fundamental importância, pois a partir disso, a
criança vai criando as suas hipóteses a respeito da leitura e da escrita, percebendo-a não como
um emaranhado de símbolos mas, como uma possibilidade de expressar sentimentos,
emoções, idéias, algo que informa, que permite a interação entre pessoas, etc.
Dessa forma, a partir das investigações e das estratégias realizadas é possível afirmar
que na escola, isso é possível através da brincadeira com as palavras, deixando a criança
escrever, desenhar, oferecer livros com ilustrações. Pedir que leia o livro para você é uma
forma gostosa de brincar com a imaginação. Mesmo que a leitura que ela faça não condiga
com o que realmente está escrito, não quer dizer que está errado, é apenas uma forma como
ela imagina que está escrito. E, o professor como mediador da aprendizagem, necessita ter a
consciência de que essa forma de interpretação precisa ser valorizada e estimulada mesmo que
não se aproxime do saber convencionado socialmente.
Nesse sentido, é de fundamental importância valorizar essa fase na qual a criança se
encontra e fazer uso dessa etapa, aceitar a criança e o momento que ela está vivenciando, é
uma das melhores formas para ensinar, visto que, no mundo dela, tudo é brincadeira e a
aprendizagem também deve ser entendida como uma brincadeira.
4595
Portanto, a mudança nas formas de compreender o processo de aquisição da leitura e
da escrita, e de suas metodologias, é de suma importância. Pois, a utilização de atividades que
envolvem a expressão, desenhos, brincadeiras, muitas vezes vistas como algo improdutivo
dentro da sala de aula, possuem grande relevância, pois possibilitam que a criança
compreenda a escrita como um instrumento cultural complexo, além de, contribuírem para a
formação da identidade, da inteligência e personalidade da criança.
REFERÊNCIAS
BOLZAN. D. P. V. Leitura e Escrita: ensaios sobre alfabetização. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2007.
DEMO, P. Educar pela Pesquisa. 4 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.
FARIA, A. L. G. Sons sem palavras e Grafismo sem letras: Linguagens, Leituras e
Pedagogia na Educação Infantil. In: FARIA, A.L.G., MELLO, S.A.O Mundo da Escrita na
Pequena Infância. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
FERREIRO, E. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A.Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1987.
MELLO, S. A. O Processo de Aquisição da Escrita na Educação Infantil: Contribuições
de Vygotski. In: FARIA, A. L.G., MELLO, S. A. Linguagens infantis: outras formas de
leitura. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
POWACZUK, A.C.H. Dissertação de mestrado. As Trajetórias Formativas e os
Movimentos Construtivos da Professoralidade Alfabetizadora. Santa Maria, 2008.
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
WAJSKOP. G. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1995.
Download

O LÚDICO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO