EDILSON MENDES
DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO
DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
2012
EDILSON MENDES
DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO
DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.
Dissertação apresentada para o curso de
Mestrado em Direito, da Universidade
Metodista de Piracicaba, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito, sob a orientação do
professor Dr. Rui Décio Martins.
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
2012
3
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE GENOCÍDIO E A ATUAÇÃO
DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.
Autor: Edilson Mendes
Orientador: Prof. Dr. Rui Décio Martins
Comissão Julgadora:
Prof. Dr. Rui Décio Martins
Prof. Dr. Jorge Luis Mialhe
Profa. Dra. Evelyn Priscila Santinon
Este exemplar corresponde à redação
final
da
Dissertação
de
Mestrado
defendida por Edilson Mendes e aprovada
pela Comissão Julgadora.
Data: _____________________________
Assinatura: ________________________
A Banca, após examinar o candidato, considerou-o __________________________,
com o conceito ______________.
Piracicaba, ______________________ de 2012.
4
DEDICATÓRIA
Certa feita os judeus indagaram a Jesus a respeito dos tributos que eram pagos aos
romanos e Jesus lhes perguntou sobre qual era a imagem que estava estampada na
moeda, obtendo com resposta que era César. Então respondeu Jesus ―...dai a César
o que é de César e a Deus o que é de Deus‖ (Evangelho de Mateus Cap. 22. vv-15
ao 21). Devemos honrar a quem a honra é devida.
Dedico esta pesquisa a todas aquelas pessoas que direta ou indiretamente têm
contribuído para alertar a humanidade sobre acontecimentos iguais aos genocídios
ocorridos, ressaltando que não podem, jamais, cair no esquecimento.
Ao meu orientador Professor Rui Décio Martins por ter, na qualidade de aluno
especial, ao assistir às suas aulas em meados de 2009, ajudado-me na escolha do
meu tema. Foram exatamente naqueles momentos de exposição de saber e
experiência que decidi escrever e pesquisar, ainda que timidamente, sobre os
acontecimentos que abarcam os Direitos Humanos, o Direito Internacional e os
Genocídios, e tentar, de alguma maneira, entender um pouco dessa complexidade
chamada ―ser humano‖.
Resumindo, dedico esta dissertação a duas categorias de pessoas: àquelas que
anunciam e denunciam o que acontece ao seu redor e no mundo e a todas aquelas
que foram, na história, vítimas do ódio, da intolerância e de toda sorte de barbárie.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois sem Ele, nada seria possível.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para que este trabalho
conseguisse atingir os objetivos propostos.
As dificuldades não foram poucas...
Os desafios foram muitos...
Os obstáculos, muitas vezes, pareciam intransponíveis.
Muitas vezes me sentia sozinho, mas isto nunca se concretizou...
O desânimo quis me contagiar, porém, a garra e a tenacidade foram mais fortes,
sobrepondo esse sentimento, fazendo-me seguir a caminhada, apesar da
sinuosidade do caminho.
Agora, ao olhar para trás, a sensação do dever cumprido se faz presente e posso
constatar que as noites de sono perdidas, a ansiedade em querer fazer e a angústia
de muitas vezes não o conseguir, não foram em vão.
Aqui estou, como sobrevivente de uma longa batalha, porém, muito mais forte e
hábil, com coragem suficiente para mudar a minha postura, apesar de todos os
percalços.
Aos meus pais Geraldo e Célia, à minha eterna e amada Nancy, companheira de
todas as horas e que me deu dois presentes preciosos: Bianca e Guilherme. A eles
o meu mais profundo e sincero OBRIGADO.
6
EPÍGRAFE
―Amanhã fico triste, amanhã.
Hoje não. Hoje fico alegre.
E todos os dias, por mais amargos que sejam,
Eu digo: Amanhã fico triste, hoje não‖.
Autor anônimo.
Poema, sem autoria, que teria sido encontrado na parede de um dos dormitórios de crianças no campo de extermínio nazista
de Auschwitz.
7
RESUMO
Com o grande aumento dos conflitos armados ocorridos nos séculos XIX e XX, o
homem objetivou diminuir a dor e a carnificina decorrentes das batalhas ao criar
normas que controlassem as atividades militares nas guerras. Após inúmeras
convenções e conferências, surge o Direito Internacional Humanitário, cujo escopo é
o de regulamentar os conflitos beligerantes ao coibir práticas e atos não ortodoxos
exercidos em tempo de guerra. Todavia, a simples existência de tais normas não
impedia a ocorrência de massacres, genocídios e sofrimento da população civil, que
se tornou a principal vítima dos combates armados. Por isto, houve no decorrer da
história, tribunais que julgaram os criminosos de guerra que infringiam as normas do
Direito Internacional Humanitário, como os Tribunais de Nuremberg, Tóquio, Ruanda
e da antiga Iugoslávia. Para que não se criassem diversos tribunais no decorrer das
guerras existentes, fora idealizado no ano de 1998 em Roma, um tribunal
permanente que fosse o responsável pelo julgamento dos criminosos de guerra.
Nasce o Tribunal Penal Internacional, instituído pelo Estatuto de Roma, que passa a
ser o órgão responsável pela aplicação de uma parte do Direito Internacional
Humanitário, prevista em seu estatuto constitutivo. Deve-se ressaltar, entretanto,
que para que o Tribunal Penal Internacional possua efetividade, é necessária a
cooperação dos Estados signatários do Estatuto de Roma, pois serão estes os
responsáveis pelo cumprimento das deliberações da Corte Penal Internacional.
Palavras-chave: Direito Internacional Humanitário. Tribunal Penal Internacional.
Cooperação.
8
ABSTRACT
With the large increase in armed conflicts that occurred in the nineteenth and
twentieth centuries, the man aimed to lessen the pain and bloodshed resulting from
the battles to create regulations that govern military activities in war. After numerous
conferences and conventions arises international humanitarian law, whose purpose
is to regulate the belligerents to halt conflicts and acts unorthodox practices
exercised in time of war. However, the mere existence of such rules did not prevent
the occurrence of massacres, genocide and suffering of the civilian population, which
became the main victim of armed combat. Therefore, there was throughout history,
the courts that judged war criminals who breach the rules of international
humanitarian law, as the Courts of Nuremberg, Tokyo, Rwanda and the former
Yugoslavia. Not to create various courts during the wars, was conceived in 1998 in
Rome, a permanent court which was responsible for trial of war criminals. Born
International Criminal Court, established by the Rome Statute, which is the body
responsible for and be a part of the application of international humanitarian law, as
provided in its charter of incorporation. However, it should be noted that for the
International Criminal Court has effectively requires the cooperation of States Parties
to the Rome Statute because they are responsible for compliance with the
resolutions of the International Criminal Court.
Keywords: international humanitarian law. International Criminal Court. Cooperation.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
1. DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO ............... 16
1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS ......................... 16
1.2. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E HUMANIZAÇÃO DO
DIREITO INTERNACIONAL ...................................................................................... 22
1.2.1.
DIFERENÇA
ENTRE
O
DIREITO
INTERNACIONAL
HUMANITÁRIO
(DIREITO DE GENEBRA), O JUS IN BELLO (DIREITO DE HAIA) E O DIREITO
INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ....................................................... 24
1.2.2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................. 29
1.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS ............................................ 36
2. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO .................................. 38
2.1. PRINCÍPIOS....................................................................................................... 38
2.2. O DIREITO DE HAIA, GENEBRA E NOVA IORQUE ......................................... 40
2.3. APLICABILIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO ................ 45
3 A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS NO DIREITO INTERNO ......................................................................... 54
3.1. DA APROVAÇÃO ............................................................................................. 54
4. POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INCORPORADOS PELO DIREITO
BRASILEIRO ............................................................................................................. 60
4.1. INCORPORAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
.................................................................................................................................. 61
4.2. TEORIAS............................................................................................................ 68
4.3. POSICIONAMENTO DOS TRATADOS ............................................................. 69
10
5. A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS ........................ 74
5.1. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA ............ 75
5.2. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA RUANDA .................................... 78
6. O ESTATUTO DE ROMA E A CONSOLIDAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL ..................................................................................................... 83
6.1. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ..... 85
6.2. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ............................. 87
6.3. O CRIME DE GENOCÍDIO................................................................................. 88
6.4. OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE ......................................................... 103
6.5. OS CRIMES DE GUERRA ............................................................................... 104
6.6. O CRIME DE AGRESSÃO ............................................................................... 105
6.7. JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ................................ 107
6.8. PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ................................. 109
6.9. PENAS APLICADAS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ................ 113
7. A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA APLICAÇÃO DO
DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO .......................................................... 116
7.1.
A
ATUAÇÃO
DOS
ESTADOS-PARTES
NO
TRIBUNAL
PENAL
INTERNACIONAL ................................................................................................... 118
8. ANÁLISE PRELIMINAR DOS CASOS QUE ESTÃO SOB A JURISDIÇÃO DO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL .................................................................... 123
8.1. OS CASOS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO ........................... 124
8.2. O CASO DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA ............................................. 126
8.3. O CASO DA REPÚBLICA DE UGANDA .......................................................... 127
8.4. OS CASOS DA REPÚBLICA DO SUDÃO ....................................................... 128
8.5. OS CASOS DA REPÚBLICA DO QUÊNIA..... ................................................. 130
11
8.6. OS CASOS DA LÍBIA ....................................................................................... 131
8.7. O CASO DA REPÚBLICA DA COSTA DO MARFIM ....................................... 132
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 137
SÍTIOS DA INTERNET PESQUISADOS ................................................................. 144
12
INTRODUÇÃO
Na atual conjuntura, observam-se frequentes violações aos direitos
humanitários em diversos conflitos armados, sendo estes na seara internacional ou
no âmbito interno de um Estado Nacional. Como exemplos mais recentes, pode-se
mencionar as atrocidades cometidas pelas milícias dentro do Sudão e a tortura de
prisioneiros iraquianos na guerra entre Estados Unidos da América e Iraque.
Neste contexto, existem mecanismos na esfera internacional que
possuem o propósito de atenuar as barbáries cometidas em conflitos e guerras.
Dentre estes mecanismos se destaca, no campo da ciência jurídica, o Direito
Internacional Humanitário, como ramo do Direito Internacional, que rege os direitos
dos cidadãos civis em tempos de guerra. Isto tudo ocorre dentro do aspecto
jurisdicional, com a existência do Tribunal Penal Internacional, órgão responsável
por julgar e punir os responsáveis pelas violações dessas leis humanitárias.
O Tribunal Penal Internacional possui jurisdição apenas sobre uma
pequena parte do todo que representa o Direito Internacional Humanitário (na
qualidade de ciência jurídica, é muito mais abrangente que um tribunal), sendo esta,
descrita no Art. 5º de seu Estatuto. Logo, o Tribunal Penal Internacional possui a
competência para julgar os crimes de genocídio e agressão, bem como os crimes
contra a humanidade e os de guerra.
Todavia, não há, ainda, conhecimento pleno de que maneira o
Tribunal Penal Internacional pode auxiliar na aplicação do Direito Internacional
Humanitário, considerando que entrou em funcionamento no ano de 2002. E,
também, ainda não há um interesse em divulgar amplamente este órgão, quer
devido à questão de soberania, quer devido a outros interesses por parte de
Estados, que não obstante o fato de serem considerados grandes potências
13
mundiais, se veem em situação difícil em assinar o Estatuto, sendo esse o exemplo
da China e Estados Unidos da América. Detentoras deste conhecimento, as pessoas
poderiam impedir ou diminuir as afrontas às leis humanitárias.
O tema a ser pesquisado é afeto à área de Direitos Humanos, numa
análise histórica e atual. Em nome de uma suposta superioridade de determinados
líderes, como exemplo, Adolf Hitler em relação ao Holocausto judeu. Cabendo
também destacar a situação dos países africanos, em especial o genocídio de 1994,
em Ruanda, entre a maioria hutus e a minoria tutsis. Em ambas ocorrem diversas
tentativas de aniquilação de determinadas raças e etnias.
Os tratados que versem sobre a dignidade da pessoa humana,
sejam em qual seara forem, devem prevalecer em relação a todos os demais
tratados, criando assim uma hierarquia entre eles, priorizando uns em relação a
outros.
Aborda-se também o Direito Internacional Humanitário que tem o
surgimento com os tratados internacionais, que versam sobre a situação dos
beligerantes nos conflitos armados, bem como a situação da população civil.
No Direito Internacional Humanitário, as normas protetivas eram
direcionadas aos civis, no período de conflito, também aos militares feridos e ainda
aos prisioneiros capturados.
A criação destas normas em 1864, na Convenção de Genebra
assinada em 22 de agosto daquele ano, com o intuito de melhorar a sorte dos
militares feridos nos exércitos em campanha, por iniciativa da Cruz Vermelha,
consolidou-se com as Convenções de Genebra de 1949.
A Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Repressão do
Crime de Genocídio de 1948, o define, no caput do Art. 2º como aquele cometido
14
com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupos nacionais, étnicos, culturais
ou religiosos1.
A Organização das Nações Unidas, através do Conselho de
Segurança, criou o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia e o Tribunal
Penal Internacional para Ruanda; o de Ruanda com sede em Arusha, na Tanzânia,
com competência para julgar os crimes de genocídio ocorridos naquele país entre a
maioria hutus, em desfavor da minoria tutsis e o da antiga Iugoslávia para julgar o
genocídio ocorrido naquele país, tendo como um dos principais autores daquele
acontecimento, o ex-presidente Slobodan Milosevic.
Todos os esforços culminaram na criação do Tribunal Penal
Internacional, de caráter permanente, com o objetivo de ser, reconhecidamente
pelos signatários do Estatuto de Roma, o foro competente para a punição dos
crimes de genocídio, de guerra, de agressão e contra a humanidade, iniciando uma
nova era no palco internacional.
A presente dissertação poderá servir para conscientização daqueles
que dela utilizarem, em relação à necessidade de se buscar, a cada dia, a
valorização da vida. Conscientização essa, pregada pelo general canadense Romeo
Dallaire, que comandou a tropa de paz da ONU, em um dos genocídios mais
sangrentos havidos da história, que foi o de Ruanda, quando proferiu as seguintes
palavras em palestras ocorridas em escolas canadenses: ―como o século XX foi
marcado pelo século dos genocídios, que seja o século XXI o século da
humanidade” 2.
1
Legislação de Direito Internacional, colaboração: Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos
Santos Windt e Lívia Céspedes. 3ª Ed, Editora Saraiva, 2010. Convenção para a Prevenção e a Repressão do
Crime de Genocídio.
2
Frase proferida pelo General em palestras realizadas no Canadá. Disponível na internet
http://www.romeodallaire.com/ http://malay-2008.blogspot.com/2011/06/um-novo-ruanda-hoje.html. Acesso em
21/11/2011.
15
A sociedade internacional passa por um processo de insegurança,
de incerteza e de impunidade, onde todos estão inseridos.
Não obstante a globalização que se insere a sociedade mundial,
onde são alcançados vários setores, como o econômico, o político, e o tecnológico,
o que se extrai é que toda essa inserção não foi e não tem sido suficiente para se
evitar as guerras étnicas e raciais. Somam-se a isso, ainda, a falta de
sustentabilidade ambiental, a fome, a pobreza, e os demais fatores presentes no
cotidiano.
Serão estudados aspectos do Direito Internacional Humanitário para
que seja possível entender e compreender do que se trata tal ramo do direito. Do
mesmo modo o Tribunal Penal Internacional também será analisado, demonstrando
a sua estrutura e funcionamento, para melhor compreensão da matéria.
Por fim, será realizada uma análise dos casos que estão em trâmite
no Tribunal Penal Internacional para que seja possível visualizar a sua atuação.
Desta forma, será possível compreender a importância de haver mecanismos no
cenário internacional que regulam a atuação das partes em um conflito armado, com
o desígnio de diminuir a dor e o sofrimento dos cidadãos envolvidos nas guerras.
16
1. DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO
O Direito Internacional Humanitário é o ramo do direito que regula a
atuação das partes envolvidas nos conflitos beligerantes. Todavia, há aqueles que
não conhecem este ramo do direito e o confundem com o Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
Por isso, o objetivo do presente capítulo é aclarar o que é o Direito
Internacional Humanitário, apontando suas definições, princípios e aplicabilidade,
com o escopo de compreender a sua importância no âmbito do Direito Internacional.
1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS
Os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da
igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica e no pensamento
cristão. Tais ideias vieram a influenciar a corrente jusnaturalista do direito,
englobando o que se pode chamar de "pré-história" dos direitos fundamentais
(SARLET; 2006: p. 45).
É na Inglaterra do século XIII, que se encontra o principal
documento, referido por todos aqueles que se dedicam ao estudo da evolução dos
direitos humanos. Trata-se da Magna Charta Libertatum, pacto firmado em 1215
pelo rei João I da Inglaterra ou João Sem Terra, bispos e barões ingleses. Tal
documento, apesar de ter servido de fato para garantir privilégios feudais, serviu
também como ponto de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos,
tais como o habeas corpus, o devido processo legal e o direito de propriedade
(SARLET; 2006: p. 49).
17
Ainda no século XVI, merecem citação os nomes dos jus filósofos
alemães: Hugo Dornellus que, já em 1589, ensinava aos seus discípulos, que o
direito à personalidade englobava os direitos à vida, à integridade corporal e à
imagem, bem como o de Johannes Althusius que, no início do século XVII (1603),
defendeu a ideia da igualdade humana e da soberania popular. No século XVII, a
ideia de direitos naturais inalienáveis e a consequente submissão das autoridades
aos direitos naturais, encontraram eco nas obras do holandês Hugo Grócio, do
alemão Samuel Pufendorf e, ainda, dos ingleses John Milton e Thomas Hobbes.
Milton defendeu o reconhecimento dos direitos de autodeterminação do homem, da
tolerância religiosa, da liberdade de manifestação oral e de imprensa, ao passo que
Hobbes atribuía ao homem à titularidade de certos direitos naturais, contudo
condicionada à vontade e disposição do soberano (SARLET; 2001: p. 47).
O reconhecimento de direitos inerentes à pessoa humana nos
movimentos revolucionários do século XVIII ocorreu diretamente pela influência da
corrente jusnaturalista que se desenvolvia desde a Idade Média a começar pela
relevância do pensamento cristão de Santo Tomás de Aquino que já no século XVI
professava, além da igualdade dos homens perante Deus, a existência dos direitos
naturais do homem, que deveriam ser respeitados por seus pares e seus
governantes. Assim, desenvolveu-se a ideia de que a personalidade humana tem
valor próprio e único, ante a dignidade de ser humano, que nasce na qualidade de
valor natural, inalienável e incondicional (SARLET; 2001: p. 46).
Posteriormente, com a formação do pensamento jusnaturalista,
ocorre uma laicização da concepção de direito natural, pelas teorias contratualistas,
jusracionalistas atingindo seu ápice com o movimento iluminista (LAFER; 1991:
p.122 – 123)
18
Neste contexto, foi decisiva a contribuição de John Locke lecionando
sobre os direitos inalienáveis do homem (vida, propriedade, liberdade e resistência)
quando possuem eficácia oponível aos detentores do poder, com base na teoria do
contrato social. Entretanto, tais direitos seriam garantidos apenas aos cidadãos, ou
seja, proprietários poderiam valer-se do direito de resistência uma vez que seriam
sujeitos de direito e não meros objetos. Sobre Locke e Hobbes, LAFER esclarece:
Cumpre salientar, neste contexto, que Locke, assim como já havia feito
Hobbes, desenvolveu ainda mais a concepção contratualista de que os
homens têm o poder de organizar o Estado e a sociedade de acordo com a
sua razão e vontade, demonstrando que a relação autoridade-liberdade se
funda na auto vinculação dos governados, lançando, assim, as bases do
pensamento individualista e do jusnaturalismo iluminista do século XVIII,
que, por sua vez desaguou no constitucionalismo e no reconhecimento de
direitos de liberdade dos indivíduos considerados como limites ao poder
estatal (LAFER; 1991: p.122 – 123).
Assim, no âmbito do iluminismo de inspiração jusnaturalista,
culminou o processo de elaboração doutrinária do contratualismo e da teoria dos
direitos naturais do indivíduo, tendo sido Tomas Paine na sua obra ―A Idade da
Razão‖ que popularizou a expressão "direitos do homem" no lugar do termo "direitos
naturais‖. Contudo, para BOBBIO, é o pensamento kantiano que marca o final desta
fase da história dos direitos humanos. Para Kant, todos os direitos estão abrangidos
pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que cabe a todo homem em
virtude de sua própria humanidade, encontrando-se limitado pela liberdade
coexistente dos demais homens (BOBBIO; 1992: p.41 a 45).
Conforme ensina BOBBIO, Kant, inspirado em Rousseau, definiu a
liberdade jurídica do ser humano como a faculdade de obedecer somente às leis as
quais ele deu seu livre consentimento. Esta concepção fez escola no âmbito do
pensamento político, filosófico e jurídico (BOBBIO; 1992: p.73 - 78).
19
O processo de reconhecimento dos direitos fundamentais, que é
essencialmente dinâmico é marcado através dos séculos por avanços, retrocessos e
contradições,
desprendendo-se
de
sua
concepção
inicial
de
inspiração
jusnaturalista. Sendo assim, tal processo de reconhecimento e afirmação, marcado
pela evolução destes direitos, revela uma categoria completamente aberta e
mutável. A evolução histórica destes direitos ocorreu através de um processo
cumulativo, a partir daquelas concepções jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII.
Contudo, apesar de representarem valores universais, tais direitos
só adquiriram sua afirmação concreta de âmbito internacional com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948.
Ensina o Professor BONAVIDES sobre a universalidade destes
direitos:
(...) procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da
tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser um
homem deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou
subdesenvolvida, é pela condição de pessoa um ente qualificado por sua
pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.
(BONAVIDES; 1997: p.25)
A universalidade, contudo, não equivale à uniformidade total, como
ensina CANÇADO TRINDADE. Desta forma o sistema de reconhecimento e
proteção dos direitos humanos foi enriquecido por instrumentos de âmbito regional
como: o sistema europeu na Convenção Europeia de Direitos Humanos, em 1950; o
interamericano da Convenção de San José da Costa Rica, em 22 de novembro de
1969; o africano de proteção dos direitos humanos, aprovado em Ouagadougou,
Burkina Faso em 10 de Junho de 1998, dentre outros (CANÇADO TRINDADE; 2000:
p.103).
Mas todos estes instrumentos regionais têm como fonte de
inspiração a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ponto de
20
irradiação dos esforços em prol do ideal de universalização dos direitos humanos
(CANÇADO TRINDADE; 2000: p.103).
Tais instrumentos se completam na medida em que não se
restringem aos limites da competência de cada um destes tratados e, portanto,
constituem um aparato mais eficaz na proteção dos direitos humanos. Em face deste
complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo, que sofreu
violação de direito, a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que,
eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de
alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial. (CANÇADO
TRINDADE; 2000: p.103).
Nesta ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos
interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Na visão de CANÇADO
TRINDADE:
O critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas,
consagrado expressamente em tantos tratados de direitos humanos,
contribui em primeiro lugar para reduzir ou minimizar consideravelmente as
pretensas possibilidades de conflitos entre instrumentos legais em seus
aspectos normativos. Contribui em segundo lugar para obter maior
coordenação entre tais instrumentos em dimensão tanto vertical (tratados e
instrumentos de direito interno) quanta horizontal (dois ou mais tratados).
(...) Contribui em terceiro lugar, para demonstrar que a tendência e o
propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos - garantindo os
mesmos direitos - são no sentido de ampliar e fortalecer a proteção
(CANÇADO TRINDADE; 2000: p.103).
Já no Brasil, o processo de reconhecimento dos direitos humanos foi
atrasado pelos 20 anos de ditadura que perdurou no país de 1964 a 1985. Mas este
processo culminou juridicamente com a promulgação em 05 de outubro de 1988 da
atual Constituição Brasileira, que iniciou as bases no novo regime político e
democrático do país.
21
A partir da Constituição de 1988, os direitos humanos tiveram um
considerável relevo, sendo a mais completa Carta nesta matéria e a mais
abrangente e pormenorizada que todas as outras Constituições que foram vigentes
no país.
Neste sentido, os direitos humanos no âmbito da ordem jurídica
interna também começaram a se impor como tema fundamental na agenda
internacional do país, sendo a primeira Constituição Federal Brasileira a elencar o
princípio da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental em suas
relações internacionais, em seu Art. 4°, inciso II e, ainda, ampliar suas garantias,
reconhecendo como parte de seu ordenamento as garantias e os direitos
especificados em tratados internacionais.
Sobre a matéria o Art. 5°, § 2° da CF/88 assim preceitua: ―Os direitos
e as garantias nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte‖.
A partir disto, discutem certos autores a respeito da questão da
soberania do Estado brasileiro afirmando seu condicionamento ou não à questão
dos direitos humanos e a consequente sujeição do Estado a tratados internacionais
em oposição à concepção tradicional da soberania estatal absoluta.
A professora PIOVESAN adota a seguinte posição:
A partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas
relações com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo
tempo reconhecendo à existência de limites e condicionamentos a noção
de soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado brasileiro fica submetida
a regras jurídicas, tendo como parâmetro obrigatório à prevalência dos
direitos humanos (2011: p.92).
22
Ao final deste item, antecedentes históricos dos direitos humanos,
tais controvérsias são propositalmente mostradas, desde a sua origem histórica de
âmbito internacional, chegando até seu reconhecimento e ordenação no Brasil.
1.2. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E HUMANIZAÇÃO DO
DIREITO INTERNACIONAL
Este subcapítulo tem como objetivo compreender o processo de
internacionalização dos Direitos Humanos e a humanização do Direito Internacional,
demonstrando a concepção contemporânea dos Direitos Humanos e seus desafios
na ordem internacional hodierna.
De uma forma geral, encontram-se em evidência diversos conflitos
armados, fatos estes que nos submetem à importância de se estabelecer controles e
limites aos crimes, bem como às barbáries cometidas pelas partes envolvidas, com o
fito de atenuar a dor e o sofrimento dos envolvidos pela guerra.
Desta forma, surgiu o Direito Internacional Humanitário, cujo
desígnio é impor regras que limitassem a atuação das partes envolvidas num conflito
armado. Segundo HAUG (1993, p. 491) o Direito Internacional Humanitário pode ser
definido como ―um conjunto especial de leis que regulam os conflitos armados
através da imposição de limites para os métodos utilizados na condução das
operações militares‖.
Ainda sobre o tema, KRIEGER elucida que o Direito Humanitário:
[...] se refere à salvaguarda da própria vida dos indivíduos em confrontos
decorrentes de conflitos bélicos. A vida, o maior bem da humanidade, por
isso, protegido a todos os seres humanos, logo da universalidade, ou dito
de outra forma, o fenômeno que constitui a própria humanidade, é o objeto
material desta disciplina (2004, p.201).
23
Na mesma linha, SASSÓLI e BOUVIER definem:
O Direito Internacional Humanitário pode ser definido como um ramo do
Direito Internacional, limitando o uso da violência em conflitos armados: a)
poupando aqueles que não participam ou deixaram de participar
diretamente das hostilidades; b) limitando a quantidade de violência
necessária para atingir os propósitos do conflito, o qual pode ser –
independente das causas da luta – apenas para enfraquecer o potencial
militar do inimigo (1999, p. 67).
A partir de tais definições, pode-se extrair que o Direito Internacional
Humanitário possui o propósito de salvaguardar a vida e os direitos básicos dos
indivíduos
que
se
encontram
envolvidos em
conflitos bélicos,
direta
ou
indiretamente, através da limitação da violência, para se alcançar um objetivo na
guerra, como reduzir o potencial bélico da outra parte.
Todavia, deve-se ressaltar que o Direito Internacional Humanitário
defende a paz e não legitima ou legaliza a guerra e a violência. O objetivo do Direito
Internacional Humanitário é o de estabelecer regras e limites que diminuam os
efeitos causados por conflitos armados.
Acerca da matéria KALSHOVEN e ZEGVELD ensinam:
[...] o direito humanitário de modo algum pretende fazer da guerra uma
atividade de ‗bom tom‘ e essencialmente humana [...] se propõe a impedir
que as partes em um conflito armado atuem com uma crueldade cega e
implacável, e proporcionar a proteção fundamental que os mais diretamente
afetados pelo conflito necessitam, sem que por ele, a guerra deixe de seguir
sendo o que sempre há sido: um fenômeno aterrador (2003, p.12).
Entretanto, deve-se ressaltar que não se deve confundir o Direito
Internacional Humanitário com Direitos Humanos.
Segundo KRIEGER:
Uma das diferenças básicas entre o Direito Internacional Humanitário e os
Direitos Humanos é que o primeiro é aplicável, basicamente, em tempo de
24
conflitos armados, enquanto o segundo, em qualquer tempo e lugar (2004,
p. 226).
Desta forma, extrai-se que o Direito Internacional Humanitário pode
ser definido como um conjunto de regras que regulamenta os conflitos armados
nacionais e internacionais e busca, através da imposição de suas normas, a
proteção dos civis envolvidos nas guerras.
1.2.1. DIFERENÇA ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO
(DIREITO DE GENEBRA), O JUS IN BELLO (DIREITO DE HAIA) E O DIREITO
INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
O Direito de Haia, o jus in bello, é considerado o direito aplicável na
guerra, sendo aquele que inclui todos os regulamentos que estabelecem direitos e
deveres dos beligerantes na condução das operações militares e também a restrição
à liberdade na escolha dos meios e métodos de combate. O Direito de Genebra que
se conhece como Direito Internacional Humanitário é aquele que tem o objetivo de
salvaguardar os militares fora de combate, bem como pessoas que não participam
das hostilidades. As razões para o início de um conflito em particular, o jus ad
bellum, não faz parte da apreciação da lei humanitária internacional. O jus ad bellum
é entendido como direito à guerra, isto é, a possibilidade que os Estados teriam de
resolver suas pendências por meio de conflitos armados. O interesse é apenas ao
jus in bello, ou seja, a maneira pela qual irá regular a conduta das hostilidades,
independentemente da razão pela qual eles começaram, representa as regras que
devem reger os conflitos, no tocante aos meios empregados e ao tratamento das
vítimas e aos prisioneiros de guerra (GUERRA: 2011; p.31-31).
25
Podem-se dividir em dois temas que estão inseridos este direito, que
são as relações entre Estados em períodos de paz e as relações decorrentes de
conflitos armados: um, o direito da guerra, o outro, o direito da paz. Um direito
preventivo e outro que busca assegurar que as partes em conflito não usem de
meios insidiosos no momento do combate, preservando-se, dentro do possível, a
pessoa humana em caso de conflito armado, o que se mostra unânime em todas as
definições que se possa encontrar a respeito do objetivo do Direito Internacional
Humanitário (COMPARATO: 2010; p.185).
Nas palavras de COMPARATO:
O direito da guerra e da paz, cuja sistematização foi feita originalmente por
Hugo Grócio em sua obra seminal do início do século XVII (De Iure Belli ac
Pacis), passou, deste então, a bipartir-se em direito preventivo da guerra
(ius ad bellum) e direito da situação ou estado de guerra (ius in bello),
destinado a regular as ações das potências combatentes (2010, p.185).
CELSO MELLO traz a seguinte definição como possibilidade:
Talvez se possa definir o Direito Internacional Humanitário como o subramo do Direito Internacional Público Positivo que integra o Direito
Internacional dos Direitos Humanos, tendo por finalidade proteger a pessoa
humana em conflitos armados. A definição acima parte da consideração
que o conflito armado é uma realidade e que faz parte, infelizmente, da
natureza humana (1997, p.137).
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha definiu este direito como
sendo as regras internacionais, de origem convencional ou costumeira. Elas são
especificamente destinadas a reger os problemas humanitários decorrentes
diretamente de conflitos armados, internacionais ou não-internacionais e que
restringem, por razões humanitárias, o direito das partes em conflito de utilizar
métodos e meios de guerra à sua escolha. Tudo isso, de modo a proteger as
pessoas e os bens afetados ou que puderem ser afetados, pelo conflito (JAPIASSU:
2004; p.7-8).
26
O Direito Internacional Humanitário está inserido nos demais ramos
do direito internacional, mantendo relações estreitas com o Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
Segundo
PISCIOTTA,
a
Conferência
de
Direitos
Humanos
convocada pelas Nações Unidas em Teerã em 1968 é especialmente representativa
da relação entre Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário, pois:
A partire dalla fine degli anni sessanta si è andata affermando l‘idea
secondo la quale durante i conflitti armati, a prescindere dalla loro natura
interna o internazionale, rimane in vigore quel settore del diritto
internazionale posto a tutela dei diritti umani e delle libertà fondamentali. In
occasione della prima Conferenza internazionale delle Nazioni Unite (NU)
sui diritti umani, svoltasi a Teheran nel 1968, l‘organizzazione si occupò di
un tema che aveva sempre ritenuto escluso dal proprio ambito di
competenza: avendo la Carta delle NU bandito la guerra, ed essendo la
pace internazionale l‘obiettivo principale dell‘organizzazione, il diritto bellico
era pensato come estraneo al sistema. L‘Assemblea Generale, attraverso
la nota Risoluzione 2444 (XXIII) sulla tutela dei diritti umani nei conflitti
armati, pose fine a quell‘atteggiamento e fece propri diversi principi posti
dalla Croce Rossa Internazionale, in particolare il principio per cui il diritto
dei belligeranti di scegliere i metodi di combattimento non è un diritto
illimitato, il divieto di attaccare la popolazione civile, nonché il dovere di
distinguere sempre tra obiettivi civili e militari, risparmiando i primi dalle
3
sofferente della guerra (PISCIOTTA: 2007; p. 68).
Em sua Resolução nº 2444 (XXIII), a Assembleia Geral das Nações
Unidas destacou que a paz é condição primordial para o pleno respeito aos direitos
humanos e que a guerra é a negação desse direito. Destacou-se, por conseguinte
que é muito importante fazer com que as regras humanitárias aplicáveis em
3
Em tradução livre: Desde finais dos anos sessenta vem se trabalhando a ideia de que durante os conflitos,
independentemente se doméstico ou internacional, permanece em vigor por parte do direito internacional para
proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais. Na primeira Conferência Internacional das Nações
Unidas (ONU) Direitos Humanos realizada em Teerã em 1968, a Organização tratou de um assunto que sempre
se sentiu excluído do seu âmbito de competência: tendo a Carta das Nações Unidas proibido a guerra, e sendo a
paz o objetivo principal da Organização, a lei da guerra foi pensar como estranho ao sistema. A Assembleia
Geral, pela Resolução 2444 (XXIII), relativa à proteção dos direitos humanos em conflitos armados, pôs fim a
essa atitude e fez seus vários princípios definidos pela Cruz Vermelha Internacional, em particular o princípio de
que o direito dos beligerantes de escolher os métodos de guerra não é um direito ilimitado, a proibição de atacar
civis, e o dever de sempre distinguir entre civis e alvos militares, salvando o primeiro sofredor da guerra.
27
situações de conflito armado sejam consideradas como parte integrante dos Direitos
Humanos.
Conforme ensina PISCIOTTA:
Il rapporto tra la disciplina dei diritti fondamentali e la disciplina dei conflitti
armati costituisce un problema giuridico di non facile e immediata
4
soluzione, dati gli elementi di convergenza e divergenza (PISCIOTTA:
2007; p. 74).
Há três teorias internacionalmente consideradas:
a) a teoria integracionista é aquela que idealiza a união do Direito
Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos. O Direito Humanitário não é
outra coisa senão uma parte dos Direitos Humanos, sendo ambas voltadas para a
proteção da pessoa e da dignidade humana. O direito humanitário está contido nos
Direitos Humanos, que protege as pessoas, principalmente na situação específica
de conflito armado, ainda que se possa considerar que no aspecto cronológico o
Direito Internacional Humanitário é anterior aos Direitos Humanos.
b) a teoria separatista tem como sustentáculo a ideia de que se
tratam de dois ramos do direito totalmente distintos, de um lado está à lei
internacional dos Direitos Humanos e de outro o Direito Internacional Humanitário e
que uma integração dos dois sistemas seria totalmente inútil, por não dizer
prejudicial. Acentua a diferença entre as finalidades dos sistemas de proteção dos
Direitos Humanos que protege o indivíduo contra o aspecto arbitrário da própria
ordem jurídica interna e do Direito Internacional Humanitário que o protege em
situações em que a ordem nacional já não pode garantir-lhe uma proteção eficaz,
quando este indivíduo é vítima de um conflito armado.
4
Em tradução livre: A relação entre a disciplina dos direitos fundamentais e as regras de conflito armado
constitui um problema legal não é a solução fácil e imediata, dados os elementos de convergência e divergência.
28
c) A teoria complementarista, por sua vez, afirma que os Direitos
Humanos e o Direito Internacional Humanitário são dois sistemas diferentes que se
complementam. O Direito Internacional Humanitário está integrado ao Direito de
Genebra, que tende a proteger os militares fora de combate, assim como as
pessoas que não participam das hostilidades. Porém, ocorre uma área de atuação
comum entre os direitos humanos e o direito humanitário, especificamente no que
tange a proteção do cidadão em qualquer situação (PISCIOTTA: 2007; p. 74).
PISCIOTTA descreve que:
Numerosi studi in dottrina hanno individuato tre possibili approcci
nell‘analisi del problema. Una prima teoria, che si può denominare
―separatista‖, sostiene che il diritto internazionale umanitario e il diritto
internazionale dei diritti umani costituiscano due sotto-ordinamenti diverbi e
separati del diritto internazionale, privi di interconnessione. Si può già
constatare, alla luce di quanto brevemente esposto sopra, che un tale
approccio non sia da considerare corretto. In base ad una seconda teoria,
denominata ―integraziomsta‖, la categoria del diritto internazionale dei diritti
dell‘uomo incorporerebbe il diritto umanitario come sotto-categoria che si
occupa di situazioni e problematiche più specifiche e limitate. Utilizzando
un‘immagine per chiarire il concetto, si potrebbe pensare il rapporto tra
diritti umani e diritto umanitario come dato da duo cerchi conccntrici, dove
quello più ampio dei diritti umani include totlmente in sé il cerchio più
piccolo del diritto bellico. Questa teoria non pare reggersi alla luce del
diverso contenuto normativo dei due settori: non è corretto sostenere che
tutte le norme del diritto bellico, comprese dunque quelle in materia, di
mezzi e metodi di combattimento, appartengano alla categoria più ampia
del diritto internzionale dei dirriti umani. Infine, una terza teoria, detta
―complementarista‖ condivisa dalla maggioranza della dottrina, pur
riconoscendo le differenze esistenti dei due settori distinti del diritto
internazionale pubblico, ne rileva i legami e la possibilità di applicacione
congiunta e complementare; ricorrendo nuovamente ad un‘immagine,
bisogna qui pensare a due cerchi distinti sovrapposti solo parzialmente.
Diverse ragioni sembrano propendere a favore della teoria
―complementarista‖. Innanzitutto, da un punto di vista storico, si può
ritrovare nella c.d. ―clausola Martens‖ una sorta eli denominatore comune
tra diritto umanitario e diritti umani, consistente nell‘obiettivo di proteggere
in ogni situazione i diritti della persona umana. La clausola, che prende il
nome dal diplomatico russo che propose di inserire la formula nel
preambolo della Convenzione dell‘Aja sulle leggi e consuetudini della
guerra terrestre (1899), stabilisce che le popolazioni e i belligeranti, per
quelle situazioni non regolate dal diritto, restano in ogni caso ―sotto la
salvaguardia e sotto l‘impero dei principi del diritto delle genti, quali
risultano dagli usi stabiliti fra nazioni civili, dalle leggi dell‘umanità e dalle
5
esigenze della coscienza pubblica ‖ (PASCIOTTA: 2007; p. 74 e 75).
5
Em tradução livre: Numerosos estudos têm identificado três abordagens de ensino possíveis na análise do
problema. Uma teoria, que pode ser chamado de "separatista", argumenta que o direito internacional humanitário
29
Em síntese, as funções são distintas, a função precípua do Direito
Internacional Humanitário é a proteção do indivíduo durante o conflito armado,
enquanto que no Direito Internacional dos Direitos Humanos a proteção ao indivíduo
é observada em todo o tempo, de maneira integral.
1.2.2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A internacionalização dos direitos humanos pode ser vista como
manifestação cultural filosófica, política ou jurídica. Contudo, o que se quer pôr em
relevo é a internacionalização dos direitos humanos como fruto do reconhecimento
da comunidade internacional organizada, sendo um bem comum primordial e, a
partir disso, a transformação da pessoa humana em sujeito de direito internacional
(PIOVESAN; 2011, p. 175).
Sendo assim, a normatividade dos direitos humanos não é
reservada apenas aos Estados. A multiplicidade de fontes caracteriza a matéria,
e o direito internacional dos direitos humanos são dois argumentos separados e subssistemas do direito
internacional, sem interligação. A luz do que brevemente acima, já pode ser visto, que uma tal abordagem não é
para ser considerada correta. De acordo com uma segunda teoria, chamada de "integracionista" a categoria do
direito internacional dos direitos humanos deve incorporar o direito humanitário como uma sub-categoria que
lida com situações e problemas mais específicos e limitados. Usando uma imagem para clarificar o conceito,
você pode pensar que a relação entre direitos humanos e direito humanitário como dado por círculos
concêntricos, onde os direitos humanos mais amplos inclui totalmente em círculo menor o direito bélico. Esta
teoria não parece estar à luz do conteúdo normativo, portanto de forma diferente dos dois setores: não é correto
argumentar que todas as regras da lei de guerra, incluindo, portanto, objeto, meios e métodos de combate,
pertencem à categoria mais ampla do ensino de Direitos Humanos Internacional. Finalmente, uma terceira teoria,
chamada de "complementarista" compartilhada pela maioria da doutrina, embora reconhecendo as diferenças
entre as duas áreas distintas de direito internacional público, ele encontra os links e a possibilidade de aplicação
conjunta e complementar, mais uma vez recorrer a uma imagem, aqui temos de considerar dois círculos distintos
que apenas se sobrepõem parcialmente. Diversas razões parecem se inclinar a favor da teoria
"complementarista". Primeiro, do ponto de vista histórico, você pode encontrar no c.d "Cláusula Martens", uma
espécie de denominador comum entre direitos humanos e direito humanitário, nomeadamente para proteger em
qualquer situação de direitos humanos. A cláusula, que leva o nome do diplomata russo, que propôs a inserir a
fórmula no preâmbulo da Convenção de Haia sobre as leis e costumes da guerra em terra (1899), afirma que não
as populações e os beligerantes, por essas situações regidas pelo direito, permanecem em qualquer caso, "sob a
proteção e sob o império dos princípios do direito internacional, tal como resultam dos usos estabelecidos entre
as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e das exigências da consciência pública".
30
além das possíveis fusões entre fontes de direito interno e internacionais (tratados,
pactos, convenções, jurisprudência internacional) (PIOVESAN; 2011, p. 68).
Para que o indivíduo fosse reconhecido como sujeito de direito
internacional, foi necessário o rompimento de diversas barreiras. Através de
evolução gradual, aos poucos, minou a ideia de que um indivíduo só existe para um
mundo jurídico se for um sujeito pertencente a um Estado e ainda, de que a
titularidade destes direitos apenas se opera através do Estado do qual faz parte
(CANÇADO TRINDADE; 1991, p. 25-33).
Assim, nesta concepção, o indivíduo não se insere diretamente na
comunidade internacional, mas, insere-se sim, primeiramente, em um Estado e
como parte dele, em seu próprio mundo jurídico, ostentando a investidura de direitos
conforme o status que o direito interno de seu Estado reconhece (CANÇADO
TRINDADE; 1991, p. 25-33).
Alega-se que tal assertiva é verdadeira, mesmo quando uma
jurisdição internacional confere acesso direto ao indivíduo lesionado em seus
direitos. Há dois princípios fundamentais: primeiro, que a lesão configure violação de
obrigação internacional assumida pelo Estado e, segundo, que antes de a instância
internacional ser acionada, tenham-se esgotadas todas as vias jurídicas internas
(CANÇADO TRINDADE; 1991, p. 25-33).
A regra do esgotamento dos recursos internos deve ser considerada
como uma oportunidade dada aos Estados pelo direito internacional de reparar a
violação de direito causada à vítima. No entanto, esta regra não pode ser usada de
má-fé pelos Estados, impedindo que a vítima tenha acesso à jurisdição
internacional. Sendo que para o exercício das petições de indivíduos, o vínculo
exigido, ao invés do que pertence a nacionalidade, é antes o da relação entre o
31
reclamante e o dano ou violação dos direitos humanos que este denuncia
(CANÇADO TRINDADE; 1991, p. 25-33).
No âmbito do sistema interamericano de proteção de direitos
humanos admitem-se exceções ao princípio do esgotamento dos recursos internos
especificados no Art. 46 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Dentre tais
exceções, está a demora injustificada do atendimento a tais recursos. Desta forma,
verifica-se que a Convenção Americana é sensível ao problema da demora das
soluções para as questões envolvendo violações a direitos humanos, que por sua
vez podem tornar ineficazes ações que venham tentar reparar o dano sofrido pelo
decurso do tempo.
De outro lado, ainda, encontram-se as reservas impostas pelos
países signatários de Convenções que impedem que seja ampliado o leque de
proteção. São medidas restritivas feitas pelos Estados que limitam o alcance das
garantias expressas nas determinadas convenções.
A Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, em seu
parágrafo 26, encoraja os Estados a evitarem, tanto quanto possível, a formulação
de reservas aos instrumentos de proteção dos direitos humanos. Em seu parágrafo
5°, recomenda aos Estados que considerem a possibilidade de limitar o alcance de
quaisquer reservas que, porventura, tenham adotado em relação a instrumentos
internacionais de direitos humanos, bem como orienta os Estados a formular tais
reservas da forma mais precisa e estrita possível, de modo a que não adotem
reservas incompatíveis com o objeto e propósito do tratado em questão e que ainda,
reconsiderem regularmente tais reservas com vistas a eliminá-las.
Uma das reservas impostas pelo Estado brasileiro diz respeito às
visitas in loco, previstas pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos
32
termos dos arts. 43 e 48, ‖d‖, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O
que o Brasil alega é que tais visitas dependem do expresso consentimento do
Estado brasileiro. Deste modo, o Brasil buscou evitar que a Comissão tenha o direito
automático de efetuar visitas ou inspeções, isto no âmbito regional (PIOVESAN;
2011, p. 362).
Diferentemente da reserva da visita em loco, o Brasil, reconheceu a
competência do Comitê de Direitos Humanos6, no âmbito mundial, para receber e
apreciar comunicações individuais que tratam de denúncias de violação de direitos
previstas no Pacto, pois ratificou o Protocolo Facultativo relativo ao Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos em 25 de setembro de 2009 (PIOVESAN;
2011, p. 362).
No
âmbito
regional,
o
Brasil
não
habilitou
a
Comissão
Interamericana ao examinar comunicações entre Estados-Partes. Entende-se que,
deste modo, o Brasil restringe o alcance de uma das funções principais da Comissão
Interamericana: justamente aquela que diz respeito às missões especiais de caráter
humanitário que poderiam ajudar a coibir práticas constantes de desrespeito a
direitos humanos.
O Estado brasileiro, quanto às petições individuais, conquistou os
seguintes avanços: a) acolheu a cláusula facultativa das petições quando ratificou a
Convenção sobre Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher
em 28/06/2002; b) acolheu a cláusula facultativa das petições em relação à
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial em
6
O Conselho de Direitos Humanos, estabelecido pela Assembleia Geral em 15 de março de 2006, e respondendo
diretamente a ela, substituiu a Comissão sobre os Direitos Humanos da ONU, que existiu por 60 anos, como o
órgão intergovernamental responsável pelos direitos humanos. Os indivíduos que tiveram seus direitos violados
podem fazer denúncias diretamente aos Comitês de direitos humanos. Disponível em: http://www.onu.org.br/aonu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos/. Acesso em 06/04/2012.
33
17/06/2002; c) acolheu a cláusula facultativa das petições quanto à Convenção
contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes
em 26/06/2006 (PIOVESAN; 2011: p. 362 e 363).
Contudo, compreende-se que certas precauções não poderiam
deixar de ser tomadas, a exemplo das condições de admissibilidade de
reclamações, a fim de evitar abusos do direito de petição e assegurar sua
compatibilidade com as Convenções Internacionais.
Na
realidade
necessitam
conviver
harmonicamente
diversos
instrumentos legais de âmbito internacional, regional e de direito interno. Além disso,
ainda existem os tratados e instrumentos gerais de direitos humanos e também os
tratados e instrumentos especializados, voltados a aspectos mais específicos de sua
proteção, também em nível global e regional.
Com a multiplicidade de procedimentos internacionais de proteção,
se faz necessária a sua busca, para se evitar o conflito de jurisdição, evitando a
duplicação de procedimentos e a interpretação conflitiva de instrumentos
internacionais coexistentes. Dentre as maneiras discutidas, há a coordenação do
sistema de relatórios das Nações Unidas, através de sua padronização e, ainda, a
coordenação do sistema de investigações também da ONU, que pode facilitar o
intercâmbio regular de informações e as consultas entre os órgãos de proteção.
(PIOVESAN; 2011, p. 360).
Deste modo, ao dificultar o trabalho da Comissão Interamericana
impondo restrições às visitas in loco, o Brasil se coloca na contramão desta
tendência. Em última análise, torna custosa a obtenção de informações que seriam
necessárias para salvaguardar as garantias previstas na Convenção em que o Brasil
34
é signatário e ainda torná-las visível aos olhos da comunidade internacional
(PIOVESAN; 2011, p. 360).
Existem
várias
expressões
utilizadas
para
designar
direitos
humanos, tais como direitos naturais, direitos públicos subjetivos, liberdades
fundamentais, liberdades públicas, direitos individuais, direitos fundamentais do
homem e direitos humanos fundamentais, de forma que são tratados, inclusive por
muitos autores, como sinônimos de direitos fundamentais. Todas estas expressões
são análogas, suscetíveis de inúmeros sentidos que guardam semelhanças entre si,
mas cada uma com seu próprio significado.
Os direitos humanos nascem na condição de reivindicações morais,
que foram surgindo aos poucos, com o passar dos anos através de lutas e ações
sociais. Vários autores definem direitos humanos de diferentes formas. E entre eles
podemos citar Hannah Arendt que entende que os direitos humanos não são um
dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de
construção e reconstrução (PIOVESAN; 2011: p.32).
Para Joaquim Herrera Flores, os direitos humanos compõem uma
racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abram e
consolidem espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, neste sentido, uma
plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana (PIOVESAN;
2011: p.31).
Os direitos humanos são as cláusulas básicas, superiores e
supremas que todo indivíduo deve possuir na sociedade em que está inserido.
Construído em longo prazo, elege os bens jurídicos mais relevantes, dando início às
reivindicações morais e políticas que todo ser humano almeja perante a sociedade e
o governo. Neste sentido, esses direitos dão ensejo a um especial conjunto de
35
direitos subjetivos públicos7 que, em cada momento histórico, concretiza as
exigências de liberdade humanas, igualdade e dignidade, categorias estas
reconhecida positivamente pelos sistemas jurídicos no plano nacional e internacional
(SIQUEIRA JÚNIOR; OLIVEIRA; 2009: p. 30).
Assim podemos dizer que direitos humanos são aqueles válidos
para todos os povos em todos os tempos e épocas, constituindo-se através das
cláusulas mínimas que o homem deve possuir, em face da sociedade em que está
inserido.
Quando os direitos humanos são reconhecidos pelo Estado eles são
denominados de direitos fundamentais, uma vez que, via de regra, passam a ser
inseridos na norma fundamental do Estado, a Constituição, e vigente no sistema
jurídico concreto, sendo limitados no tempo e no espaço.
Pode-se afirmar que, do ponto de vista histórico e, portanto,
empírico, os direitos fundamentais decorrem dos direitos humanos, correspondendo
a uma manifestação positiva do direito. O que se observa é que há uma verdadeira
confusão, na prática, entre os dois conceitos. Saliente-se, entretanto, que os direitos
humanos se colocam num plano ideológico e político.
7
“Direitos públicos subjetivos surgiram dentro da concepção liberal do Estado como uma alternativa técnica a
noção de direitos naturais, sendo utilizados para indicar a posição jurídica do cidadão em relação ao Estado.
García de Enterría distingue dois tipos de direitos públicos subjetivos: 1) típicos ou ativos: são os que
incorporam pretensões ativas do cidadão perante o Estado, abrangendo as prestações de que ele precisa para o
desenvolvimento pleno de sua existência individual e identificando-se com os atuais direitos econômicos, sociais
e culturais; 2) racionais ou impugnatórios: surgem para defender a esfera vital do particular perante qualquer
atividade estatal ilegal, assistindo-lhe o direito subjetivo de público da paralisação do dano e do restabelecimento
da situação anterior e correspondendo aos atuais direitos individuais”; ENTERRÍA, Eduardo García de. Sobre
los derechos públicos subjetivos. Madri: Redá, 1975, p. 445. Apud Siqueira Junior; Oliveira; 2009: p. 30.
36
1.3. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS
A construção moderna dos Direitos Humanos, propiciada pela
cumulação de tratados internacionais e pelo aprimoramento dos mecanismos de
monitoramento e promoção, implicou no surgimento de características próprias que
iluminam sua compreensão, direcionando a interpretação de suas normas no sentido
de sua máxima eficácia8.
8
Para MAZZUOLI (2009: p.739-740), as principais características dos direitos humanos são: a) Historicidade:
os direitos humanos são construídos ao logo do tempo, isto é, são históricos, sendo que, passaram a se
desenvolver no plano internacional a partir de 1945 com o nascimento das Organizações das Nações Unidas e
com o fim da Segunda Guerra. b) Universalidade: basta ter a condição de “ser humano” para ter direitos de
invocar os direitos humanos, isto é, toda pessoa é titular de direitos humanos, seja no plano interno ou
internacional, independente de cor, raça, sexo, religião, condição econômica, social ou cultural. Esta
universalização, entretanto, deve ser limitada a determinados campos, como observam alguns doutrinadores,
para quem essa universalidade não se aplicaria aos direitos sociais e nem mesmo aos direitos políticos, sendo
válida apenas no caso das liberdades negativas8. Realmente, ao se retornar à formulação da universalidade
contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos (“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos...”), verifica-se que o modelo com o qual se trabalha é o do liberalismo, para o qual o sentido
da igualdade consistia na uniforme abstenção do Estado diante da esfera individual de todo e cada ser humano,
aqui desprovido de um sentido concreto da existência, tido como mera formulação racional genérica e abstrata.
Para que se obtenha esta efetividade, é necessário que os meios voltados à sua obtenção estejam adequados às
realidades sociais, culturais e econômicas das sociedades que buscam a efetivação do seu exercício, ou seja, a
universalização, antes de ser fórmula pronta a ser aplicada, é objetivo geral maior que deve adequar-se à
realidade local. A universalidade dos direitos sociais pode ser entendida no contexto mais amplo da dignidade
humana, a que toda pessoa tem direito. Desta forma, ainda que aqueles direitos digam respeito somente a certos
grupos sociais, isso se deve ao fato de se almejar a garantia efetiva, e para todas as pessoas, de um nível de vida
condizente com aquele princípio moral universal. Em consequência, a promoção dos direitos econômicos,
sociais e culturais, com a adoção de políticas voltadas a determinados setores da sociedade – atualmente
denominados “grupos vulneráveis” - é condição necessária para o respeito pleno da universalidade dos Direitos
Humanos, os quais não se realizam integralmente sem a adoção das medidas previstas nos documentos que
compõe o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Não há mais como pensar em respeito aos direitos
humanos sem que o Estado tome as providências que lhe compete, em vista a assegurar a elevação das condições
de vida ao que se convencionou chamar de padrão mínimo de dignidade humana. c) Essencialidade: os direitos
humanos são essenciais ao ser humano sob um duplo aspecto: 1) aspecto material: são essenciais porque
privilegia o ser humano como fonte do direito; 2) aspecto formal: quer dizer que os direitos humanos, por serem
essenciais têm especial posição normativa dentro do sistema jurídico brasileiro (é tratado logo no início da
Constituição). Isso não ocorria na Constituição de 1967 e na Emenda n.º 01/69 que tratavam de forma bem
sucinta dos mesmos direitos nos artigos mais distantes do seu texto. Assim, a CF/88 inverteu os valores das
constituições passadas. d) Irrenunciabilidade: os direitos humanos não são passíveis de renúncia, isto quer dizer
que mesmo a autorização do seu titular não justifica ou convalida qualquer violação do seu conteúdo. e)
Inalienabilidade: os direitos humanos são inalienáveis, não é possível sua transferência, seja a titulo gratuito ou
oneroso, isto é, não permitem sua desinvestidura por parte de seu titular, a outrem. f) Inexauribilidade: os direitos
humanos são inexauríveis no sentido de que podem sempre se expandir, serem acrescidos de novos direitos, a
qualquer tempo, isto é, qualquer tratado ou documento que verse sobre direitos humanos e os dite num rol, será
meramente exemplificativo, nunca taxativo, conforme disposto no Art. 5º, §2º da Constituição Federal Brasileira
de 1988, quando preceitua que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte” [grifo nosso]. g) Imprescritibilidade: os direitos humanos não se perdem pelo
decurso do tempo, podem ser a qualquer tempo vindicados, salvo as limitações expressamente expostas nos
37
As características dos direitos humanos elencadas neste subitem não
se exaurem em si mesmas. Surgem outras decorrentes das necessidades que se
apresentam de tempo em tempo, principalmente considerando as mudanças que
ocorrem na própria sociedade.
Apesar dessa consolidação dos conceitos, essas características
nunca foram consideradas um rol que se fecha em si mesmo, sem permitir o
acréscimo de outras. Há sempre uma abertura à convergência de outros aspectos
que caracterizem cada uma delas.
tratados internacionais que preveem procedimentos em cortes ou instâncias internacionais. h) Vedação do
Retrocesso: os Estados não podem deixar de proteger os direitos humanos, pelo contrário, devem proteger cada
dia mais, sempre agregando algo de novo e melhor ao ser humano.
8
Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/Congresso/xtese3.htm. Tese do
Procurador do Estado de São Paulo Carlos Weis, membro e primeiro coordenador do Grupo de Trabalho de
Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Acesso em 01/06/2011.
38
2. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO
No presente item, serão estudadas as principais fontes que orientam
e servem de sustentáculo para o Direito Internacional Humanitário. Dentre elas,
merecem destaque os princípios do Direito Internacional Humanitário, os Direitos de
Haia, de Genebra e o de Nova Iorque.
2.1. PRINCÍPIOS
Os princípios9 fundamentais que norteiam o Direito Internacional
Humanitário foram originados a partir de tratados, costumes e princípios gerais do
direito.
Dentre
eles,
merecem
destaques:
humanidade,
necessidade
e
proporcionalidade.
a) O Princípio da Humanidade
O princípio da humanidade pode ser definido, segundo BORGES
(2006, p.19) como o princípio responsável pelo desenvolvimento do Direito
Internacional Humanitário, e é dele que se originam os outros princípios. Este
princípio
destaca
a
prevalência
da
dignidade
da
pessoa
humana,
independentemente das circunstâncias.
9
Conforme Dicionário Jurídico: Princípios são grandes preceitos abstratos que são chamados a integrar o direito
positivo em caso de lacuna, ou seja, quando para o caso concreto não há regra ou norma estabelecida. (1991,
p.441)
39
b) O Princípio da Necessidade
O princípio da necessidade é aquele que ampara os civis de ataque
e retaliações pelas partes conflitantes, através de determinações que prescrevem
que os cidadãos não podem ser utilizados como alvos de forma indiscriminada nos
conflitos beligerantes.
BORGES explica que ―uma vez que o princípio da necessidade
determina que os ataques dos beligerantes devem ater-se a uma finalidade militar
específica, sua aplicação tem de ser feita, portanto, de maneira restritiva‖. (2006,
p.19).
c) O Princípio da Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade prescreve que nenhum alvo militar
deve ser agredido se os resultados que se almejam com a operação forem menores
que os danos acarretados.
Sobre o tema, BORGES salienta:
Desse princípio decorre uma série de limitações à condução das
hostilidades entre os beligerantes, uma vez que a base para qualquer
decisão de ataque proporcional é a constante preocupação em se poupar a
população e os bens de caráter civil. (2006, p.20).
Ressalta-se, ainda, que o princípio da proporcionalidade possui
aplicabilidade em todo o tipo de conflitos armados, independentemente de seus
objetivos.
40
2.2. OS DIREITOS DE HAIA, GENEBRA E NOVA IORQUE
Além dos princípios, existem três fontes principais que sustentam o
Direito Internacional Humanitário. Estas fontes são conhecidas como os Direitos de
Haia, Genebra e Nova Iorque.
a) O Direito de Haia
O Direito de Haia “[...] tem a finalidade de regulamentar a condução
das hostilidades entre os beligerantes [...].” (BORGES, 2006, p.23). O Direito de
Haia é fruto da junção de duas normas que já existiam: o Código de Lieber, de 1863
10
e a Declaração de São Petersburgo de 1868.
Sobre o tema, BORGES ensina:
A finalidade primordial dessas normas era limitar o sofrimento das pessoas,
envolvidas em um conflito por meio de uma regulamentação de como as
forças combatentes deveriam conduzir suas ações, limitando ou proibindo
certos meios e métodos de guerra (2006, p.14).
Com o escopo de estabelecer métodos que causassem óbice à
execução de conflitos beligerantes, fora realizada no ano de 1899 uma Conferência
Internacional, a I Conferência de Paz de Haia, que contou com a presença de
10
Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), o presidente dos Estados Unidos da América (do Norte na
guerra), emitiu em 1863, em Washington, uma ordem famosa intitulada "Instruções para o Governo das Forças
Armadas dos EUA". O texto foi preparado por Francis Lieber, um advogado internacional de origem alemã que
emigrou para os Estados Unidos. As Instruções (ou Código Lieber, como muitas vezes são chamados) fornecem
regras detalhadas sobre todos os aspectos da guerra terrestre, a partir da condução da guerra e o tratamento de
civis, até o tratamento que devem receber as categorias específicas de pessoas, como prisioneiros de guerra,
ferido e atiradores. KALSHOVEN, Frits; ZEGVELD, Liesbeth. Restricciones en la Conducción de la Guerra:
Introducción al derecho internacional humanitário. 2.ed. Buenos Aires, 2003; p. 22-23)
41
delegados de vinte e seis Estados. A despeito de os membros e fundadores terem
consciência da impossibilidade de coibir os conflitos armados, a conferência buscou
discutir “acerca de uma série de propostas relativas à regulamentação da condução
das ações das forças armadas estatais em conflito‖ (BORGES, 2006, p.24).
No ano de 1907, realizou-se a II Conferência de Paz de Haia. Tal
conferência teve a participação de quarenta e quatro nações que almejavam a paz.
Todavia, esse objetivo não foi totalmente alcançado, porquanto, poucos anos
depois, houve a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Nos períodos subsequentes à Guerra, o Direito de Haia conquistou
importância fundamental. Dentre as conquistas, destaca-se a regulamentação da
guerra marítima e aérea, que não podem mais utilizar-se de armas químicas e
tóxicas.
b) O Direito de Genebra
As atividades realizadas por Henry Dunant podem ser avaliadas
como idealizadoras para o surgimento do Direito de Genebra. Dunant escreveu o
livro ―Memórias de Solferino‖, relatando os horrores presenciados, após vivenciar os
flagelos deixados pelo conflito armado em razão da Segunda Guerra da
Independência Italiana, ocorrido em 21/06/1859, ao norte da Península Itálica, entre
a Áustria e a França que saiu vencedora, resultando em grande número de feridos,
além de lhes prestar ajuda. Ele recomenda duas ações indispensáveis para suavizar
a dor e o sofrimento dos soldados e combatentes feridos: a) a criação de sociedades
de socorro privadas em cada país, que segundo KALSHOVEN E ZEGVELD (2003;
p.21–41), teriam o desígnio de colaborar com os serviços sanitários militares; b) a
42
aceitação de um tratado que legitimasse esta atividade e facilitasse o desempenho
dessas organizações.
Nessa conjuntura, no ano de 1864, realizou-se uma convenção em
Genebra, na Suíça, que tinha o propósito de proteger os militares feridos nas
guerras.
Segundo BORGES, as principais medidas da Convenção de
Genebra de 1864 foram:
[...] o reconhecimento de neutralidade das ambulâncias e hospitais militares;
a proibição da prisão do pessoal médico ou de ataque contra ele, o qual,
enquanto exercer suas funções será considerado neutro; o recolhimento e a
medicação dos militares feridos e enfermos independentemente de sua
nacionalidade; e a imposição de que as ambulâncias tenham um sinal
distintivo caracterizado por uma cruz vermelha sobre um fundo branco
(2006, p.28).
No ano de 1929, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha
organizou outra convenção, após a lamentável carnificina ocorrida na Primeira
Guerra Mundial, com o fito de garantir maior amparo aos atingidos pelos conflitos de
guerra.
Em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, realizou-se nova
reunião em Genebra, que buscou revisar as normas até então vigentes. Desta
reunião, foram criadas as quatro Convenções de Genebra.
Sobre as Convenções de Genebra, BORGES leciona:
A primeira relativa à proteção dos feridos e enfermos; a segunda, quanto
aos náufragos, feridos e enfermos no mar; a terceira, relativa aos
prisioneiros de guerra; e a quarta, consagrando proteção aos civis em
tempo de guerra. (2006, p.28).
43
Com o desígnio de preencher as lacunas deixadas pelas
Convenções de Genebra, foram ainda anexados dois Protocolos Adicionais no ano
de 1977.
Conforme ensinamento de KALSHOVEN E ZEGVELD:
Esse desenvolvimento acelerado culminou finalmente na Conferência
Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito
Internacional Humanitário aplicável nos conflitos armados, realizado em 1974
em Genebra, organizada pelo Governo suíço. Em quatro sessões por ano e
com base em um número de projetos apresentados pelo CICV, a Conferência
estabeleceu o texto dos Tratados chamados Protocolos Adicionais às
Convenções de Genebra de 1949. Protocolo I trata da proteção de vítimas de
conflitos armados internacionais e II Protocolo para a Proteção das Vítimas
11
dos Conflitos Armados não Internacionais . Ambos são uma combinação de
Direito de Haia e de Genebra lei, com elementos importantes dos direitos
humanos. (2003; p.38–39).
c) O Direito de Nova Iorque
Segundo BORGES (2006, p.30), O Direito de Nova Iorque é
resultado dos esforços da Organização das Nações Unidas para a divulgação do
Direito Internacional Humanitário.
Inicialmente, a ONU não demonstrou muito interesse, porquanto se
acreditava que este ramo do direito ia contra a manutenção da paz, pois o Direito
Internacional Humanitário possui o desígnio de regulamentar as guerras. Desta
11
Protocolo I: adotado em 8 de junho de 1977 pela Conferência diplomática sobre a reafirmação e
desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável a conflitos armados. Entrou em vigor em 7 de
dezembro de 1979. Concerne à proteção das vítimas de conflitos armados internacionais, considerando que
conflitos armados contra a dominação colonial, ocupação estrangeira ou regimes racistas devem ser considerados
como conflitos internacionais. Até 12 de janeiro de 2007, havia sido ratificado por 167 países dos 188
participantes das Convenções de Genebra de 1949. Dentre os países que não ratificaram o protocolo, estão:
Estados Unidos, Israel, Irã, Paquistão, Afeganistão e Iraque. Protocolo II: também adotado em 8 de Junho de
1977 pela mesma Conferência, passou igualmente a vigorar a partir de 7 de dezembro de 1979. Refere-se à
proteção das vítimas durante conflitos armados não internacionais (guerras civis). Até 12 de janeiro de 2007,
tinha sido ratificado por 163 países. Entre os que não ratificaram o protocolo, os mais notáveis são Estados
Unidos, Israel, Irã, Paquistão, Afeganistão e Iraque, embora, em 12 de dezembro de 1977, os Estados Unidos, o
Irã
e
o
Paquistão
tenham
manifestado
a
intenção
de
ratificá-lo.
Fonte:
http://www.icrc.org/ihl.nsf/INTRO/470?OpenDocument
44
forma, entedia a ONU que se caminhava em sentido contrário ao que se propugnava
a Organização.
Todavia, em 1968, com a Conferência de Teerã12, a Organização
das Nações Unidas obteve maior interesse pelo Direito Internacional Humanitário e
passou a buscar garantias para a maior efetividade na aplicação das normas e
convenções internacionais humanitárias presentes nos conflitos armados, segundo
BORGES (2006, p.56).
KALSHOVEN E ZEGVELD complementam:
Perante a aprovação da resolução 2444, as atividades da ONU em relação
ao desenvolvimento do direito aplicável nos conflitos armados se dividiram
em duas categorias completamente distintas. Por um lado, em uma série de
informes anuais [...] Por outro lado, em repetidas ocasiões, a Assembleia
Geral e suas diversas comissões debateram e aprovaram resoluções sobre
questões específicas bem definidas, em particular, a proteção das mulheres
e das crianças, a situação dos jornalistas e a condição dos combatentes
para a liberação nas guerras de liberação nacional (2003, p.35).
Ainda de acordo com estes autores (Kalshoven e Zegveld), nessa
conjuntura, é importante destacar que a atuação da ONU foi muito importante, pois
foi idealizada a inserção do assunto na agenda desta Organização, além da eleição
da necessidade de abrigo dos direitos fundamentais da pessoa humana, foram
12
De acordo com a Resolução n. 2.081 (XX), de 20 de dezembro de 1965, pela qual a Assembleia Geral das
Nações Unidas convocou a Conferência Internacional dentro da programação do “Ano Internacional dos Direitos
Humanos” – conforme 1968 havia sido designado para marcar o vigésimo aniversário da Declaração Universal
(A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia
Geral, reunida em Paris, em 10 de dezembro de 1948. A designação de 1968 como “Ano Internacional dos
Direitos Humanos” foi feita pela Resolução n. 1.961 (XVIII), adotada pela Assembleia Geral, em Nova York,
em 12 de dezembro de 1963) –, os objetivos do encontro seriam de: a) rever os progressos realizados desde a
adoção da Declaração Universal; b) avaliar a eficácia dos métodos utilizados pelas Nações Unidas no campo dos
direitos humanos, especialmente com respeito à eliminação de todas as formas de discriminação racial e as
práticas da política de apartheid; c) formular um programa de medidas a serem tomadas na seqüência das
celebrações
do
Ano
Internacional
dos
Direitos
Humanos.
Disponível
em:
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/Revista%20PGE%2053.pdf, acessado em 04/03/2012.
45
consignadas questões particulares e controversas, como aquelas relativas aos
combatentes de guerrilha e movimentos de libertação nacional (2003, p.35-36).
Destaca-se que essas três correntes que compõem as fontes do
Direito Internacional Humanitário convergem entre si cada vez mais no que enseja à
complementação de suas deliberações.
Nesse sentido, BORGES explica:
[...] dando início à criação de um único corpo de normas jurídicas que
engloba as disposições de proteção das vítimas de conflitos, as regras de
limitação aos meios e métodos de combate, e a proteção internacional dos
direitos humanos nos conflitos armados (2006, p.32)
Com
a
celebração
da
Conferência
Diplomática
sobre
a
Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável em
Conflitos Armados, realizada entre 1974 e 1977, em Genebra, foram adotados os
Protocolos Adicionais que podem ser, segundo BORGES, considerados como uma
união do direito de Haia e do direito de Genebra. A partir da adoção desses
Protocolos, essas duas correntes do Direito Internacional Humanitário tornam-se
praticamente uma só, possuindo apenas distinção histórica (2006, p.58).
2.3. APLICABILIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO
O Direito Internacional Humanitário possui aplicabilidade nos
conflitos armados internacionais e internos. Os conflitos internacionais podem ser
definidos como:
[...] todos os casos de guerra declarada ou de qualquer outro conflito
armado o qual pode acordar entre duas ou mais das Altas Partes
Contratantes, mesmo que o estado de guerra não seja reconhecido por uma
delas (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.88).
46
De acordo com os mesmos autores, os conflitos internacionais
também podem agregar os casos de: ocupação total ou parcial de território alheio,
ou seja, de outro Estado-Nação, mesmo realizado sem resistência, bem como as
guerras para libertação nacional – guerras contra dominação colonial e contra
regimes racistas (1999, p.88).
Quanto aos conflitos não-internacionais, ou seja, internos, não há
uma definição muito clara sobre o tema e podem ser igualmente denominados de
guerra civil. De acordo com a Conferência Diplomática de 1974-1977, ficou
estabelecido que as normas do Direito Internacional Humanitário se aplicariam aos
casos anteriormente descritos e em situações nas quais os conflitos armados
acontecessem:
SASSÒLI e BOUVIER elucidam que tais normais se aplicam
também:
No território de uma das Altas Partes Contratantes entre as forças armadas
e forças armadas dissidentes, ou outros grupos armados organizados, os
quais, sob comando responsável, exercem controle sobre uma parte do
território [...] (1999; p.89).
Ainda de acordo com os mesmos autores, o Direito Internacional
Humanitário não se aplica em casos de tensões e violência interna ou situações de
perturbação, tais quais: baderna, tumulto, greves, manifestações, atos de violência
isolados e esporádicos e, ainda, outros atos de natureza semelhante, visto que não
se enquadram como conflitos armados. (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.89)
Os referidos autores ainda ensinam que:
47
Teoricamente, deve-se estudar, interpretar e aplicar o Direito Internacional
Humanitário de conflitos armados internacionais e o Direito Internacional
Humanitário
de
conflitos
armados
não
internacionais
como
duas ramificações separadas da lei [...] Além disso, conflitos armados não
internacionais ocorrem hoje em dia com muito mais frequência e conferem
mais sofrimento que conflitos armados internacionais (1999, p.202).
SASSÒLI e BOUVIER, afirmam ainda que em relação à aplicação
temporal do Direito Internacional Humanitário:
[...] O Direito Internacional Humanitário começa a ser aplicado assim que
um conflito armado aparece, assim que a primeira pessoa é afetada pelo
conflito, a primeira porção de território ocupada, o primeiro ataque iniciado,
etc. (1999, p. 203).
Em relação ao final da aplicação do Direito Internacional Humanitário
em um determinado território, pode-se assegurar que é muito difícil definir
exatamente este momento, dependendo muito do caso em específico e das
consequências provocadas naquele lugar.
Cabe destacar que, segundo BORGES, o Art. 1º do Protocolo II, de
1977, adicional as Convenções de Genebra de 1949, caracteriza a atuação temporal
do Direito Internacional Humanitário em conflitos internos:
Nos casos de guerra civil, exige-se um nível de intensidade mínimo das
hostilidades para que haja a necessidade de aplicação das normas de
Direito Internacional Humanitário, assim como algumas características
materiais, que determinam que aquela situação seja, efetivamente, um
conflito interno, com certa organização do grupo dissidente, presença de um
comandante responsável, controle sobre uma parte do território, etc. (2006,
p.49)
As normas humanitárias não se aplicam somente durante um conflito
armado, mas também após o seu término, bem como em tempo de paz. Com a
conclusão de uma luta armada, muitos indivíduos continuam sofrendo as
consequências da violência gerada pela guerra e permanecem nesse estado sob a
48
égide do Direito Internacional Humanitário, como pessoas que ainda não foram
repatriadas ou que não obtiveram libertação definitiva, como o caso de refugiados
(BORGES; 2006, p.50).
Obviamente, que nem sempre os refugiados são pessoas que se
encontram presas, servindo apenas como exemplo no caso acima, pois refugiados
são aquelas pessoas que são forçadas a fugirem de seus países, individualmente ou
parte de evasão em massa, devido a questões políticas, religiosas, militares ou
quaisquer outros problemas. Como definido na Convenção Relativa ao Estatuto dos
Refugiados das Nações Unidas de 1951, um refugiado é toda pessoa que:
Devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião,
nacionalidade, por pertencer a determinado grupo social e por suas
opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não
possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer à proteção de
tal país; ou que, carecendo de nacionalidade e estando, em conseqüência
de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual,
13
não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira a ele regressar .
O Direito Internacional Humanitário também possui aplicação
permanente, a saber, suas normas devem estar sendo sempre ensinadas e
divulgadas. As partes de um conflito e os comandantes dos exércitos e de grupos
armados devem passar instruções para os combatentes relativas ao respeito e ao
uso das normas humanitárias (BORGES; 2006, p.51).
No
âmbito de
aplicação geográfica,
o
Direito
Internacional
Humanitário: ―... se estende por todos os locais alcançados pelas atividades
beligerantes, sejam elas, frise-se, de preparação ou concretização dos atos hostis.‖
O autor afirma que, segundo o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia,
os prisioneiros de guerra, que são combatentes em poder do inimigo também são
protegidos pelo Direito Internacional Humanitário, mesmo estando em localidades
vizinhas às hostilidades (BORGES, 2006, p.55).
13
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas de 1951. obra citada. p. 1033.
49
BORGES ressalta sobre a aplicabilidade geográfica do Direito
Internacional Humanitário:
Assim, percebe-se que sua aplicabilidade espacial não se relaciona com a
exata localização da pessoa afetada no território do Estado beligerante,
sendo o Direito Internacional Humanitário, portanto, aplicado em todo o
território do Estado em conflito, e não somente no contexto geográfico
estreito do atual teatro de operações de combate (2006, p.57).
As leis humanitárias se aplicam também na esfera pessoal, em
relação às vítimas e combatentes de conflitos armados, bem como, aos Estados,
Organizações Internacionais, grupos armados e movimentos de libertação nacional.
De acordo com BORGES (2006, p.60) ―Não há a menor dúvida de
que o Estado é a entidade central ou o principal sujeito ativo das normas do direito
humanitário.‖ Ele também é responsável pelas forças armadas, sendo sua obrigação
garantir a aplicação e a efetividade das normas do Direito Internacional Humanitário.
Outro segmento passível de aplicação do Direito Internacional
Humanitário são os grupos armados em conflito interno, que devem respeitar as
normas do direito humanitário, bem como os movimentos de libertação nacional que
reafirmam o direito de autodeterminação dos povos que lutam contra as potências
coloniais.
Como já foi mencionado, o Direito Internacional Humanitário é
aplicado na esfera pessoal, de forma a proteger os seres humanos envolvidos ou
afetados por conflitos armados. Nesse caso, é possível ressaltar que existem
algumas distinções, como é o caso dos civis e dos combatentes.
Os civis podem ser caracterizados como todos aqueles que não são
combatentes. Eles não tomam parte direta nas hostilidades e nem possuem esse
50
direito, ao contrário dos combatentes, que devem participar diretamente dos
conflitos, porém sempre observando o Direito Internacional Humanitário. (SASSÒLI;
BOUVIER, 1999. p.150 a 160).
A população civil tem o direito de proteção, pois ela não participa do
conflito, ao passo que os combatentes são protegidos quando não mais participam
das forças armadas, seja por terem caído em poder do inimigo ou por estarem
feridos, doentes ou naufragados. (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.150 a 160).
Nesta linha, BORGES ensina:
Os primeiros indivíduos objeto de preocupação do Direito Internacional
Humanitário foram os feridos e enfermos que, também como os náufragos,
constituem um grupo de pessoas que não mais tomam parte nas
hostilidades e, portanto, não devem ser atacadas. Com a finalidade de
proteger esse grupo e lhe prestar auxílio necessário, as Convenções de
Genebra estenderam igualmente ao pessoal sanitário e religioso. [...] Por
fim, como estabelecido pelo próprio Comitê Internacional da Cruz Vermelha,
os civis constituem a imensa maioria das vítimas dos conflitos armados,
mesmo tendo o Direito Internacional Humanitário estipulado expressamente
que ataques só podem ser efetivados contra os combatentes da parte
inimiga e contra os objetivos militares (2006, p.66).
O Direito Internacional Humanitário também possui recomendações
no tratamento de prisioneiros de guerra, na sua repatriação, quanto à proteção dos
náufragos, feridos e doentes, em relação aos bens e objetos médicos, às zonas de
neutralidade, aos mortos e perdidos, entre outros.
Segundo SASSÒLI e BOUVIER (1999, p.150 a 160) os civis têm se
tornado o grupo mais atingido pelos conflitos armados. De acordo com o Direito
Internacional Humanitário, os ataques deveriam ser somente contra combatentes e
alvos militares, o que não tem sido respeitado. Existem leis específicas aplicáveis às
organizações de assistência e socorro, mulheres, crianças, jornalistas, etc.
Como exemplo, temos as Convenções de Genebra de 1949 assim
como seus Protocolos Adicionais de 1977, que foram elaboradas para oferecer
51
proteção àquelas pessoas que não tomam parte no conflito. O Primeiro Protocolo
Adicional se aplica à conduta baseadas no sexo. Os dispositivos relativos a nãodiscriminação são devidos a proteção de mulheres civis durante um Conflito
Armado. As mulheres civis que não participam nas hostilidades têm a proteção do
Direito Internacional Humanitário. O Art. 3º comum às quatro Convenções de
Genebra e o Segundo Protocolo Adicional nos Art. 4º e 5º, estabelecem garantias. O
Direito Internacional Humanitário proíbe qualquer ataque à honra da mulher,
incluindo estupro, prostituição forçada ou qualquer outro tipo de atentado ao pudor
(CG IV, Art. 27, 1º P, Art. 75 e 76; 2º P, Art. 4º) (ROVER: 2005; p.333).
Outro exemplo que temos é em relação à medida protetiva do Art. 38
da Convenção sobre os Direitos da Criança, onde os Estados-Partes devem
respeitar as normas de Direito Internacional Humanitário nas situações de conflito
armado em relação às crianças. Eles devem adotar medidas que assegurem a não
participação e também o não recrutamento de crianças que não tenham atingido a
idade de quinze anos (ROVER: 2005; p.353).
Um grupo que merece destaque é o dos refugiados e pessoas
deslocadas. Segundo SASSÒLI e BOUVIER (1999, p.150 a 160): ―Pessoas
deslocadas são civis que fogem de conflitos armados dentro dos seus próprios
países‖. O Direito Internacional Humanitário protege esses deslocados durante
conflitos internacionais armados, garantindo seu direito de receber itens essenciais
para sua sobrevivência. Civis deslocados por conflitos internos possuem proteção
similar, porém menos detalhada.
Por outro lado, os refugiados são aqueles que escapam do seu país
para outro. Nestes casos, o Direito Internacional Humanitário os protege como civis
52
afetados por conflitos, apenas se o país de destino for parte de um conflito
internacional.
Entre as normas básicas do Direito Internacional Humanitário
aplicáveis em conflitos armados, cabe citar:
1. As pessoas fora de combate e aquelas que não participam diretamente
das hostilidades têm direito ao respeito à sua vida e à sua integridade física
e moral. Deverão elas ser, em todas as circunstâncias, protegidas e
tratadas humanamente, sem qualquer distinção de natureza desfavorável.
2. É proibido matar ou ferir o inimigo que se rende ou que se encontra fora
de combate.
3. Os feridos e enfermos serão recolhidos e assistidos pela Parte em
conflito que os detenha em seu poder. A proteção também se estenderá ao
pessoal sanitário, estabelecimentos, transportes e equipamento. O
emblema da Cruz Vermelha (ou do Crescente Vermelho) é o sinal desta
proteção e deverá ser respeitado.
4. Os combatentes capturados e civis que estejam em poder da Parte
inimiga têm direito ao respeito à sua vida, à sua dignidade, aos seus direitos
e convicções pessoais. Serão protegidos contra todos os atos de violência e
represálias. Terão o direito de corresponder-se com suas famílias e de
receber socorro.
5. Todos terão o direito de beneficiar-se das garantias judiciais
fundamentais. Ninguém poderá ser considerado responsável por ato que
não tenha cometido. Ninguém será submetido à tortura física ou mental, a
castigo corporal, ou a tratamento cruel e degradante.
6. As partes em conflito e os membros de suas respectivas forças armadas
não têm direito ilimitado no que diz respeito à escolha dos métodos e meios
de guerra. É proibido usar armas ou métodos de guerra de natureza tal que
venham causar perdas desnecessárias ou sofrimento excessivo.
7. As Partes em conflito deverão sempre distinguir a população civil dos
combatentes, poupando a população e os bens civis. Não serão objeto de
ataque nem à população civil como tal e nem as pessoas civis. Os ataques
se dirigirão contra os objetivos militares. (Comitê Internacional da Cruz
14
Vermelha, 1983) .
Conforme ensinamento de CELSO MELLO:
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é quem produziu e continua a
lutar pelo aperfeiçoamento e expansão do Direito Internacional
Humanitário. Este só começou a ser mencionado após as quatro
convenções de Genebra de 1949 e se consolidou com os dois protocolos
de 1977. Atualmente, no entanto, coloca-se como pertencendo ao Direito
Humanitário às convenções anteriores, promovidas pelo CICV. Na verdade,
não existe qualquer equívoco em se fazer isso, vez que elas visavam
igualmente à proteção do homem (1996: p.51).
14
Disponível em: http://www.icrc.org/por/. Acesso em 01/12/2011.
53
O Art. 3º, comum às Convenções de Genebra, deixa claro que o
Direito Internacional Humanitário não deve afetar no status legal das partes do
conflito, não interferindo assim, na sua soberania, tampouco nas responsabilidades
do Estado em manter e restabelecer a lei ou defender sua unidade territorial
(SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.150 a 160).
Os principais mecanismos previstos pelo Direito Internacional para
garantir seu respeito e para sancionar suas violações são insatisfatórios e
ineficientes em relação ao Direito Internacional Humanitário, tanto que a
implementação desse Direito é feita, muitas vezes, por outras ramificações do Direito
Internacional. Nos conflitos armados, esses mecanismos são insuficientes e alguns
são até mesmo opostos ao Direito Humanitário (SASSÒLI; BOUVIER, 1999, p.150 a
160).
54
3. A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS NO DIREITO INTERNO
Este item é de suma importância, pois irá tratar de assunto relativo à
questão dos tratados internacionais, utilizando as Convenções de Viena de 1969 e
198615, sendo que a doutrina ao se debruçar sobre o estudo dos tratados,
especificamente sobre a sua aprovação e incorporação, estabelece entendimentos
para esse instituto de direito internacional.
3.1. DA APROVAÇÃO
Conforme magistério de ACCIOLY, os tratados, para serem
considerados válidos, necessitam que algumas condições sejam observadas. São
as chamadas condições de validade: capacidade das partes contratantes, a
habilitação ou competência dos agentes, objeto lícito e possível e, ainda, o
consentimento mútuo (2002; p.30).
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 aponta
as hipóteses que justificam considerar um tratado inválido. Aquelas elencadas na
parte V, dos Art. 42 ao 72, da referida convenção. O Art. 42 é possuidor das
situações que legitimam os Estados-Partes a invocarem a nulidade dos tratados
internacionais, o que somente pode ser feito com base nas cláusulas da própria
Convenção, conforme disposição expressa no Art. 42 e seus parágrafos.
15
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre
Organizações Internacionais foi um tratado assinado em 21 de Março de 1986, redigido para complementar a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, somente entre os Estados. Legislação de Direito
Internacional, obra citada, p. 844 a 864.
55
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986, também
traz os dispositivos referentes à nulidade dos tratados internacionais.
As Convenções (1969 e 1986) se preocupam com a proteção da
validade formal dos tratados e com a manifestação de vontade das partes
contratantes. Desta forma é que o Art. 42, parágrafo 1º enuncia que a validade de
um tratado ou do consentimento de um Estado e de uma organização internacional
em se obrigar por um tratado só pode ser contestada mediante a aplicação da
presente Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais (1969) ou entre Organizações Internacionais de 1986.
Quanto à situação das nulidades que podem viciar os tratados
internacionais, as convenções preveem as hipóteses de arguição, ficando claro que
o objetivo é fazer prevalecer o respeito à vontade dos contratantes, bem como a
validade dos tratados internacionais. Este parece ser o intuito das convenções:
restringir as possibilidades de serem declaradas nulas às cláusulas isoladas dos
tratados internacionais. As hipóteses previstas pelo Art. 44 de ambas as
convenções, em seu parágrafo 2º, deixam claro que uma causa de nulidade de um
tratado só pode ser alegada em relação à sua totalidade, com exceção das
condições previstas nos parágrafos seguintes ou no Art. 60, que, em suma, tratam
de uma violação substancial de um tratado.
Neste sentido, o STF apreciou a medida cautelar em Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 1480-3, impetrada pela Confederação Nacional dos
Transportes e a Confederação Nacional da Indústria que ajuizaram a Ação com
pedido de medida cautelar, visando sustar os efeitos da Convenção n° 158 da
Organização Internacional do Trabalho (que trata da garantia do emprego contra a
56
dispensa imotivada). Ao examinar o pleito cautelar, a Corte Constitucional, em
acórdão da lavra do Ministro Celso de Mello, examinou a questão da internalização
dos tratados e atos internacionais no Brasil.
Para o Pretório Excelso, a Constituição da República não prevê um
rito específico para a incorporação de Tratados e Convenções Internacionais. Exige
sim, consoante o disposto pelos Art. 49, I, 59, VI e 84, VIII da Lei Maior, a
intervenção do Legislativo na ratificação dos tratados, como forma de controle
democrático. Para integrar o direito positivo interno, os tratados internacionais
devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo e
promulgados pelo Presidente da República, por meio de decreto presidencial,
procedimento que foi seguido no caso dos dispositivos convencionais atacados por
meio de referida ADI. Por isto, os dispositivos da Convenção foram incorporados ao
direito positivo interno e são tidos como válidos. Posteriormente, ao julgar o Recurso
em Habeas Corpus n° 79.785, o STF reiterou mais uma vez sua posição sobre a
primazia da Constituição sobre as normas convencionais. Por se tratar de decisão
que concerne diretamente à questão da internalização dos tratados internacionais de
direitos humanos, este acórdão será examinado mais adiante.
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o
tratado internacional, uma vez celebrado pelo Presidente da República (Art. 84, VIII,
CF/88), referendado pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo (Art.
49, I, CF/88) e promulgado e publicado por decreto presidencial, entra em nosso
ordenamento jurídico com o status de norma infraconstitucional. Acolhe-se, assim, a
equiparação jurídica do tratado internacional à lei ordinária federal.
Disso tudo, resulta que, para ser um tratado internalizado no Brasil,
se impõe a prática de dois atos jurídicos distintos. O primeiro, a promulgação pelo
57
presidente da república, destinada a atestar a existência, a validade e a
executoriedade de um tratado internacional firmado pelo país. O segundo, a
publicação também pelo presidente da república, destinada a comunicar o teor das
normas convencionais, introduzindo o tratado no direito interno e determinando o
seu cumprimento. Mais importante, o tratado somente começa a produzir efeitos
quando de sua publicação. De pronto se conclui que as doutrinas monistas se
afastam do modelo brasileiro, já que para estas a prática de qualquer ato de
incorporação é desnecessária, convivendo em um único sistema subordinado em
ambas as esferas normativas. A incorporação ou internalização das normas de
direito internacional é expressão que discrepa completamente dos preceitos teóricos
do monismo16 (SOARES; 2002: p. 204-205). Em não se tratando da edição de um
diploma legislativo que crie direito novo, mesmo que seu teor se limite a repetir os
termos adotados pela convenção internacional, não é possível afirmar que o modelo
brasileiro adota o dualismo17 (SOARES; 2002, p. 204-205), mas uma versão
16
A formulação da teoria do monismo partiu do jurista austríaco Hans Kelsen, em outro curso igualmente na
Academia da Haia, publicado no Recueil des Cours (KELSEN, H. Lês rapports de système entre Le droit
international et le droit interne. In: Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, v. 14, p. 231331), em 1926, elaborada, portanto, no mesmo momento histórico em que emergira o dualismo de H. Triepel, a
qual passaria a ser conhecida como monismo. Partindo do pressuposto de que as normas internas e as
internacionais constituem um único fenômeno normativo, que têm em mira regular o comportamento livre dos
homens e sua natural sociabilidade, em qualquer circunstância, inclusive em seu relacionamento fora da própria
comunidade, somente existiria um único sistema jurídico, sendo os ordenamentos jurídicos nacionais sistemas
normativos parciais, que se integram no ordenamento jurídico internacional. Sendo assim, as convenções e
tratados internacionais, bem como o costume internacional, têm vigência imediata nos ordenamentos jurídicos
internos, sem necessidade de qualquer ato formal de recepção (e mesmo exigindo-se um ato de internalização,
como uma lei nacional ou atos complexos de cooperação entre o Executivo e o Legislativo nacionais), as ordens
jurídicas seriam a mesma realidade normativa, com particularidades em sua feitura.
17
A formulação teórica da questão do dualismo, como sabemos, deveu-se ao jurista alemão Heinrich Triepel,
que a expôs de forma sistemática num curso da Academia de Direito Internacional da Haia, por sinal, um dos
primeiros a ser publicado no famoso Recueil des Cours (TRIEPEL, H. Lês rapports entre le droit interne et le
droit international. In: Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, v. 1, 1923. p. 77-118), em
1923, e que teria como seguidor e genial sistematizador o eminente Prof. Dionizio Anzilotti, da Universidade de
Pádua (ANZILOTTI, D. Corso de diritto internazionale, Pádua, 1928). Posteriormente denominada de teoria
dualista, essa concepção parte do pressuposto da existência de dois ordenamentos jurídicos totalmente distintos,
originários de fontes diversas e com destinatários de suas normas diferenciados, sistemas esses que se ignoram
reciprocamente e não se superpõem, salvo nos casos de haver uma recepção das normas internacionais nos
ordenamentos jurídicos nacionais, o que se realiza por meio de uma lei ou de um ato expresso do Poder
Executivo dos Estados. Apud. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público.
Volume 1. São Paulo: Atlas, 2002.
58
moderada, o que justifica a seguinte conclusão: Primeiro, no Brasil, todos os
tratados internacionais precisam ser internalizados através de um ato complexo que
inclui a aprovação congressual e a promulgação executiva, sem o que não se
integram ao ordenamento jurídico interno. Segundo, este sistema, de acordo com as
teorias doutrinárias dominantes, só pode ser classificado como dualista.
Uma vez estabelecido que os tratados, na praxe constitucional
brasileira, têm de ser incorporados ao ordenamento jurídico interno, sem o que não
têm validade ou eficácia, aparece, como uma verdade inafastável, que o direito
brasileiro não admite a possibilidade de conflito entre norma contida18 (SILVA: 2007;
p. 101 e 116) de direito internacional e direito interno. Por não ser o tratado
internacional, antes de sua promulgação e publicação, aplicável dentro da República
Federativa do Brasil, não é possível ser ele invocado em defesa de qualquer
pretensão perante os tribunais brasileiros.
A Constituição Brasileira de 1988, no Art. 84, inciso VII, diz competir
privativamente ao Presidente da República "manter relações com Estados
estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos". Esta competência
normalmente é delegada ao Ministro das Relações Exteriores no caso do Estado
Brasileiro (Ministro dos Negócios Estrangeiros ou Assuntos Estrangeiros em alguns
Estados) ou aos Chefes de Missão Diplomática em acordos bilaterais, ou seja, aos
plenipotenciários tácitos. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou
credenciado pelo País estrangeiro, pode ser agente plenipotenciário. Nesse sentido
é que o Decreto nº 7.304, de 22 de setembro de 2010, em seu anexo I, capítulo I,
18
Conceituando, normas constitucionais de eficácia contida, “são aquelas em que o legislador constituinte
regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva
por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de
conceitos gerais nelas enunciados”. Por outro lado, são normas constitucionais de eficácia plena aquelas que,
"desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos
essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e
normativamente, quis regular". SILVA, Jose Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2007.
59
sobre a natureza e competência, diz que: ―Art. 1º... parágrafo único. ―Cabe ao
Ministério (das Relações Exteriores) auxiliar o Presidente da República na
formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter relações
com Estados estrangeiros, organismos e organizações internacionais‖19.
Cabe ainda ressaltar que é na fase da negociação que os tratados
internacionais sofrem o primeiro controle de constitucionalidade (de natureza
política), ou seja, na elaboração do texto dos tratados, são apreciados os
pressupostos de constitucionalidade referentes à matéria (constitucionalidade do
objeto do tratado), com a finalidade de se obter o texto final que possa ser assinado.
É uma espécie de controle prévio saneador, preparatório do instrumento para sua
assinatura posterior.
Corroborando com tal assertiva, LOUREIRO (2005, p. 88) afirma que
o regime jurídico dos tratados internacionais sobre direitos humanos tem foco
constitucional no disposto na cláusula final do parágrafo 2º do Art. 5º da atual
Constituição Federal, na qual os direitos e garantias fundamentais decorrentes de
tratados internacionais ratificados pelo Governo brasileiro integram o texto
constitucional.
Como consequência, junto aos direitos e garantias fundamentais
expressos concentrados no Título II ou esparsos ao longo do texto da Constituição
Federal, e dos direitos e garantias não expressos (implícitos ou decorrentes do
regime democrático e dos princípios constitucionais), estão às normas incorporadas
através de tratados internacionais sobre direitos humanos, as quais possuem a
mesma natureza jurídica das categorias das normativas referidas (LOUREIRO,
2005, p. 88).
19
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7304.htm#art6. Acesso
em 17/01/2012.
60
4. POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INCORPORADOS PELO DIREITO
BRASILEIRO
Os tratados internacionais são acordos juridicamente obrigatórios e
vinculantes celebrados entre duas entidades de direito internacional. A partir da
Convenção de Viena, concluída em 196920, foram estabelecidas regras para a
formação e princípios a que se devem ater os tratados celebrados entre nações. A
primeira regra estabelecida é que os tratados se aplicam aos Estados-Partes, ou
seja, somente aos Estados que concordaram com a sua adoção.
Deste modo, os tratados são, por excelência, expressões de
consenso e, uma vez aceitos, os Estados que o assinaram se comprometem a
cumpri-los. A exigência do consenso é estabelecida no Art. 52 da Convenção de
Viena de 1969 quando dispõe que o tratado será nulo se sua aprovação for obtida
por ameaça ou uso da força em violação aos princípios de Direito Internacional.
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 198821, em seu Art. 84,
inciso VIII, determina que é de competência privativa do Presidente da República
―celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do
Congresso Nacional‖. Entretanto, o Art. 49, inciso I, prevê ser da competência
exclusiva do Congresso Nacional ―resolver definitivamente sobre tratados, acordos
ou atos internacionais‖, consagrando assim a divisão de atribuições entre o Poder
Legislativo e Executivo, respeitando-se o princípio da divisão de poderes.
20
21
Convenção dos Tratados de Viena de 1969, obra citada, p. 844 a 864.
CF/88, obra citada, p. 6.
61
4.1.
INCORPORAÇÃO
DO
DIREITO
INTERNACIONAL
DOS
DIREITOS
HUMANOS
Considerando que o processo de elaboração de convenções sobre
assuntos relacionados aos direitos humanos estabelece órgãos de supervisão
internacional e que tais convenções possuem efeitos jurídicos vinculantes e
obrigatórios entre os Estados-Partes, é necessário cumprir o que foi acordado.
Deste modo, quando há descumprimento de preceitos estabelecidos nessas
convenções, ocorre a violação das obrigações assumidas no âmbito internacional, o
que implica na responsabilização do Estado que o feriu.
Os órgãos de supervisão internacional22 têm se proliferado nas
últimas décadas, a ponto de cada um deles ter que afirmar a capacidade de agir à
medida que entraram em vigor.
Antes de se contraporem, estes órgãos de supervisão se completam
aumentando ainda mais o leque de garantias ao indivíduo. CANÇADO TRINDADE
vai além da visão de outros autores e defende que o princípio da reciprocidade
inerente às convenções e aos tratados internacionais é suplantado em tratados
relativos a direitos humanos. Isto porque a invocação da reciprocidade para o não
cumprimento de obrigações relativas a estes tratados não pode ser alegada, pois
estaria ferindo a própria Convenção de Viena, citada anteriormente, sobre o direito
22
Podendo ser citados: o Comitê de Direitos Humanos, previsto no Pacto Internacional das Nações Unidas de
Direitos Civis e Políticos de 1966; o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
(CERD), convocado pela Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial de 1965; o Comitê sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, criado pela Convenção que traz igual denominação de 1979; o Comitê contra a Tortura, criado pela
Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou
Degradantes de 1984; a Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos, convocada pela Carta Africana
sobre Direitos Humanos e dos Povos de 1981. Além também dos órgãos de supervisão próprios no sistema
interamericano, a saber: a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos previstas na Convenção
Americana de Direitos Humanos de 1969, complementando-se ainda com a Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura de 1985; e ainda, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) de 1994 (PIOVESAN; 2011: 148-160).
62
dos tratados que, dispõe sobre as condições em que uma violação de um tratado,
pode acarretar sua suspensão ou extinção, excetuando expressa e especificamente
os "tratados de caráter humanitário" Art. 60, V. (CANÇADO TRINDADE: 1999; p.
69). A mesma Convenção, em seu Art. 27, preceitua que uma parte não pode
invocar disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um
tratado23.
Os autores nacionais ligados à escola dualista, atrelados à ideia da
soberania absoluta24, defendendo que a adoção de preceitos de direito internacional
decorre de faculdade discricionária, citam reiteradamente o leading case25 do ano de
1977, portanto anterior a atual Constituição e prolatado em pleno regime de
exceção, que afirma o seguinte (Rec. Ext. 80.004)26: tratados internacionais são
equivalentes a leis, desta forma, não possuem status constitucional. Apesar de muito
contestada, é ainda a ideia que se apegam autores contrários ao critério da primazia
da norma internacional. Contudo, pronuncia-se CELSO MELLO, em sua obra Direito
Constitucional Internacional:
Haverá, por fim, aqueles que a luz da posição adotada no RExt. 80.004,
que configura o leading case da matéria, pretenderão que os tratados
envolvendo direitos fundamentais não se distinguem dos demais tratados
no que se refere as suas relações com o direito interno. Daí porque,
aduziriam, uma vez aprovados pelo Congresso, ratificados e, então,
promulgados pelo Executivo, passariam a se incorporar a ordem jurídica
interna no mesmo patamar hierárquico da lei ordinária federal. Neste caso,
lei ordinária posterior poderá perfeitamente afastar a eficácia da normativa
internacional.
23
Convenção de Viena sobre Tratados de 1969, obra citada, p. 850.
Segundo REZEK, “O direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente
independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua
sintonia com a ordem internacional”. (2008: p.4). Desta forma a norma internacional deve ser transformado em
norma de direito interno para que tenha eficácia. E, diferentemente, do dualismo moderado onde se exige a
aprovação por via de decreto legislativo e presidencial, o dualismo extremado exige a aprovação através de lei.
25
Em tradução livre: leading case - precedência legal.
26
Brasil, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 80004/SE (Tribunal Pleno), Relator Ministro
Cunha Peixoto. Convenção de Genebra. Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias. Aval
aposto na nota promissória não registrada no prazo legal. Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo
pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-Lei nº 427, de 22.10.1969. Revista Trimestral de Jurisprudência.
Brasília, v. 83, p. 809-848, mar. 1978.
24
63
O raciocínio, todavia, não é suficiente para afastar a incidência da norma
internacional no presente caso. Sim, porque se admitindo que o tratado
incorporado pelo direito brasileiro reside no mesmo nível hierárquico da lei
ordinária federal á luz do novo texto constitucional não se pode admitir esta
tese em relação aos tratados envolvendo direitos do homem. (1994; p.188).
O Art. 5°, § 2° da Constituição de 1988, ordenamento de caráter
aberto, refere-se textualmente que os direitos e garantias expressos no texto não
excluem outros decorrentes do regime de princípios adotados por ela ou dos
tratados internacionais que o Brasil seja parte. Assim, ao ratificar Pactos
Internacionais relativos a esta matéria, o Estado Brasileiro estaria, automaticamente,
incorporando garantias, previstas nestes documentos internacionais e conferindo a
elas status constitucional.
O
impacto
jurídico,
decorrente
da
incorporação
do
Direito
Internacional dos Direitos Humanos pelo direito interno, resulta no alargamento de
direitos nacionalmente garantidos, reforçando a Carta de direitos prevista
constitucionalmente, complementando-a com a inclusão de novos direitos.
Cita-se o julgado do STF no Habeas Corpus nº 70.389-5 de
23/06/1994, em que o Ministro Celso de Mello, baliza seu julgamento nos
instrumentos internacionais, a saber: a Convenção de Nova Iorque sobre Direitos da
Criança de 1990, a Convenção contra a Tortura adotada pela Assembleia Geral da
ONU de 1984, a Convenção Interamericana contra a Tortura de 1985 e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 (OEA), onde a Corte
Suprema entendeu que tais instrumentos de direitos humanos permitem a
integração da norma penal em aberto a partir do reforço do universo conceitual
relativo ao termo tortura (PIOVESAN; 2011: 148-160).
64
Se quanto à incorporação de tais garantias relativas a direitos
humanos em nosso universo jurídico as dúvidas diminuem, resta ainda a questão de
um eventual conflito entre a norma internacional de direitos humanos e o direito
interno. Tal questão pode ser resolvida com a aplicação de dois critérios: o primeiro,
o antigo brocardo jurídico de que a norma posterior derroga a anterior, simplificando
o problema de forma taxativa, ou o segundo, da norma mais favorável à vítima.
Desta forma, deve prevalecer o princípio da primazia da norma mais benéfica em
relação aos direitos humanos, fazendo-se referência, subsidiariamente, até a antiga
Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 10, § 1° (hoje, Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro - redação dada pela Lei nº 12.376, de 30/12/2010), que beneficia os
herdeiros em detrimento às próprias normas de sucessão brasileiras, caso a lei do
país do de cujus seja mais favorável.
Para CANÇADO TRINDADE:
Cabe aos tribunais internos, e outros órgãos dos Estados, assegurar a
implementação a nível nacional das normas internacionais de proteção, o
que realça a importância de seu papel em um sistema integrado como o da
proteção dos direitos humanos, no qual as obrigações convencionais
abrigam um interesse comum superior de todos os Estados-Partes, o da
proteção do ser humano (1999; p.69).
A partir da Constituição de 1988, importantes tratados internacionais
de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles: a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; a
Convenção sobre Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de Janeiro de 1992; o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de Janeiro de
1992; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em 25 de setembro de
65
1992 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995 (PIOVESAN; 2011: 148-160).
Todos estes instrumentos ratificados pelo Brasil foram consequência
da reorganização da agenda internacional do Brasil, imposta pelas transformações
internas decorrentes da nova ordem constitucional, que por sua vez decorreu do
processo de democratização. Ou seja, o Estado brasileiro, após um longo regime de
exceção onde abusos de toda sorte contra garantias fundamentais foram cometidos,
buscou compor uma imagem mais positiva perante a comunidade internacional
como país que garante, cumpre e respeita os direitos humanos.
Portanto, tendo o país ratificado tais tratados, de acordo com os
trâmites obrigatórios, passando pelos poderes legislativo e executivo, sendo
promulgado legitimamente, não poderia haver lugar para a invocação do dogma da
soberania com o fim de descumprir obrigações decorrentes destes tratados, pois,
além disto, os Estados contraem tais obrigações internacionais no pleno exercício de
sua soberania e, deste modo, devem cumpri-las.
Conforme ensinamentos do constitucionalista José Afonso da Silva,
a respeito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aduz que foi:
Assinada no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos) em
San José da Costa Rica em 22.11.1969, conhecida também como Pacto de
San José da Costa Rica, entrou em vigor em 1978 quando o 11º
instrumento de ratificação foi depositado e no Brasil, somente em 1992,
pela adesão, considerando que o Estado brasileiro não havia assinado.
27
Dos 35 Estados-membros da OEA, 25 são hoje partes da Convenção
Americana, são eles: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti,
Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru,
República Dominicana, Suriname, Trinidad e
Tobago, Uruguai e
Venezuela (SILVA: 1994; p. 165).
27
A participação do Governo de Cuba, país-membro, está suspensa desde 1962, consequentemente apenas 34
governos têm participação efetiva. Assim, somente os Estados-membros da Organização dos Estados
Americanos têm direito de aderir a Convenção Americana. Dos 35 Estados-membros da OEA, 25 Estados são
hoje partes da Convenção Americana (março de 2010). (PIOVESAN: 2011; p. 312).
66
Ao versar a respeito dos direitos resguardados, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos28 se configura como uma das que possuem o
mais extenso documento de âmbito internacional. Ao longo de seus 82 artigos,
garante, entre outros, o direito à personalidade jurídica, ao tratamento humano, ao
livre-arbítrio, a um julgamento justo, à privacidade, ao nome, à nacionalidade, à
participação no governo, à igualdade perante a lei e à justiça. A Convenção
Americana proíbe a servidão, apregoa a liberdade de consciência, religião,
pensamento e expressão, liberdade de associação, movimento, residência,
proibindo ainda a retroatividade da lei penal.
Quanto ao direito à vida, inova a Convenção Americana ao ditar que
o Estado que já tenha abolido a pena de morte não poderá restabelecê-la, conforme
Art. 4º, parágrafo 3º. Tendo o Brasil ratificado a Convenção, em 25 de setembro de
1992, consubstancia-se mais um argumento além da própria vedação constitucional
do Art. 5°, inciso XLVII, ―a‖, contra as insistentes discussões a respeito da possível
adoção no país desta medida extrema de punição.
O Supremo Tribunal Federal é unânime no sentido de que a
internalização dos tratados internacionais depende de um ato destinado a incorporar
a Convenção ao ordenamento interno. Os opositores desta tese contestam a
posição do Supremo com base no argumento de que, enquanto o §2°, do Art., 5° da
Carta de 1988, determina que direitos e garantias expressos na Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, o
parágrafo primeiro do mesmo artigo dispõe que as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata.
28
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, obra citada, p. 420 a 485.
67
Não só as normas convencionais teriam hierarquia constitucional,
como seriam incorporadas ao direito interno de forma automática. Formalmente, esta
tese se justificaria em função de uma interpretação destinada a dar eficácia máxima
aos dispositivos constitucionais. Existe, ainda, um fundamento de direito material, o
princípio da dignidade da pessoa humana que necessariamente impõe à conclusão
adotada pelos adeptos da incorporação automática das normas internacionais de
direitos humanos, com status de normas fundamentais.
A Emenda Constitucional 45/2004 que incluiu o §3º no Art. 5º, da
CF/88, prevê que os tratados de direitos humanos terão status constitucional se
aprovados com o quorum de emenda constitucional. Caso não aprovados com este
quorum, serão considerados infraconstitucionais, causando uma grande celeuma
entre os doutrinadores brasileiros.
Na atual conjuntura, mesmo após a EC 45/04, poderemos ter um
tratado que verse sobre Direitos Humanos, aprovado, conforme previsão do §3º no
Art. 5º, da CF/88, portanto, com status constitucional e, ainda, um tratado de Direitos
Humanos que verse também sobre a mesma matéria, não aprovado pelo quorum
qualificado de 3/5 de cada casa congressual em dois turnos, para qualificação de
status constitucional, portanto, um Tratado de Direitos Humanos, de segunda
categoria, com o status de Lei Ordinária; desta forma, infraconstitucional, se ainda
assim o considerarmos aprovado. Pois, ao analisar o processo de aprovação
anterior a EC 45/04, deveria o Tratado de Direitos Humanos, hipoteticamente, aqui
comentado, ser aprovado através de Decreto Legislativo e Decreto Presidencial para
ter o status infraconstitucional.
68
4.2. TEORIAS
Ao se analisar a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, percebe-se que existem diversos dispositivos versando acerca da relação do
Brasil com a ordem internacional.
Todavia, cabe dizer que não existe uma norma que estabeleça a
prevalência e a superioridade dos tratados internacionais no ordenamento interno.
No entanto, destaca-se o parágrafo único do Art. 4° da CF/88, que
determina a busca da integração econômica com os demais países da América
Latina, deixando transparecer a intenção do legislador em conduzir o país a uma
real integração, o que, porém, não é suficiente para que se possa afirmar a
superioridade dos tratados diante de norma de direito interno.
O Supremo Tribunal Federal consolidou, na década de 1970, o
Recurso Extraordinário n°. 80.004, onde se discutia o conflito existente entre a Lei
Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, tratado
devidamente promulgado no Brasil e o Decreto-Lei n°. 427/69.
Mediante a decisão proferida no referido julgamento, tem-se que a
posição de recepção plena do tratado internacional fora ressaltada, sem, contudo,
apresentar um status supra legal.
Portanto:
Os tratados internacionais gerais integram-se ao ordenamento pátrio no
mesmo nível hierárquico de uma norma ordinária. Dessa forma, o tratado
internacional e a lei interna convivem no âmbito do ordenamento jurídico
brasileiro e, do ponto de vista hierárquico, equiparam-se, prevalecendo, em
hipótese de antinomia, a norma mais recente, adotando-se a aplicação do
princípio lex posterior derogat legi priori (lei posterior derroga lei anterior) ou,
69
então, lex posterior generalis non derrogat priori speciali (lei geral posterior
não derroga especial anterior) (MARTINELLI; VIEIRA, 2007) 29.
4.3. POSICIONAMENTO DOS TRATADOS
No que concerne à relação dos tratados internacionais sobre direitos
humanos à luz do direito interno brasileiro, deve-se destacar algumas correntes,
como
a
posição
de
hierarquia
constitucional
e
a
posição
de
natureza
infraconstitucional.
Em relação à primeira corrente supracitada, tem-se que os tratados
internacionais sobre direitos humanos ganham hierarquia constitucional em razão do
disposto no parágrafo 3°, do Art. 5°, da CF/88.
Indo ao encontro desta corrente, configura-se o voto do Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Carlos Veloso, nos autos do habeas corpus n°.
82.424/RS, onde se manifesta pela ―posição hierárquica superior de tais tratados,
indicando, inclusive uma ideia de supra legalidade dos direitos humanos‖.
Por outro lado, em relação à segunda corrente, tem-se que os
tratados internacionais, independentemente da matéria versada, possuem força de
norma infraconstitucional, ou seja, de lei ordinária.
Destaca-se que esta corrente é majoritária no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, mediante julgamento do habeas corpus n°. 72.131/RJ.
A respeito da hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos e
garantias individuais, mediante o parágrafo 2º do Art. 5º da CF/88, destaca-se que o
Supremo Tribunal Federal, afirma que ―qualquer tratado internacional, qualquer que
seja a matéria nele veiculada, uma vez integrado ao direito interno, tem status
29
Disponível em: http://www.cantareira.br/thesis2/atual/thesis7_hierarquia.pdf. Acesso em: 17/11/2010.
70
apenas de norma infraconstitucional‖, o que exclui definitivamente os argumentos
dos defensores do status constitucional desses tratados.
Percebe-se que a Emenda Constitucional nº. 45 acrescentou o
parágrafo 3º ao Art. 5º da CF/88, conferindo aos tratados internacionais que versem
sobre direitos humanos o status de direito constitucional, desde que sendo
aprovados pelo mesmo processo legislativo das emendas.
Portanto, passaram a ter status de norma infraconstitucional os
tratados internacionais que forem recepcionados pelas vias legislativas ordinárias,
ou seja, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos e que sejam
recepcionados pelo direito interno mediante o procedimento legislativo das emendas
à CF/88, terão status de direito constitucional.
Destaca-se que o tratado internacional que ingressar no direito
interno pelo mesmo processo deliberativo das Emendas, diz respeito a um direito
constitucional sob o aspecto material, formando o denominado ―bloco de
constitucionalidade‖, que considera como constitucional todos os preceitos,
positivados ou não, de conteúdo constitucional, como integrante de um grande bloco
com força constitucional.
Para a corrente dos tratados internacionais sobre direitos humanos
como hierarquia constitucional, o parágrafo 2° do Art. 5° da CF/88 confere força
constitucional ao tratado que verse sobre direitos fundamentais, onde a Emenda nº.
45 não promoveu qualquer alteração.
A força de normatividade constitucional para tais tratados independe
de seu reconhecimento especial.
71
O Supremo Tribunal Federal ratifica a posição de que, se os tratados
não versarem sobre os direitos humanos, não poderão ter outra força a não ser de
norma infraconstitucional, não cabendo qualquer outra interpretação.
Todavia, ao se analisar o Art. 5º da CF/88, percebe-se que os
tratados terão, sim, status de norma infraconstitucional, independentemente se
versarem ou não acerca dos direitos humanos.
Mas, existe uma exceção, ou seja, se os tratados forem inseridos no
ordenamento jurídico através do processo legislativo indicado no referido artigo, os
mesmos não terão status de norma infraconstitucional, o que contaria a preservação
dos direitos fundamentais.
Acerca desse assunto, ROCHA destaca que:
Por outro lado, mesmo que venha a se filiar à corrente que vê nos tratados
internacionais força apenas infraconstitucional, duvidável a necessidade
desse preceito constitucional para que se possa conferir aos tratados sobre
direitos humanos natureza constitucional. Ora, se se consegue o
procedimento proposto no § 3º, poder-se-ia muito bem elaborar uma
emenda à Constituição, não servindo de argumento a via estreita dos
legitimados à apresentação da emenda a justificar a votação de um tratado
em vez da elaboração, discussão e votação de uma proposta de emenda
30
(ROCHA, 2006) .
Nesse diapasão, a respeito do parágrafo 3º do Art. 5º da CF/88,
deve-se salientar, também, que o Supremo Tribunal Federal não admite preceito
constitucional fora do texto formal da CF/88.
O poder legislativo ordinário, ao se manifestar pelo procedimento
legislativo especial, colabora para a inserção dos tratados internacionais com força
de direito constitucional no sistema legislativo brasileiro.
30
O direito constitucional e o novo tratado internacional. Autor Zélio Maia da Rocha. Disponível em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22076/21640. Acesso em: 7/1/2011.
72
Para que os direitos humanos sejam a base de um Estado
republicano, é fundamental que a constitucionalidade como um todo seja base de
compreensão do direito constitucional.
Destaca-se a posição do Ministro CELSO DE MELLO, explicitando
que:
No que concerne ao primeiro desses elementos (elemento conceitual), cabe
ter presente que a construção do significado de Constituição permite, na
elaboração desse conceito, que sejam considerados não apenas os
preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento
formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo,
que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua
transcendência mesma, os valores de caráter supra positivo, os princípios
cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e
31
dá sentido à Lei Fundamental do Estado .
Todavia, atualmente, a partir da Emenda Constitucional nº. 45
existem preceitos com status de constitucional, mesmo não estando dispostos
especificadamente na CF/88, como por exemplo, a Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro.
Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro passará a ter um direito
constitucional fora da CF/88, já que receberá um tratado internacional integrado à
ordem interna brasileira; mediante o parágrafo 3º, do Art. 5° da CF/88.
Salienta-se que:
Talvez, a partir daí, poderemos pensar em estender o controle de
constitucionalidade tendo como base de parametricidade outros integrantes
do bloco de constitucionalidade, como regras de direito natural
independentemente de sua veiculação por tratados internacionais ou pelo
32
texto da constituição formal (ROCHA, 2006) .
31
Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Trib_Sup/STF/ADINS/2010_04.html. Acesso 7/1/2011.
O direito constitucional e o novo tratado internacional. Zélio Maia da Rocha. Disponível em:
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22076/21640. Acesso em: 7/1/2011.
32
73
Nesse contexto, ressalta-se a importância das cláusulas pétreas,
bem como a sua expansão.
Tais cláusulas se encontram dispostas no Art. 5º da CF/88; mas
podem também ser vistas nos demais artigos constitucionais.
Mediante a possibilidade de se admitir preceitos normativos
constitucionais através dos referidos tratados internacionais, deve-se destacar que
tais preceitos não podem, posteriormente, ser retirados do ordenamento jurídico
constitucional, seja por novo tratado, por emenda à CF/88 ou por denúncia do
tratado, pelo fato de versar sobre cláusula pétrea.
74
5. A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS
Com o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, surge um
contexto histórico propício para a criação de um tribunal que fosse responsável por
julgar os criminosos de guerra. Nessa conjuntura, foram criados os Tribunais de
Nuremberg, Tóquio, Ruanda e da antiga Iugoslávia para julgar tais criminosos.
Todavia, esses tribunais não são permanentes, pois foram criados
especificamente para julgar os criminosos de guerra em casos particulares, isto é,
logo após um conflito armado.
Houve debates no sentido de se criar um tribunal que julgasse os
criminosos de guerra, mas que tivesse caráter permanente. Após o término da
Guerra Fria em 1991, isso foi possível, sendo elaborado o Estatuto de Roma que
criou o Tribunal Penal Internacional, o primeiro tribunal permanente responsável
para julgar os infratores das normas que regulamentam a guerra, também os casos
de agressão, genocídios e crimes contra a humanidade.
Colaciona-se aqui a explicação de ACCIOLY, NASCIMENTO e
SILVA e CASSELLA:
A ideia da criação de tribunal criminal internacional permanente já havia
sido cogitada em 1948, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas
pediu à CDI (Comissão de Direito Internacional) que examinasse a
possibilidade de ser criado tribunal para julgar os casos semelhantes aos
que haviam sido submetidos aos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, mas
o agravamento da Guerra Fria impediu que a iniciativa tivesse
prosseguimento (2009, p.792) (grifei).
Acerca da idealização do Tribunal Penal Internacional, KRIEGER
ensina:
Com os precedentes mais remotos dos Tribunais Militares de Nuremberg e
de Tóquio, no término da Segunda Guerra Mundial, e mais recentemente
com os Tribunais Penais Internacionais da antiga Iugoslávia e de Ruanda, O
Tribunal Penal Internacional, que será sediado em Haia, surge como a
primeira instância penal realmente planetária e aberta à participação
75
responsável de todos os Estados, não se levando em consideração o
poderio bélico, sua maior ou menor importância regional ou sua capacidade
de exercer tutela militar (2004, p. 168-169).
No próximo título, será realizada uma breve análise acerca do
Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, do Tribunal Penal Internacional
para o Ruanda e o Estatuto de Roma, que consolidou com a criação do Tribunal
Penal Internacional.
5.1. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A ANTIGA IUGOSLÁVIA
Conforme sítio oficial do Tribunal Penal Internacional para a antiga
Iugoslávia33, sua criação se deu através da Resolução do Conselho de Segurança da
Organização das Nações Unidas, nº 827, de 25 de maio de 1993, com instalações
na cidade de Haia, na Holanda.
O motivo para a sua criação ocorreu por causa da guerra que
eclodiu na antiga Iugoslávia em 1991, desencadeando nas violações ao Direito
Internacional Humanitário, haja vista os crimes realizados, tais como: homicídios,
limpeza étnica, estupros, transferências em massa da população civil, dentre outros.
O governo da antiga Iugoslávia atravessou uma crise muito forte,
quer econômica, quer politicamente falando, mas a principal crise foi a pluralidade
étnica existente que acarretou nos conflitos étnicos entre as populações locais. Em
1987, Slobodan Milosevic assumiu o comando do Partido Comunista Sérvio. As
diversas etnias enfrentavam dificuldades de conviver entre si, o que ocasionou lutas
pelo poder e o desejo de desintegração do território. Diante de tal situação,
33
Disponível em: http://www.icty.org/. Acesso em 02/01/2012.
76
ocorreram as independências da Eslovênia e da Croácia em 1991, cujo
reconhecimento foi dado pela União Européia e logo em seguida, a Macedônia. Em
1992, foi a vez de a Bósnia-Herzegovina declarar sua independência. Os sérvios da
Bósnia isolaram cidades e conquistaram parte do território da Bósnia Ocidental.
Assim, os conflitos foram aumentando e tornando-se cada vez mais violentos (MAIA;
2001: p 103).
Em lição, KRIEGER afirma que, outros fatores concorreram para a
existência dos conflitos:
A razão da criação do Tribunal da antiga Iugoslávia deu-se pelo motivo da
desintegração da República nos anos 1990. A Iugoslávia, formada após a
Segunda Guerra Mundial pelo marechal de origem croata, Josip Broz Tito,
ascendendo então o partido comunista, organizado de forma federada
através da Liga dos Comunistas da Iugoslávia, em que reunia seis
repúblicas: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro,
Macedônia e duas províncias autônomas: Voivodina e Kosovo. A
complexidade étnica das repúblicas formadoras da antiga Iugoslávia
mostra-se em destaque. Essa composição pode ser considerada uma das
causas do desmantelamento da antiga República Popular Federal da
Iugoslávia. Entre tantos fatores, o desmoronamento do Estado da antiga
Iugoslávia deve-se ao falecimento do marechal Josip Broz Tito em 1980, e
ao fim do império da União Soviética, pois, apesar de a Iugoslávia haver
mantido total independência política perante a União Soviética, veio a ser
levada a abolir o regime de partido único comunista sendo este outro
elemento de agregação nacional que deixou de existir estes fatores em
linhas gerais, foram as variáveis que culminaram na desintegração política
iugoslava (2006; p. 151-152).
Ainda segundo lição de KRIEGER, o Tribunal Penal Internacional
para a antiga Iugoslávia possui competência ratione materiae, em conformidade com
seu Estatuto; quais sejam:
Art. 2º: graves violações às Convenções de Genebra (por exemplo:
homicídio, tortura ou atos desumanos); Art. 3º: violações às leis ou
costumes de guerra (por exemplo: emprego de armas venenosas,
destruição injustificada de cidades, vilas ou vilarejos, assassinatos e
tratamento cruel); Art. 4º: genocídio (ato contra um grupo nacional, étnico,
racial ou religioso para destruí-lo no todo ou em parte); Art. 5º: crimes contra
77
a humanidade (por exemplo: escravidão, deportação, homicídio, estupro e
outros atos contra a população civil) (2005, p. 154).
A acusação mais notória ocorreu no ano de 1999, em desfavor do
então presidente da antiga Iugoslávia, Slobodan Milosevic, que apresentava um rol
de sessenta e seis crimes. Milosevic foi o primeiro chefe de Estado a sofrer
acusações. Dentre elas, a expulsão dos kosovares de origem albanesa da Província
sérvia de Kosovo e o assassinato dos habitantes dos vilarejos de Racak, Bela Crkva
e Velika Krusa. Milosevic teve seu julgamento iniciado no ano de 2002, porém
devido ao seu falecimento em 2006, não houve desfecho.
Outro líder da importância de Milosevic que teve processo
instaurado em seu desfavor foi o do ex-líder servo-bósnio, Radovan Karadzic, mais
conhecido pela alcunha de ―o carniceiro de Belgrado‖. Karadzic, preso em 21 de
julho de 2008, foi indiciado por crime de genocídio, crimes de guerra e crimes contra
a humanidade, por ter dado ordens ao massacre de Srebrenica no ano de 1995,
onde cerca de oito mil mulçumanos foram exterminados. Há uma estimativa daquele
Tribunal de que o processo se encerre neste ano de 2012 (PIOVESAN: 2011: p. 27).
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas
determinou ao Tribunal Penal Internacional para Ruanda que adote "todas as
medidas possíveis para rapidamente concluir todo o trabalho que permanecem o
mais tardar até 31 de dezembro de 2014‖34, sendo tal solicitação estendida também
ao Tribunal Penal Internacional para a ex Iugoslava.
34
Disponível em: www.un.org/Conselho de Segurança das Nações Unidas. Acesso em 02/01/2012.
78
5.2. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA RUANDA
Ruanda é um país da África, sem costa marítima localizado na
região dos Grandes Lagos da África centro-oriental, fazendo fronteira com Uganda,
Burundi, República Democrática do Congo e Tanzânia. Colonizado após a Primeira
Guerra Mundial pela Bélgica. A etnia tutsis era considerada superior pelos
colonizadores. Quando os belgas colonizaram o território de Ruanda, as expressões
tutsis e hutus serviam para identificar e diferenciar uns dos outros.
O povo de Ruanda, independente de sua etnia, passou por um
episódio de desrespeito jamais vivenciado por um povo.
Os cientistas trouxeram balanças, fitas métricas e compassos e saíram
pesando ruandeses, medindo sua capacidade craniana e realizando
análises comparativas da protuberância relativa de seus narizes. Claro que
os cientistas encontraram aquilo em que haviam acreditado o tempo todo.
Os tutsis tinham dimensões mais nobres, mais naturalmente aristocráticas
que as dos rústicos e brutos hutus. No índice nasal, por exemplo, o nariz
médio tutsi era dois milímetros e meio mais longo e quase cinco milímetros
mais fino que o nariz hutu médio (GOUREVITCH; 2006: p. 54).
Apesar de todas essas diferenças físicas, o que se evidencia com o
passar do tempo é a miscigenação, fazendo com que à medida que o tempo
passava, ficava mais difícil de identificá-los, a não ser através dos documentos de
identidade onde se poderia diferenciar uns dos outros.
Com o tempo, hutus e tutsis passaram a falar a mesma língua, seguir a
mesma religião, casar-se entre si e viver misturados, sem distinções
territoriais, nas mesmas montanhas, compartilhando a mesma cultura
política e social [...] Por causa de toda essa miscigenação, os etnógrafos e
historiadores chegaram ultimamente à conclusão de que os hutus e os
tutsis não podem propriamente ser considerados grupos étnicos distintos
(GOUREVITCH; 2006, p. 45).
79
O ódio tribal se acentuou e o sentimento de violência cresceu,
instigados por líderes e pela rádio local, principalmente por parte dos hutus em
relação aos tutsis.
Em abril de 1994, meia hora após a queda do avião que conduzia o
presidente de Ruanda Juvenal Habyarimana, a rádio Mille Collines, propagadora do
ódio, afirmava que os não patriotas deviam morrer. Os hutus usariam o fato ocorrido
como pretexto para dar início ao genocídio (POWER; 2004: p. 381).
Uma febre apoderou-se de Ruanda. Listas de vítimas haviam sido
preparadas de antemão. Isso ficou claro nas transmissões da rádio Mille
Collines, que fornecia os nomes, endereços e placas dos automóveis de
tutsis e hutus moderados (POWER; 2004: p. 383).
O conflito avançava e desta forma o ódio, a vingança e o sentimento
genocida tornavam-se mais explícitos. Enquanto isso, a tropa de paz da ONU
quedava-se inerte diante da situação, principalmente considerando a insuficiência de
homens e o descaso internacional, não restando alternativa se não a sua retirada de
Ruanda.
Os Dez Mandamentos Hutus, divulgados e bem aceitos entre eles,
tinham o status de lei. O oitavo assim dizia: ―Os hutus devem parar de ser clementes
com tutsis‖ (POWER; 2004: p. 389).
Como corolário desta não clemência foi o genocídio de cerca de
oitocentas mil pessoas da etnia tutsi incentivado pelo governo hutu, que no prazo de
cem dias atingiu o número de mortos que resulta numa média de oito mil mortos por
dia.
O jornalista Philip Gourevitch assim registrou o que viu em Ruanda,
durante a sua peregrinação pós genocídio:
80
De vez em quando, covas coletivas eram descobertas e escavadas, e os
restos mortais eram transferidos para sepulturas coletivas e
adequadamente consagradas. Ainda assim, nem mesmo os ossos
eventualmente expostos, o número notável de pessoas amputadas ou
deformadas por cicatrizes e a superabundância de orfanatos lotados
poderiam ser tomados como evidência de que o que havia acontecido em
Ruanda era uma tentativa de eliminação de todo um povo. Para isso, só
havia as histórias das pessoas (GOUREVITCH, 2006, p. 21).
Para o Secretário Geral da ONU e para o Ministro do Exterior da
França a mortandade em Ruanda tinha um nome: Genocídio. Porém para a
Comissão de Direitos Humanos da ONU: um possível genocídio. Para os Estados
Unidos da América o genocídio não era bem visto. Afirmou Christine Shelley, portavoz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que não era possível falar em
genocídio, pois não era advogada, portanto não havia como definir genocídio do
ponto de vista acadêmico do direito internacional (GOUREVITCH, 2006, p. 148).
Shelley chegou um pouco mais perto da resposta certa, quando declarou
rejeitar a denominação de genocídio porque ‘há obrigações que aparecem
em conexão com o uso do termo’. Ela quis dizer que, sendo um genocídio,
a Convenção de 1948 exigia que as partes contratantes agissem.
Washington não queria agir. Então Washington fazia de conta que não era
um genocídio (GOUREVITCH, 2006, p. 149).
A discussão gira em torno de uma situação mundialmente
insustentável, onde não quiseram usar a palavra genocídio, pois se assim o
fizessem teriam que agir, tanto Estados, como Organizações Internacionais, citando,
a título de exemplo, os Estados Unidos da América e a ONU, respectivamente.
Registra-se o episódio de maior afronta aos direitos humanos pós Segunda Guerra
Mundial. Uma colonização como a que ocorreu em Ruanda traz consequências
terríveis no cotidiano de um povo. De semelhante modo ocorrem tais situações em
outros países do continente africano. Talvez a tentativa de punições aos
responsáveis possa servir de exemplo aos outros conflitos.
81
Como resultado do genocídio ocorrido em Ruanda, o Tribunal Penal
para aquele país foi criado pela Resolução do Conselho de Segurança da
Organização das Nações Unidas de nº 955, de 8 de novembro de 1994, na cidade
de Arusha, na Tanzânia.35
O Tribunal foi criado com a finalidade de julgar os responsáveis pelo
genocídio e outras violações das leis internacionais acontecidas no território nacional
de Ruanda em 1994, no período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1994,
sendo tais responsáveis, os oficiais e os cidadãos ruandeses.
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda é regido pelo estatuto
que se encontra anexo à resolução 955 do Conselho de Segurança36.
Quanto à Jurisdição do Tribunal ela se divide em:
1. Ratione materiae: genocídio, crimes contra a humanidade,
violação do Art. 3º, comum às Convenções de Genebra e do Protocolo Adicional II;
2. Ratione temporis: crimes cometidos entre 01 de janeiro e 31 de
dezembro de 1994;
3. Ratione personae et ratione loci: crimes cometidos por ruandeses
no território de Ruanda e no território de Estados vizinhos, bem como não-cidadãos
ruandeses por crimes cometidos em Ruanda.
Dentre as condenações do Tribunal Penal Internacional para
Ruanda, destacam-se as duas mais recentes que ocorreram em 21 de dezembro de
2011, sendo condenados à prisão perpétua dois dos principais responsáveis pelo
genocídio de Ruanda em 1994, Édouard Karemera e Matthieu Ngirumpatse. Eles
foram considerados culpados por incitação direta e pública ao genocídio, extermínio,
35
Disponível em: www.un.org/Conselho de Segurança das Nações Unidas Resolução 955 S-RES-955(1994):
Acesso em 02/01/2012.
36
O Conselho de Segurança da ONU adotou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, fazendo
adaptação do Estatuto para o Tribunal da ex-Iugoslávia. Disponível em: http://www.un.org/Conselho de
Segurança das Nações Unidas. Resolução 955 S-RES-955(1994). Acesso em 03/01/2012.
82
agressão sexual e assassinato. Matthieu Ngirumpatse era presidente do então
partido da situação Movimento Revolucionário para o Desenvolvimento (MRND) e
Édouard Karemera era vice-presidente, além de Ministro do Interior do governo
interino37.
37
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas determinou ao Tribunal Penal Internacional para
Ruanda que adote "todas as medidas possíveis para rapidamente concluir todo o trabalho que permanecem o
mais tardar até 31 de dezembro de 2014”, sendo tal solicitação estendida também ao Tribunal Penal
Internacional para a ex Iugoslávia. Disponível em: http://www.onu.org.br/dois-organizadores-do-genocidio-emruanda-sao-condenados-a-prisao-perpetua/. Acesso em 02/01/2012.
83
6. ESTATUTO DE ROMA E A CONSOLIDAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL
Após a criação dos Tribunais Penais ad hoc, que possuíam o escopo
de condenar os infratores das normas do Direito Internacional Humanitário, decidiuse criar um tribunal que julgasse os crimes de guerra, de agressão, de genocídio,
bem como os contra a humanidade e que possuísse caráter permanente. Deste
modo, houve uma mobilização internacional para criar o Tribunal Penal Internacional
permanente, que seria consolidado através do Estatuto de Roma.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um tribunal permanente, criado pelo
Estatuto de Roma, em 1998. Por seu caráter permanente, distingue-se dos
dois tribunais ad hoc instalados por Resolução do Conselho de Segurança
da ONU, exclusivamente para julgar crimes cometidos durante um
determinado período nos territórios da extinta Yugoslávia e em Ruanda.
Distingue-se também desses tribunais por ser um Tribunal independente do
38
sistema das Nações Unidas .
No mesmo sentido, o sítio oficial do Tribunal Penal Internacional
informa:
O Tribunal Penal Internacional (TPI), regido pelo Estatuto de Roma, é o
primeiro tribunal permanente criado para ajudar a pôr fim à impunidade de
autores que cometem os mais graves que preocupam a comunidade
39
internacional .
O Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional, fora
aprovado em 17 de julho de 1998, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários,
para o estabelecimento da Corte Internacional Penal, realizada na capital italiana
que compõe o título do Estatuto, sendo aprovado por maioria dos votos. Cento e
vinte Estados votaram a favor, sete nações contra (China, Estados Unidos, Israel,
38
Disponível em http://www.icc-cpi.int/Menus/ICC/About+the+Court/. Acesso em 12/12/11. O Estatuto de
Roma é um tratado, que entrou em vigor em 2 de julho de 2002. O Brasil ratificou o Estatuto de Roma pelo
Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002.
39
Disponível em http://www.icc-cpi.int/Menus/ICC/About+the+Court/. Acesso em 12/12/11.
84
Sri Lanka, Filipinas, Índia e Turquia) e, ainda, vinte e uma abstenções. Entre os
países signatários, destaque para o Brasil e, dentre os que votaram contra,
merecem menção os Estados Unidos da América e a China.
Após a aprovação do Estatuto de Roma, abriu-se documento para
as assinaturas, com o propósito de preencher o requisito exigido pelo Art. 126 do
supracitado Estatuto, que prescrevia a necessidade de haver a ratificação de
sessenta países para a entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional.
Sobre o tema, KRIEGER elucida:
Com a aprovação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ao se
findarem as atividades da Conferência de Roma em 17 de julho de 1998, e
conforme disposto em seu Art. 125, o documento ficou aberto para
assinaturas naquela data, junto à Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura, em Roma. Após, o tratado foi depositado para
assinaturas junto ao Ministério de Relações Exteriores da Itália até 17 de
outubro de 1998, e depois dessa data o Estatuto esteve aberto para
assinaturas na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque
(2006, p. 166)
Em 11 de abril de 2002, sessenta e seis Estados já haviam ratificado
o Estatuto, ultrapassando o requisito exigido pelo Art. 126 do Estatuto de Roma
(eram necessárias sessenta ratificações).
No dia 01 de julho de 2002, data
significativa para efeito de sua competência, entrou em vigor, oficialmente, o
Tribunal Penal Internacional. No dia 11 de março de 2003, em Haia, tomaram posse
os dezoito juízes, eleitos no dia 07 de fevereiro de 2003, formando, assim, a primeira
e histórica composição do Tribunal (PIOVESAN: 2011; p. 286).
Segundo KRIEGER:
[...] Em 1º de julho de 2002, entrou finalmente em vigor o Estatuto de Roma
do Tribunal Penal Internacional, após ter vencido uma longa caminhada de
dificuldades.
[...] O novo Tribunal Internacional, cuja plena operacionalidade deu-se em
meados de 2003, vai aplicar uma parte mínima do Direito Internacional
Humanitário [...]. (2004, p. 166).
85
Destaca-se que o Brasil ratificou o Estatuto de Roma e instituiu o
Decreto n. 4.388/2002, o qual tem por finalidade regular as normas do Tribunal
Penal Internacional no Estado brasileiro.
Logo após a consolidação do Tribunal Penal Internacional, passou a
figurar no cenário internacional um órgão permanente, cuja finalidade é julgar os
criminosos de guerra.
Quando KRIEGER menciona que o Tribunal Penal Internacional irá
aplicar tão somente uma pequena parte do Direito Internacional Humanitário, o
referido autor quer elucidar que serão apreciadas pelo Tribunal, somente as
condutas inseridas no Art. 5º de seu estatuto constitutivo, conforme se vê:
1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que
afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do
presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes
crimes: a) crime de genocídio; b) crimes contra a humanidade; c) crimes de
40
guerra; d) crime de agressão .
6.1. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Conforme informações extraídas do sítio oficial do Tribunal Penal
Internacional41, será demonstrada neste subitem a estrutura organizacional, bem
como a composição do Tribunal.
O Tribunal Penal Internacional é formado por quatro órgãos: a)
Presidência; b) Divisões Judiciais (uma Seção de Recursos, uma Seção de
Julgamento em 1ª Instância e uma Seção de Instrução); c) Gabinete da Promotoria;
d) Secretaria.
40
Estatuto do Tribunal Pena Internacional, obra citada.
Disponível em: http://www.icccpi.int/Menus/ICC/Situations+and+Cases/Situations/Situation+ICC+0105/Cent
ral+African+Republic.htm
41
86
Esta é uma breve descrição acerca dos órgãos mencionados neste
parágrafo:
a) Presidência: é o órgão responsável pela administração do
Tribunal Penal Internacional, salvo o Gabinete da Procuradoria e também por
deliberações atribuídas especificamente à presidência de acordo com o Estatuto. O
Presidente é eleito pelos juízes da corte e possui o mandato de três anos.
Atualmente, ocupa o cargo de presidente do Tribunal Penal Internacional o Juiz
Sang-Hyun Song, da Coréia do Sul. A 1ª Vice-Presidente é a Juíza Fatoumata
Dembele Diarra, da República do Mali e o 2º Vice-Presidente é o Juiz Hans-Peter
Klau, da Alemanha. De acordo com o Art. 38 do Estatuto de Roma, os juízes do
Tribunal eleitos à Presidência, em 11 de março de 2009, têm mandato por 03 (três)
anos.
b) Divisões Judiciais: são compostas por dezoito juízes divididos em
três sessões. A primeira sessão é a divisão de pré-avaliação, responsável pela
verificação da legalidade e integridade das investigações realizadas pelo promotor,
bem como, pela aceitação do processo e as medidas que devem ser tomadas para
garantir a efetividade do procedimento. Também possui a função de realizar o
exame de admissibilidade dos processos. A segunda sessão é composta pela
divisão de avaliação, responsável pelo julgamento que determinará a inocência ou a
culpa do acusado. A terceira sessão é formada pela divisão de recursos, onde se
processará e julgará os possíveis recursos interpostos pela promotoria ou pelo
acusado, com o fito de atender ao duplo grau de jurisdição.
c)
Gabinete
da
Promotoria:
é
o
órgão
responsável
pelas
investigações e por instaurar processo contra os infratores dos crimes tipificados
87
pelo Art. 5º do Estatuto constitutivo do Tribunal Penal Internacional. O órgão é
composto pelo promotor e seus assistentes. Atualmente, quem comanda este órgão
é o Promotora Fatou Bensouda, de Gâmbia 42.
d) Secretaria: é o órgão responsável pela parte administrativa do
Tribunal Penal Internacional e pelo suporte para os outros órgãos.
6.2. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
O Tribunal Penal Internacional possui competência para julgar os
crimes descritos no Estatuto de Roma. Tais crimes estão insertos no Art. 5º do
Estatuto constitutivo do Tribunal e são explicados dos arts. 6º ao 9º do mesmo
Estatuto.
Desta forma, de acordo com o Estatuto de Roma, o Tribunal Penal
Internacional possui competência para julgar, tão somente, os crimes descritos no
Art. 5º do Estatuto de Roma, quais sejam: a) o crime de genocídio; b) os crimes
contra a humanidade; c) os crimes de guerra; d) o crime de agressão.
Transcrevem-se os termos do Art. 5º do Estatuto do Tribunal Penal
Internacional:
1. A jurisdição do tribunal se limitará aos crimes mais graves que
preocupam a comunidade internacional em seu conjunto. O Tribunal terá
jurisdição, em conformidade com o presente Estatuto, sobre os seguintes
crimes: a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade;
43
c) os crimes de guerra; d) o crime de agressão .
42
A Décima Sessão da Assembleia dos Estados-Partes, realizada na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque
entre os dias 12 a 21 de dezembro de 2011, elegeu formalmente Fatou Bensouda, de Gâmbia, como a nova
Promotora-Chefe do Tribunal Penal Internacional. O nome de Bensouda foi o único proposto pelos 120 Estados
Membros na eleição que ocorreu na sede das Nações Unidas. O o fato de que uma africana será a nova face
pública do Tribunal foi saudado como uma vantagem, já que a carga de trabalho cresce e, como explanado, nesta
dissertação, vem exclusivamente do continente africano. Como atual Vice-Promotora do Tribunal, Bensouda irá
assumir o lugar de seu chefe, Luis Moreno-Ocampo, da Argentina. Disponível em http://www.rnw.nl/ Acesso em
01/01/2012. Sítio holandês da Radio Nederland Wereldomroep.
43
Estatuto de Roma, obra citada. p. 556.
88
Como demonstra o Art. 5º do Estatuto de Roma, tais crimes foram
escolhidos, porquanto são considerados os mais graves e mais preocupantes para a
comunidade internacional.
Destaca-se ainda que o Tribunal Penal Internacional apenas poderá
exercer a competência para julgar o rol das condutas penais expostas no Art. 5º de
seu estatuto após a sua entrada em vigor, que oficialmente, ocorreu em 1º de julho
de 2002. Tal disposição está expressa no Art. 11, § 1º, do Estatuto do Tribunal. Caso
algum Estado venha a aderir ao presente Estatuto, aplicar-se-ão os termos do Art.
11, §2º, do referido estatuto que prescreve:
2. Se um Estado se tornar Parte no presente Estatuto depois da sua entrada
em vigor, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação a
crimes cometidos depois da entrada em vigor do presente Estatuto
relativamente a esse Estado, a menos que este tenha feito uma declaração
44
nos termos do parágrafo 3° do Art. 12.
A seguir, os crimes passíveis de punição pelo Tribunal Penal
Internacional, nos termos do Art. 5º do Estatuto de Roma.
6.3. O CRIME DE GENOCÍDIO
Tipificado pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do
Crime de Genocídio, aprovada e aberta à assinatura e ratificação ou adesão pela
Resolução nº. 260 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 9 de
dezembro de 1948, o genocídio é deliberado por meio de uma lista exaustiva de atos
que englobam não apenas o assassinato em massa com fim de destruição, mas
também
44
a
submissão
a
condições
degradantes,
que
possam
levar
ao
Estatuto de Roma, obra citada. p. 561. A declaração permitirá que o Estado submeta ao Tribunal a
competência em relação ao crime em questão. Artigo 12, parágrafo 3º do Estatuto.
89
desaparecimento de um determinado grupo, ou seja, um ato criminoso de barbarizar
comunidades, grupos étnicos e religiosos ou partidários político-ideológicos hostis
que tornara-se prática logo no início do século XX, mas ganhou classificação tardia.
Os massacres dos hererós pelos alemães na Namíbia (1904-1907),
dos armênios na 1ª Guerra Mundial (1914-1919), de haitianos residentes na
República Dominicana, em 1937, representaram as primeiras dessas barbáries
(TEIXEIRA DA SILVA; 2006, p. 1).
Assim a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de
Genocídio, define em seu Art. 2º 45:
Na presente Convenção, entende-se por genocídio os atos abaixo
indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um
grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
(a) matar membros do grupo;
(b) causar lesão grave à integridade de física ou mental de membros do
grupo;
(c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes
de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
(d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
(e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
O genocídio é o primeiro crime inserto na competência do Tribunal
Penal Internacional, definido no Art. 6º do Estatuto de Roma.
Na mesma linha, Pietro Verri, complementa que:
El genocídio incluye también: la asociación para cometer genocidio, la
instigación directa y pública a cometerlo, la tentativa de genocidio y
lacomplicidad en su perpetración. Si se comete en tiempo de guerra, el
genocídio es um crimen de guerra. No está considerado como delito político
46
para los efectos de la extradición. (2002, p. 55).
45
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, obra citada. p. 383.
Em tradução livre: O crime de genocídio abarca também: a conspiração e a tentativa, bem como a incitação
direta e pública para o cometimento de tal crime. Se cometido em tempo de conflito beligerante é considerado
um crime de guerra. Não pode ser considerado como um crime político para os efeitos da extradição.
46
90
KRIEGER corrobora:
O crime de genocídio pode ser cometido em momentos de guerra interna ou
internacional ou de paz, sendo imprescritível; logo, os procedimentos
judiciais podem ser iniciados independentemente de quanto tempo possa
ter passado desde os fatos [...] (2004, p. 175).
Surgem os experimentos eugênicos dentro deste contexto47. O
Holocausto, prática nazista para eliminar os judeus (primeiro através da emigração,
depois com o extermínio nos campos construídos na Polônia) configurou-se no auge
da violência coletiva. Mas, num primeiro momento, crer em um plano para
aniquilação pura e simples, plano até então nunca visto, não podia ser imaginado.
As histórias sobre os crematórios e as câmaras de gás alemães, pareciam
invencionices. Era como se o ceticismo dominasse a Europa.
Defendia BAUMAN que:
47
Ao lado desses eventos é importante destacar o avanço dos experimentos eugênicos desenvolvidos a partir de
fins do século XIX. Ignorá-los, nesse contexto, seria não compreender por completo o Holocausto e as práticas
utilizadas para promovê-lo. A eugenia, proposta pelo inglês Francis Galton em 1865 (Francis Galton, 1822-1911,
era primo de Charles Darwin, o principal defensor da Teoria da Evolução das Espécies. O trabalho de Darwin
influenciou Galton, que começou a escrever sobre as possibilidades de os humanos dirigirem sua própria
evolução. Em um livro publicado em 1869, Galton usou estudos sobre famílias de homens importantes para
demonstrar que "seria bem prático produzir uma raça de homens superdotados através de casamentos bem
planejados durante várias gerações sucessivas". Galton não estava sozinho em sua busca pelo melhoramento da
espécie humana. (Revista Ciência Hoje, vol. 19/ nº 109, maio de 1995). Era “a ciência do aperfeiçoamento da
raça humana”. Flávio Limoncic explica que o momento de intensas transformações industriais e urbanistas
contribuiu para a pesquisa e o desenvolvimento das ideias sobre a constante evolução da raça humana,
consequentemente compreendida como evolução moral. Com isso, nas primeiras décadas do século XX, os
estudos eugênicos apressavam o trabalho da natureza, sendo incorporados a “políticas de saúde pública, métodos
de esterilização e legislações sobre imigração”, tanto em regimes políticos identificados como conservadores
quanto progressistas. As pesquisas e as práticas eugênicas alcançaram o mundo, Dinamarca, Estados Unidos,
Inglaterra, Noruega e até mesmo o Brasil, no âmbito das discussões acerca do embranquecimento da sociedade
brasileira e da miscigenação nas décadas de 1920 a 1940 (FRY: 2005; p. 196). E sob forte financiamento
voltaram-se contra pobres, estrangeiros, negros, judeus e outros grupos, em suma, aquele que fosse considerado
estranho. Estes procedimentos levaram, em dado grau de deturpação, ao anti-semitismo, ao Holocausto e ao
apartheid, dizendo que “a genética diferenciada dos homens deveria explicar a história”. LIMONCIC, Flávio.
Eugenia. Disponível em: www.ifc.s.ufrj.br/tempo.dcpd15.html.
91
O Holocausto foi o encontro único entre as velhas tensões que a
modernidade sempre ignorou, desdenhou ou fracassou em resolver, e os
poderosos instrumentos da ação racional e eficaz aos quais a evolução
moderna deu origem (1998; p.20).
Para BAUMAN:
A linguagem e a retórica de Hitler transbordavam de imagens de doença, de
infecção, de contágio, de putrefação e de pestilência. Ele comparava o
cristianismo e o bolchevismo à sífilis ou à peste, ele falava dos judeus como
se estes fossem bacilos, germes de decomposição ou vermes (1998;
p.125).
Assim, segundo Zygmunt Bauman, os executantes da vontade de
Hitler falavam da execução dos judeus como "cura" da Europa, "autolimpeza" e
"limpeza da mancha judaica" (1998; p.126).
Segundo BIZZO, os atos de Adolf Hitler e do Partido Nazista, por ele
controlado, foram estimulados por teorias eugenistas. Estima-se que entre dezoito e
vinte e seis milhões de pessoas, das quais cerca de metade eram judeus, foram
mortos em campos de concentração devido à crença nazista de que indivíduos
"inferiores" deveriam ser controlados pela raça superior germânica, raça ariana.
Durante esses mesmos anos, nos Estados Unidos, muitos eugenistas defendiam a
esterilização de indivíduos considerados defectivos. (1995, p. 28-35).
Em contrapartida aos números apresentados por BIZZO, PIOVESAN
considera que cerca de dezoito milhões de pessoas foram enviadas a campos de
concentração, resultando na morte de onze milhões, sendo seis milhões de judeus,
além de comunistas, socialistas, homossexuais, testemunhas de Jeová e ciganos.
(PIOVESAN; 2004: p. 40).
Assim, a linguagem não tinha palavras para expressar o Holocausto,
já que assassinato em massa teria soado, diante daquela totalidade sistemática e
92
planejada, como alguma coisa vinda dos bons tempos dos assassinatos em série,
ou como escreveu Primo Levi no romance intitulado: ―É isto um homem?‖. No
momento em que o homem está despido, após ser submetido à seleção e a
desinfecção argumenta: ―pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa
língua não tem palavras para expressar essa ofensa, a aniquilação de um homem‖
(1997; p. 24).
A exploração do homem pelo homem é histórica. Assim, quando não
se podia mais ignorar os mortos e os relatos das atrocidades venceram o ceticismo,
a expressão genocídio surgiu em 1944, com a publicação do trabalho original Axis
Rule in Occupied Europe48, obra sem tradução em Língua Portuguesa, do jurista
polonês de ascendência judaica, Raphael Lemkin. POWER conta que o livro era
uma extensa compilação, na época com 712 páginas, das leis e decretos impostos
pelas potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), nos territórios ocupados na 2ª
Guerra Mundial. Explica também que fora extremamente influenciado pelo contato
do autor com as atrocidades cometidas contra os armênios ainda nos anos da
graduação em linguística na Universidade de Lovov (POWER; 2004, p.61). Nele,
Lemkin especificava o estatuto jurídico daquela violência maciça contra minorias.
Para o autor, o genocídio correspondia:
To declare the destruction of racial, religious or social crime under the law of
nations" [...] "the criminal intent to destroy or weaken permanently a human
group. The acts are directed against each of the groups and the individual is
49
selected for destruction only because they belong to this group .
(ANDREOPOULOS; 1997: p.1).
48
Em tradução livre: O domínio do Eixo na Europa ocupada.
Em tradução livre: “Declarar a destruição de grupos raciais, religiosos ou sociais um crime sob a lei das
nações” [...] “a intenção criminal de destruir ou enfraquecer permanentemente um grupo humano. Os atos são
dirigidos contra cada um dos grupos e o indivíduo é selecionado para a destruição somente porque pertence a
esse grupo”.
49
93
Lemkin questionava duramente o fato de haver na legislação
internacional menção à pirataria, ao comércio de drogas e mulheres, e à escravidão,
enquanto sobre o genocídio se fazia silêncio. Ele dizia que:
Parece incoerente com nossos conceitos de civilização que vender uma
droga a um indivíduo seja um problema de interesse mundial enquanto
envenenar com gás milhões de seres humanos possa ser um problema de
interesse interno. Também parece incoerente com nossa filosofia de vida
que o rapto de uma mulher para prostituição também seja um crime
internacional enquanto a esterilização de milhões de mulheres permanece
um assunto interno do país em questão (POWER; 2004, p.73).
Algum tempo depois, Lemkin alcançou seu objetivo e o genocídio
passou a dispor de amplo reconhecimento internacional e cobertura jurídica.
Desde o término da 2ª Guerra Mundial e da fundação da
Organização das Nações Unidas (1945), Lemkin tornou-se um militante por uma
legislação contra o genocídio. Reuniu esforços nesse intuito e recebeu apoio
especialmente nos Estados Unidos. Em 1946, a ONU instituiu uma resolução em
relação ao crime de genocídio, onde se buscava pela primeira vez definir o crime e
arregimentar apoio para as ações jurídicas que seriam movidas dali em diante em
resposta ao Holocausto.
No dia 11 de dezembro de 1946, as Nações Unidas aprovaram a
Resolução nº 96, que assim grafou o conceito de genocídio na lei internacional.
Genocídio é a negação do direito de existência de grupos humanos inteiros,
porque o homicídio é negação do direito individual de viver dos seres
humanos; tal negação do direito de existência de conflitos conscientes da
humanidade resulta em grandes perdas para humanidade, na forma de
contribuições culturais entre outras representadas por estes grupos
humanos e é contrária à lei moral e ao espírito e alvos das Nações
50
Unidas .
50
Resolução 96. O crime de genocídio. Assembleia Geral das Nações Unidas. Nova Iorque, 11/12/1946.
Disponível em: http://www.un.org/spanish/documents/ga/res/1/ares1.htm. Acesso em 14/12/2011.
94
A dimensão jurídica proposta em Lemkin conformou a concepção da
Organização das Nações Unidas sobre o genocídio e assim o conceito foi
institucionalizado. Segundo Giorgio Bianchi, ele indica ―a destruição em massa de
um grupo étnico, assim como todo o projeto sistemático que tenha por objetivo [..]
destruir no seu todo, ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso [...]‖
(2004; p. 543-544).
Tal
concepção
definia-o
como
um
crime
contra
o
Direito
Internacional, contrário ao espírito e aos fins das Nações Unidas, e que o mundo
civilizado condenaria com veemência. Além disso, invocava aos Estados Membros
da ONU a criação de um estatuto que consolidasse medidas para a precaução e a
punibilidade do genocídio. Como consequência, a Assembleia Geral da ONU
aprovou, em 9 de dezembro de 1948, a Convenção para a Prevenção e a
Repressão do Crime de Genocídio, através da Resolução nº 260.
Para a Convenção, o genocídio consiste na destruição total ou
parcial de grupos minoritários. Dessa feita, de acordo com o Art. 2º:
Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes
atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo
nacional, étnico ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b)
causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c)
submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de
ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas
destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a
transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.51
A Convenção passa a considerar crime, além do próprio genocídio, a
cumplicidade, a conspiração, o conluio, a incitação direta e pública para o genocídio
e mesmo a tentativa de cometê-lo. Dessa forma, de acordo com o Art. 4º, em
51
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, obra citada. p. 383.
95
Estados que ―indivíduos que tiverem cometido o genocídio [...] serão punidos, sejam
governantes, funcionários ou particulares‖ 52.
Os artigos subsequentes destacam as várias obrigações impostas
aos Estados signatários do documento com relação à criação de mecanismos para
punição dos acusados, mas informa que o genocídio não constitui matéria para
crime político suscetível à extradição. Nesse sentido, caso seja comprovada a culpa
de algum acusado noutro país e seja necessário extraditá-lo, o trâmite deverá ser
feito em concordância com a legislação e os tratados em vigor entre as partes53.
O texto prossegue, com exceção dos nove artigos finais, que são
essencialmente processuais no intento de impor diversas obrigações às partes
signatárias da Convenção, para decretar medidas domésticas que visem evitar e
punir o genocídio. Os Art. 8º e 9º do texto fornecem os mecanismos essenciais para
que os Estados procedam tais medidas: recorrer, quando necessário, aos órgãos
competentes da ONU para que esses tomem medidas em concordância com a Carta
da Organização de 1945, para a prevenção e a repressão de qualquer dos atos
mencionados no Art. 3º. Define também que a responsabilidade para solucionar
qualquer controvérsia quanto à interpretação, aplicação ou execução da Convenção
e à responsabilidade dos Estados perante a mesma cabe essencialmente à Corte
Internacional de Justiça (CIJ)54.
Logo, o genocídio passa a ser compreendido como o crime
imprescritível que tem como objetivo a obliteração ou o enfraquecimento de um
grupo de pessoas que devem ter a mesma nacionalidade, etnia, raça e religião,
através de métodos não ortodoxos, como o homicídio e graves moléstias à
integridade física e mental.
52
Idem.
54
idem, obra citada. p. 383 e 384.
96
Todavia, deve-se ressaltar que o Estatuto do Tribunal Penal
Internacional não estabeleceu parâmetros quantitativos para a configuração do
crime de genocídio, pois este independe do número de pessoas mortas para ser
caracterizado. Desta forma, a intenção de cometê-lo, torna-se passível de
apreciação pelo referido órgão julgador.
AMBOS e CHOURK elucidam:
O fato de a definição referir-se a qualquer um nas condições da definição
empregada não significa que alguém deva morrer para que o crime seja
caracterizado. Esta interpretação também se aproxima dos propósitos da
Convenção do Genocídio, que é a prevenção de sua ocorrência, e não
apenas punir os perpetradores depois que os crimes tenham sido praticados
(2000 p. 199).
Quando se sustenta a necessidade de pensar sobre o genocídio,
não só para compreender aquilo que aconteceu, mas também para detectar futuras
situações nesse sentido, devem-se abordar outras dimensões dessa discussão.
Para isso foram escolhidos Zygmunt Bauman, Israel Charny, John Langshaw Austin
e Theodor Adorno.
Zygmunt Bauman (1925), sociólogo polonês e professor emérito das
Universidades de Leeds e Varsóvia, descreve em ―Modernidade e Holocausto‖, obra
emblemática sobre o tema, o anti-semitismo, suas motivações e propósitos e,
especialmente, as consequências da industrialização dos assassinatos em massa.
Origina-se no Holocausto, para ele, uma fratura fundamental na Sociologia, que
levaria à criação de uma ciência pós-Auschwitz, capaz de ajudar a compreender
aquele estado de coisas e o mundo dali em diante (BAUMAN: 1998; p.30).
Ele considera o anti-semitismo polimorfo, uma das possíveis
consolidações das fobias antimodernistas. Mas concentrar-se numa explicação
97
racista ou heterofóbica para o Holocausto, isto é, ele só ocorreu porque se odiava
judeus, por exemplo, é ao mesmo tempo fonte de horror e potencialmente perigoso,
pois acaba por desviar a atenção das verdadeiras causas do desastre, as quais são
fundadas em certos aspectos da mentalidade moderna e na organização moderna
(BAUMAN: 1998; p.102-103).
BAUMAN sustenta a tese de que:
O Holocausto foi um choque único entre as velhas tensões que a
modernidade ignorou, negligenciou ou não conseguiu resolver e os
poderosos instrumentos de ação racional e efetiva que o próprio
desenvolvimento moderno fez surgir (BAUMAN: 1998; p.16).
Nessa seara, o autor destaca a existência de duas vertentes
explicativas acerca do Holocausto e sobre isso se constitui um dos aspectos mais
significativos de sua análise, senão o mais. A primeira delas guardaria aqueles
acontecimentos na gaveta das ―patologias‖ daquela sociedade específica, isto é,
torná-lo-ia como um evento social único, histórico e, portanto, não suscetível à
repetição, demarcando-o apenas como o capítulo mais brutal do anti-semitismo. A
segunda, de outro modo, garantir-lhe-ia a condição de clímax, mas inseriria o
Holocausto num extenso rol de genocídios religiosos, culturais, étnicos, sem
considerar que, de fato, quaisquer crimes desse tipo são mais que delitos contra a
lei internacional (BAUMAN: 1998; p.19).
Não obstante a disseminação dos dois vieses, ambos apresentam,
para o autor, uma limitação e vedam a implicação da modernidade sobre o
Holocausto. Em verdade, trata-se tanto de uma ―engenharia social‖, fruto da
racionalidade moderna, quanto o resultado da disposição moderna em planificar e
controlar. Nas palavras de BAUMAN: ―A civilização moderna não foi à condição
98
suficiente do Holocausto, mas ela foi sua condição necessária. Sem ela o
Holocausto seria inimaginável‖ (BAUMAN: 1998; p.32).
Por conseguinte, ao contrário do que se argumenta habitualmente,
alheio ao tratamento oferecido por BAUMAN, o Holocausto não é irracionalidade ou
extravagância de violência, em verdade, ele se legitima na modernidade, conforme
explicita o autor:
O Holocausto, porém, seria claramente um jorro impensável dos resíduos
ainda não plenamente erradicados de barbárie pré-moderna. Era um
morador legítimo da casa da modernidade; com efeito, um morador que não
poderia se sentir em casa em nenhum outro lugar (BAUMAN: 1998; p.37).
Para Israel Charny, psicólogo de origem judaica, o genocídio merece
ser compreendido na sua dimensão psicológica, o que envolveria três categorias: a
vítima, o espectador e o perpetrador. Nesse sentido, a sua percepção escapa do
aspecto jurídico e está focado no Estado da Convenção e dos autores apresentados
anteriormente.
Na visão do autor, a vítima não tem participação na escolha de seu
destino e geralmente desconhece essa condição até que certa fúria esmagadora e
assassina volta-se contra ela. O espectador encarna aqueles que conhecem a
execução do genocídio e a escolha das vítimas, porém decidem não lutar pela vida
dos outros. Por fim, há o perpetrador ou algoz, aquele que seleciona as vítimas,
produz e executa as mortes. O autor afirma ainda ―clareza absoluta do fato de que
os perpetradores continuam inteiramente responsáveis pelo mal que cometem, e
não as vítimas‖ (CHARNY: 1988; p.14-17).
CHARNY pontua uma questão bastante interessante: o homem
normal como genocida. Não se trata de especificidade deste ou daquele povo — por
exemplo, os alemães tinham pré-disposição genocida, os brasileiros não a possuem
99
— ou de um determinado contexto, mas da disponibilidade de condições para que a
motivação e a intenção genocida se desenvolvam. Da mesma forma aos
espectadores, basta serem seduzidos pelo ―espetáculo emocionante‖ ou temerem
aquilo que presenciam. Para o autor, em termos psíquicos, perpetradores e
espectadores não são mentes adoecidas, mas pessoas submetidas a um tipo de
sociedade que ―provoca, justifica, ordena e torna legítima a violência‖ contra o outro
e com isso ―o homem [normal] é obnubilado ou embriagado pelo processo coletivo‖
(CHARNY: 1988; p.76).
Diz o autor que não se deve pensar em genocídio como um ato
praticado por loucos incontroláveis, monstros inacreditáveis ou somente o governo,
tal qual se pensa comumente que ―Fulano (nome do ditador) estava louco. Todo
mundo vai sofrer enquanto houver loucos como ele andando soltos por aí‖
(CHARNY: 1988; p.212), Pois os genocídios são assuntos do presente e do futuro e
não somente em eventos decorridos - não é só no passado que se encontram
pessoas aptas a perseguir minorias e que buscam a eliminação das diferenças.
O filósofo da linguagem John Austin (1911-1960), de origem inglesa,
desenvolveu parte significativa da Teoria dos Atos Discursivos, perspectiva
altamente festejada, inclusive no campo das Ciências Sociais. Para o autor o
discurso possui três dimensões concomitantes: a locucionária (o enunciado estrito
de cada elemento linguístico), o ato de assegurar a execução daquilo que se fala,
que é a dimensão ilocucionária e, por fim, o ato perlocucionário, aquilo que se
realiza pela linguagem. Essas dimensões estão presentes em todo discurso, seja ele
falado ou escrito, segundo a perspectiva austiniana (AUSTIN: 1990; p. 88-89).
De fato, o genocídio precisa sim de um catalisador: geralmente um
louco ou ditador sanguinário - mas o seu papel se restringe, na maioria das vezes,
100
ao convencimento dos demais. Decorre invariavelmente de uma ampla adesão do
Estado, institucionalmente ou de forma implícita. Essa dimensão corresponde ao que
os linguistas denominam ação perlocutória ou ato perlocucionário, ou seja, aquilo
que transforma a palavra em ação. Para AUSTIN, ―o efeito equivale a tornar
compreensível o significado e a força da locução‖ e assim, o ato perlocucionário
implica ―produzir consequências no sentido de provocar estado de coisas de
maneira normal, isto é, mudanças no curso normal dos acontecimentos‖. E isso
produz um efeito sobre o interlocutor, medo, convencimento, questionamento etc.
(AUSTIN: 1990; p. 100).
Este discurso55 perde a capacidade de ser apenas um enunciado
locucionário e por se tratar de um mandamento ganha o peso de uma promessa ou
compromisso ilocucionário, induzindo o interlocutor a dadas atitudes. Por isso,
podemos dizer que o genocídio corresponde a uma ação perlocutória.
Ratificando a Convenção, genocídios são determinados pelo
propósito de eliminar, de várias formas, total ou parcialmente, um determinado grupo
selecionado segundo características étnicas, nacionalistas, políticas ou religiosas,
catalisados pelo convencimento do sujeito — o homem normal — a partir de um
discurso cujos elementos linguísticos são perlocutórios e, portanto, garimpam a
adesão para a violência coletiva. Logo, não são somente os números de mortos e
câmaras de gás que estão contidos e precisam um genocídio.
Por fim, mas indubitavelmente importante, é necessário recuar no
tempo para dispor as reflexões chaves de Theodor W. Adorno (1903-1969), filósofo
alemão, acerca do genocídio.
55
Por exemplo, quando em Ruanda foi publicado os “Dez Mandamentos dos Hutus” e este afirmava em seu 8º
mandamento que: “os hutus têm de parar de ter pena dos tutsis” (GOUREVITCH; 2006: p. 86).
101
Sobre a barbárie do Holocausto, num texto bastante sintético, quase
pequenas pílulas de suas reflexões sobre diversos temas, inicialmente ADORNO
sublinha a ausência de um nome para a situação vivenciada naquela época. A
carência de vocabulário, ―diante daquela totalidade sistemática e planejada‖,
representava mais que uma deficiência linguística, mas a incomparabilidade daquilo
com o que era conhecido até então, fossem assassinatos em massa ou série. Por
isso, nomeá-lo era tanto necessidade comunicativa quanto fundamentar uma
terminologia legal sobre aquilo. Genocídio, portanto, passava a dimensionar o
sofrimento de inúmeras vítimas sem a insensatez de propor a lembrança do nome
de todas, ―mas, ao ser codificado, tal como é estipulado na Declaração Internacional
dos Direitos Humanos, o inominável tornou-se, para fins de protesto, comensurável‖,
com isso, a elevação da expressão genocídio à categoria de conceito, implica que
―sua
possibilidade
foi
virtualmente
reconhecida‖.
Decorre,
então,
uma
institucionalização que determina o comprometimento das sociedades em discutir,
rejeitar e proibir os genocídios (ADORNO 1996; p. 39-50).
Por fim, interroga-se ADORNO se:
Um dia, talvez haja negociações na assembleia das Nações Unidas para
determinar se alguma nova atrocidade se enquadra na categoria de
genocídio, se as nações têm o direito de intervir [...] e se, diante da
dificuldade imprevista de empregá-lo na prática, todo conceito de genocídio
não deveria ser eliminado dos estatutos (1996; p. 39-50).
É possível deduzir que o autor antevia o que estava por vir no
cenário mundial. Como o fatídico genocídio ruandês ou tantos outros genocídios que
viriam a ocorrer, ao mesmo tempo em que ele questionava e alertava quanto aos
perigos da banalização do conceito.
102
Desde que a Organização das Nações Unidas se reuniu e legalizou
o repúdio aos crimes nazistas, ficou inteligível que os direitos humanos deveriam ser
preservados e que suas violações teriam que ser evitadas. A Guerra Fria indicou
haver problemas maiores que os chamados humanitários, isto é, o antagonismo
entre capitalismo e socialismo estava no centro das relações internacionais. Evitar
ou frear genocídios ou quaisquer outras variações desse crime era menos
importante que alterar a balança de poder bipolar. Os Estados e a própria ONU se
encontravam comprometidos com seus próprios inimigos (TEIXEIRA DA SILVA:
2004; p. 354).
Enquanto os olhos estavam voltados para evitar a catástrofe nuclear,
o regime comunista de Pol Pot, líder do Partido Khemer Vermelho, assassinou mais
de um milhão e setecentas mil pessoas no Camboja, na década de 1970, com uma
imprudente reforma política comuno-ruralista, que obrigou a eliminação da
população urbana (TEIXEIRA DA SILVA: 2004; p. 354).
Outros eventos, erroneamente caracterizados como de menor
dimensão: os massacres das milícias cristãs libanesas em Sabra e Chatila, em 1982;
a perseguição do governo indonésio no Timor Leste (1975-1999); o uso de gás
venenoso que vitimou civis curdos em Halabja em 1988; a recriação de campos de
concentração pela Sérvia e os assassinatos em Srebrenica na década de noventa
que também engrossam a lista de genocídios. As práticas genocidas, assim, foram
mais comuns do que deveriam (TEIXEIRA DA SILVA: 2004; p. 354).
Com o fim do conflito bipolar, a emergência da chamada agenda
ética, doou novo fôlego às questões humanitárias e à própria percepção do conceito,
ao mesmo tempo em que conflitos nacionalistas, religiosos e étnicos escapavam do
obscurantismo em que se encontravam do período anterior. Deu-se então um
103
processo de reivindicação pelo reconhecimento como genocídios, por grupos que
também se sentiram atacados, como os poloneses, as Testemunhas de Jeová, e as
antigas colônias na África e na Ásia, quando acusaram o imperialismo, colocando
em discussão o conceito e suas medidas legais. O ponto alto desse debate foi em
2001, na Conferência das Nações Unidas contra o racismo, em Durban. Antes desse
encontro, porém, o ódio étnico e a rivalidade nacional, há muito inflados e
represados, produziram extrema brutalidade em Ruanda (TEIXEIRA DA SILVA:
2004; p. 354).
6.4. OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
Os crimes contra a humanidade que constam no Art. 5º do Estatuto
do Tribunal Penal Internacional, segundo Krieger (2004), podem ser entendidos
como uma ofensa que afeta certos princípios gerais do Direito Internacional e que
preocupam a comunidade internacional.
Os atos que constituem os crimes contra a humanidade estão
descritos no Art. 7º, §1º e §3º, do mesmo Estatuto.
1 - Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por «crime contra a
Humanidade» qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro
de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil,
havendo conhecimento desse ataque:
a) Homicídio;
b) Extermínio;
c) Escravidão;
d) Deportação ou transferência à força de uma população;
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação
das normas fundamentais do direito internacional;
f) Tortura;
g) Violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez à força,
esterilização à força ou qualquer outra forma de violência no campo sexual
de gravidade comparável;
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por
motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de sexo,
104
tal como definido no n.º 3, ou em função de outros critérios universalmente
reconhecidos como inaceitáveis em direito internacional, relacionados com
qualquer ato referido neste número ou com qualquer crime da competência
do Tribunal;
i) Desaparecimento forçado de pessoas;
j) Crime de apartheid;
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante que causem
intencionalmente grande sofrimento, ferimentos graves ou afetem a saúde
56
mental ou física.
Pode-se perceber, desta forma, que os crimes contra a humanidade
previstos pelo Estatuto de Roma são atos de barbárie que causam sofrimento e
danificam a integridade física da população civil em um conflito armado.
Sobre essa modalidade de crime prevista no Estatuo de Roma,
Jupiassú ensina que:
Essa categoria de delito surgiu com os processos de Nuremberg, embora o
termo crimes contra a humanidade seja conhecido, desde a IV Convenção
de Haia de 1907, referente às leis e aos costumes da guerra terrestre por
57
meio da chamada cláusula Martens (2004: p. 21).
6.5. OS CRIMES DE GUERRA
Os crimes de guerra estão dispostos no Art. 8º do Estatuto do
Tribunal Penal Internacional. São uma série de atos que violam as disposições da
Convenção de Genebra, de 12 de agosto de 1949:
Crimes de guerra, para efeitos do Estatuto de Roma, as violações graves às
Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, tais como qualquer dos
seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da
Convenção de Genebra que for pertinente, in verbis: 1) Homicídio doloso; 2)
Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências
biológicas; 3) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou
ofensas graves à integridade física ou à saúde; 4) Destruição ou a
apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer
necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; 5) O ato de
56
Estatuto de Roma, obra citada. p. 556 e 557.
“Uma cláusula da maior transcendência merece destaque: a chamada cláusula Martens...Originalmente
apresentada pelo Delegado da Rússia, Friedrich von Martens, à I Conferência de Paz de Haia (1989)...Seu
propósito...era o de estender juridicamente a proteção às pessoas civis e aos combatentes em todas as situações.
A cláusula Martens sustenta a aplicabilidade continuada dos princípios...da lei de humanidade...CANÇADO
TRINDADE, Antonio Augusto. A humanização do Direito Internacional. Editora Del Rey. 2006: p. 94-96.
57
105
compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas
forças armadas de uma potência inimiga; 6) Privação intencional de um
prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um
julgamento justo e imparcial; 7) Deportação ou transferência ilegais, ou a
58
privação ilegal de liberdade; 8) Tomada de reféns.
Em cumprimento ao disposto no Art. 123, parágrafo 1º do Estatuto
de Roma, ocorreu em Kampala, no Uganda, de 31 de maio a 11 de junho de 2010, a
Conferência de Revisão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Art. 123. 1º. Sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, o
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará uma
conferência de revisão para examinar qualquer alteração ao presente
Estatuto. A revisão poderá incidir nomeadamente, mas não exclusivamente,
59
sobre a lista de crimes que figura no Art. 5.º[...]
Nesta Conferência, um grupo de trabalho contemplou, além do tema
que veremos a seguir (o crime de agressão), a questão dos crimes de guerra, com a
seguinte proposta de alterações ao Art. 8º do Estatuto de Roma, que dispõe sobre o
que se entende por crimes de guerra de caráter não internacional, para acrescentar
ao parágrafo 2º, alínea ―e‖, que trata de outras violações graves nos conflitos
armados, com doze atos, mais três atos, sendo eles os seguintes: XIII) emprego de
venenos ou armas químicas; XIX) emprego de gases asfixiantes, produtos tóxicos
ou outro e todos os líquidos, matérias ou dispositivos análogos; XV) emprego de
balas ―expansivas‖60.
6.6. O CRIME DE AGRESSÃO
Assim preceitua o Art. 5º, § 2º do Estatuto de Roma:
58
Convenção de Genebra, obra citada. p. 556 e 558.
Estatuto de Roma, obra citada. p. 608.
60
Disponível em: http://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10b&chapter=18&lang=en. Acesso em 20/12/2011.
59
106
O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de
agressão desde que seja provada uma disposição em que se defina o crime
e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência
relativamente a tal crime 2 - O Tribunal poderá exercer a sua competência
em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos Art. 121 e
123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se
enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a
este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições
61
pertinentes da Carta das Nações Unidas.
Define desta maneira o Art. 2º, § 4º da Carta das Nações Unidas
prevê que:
Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a
ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência
política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os
62
propósitos das Nações Unidas.
Considerando que o Crime de agressão possuía apenas a
conceituação da Carta das Nações Unidas, havendo também a necessidade de uma
revisão, na mesma Conferência de Kampala de Revisão do Estatuto de Roma, um
grupo de trabalho contemplou, além de outros temas, a definição do crime de
agressão.
Na definição de agressão acertada em Kampala, os Estados que
fazem parte do Estatuto de Roma, acordaram que, em 2017, o Conselho de
Segurança das Nações Unidas poderá encaminhar os casos de agressão ao
Tribunal Penal Internacional para que líderes de todas as nações que tenham
cometido o crime de agressão possam ser processados, independentemente de
terem aderido ao Tribunal.
Por outro lado, se um Estado ou o Promotor do Tribunal encaminhar
o caso de agressão ao Tribunal Penal Internacional, o Conselho de Segurança da
ONU terá de verificar se, no caso encaminhado, ocorreu ou não um ato de agressão
61
62
Estatuto de Roma, obra citada. p. 556.
Carta das Nações Unidas, obra citada. p. 1128.
107
pela nação acusada, caso contrário, se o Conselho de Segurança não chegar a
nenhuma decisão, depois de decorrido seis meses, os Juízes de Instrução do
Tribunal poderão decidir sobre a questão e autorizar o Promotor a investigar a
agressão63.
6.7. JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Segundo definição extraída do Dicionário Jurídico Brasileiro64:
Jurisdição (Latim jurisditione.) é o poder que é atribuído a uma determinada
autoridade, para que esta faça cumprir determinadas classes de leis e punir
quem as infringir em determinada área territorial. Pode ser compreendida
como a atividade precípua de um órgão jurisdicional, com o desígnio de
resolver as controvérsias através dos meios previstos em lei (SANTOS:
2001; p.137).
No caso do Tribunal Penal Internacional, sua jurisdição é
complementar, porquanto é subsidiária às jurisdições dos Estados que fazem parte
do Tribunal. Isso significa que o Tribunal exercerá sua jurisdição tão somente
quando o Estado-Nação, que violou as disposições contidas no Estatuto de Roma,
não a exercer.
Para melhor compreensão, colaciona-se o Art. 1º do Estatuto
Constitutivo do Tribunal Penal Internacional:
É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o
Tribunal"). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição
sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com
alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será
complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o
65
funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto .
63
Vide site oficial das Nações Unidas. Notificação de Depósito C.N.651.2010. Tratado-8, 29/11/2010. O
Tribunal poderá exercer a sua jurisdição se o Conselho de Segurança não se pronunciar num prazo de seis meses
após a notificação pelo Procurador da sua intenção em abrir um inquérito relativo a um ato de agressão.
Disponível em http://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10b&chapter=18&lang=en. Acesso em 20/12/2011.
64
Dicionário Jurídico Brasileiro, Washington Santos, Belo Horizonte, Del Rey, 2001.
65
Estatuto de Roma, obra citada. p. 555.
108
Na mesma linha, ACCIOLY, NASCIMENTO e SILVA e CASELLA
complementam:
O principal dispositivo do Estatuto, que figura no Art. 1º, é o princípio da
complementaridade, nos termos do qual a jurisdição do Tribunal Penal
Internacional terá caráter excepcional e complementar, isto é, somente será
exercida em caso de manifesta incapacidade ou falta de disposição de um
sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição primária. Ou seja, os
Estados terão primazia para investigar e julgar os crimes previstos no
Estatuto do Tribunal (2009, p. 792-793).
MAZZUOLI ainda elucida:
A consagração do princípio da complementaridade, segundo o qual a
jurisdição do Tribunal Penal Internacional é subsidiária às jurisdições
nacionais (salvo o caso de os Estados se mostrarem incapazes ou sem
disposição em processar e julgar os responsáveis pelos crimes cometidos),
contribui sobremaneira para fomentar os sistemas jurídicos nacionais a
desenvolver mecanismos processuais eficazes, capazes de efetivamente
aplicar a justiça em relação aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, que
passam também a ser crimes integrantes do direito interno dos EstadosPartes que o ratificaram (2004, p.175-176)
A jurisdição do Tribunal Penal Internacional está descrita nos arts.
12 e 13 de seu Estatuto66, que prescreve e regula a aceitação e o exercício
jurisdicional do Tribunal.
Nesse sentido, AMBOS e CHOUKR ensinam que:
Os arts. 12 e 13 contêm as provisões fundamentais para o regime
jurisdicional da Corte Internacional Criminal. O Art. 12 (―pré-condições do
exercício da jurisdição‖) regula o requerimento da aceitação, pelo Estado
signatário, da jurisdição da Corte e o escopo desta aceitação. O Art. 13
(―exercício da jurisdição‖) informa como a jurisdição da Corte pode ser
ativada ou exercitada, desde que as pré condições estejam presentes
(2000, p. 223).
66
Estatuto de Roma, obra citada. p. 555.
109
6.8. PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Os princípios utilizados pelo Tribunal Penal Internacional estão
enumerados dos arts. 22 a 28 do Estatuto de Roma. Dos princípios descritos no
Estatuto do Tribunal, merecem destaque os princípios: a) da legalidade; b) da não
retroatividade; c) da responsabilidade criminal pessoal; d) da irrelevância do cargo
ou função.
Destaca-se também o princípio da inimputabilidade penal para os
menores de dezoito anos, nos termos do Art. 26 do Estatuto de Roma.
a) Princípio da legalidade.
O princípio da legalidade possui previsão legal no Art. 22, do
Estatuto constitutivo do Tribunal Penal Internacional, que prescreve:
1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos
termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no
momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal.
2. A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será
permitido o recurso à analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada
a favor da pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada.
3. O disposto no presente artigo em nada afetará a tipificação de uma
conduta como crime nos termos do direito internacional, independentemente
67
do presente Estatuto .
Segundo AMBOS e CHOUKR (2000, p. 158), o princípio da
legalidade é um princípio básico de justiça que prescreve que uma pessoa não pode
ser punida se os atos incriminados, quando no tempo de sua prática, não possuíam
previsão legal.
67
Estatuto de Roma, obra citada. p. 565.
110
Os mesmos autores elucidam ainda que o princípio da legalidade
fora uma das poucas regras que não apresentou qualquer ressalva ou derrogação
na maior parte dos direitos humanos (2000, p. 158-159).
Para fazer constar, o Art. 23 do mesmo diploma legal, denomina-se
nulla poena sine lege68 (2001: p. 307) e traz o enunciado que: ―qualquer pessoa
condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições
do presente Estatuto‖69.
b) Princípio da não retroatividade.
O princípio da não retroatividade está positivado no Art. 24 do
Estatuto de Roma, que dispõe:
1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, de
acordo com o presente Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em
vigor do presente Estatuto.
2. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida
sentença definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à pessoa objeto de
70
inquérito, acusada ou condenada .
A partir dos termos do referido dispositivo legal, pode-se afirmar que
sua redação possui o mesmo objetivo do princípio da retroatividade consagrado no
Art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal do Brasil, que não permite a retroatividade
da lei penal, com exceção se a retroatividade ocorrer em benefício do réu.
c) Princípio da responsabilidade criminal pessoal ou individual.
O princípio da responsabilidade criminal pessoal está contido no Art.
25 do Estatuto constitutivo do Tribunal Penal Internacional, in verbis:
68
Dicionário Jurídico Brasileiro, obra citada. Nullum crimen, nulla poena, sine lege (Lê-se: núlum crímen, núla
pena, síne lége.) Nenhum crime, nenhuma pena, sem (prévia) lei.
69
Estatuto de Roma, obra citada. p. 566.
70
Idem.
111
1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para
julgar as pessoas físicas.
2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado
individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente
Estatuto.
3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente
responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência
do Tribunal quem:
a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de
outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável;
b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada
ou sob a forma de tentativa;
c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou
encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de
prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua
prática;
d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do
crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta
contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso:
i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do
grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da
competência do Tribunal; ou
ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime;
e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua
prática;
f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente
para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a
circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do
crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser
punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se
renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.
4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das
pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo
71
com o direito internacional .
Acerca do princípio da responsabilidade criminal pessoal, AMBOS e
CHOUKR explicam:
―Crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por
entidades abstratas, e apenas punindo os indivíduos que cometeram tais
crimes poderão as leis internacionais serem respeitadas‖, escreveu-se no
Tribunal de Nuremberg em 1946. [...] A maior parte de sua clientela será
não dos atuais perpetradores de crimes, mas de seus mentores, aqueles
que organizam, planejam e incitam o genocídio, crimes contra a
humanidade e crimes de guerra. (2000, p.163-165).
71
Estatuto de Roma, obra citada. p. 566.
112
d) Princípio da irrelevância do cargo ou função.
O princípio da irrelevância do cargo ou função está consagrado no
Art. 27 do Estatuto de Roma, que prescreve:
1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas
sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a
qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de
Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário
público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade
criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo
de redução da pena.
2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da
qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito
internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição
72
sobre essa pessoa .
Para AMBOS e CHOUKR, o princípio da irrelevância do cargo ou
função pode ser sintetizado como:
O Estatuto de Roma declara e aponta para os cargos de Chefe de Estado
ou de Governo, estatuindo ser irrelevante esta condição para a
determinação da responsabilidade penal e, ainda mais, como causa de
diminuição de pena. Imunidades ou procedimentos especiais, os quais
pudessem dizer respeito à função ou ao cargo, não são óbice à jurisdição
da Corte. (2000, p. 173).
O princípio da irrelevância do cargo ou da função não admite
qualquer modalidade de privilégio. Todos, sem exceção, serão responsabilizados
pelos ilícitos cometidos, sejam eles Chefes de Estado ou de Governo, Ministros,
Parlamentares ou quaisquer outras autoridades que possuam cargos maiores dentro
dos Estados.
72
Legislação de Direito Internacional, obra citada. p. 566 e 567.
113
e) Princípio da responsabilidade dos comandantes e outros superiores.
O princípio da responsabilidade dos comandantes e outros
superiores está positivado no Art. 28 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e,
segundo AMBOS e CHOUKR, indicam que:
―A noção de comandantes militares é relevante para a determinação da
responsabilidade de seus subordinados, ainda que não se possa provar que
tivessem conhecimento do ato praticado‖. (2000, p. 174)
À semelhança do Código Militar Brasileiro, seja o Penal ou
Processual Penal, que possui pena também àqueles que detém o poder de mando,
o presente princípio que atribui a responsabilidade aos comandantes e outros
superiores, exige que todos os militares em posição de comando, ainda que não
estejam fisicamente presentes no local aonde os crimes venham a ser cometidos,
responderam pelo crime devido à função.
6.9. PENAS APLICADAS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
O rol de penas passíveis de punição aos infratores das normas do
Direito Internacional Humanitário está descrito no Art. 77 do Estatuto Constitutivo do
Tribunal Penal Internacional, contendo em seu teor e podendo ser aplicadas as
seguintes penas: prisão, multa e confisco.
a) Prisão:
De acordo com o Art. 77, parágrafo 1º, alíneas ―a‖ e ―b‖, do Estatuto
de Roma, a pena de encarceramento pode ser por um determinado número de anos,
114
desde que não ultrapasse o limite de 30 (trinta) anos, ou, no caso de o grau de
ilicitude ser muito elevado, a prisão pode ser perpétua73.
Sobre a pena de prisão, AMBOS e CHOUKR (2000, p.132)
lecionam:
Na fase preparatória da conferência, ficou claro não ser possível introduzir
penas específicas para cada crime do Estatuto. A solução só podia então
consistir em uma lista de penas aplicáveis para todos os crimes. A lista está
no Art. 77 e tem como penas principais a prisão perpétua e encarceramento
por até trinta anos.
Não obstante o fato do número de crimes existentes, a melhor
solução seria ter uma pena para cada modalidade delituosa, desta feita, atendendo
os princípios que norteiam os países democráticos, onde existem todos os crimes
positivados num Código Penal. Haveria, desta forma, um aprimoramento ao Estatuo,
criando um Código Penal Internacional, com penas individualizadas para cada crime.
b) Multas e Confiscos:
Previstas nas alíneas ―a‖ e ―b‖, do parágrafo 2º, do Art. 77 do
Estatuto de Roma, as multas e confiscos, de acordo AMBOS e CHOUKR são penas
acessórias, porquanto é imposta de forma complementar a pena de prisão. Nos
termos do Art. 79 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, os bens arrecadados
e o dinheiro decorrente da multa serão destinados a fundos escolhidos pela
Assembleia Geral dos Estados Signatários e deverão ser utilizados em benefício das
vítimas (2000, p. 133).
O Art. 75 do Estatuto que trata da reparação às vítimas estabelece
princípios aplicáveis às formas de reparação, tais como a restituição e a indenização
a ser entregue à vítima, podendo, mediante requerimento, ou de ofício, em
73
Estatuto de Roma, obra citada. p. 591.
115
circunstâncias excepcionais, determinar na sentença o alcance e dos danos, perdas
ou prejuízos causados às vítimas.
O Art. 79 do Estatuto prevê que, quando couber indenização, o
Tribunal poderá ordenar que seja entregue a título de reparação em pagamento por
meio do Fundo Fiduciário.
116
7. A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA APLICAÇÃO DO DIREITO
INTERNACIONAL HUMANITÁRIO
Após o estudo nos capítulos anteriores, que elucidaram aspectos
importantes sobre o Direito Internacional Humanitário e o Tribunal Penal
Internacional, ficou possível aferir que o Tribunal é um mecanismo importante para a
aplicação das normas desse ramo do direito. Isto se deve ao fato de o Tribunal
possuir jurisdição e competência para julgar e condenar os infratores das normas do
Direito Internacional Humanitário, nos crimes descritos no Art. 5º do Estatuto de
Roma do Tribunal.
Deste modo, verifica-se que a existência de um órgão, mais
precisamente um Tribunal permanente, que possui legitimidade para processar e
julgar crimes cometidos em tempos de guerra, acarreta em uma maior preocupação
dos envolvidos nos conflitos beligerantes, para que suas condutas no futuro não
deem ensejo a um processo no Tribunal Penal Internacional.
Todavia, deve-se ressaltar a necessidade da cooperação entre os
Estados signatários do Estatuto de Roma, com o fito das deliberações do Tribunal
Penal Internacional serem cumpridas.
É necessário elucidar a importância da cooperação entre os
Estados-Partes para que a atuação do Tribunal Penal Internacional tenha eficiência
e eficácia, pois serão esses que auxiliarão na aplicação das deliberações do
Tribunal, como na entrega de um indivíduo e na investigação de crimes humanitários
cometidos sob sua jurisdição, a teor do disposto no Art. 89 do Estatuto de Roma do
Tribunal.
117
Nesse sentido, KRIEGER corrobora:
Para o Tribunal Penal Internacional operar atuantemente, os Estados
deverão cooperar em sua totalidade. De nada adiantará o esforço em torno
das disciplinas do Direito Internacional Humanitário se houver omissões
destas unidades estatais quando for necessário seu apoio em momentos
críticos, como a prisão de indivíduos responsáveis por atrocidades dos
crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e agressão
(KRIEGER, 2004 p. 284).
Ademais, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional possui caráter
complementar, ou seja, atua de forma subsidiária às jurisdições dos Estados-Partes,
porquanto o objetivo do Tribunal não é o de substituir o poder jurisdicional das
Nações, mas sim o de atrair a jurisdição para si quando o país não o faz.
Acerca da complementaridade do Tribunal Penal Internacional,
MAZZUOLI:
A consagração do princípio da complementaridade, segundo o qual a
jurisdição do Tribunal Penal Internacional é subsidiária às jurisdições
nacionais (salvo o caso de os Estados se mostrarem incapazes ou sem
disposição em processar e julgar os responsáveis pelos crimes cometidos),
contribui sobremaneira para fomentar os sistemas jurídicos nacionais a
desenvolver mecanismos processuais eficazes, capazes de efetivamente
aplicar a justiça em relação aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, que
passam também a ser crimes integrantes do direito interno dos EstadosPartes que o ratificaram (2004, p.175-176).
BECHARA complementa:
Eis o primeiro sentido do princípio da complementaridade, segundo o qual a
atuação do Tribunal Penal Internacional tem o caráter subsidiário diante da
jurisdição nacional, cujos critérios delimitadores são a existência ou não: a)
de coisa julgada; b) de vontade e disposição de punir por parte do Estado
considerado; e c) a gravidade da infração. Nessa linha, reconhece-se que a
jurisdição do Tribunal Penal Internacional não antecede, nem tampouco se
sobrepõe à jurisdição nacional, mas simplesmente a complementa,
pressupondo sempre o fundado receio de que os responsáveis pelas
condutas descritas no Art. 5.o do Estatuto de Roma possam permanecer
injustificadamente impunes. Seja a intenção deliberada por parte do Estado
que detenha jurisdição para o caso em não punir determinado fato, seja a
ausência de capacidade ou mesmo estrutura para tal fim, em ambas as
hipóteses, verificada a ocorrência de um dos crimes descritos no Art. 5.o e
seguintes do Estatuto, a atuação do Tribunal Penal Internacional estará
74
legitimada .
74
BECHARA, Fábio Ramazzini. Tribunal Penal Internacional e o princípio da complementaridade. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 234, 27 fev. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/4865. Acesso em
24/01/2012.
118
Logo, pode-se afirmar que o Tribunal Penal Internacional é um
importante órgão para o cumprimento de uma pequena parte do Direito Internacional
Humanitário, mas que sozinho não conseguirá cumprir seu objetivo. É fundamental a
atuação dos Estados que ratificaram o Estatuto de Roma, auxiliarem o Tribunal
Penal Internacional ao atrair a jurisdição para si, julgando os infratores das
disposições do
Direito Internacional Humanitário
ou ainda, ajudando nas
investigações e no cumprimento das deliberações do referido Tribunal.
7.1.
A
ATUAÇÃO
DOS
ESTADOS-PARTES
NO
TRIBUNAL
PENAL
INTERNACIONAL
Como elucidado no início do capítulo, os Estados membros do
Tribunal Penal Internacional possuem grande importância para a efetividade das
decisões e deliberações do Tribunal.
As atuações dos países membros do Tribunal Penal Internacional
estão positivadas nos Art. 86 ao 93 do Estatuto de Roma75. Os referidos artigos
tratam primeiramente acerca da necessidade de adequação dos Estados-Partes à
legislação do Tribunal, depois do auxílio dos países membros no procedimento de
entrega de pessoas e, ainda, de outras formas de cooperação.
a) A adequação dos Estados-Partes à legislação do Tribunal Penal
Internacional.
O Art. 88 do Estatuto de Roma dispõe que: ―Os Estados-Partes
deverão assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos que
75
Estatuto de Roma, obra citada. p. 554 a 609.
119
permitam responder a todas as formas de cooperação especificadas neste
Capítulo‖76.
Pode-se extrair, desta forma, que os países membros do Tribunal
Penal Internacional necessitam adequar sua legislação interna, com o desígnio de
haver previsão legal do direito interno que permita a cooperação com a Corte Penal
Internacional, bem como o cumprimento de suas determinações.
Sobre o assunto, Ambos e Chourk ensinam que: ―Os parlamentares
nacionais devem a partir de agora considerar a edição das leis internas de
implementação, que diz respeito em muito ao contido na Parte 9‖ (2000, p. 147) 77.
b) A ―entrega‖ de pessoas.
AMBOS e CHOURK definem: ―o termo entrega para denominar o
encaminhamento de uma pessoa por um Estado à Corte, consoante o Estatuto de
Roma‖ (2000, p. 136). Tal procedimento está previsto no Art. 89 do Estatuto de
Roma, que preceitua:
1. O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma
pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no Art. 91, a
qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e
solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em
causa. Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de
entrega em conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos
previstos nos respectivos direitos internos
2. Sempre que a pessoa cuja entrega é solicitada impugnar a sua entrega
perante um tribunal nacional com, base no princípio ne bis in idem previsto
no Art. 20, o Estado requerido consultará, de imediato, o Tribunal para
determinar se houve uma decisão relevante sobre a admissibilidade. Se o
caso for considerado admissível, o Estado requerido dará seguimento ao
pedido. Se estiver pendente decisão sobre a admissibilidade, o Estado
requerido poderá diferir a execução do pedido até que o Tribunal se
pronuncie.
3. a) Os Estados Partes autorizarão, de acordo com os procedimentos
previstos na respectiva legislação nacional, o trânsito, pelo seu território, de
uma pessoa entregue ao Tribunal por outro Estado, salvo quando o trânsito
78
por esse Estado impedir ou retardar a entrega .
76
Estatuto de Roma, obra citada. p. 595.
Idem. Traz o Capítulo IX que trata da Cooperação Internacional e Auxílio Judiciário.
78
Estatuto de Roma, obra citada. p. 598.
77
120
Destaca-se que o §3º, alínea ―a‖, do Art. 89, do referido diploma
legal, sublinha a necessidade de existir no ordenamento jurídico dos países
membros do Tribunal Penal Internacional a previsão de ―entrega‖ de pessoa ao
Tribunal.
Deve-se ressaltar ainda a diferença entre entrega e extradição, pois
segundo KRIEGER: ―se entenderá a entrega de um indivíduo por um Estado-Parte
ao Tribunal Penal Internacional, enquanto extradição ocorre quando se entrega um
indivíduo por um Estado a outro Estado‖ (2004, p. 196).
KRIEGER elucida, ainda, a posição do Supremo Tribunal Federal do
Brasil, que admite à entrega de brasileiro ao Tribunal Penal Internacional quando:
a) caso a autoria do delito seja perpetrado por brasileiro, sendo ou não em
território nacional a sede da infração (ratione temporis); b) que o crime
cometido seja punido no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e tenha
sido cometido após 1º de julho de 2002 (ratione temporis); c) que o
conteúdo do pedido de prisão e entrega esteja em conformidade ao Art. 91
do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e com a legislação brasileira
pertinente à matéria; d) que o acusado brasileiro não seja julgado em
qualquer outra Corte Internacional, senão e tão-somente pelo Tribunal
Penal Internacional; e) que o crime não tenha sido julgado em Corte
Brasileira com jurisdição para julgar o caso (ne bis in idem) (2004, p. 197).
Logo, a admissibilidade exigida pelo Supremo Tribunal Federal do
Brasil se coaduna com as normas do Tribunal Penal Internacional.
c) Outras formas de cooperação.
A legislação do Tribunal Penal Internacional prevê ainda outras
formas de cooperação, como a prisão preventiva (Art. 92 do Estatuto de Roma), bem
121
como cooperações que visam o auxílio dos inquéritos e procedimentos criminais
(Art. 93 do Estatuto de Roma)79.
A prisão preventiva pode ser requerida tão somente em caráter de
urgência de acordo com AMBOS e CHOURK (2000, p. 141) e o Art. 92 do Estatuto
do Tribunal Penal Internacional. As outras cooperações previstas no Art. 93 do
Estatuto de Roma são relativas ao auxílio dos Estados-Partes com o Tribunal, para a
obtenção de provas que instruirão os procedimentos criminais.
Entretanto, para verificar se realmente o Tribunal Penal Internacional
é um agente atuante na aplicação do Direito Internacional Humanitário da qual é
incumbido, é necessário observar se o referido Tribunal está processando ou
julgando casos de afronta ao Art. 5º de seu Estatuto constitutivo.
Estatuto de Roma, obra citada. p. 598.
122
8. ANÁLISE PRELIMINAR DOS CASOS QUE ESTÃO SOB A JURISDIÇÃO DO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Os casos que estão sob a égide do Tribunal Penal Internacional
possuem algumas particularidades que merecem destaques. Primeiramente, fica
possível constatar que todos os casos envolvem a violação das normas do Direito
Internacional Humanitário no continente africano. Tal fato se deve a atual conjuntura
da África, fruto do colonialismo Europeu, dos séculos XIX e XX, que acarretou na
agravação do ódio tribal já existente em inúmeras ditaduras nos países africanos
que regem seus governos de forma autoritária e repressiva, fato que dá ensejo a
conflitos armados.
Corrobora com a ideia do colonialismo Europeu exacerbado Albert
Adu Boahen quando afirma que:
Em primeiro lugar, o desenvolvimento do nacionalismo, não obstante toda
a sua importância, não foi somente uma consequência ocidental da
colonização: antes de ser resultado de um sentimento positivo de
identidade, de compromisso ou de lealdade para com o novo Estado
nacional ele se animou por um sentimento de cólera de frustração e de
humilhação sustentado por certas medidas de opressão, de discriminação
e de exploração introduzidas pelas autoridades coloniais. (BOAHEN: 2010).
Tais conflitos armados normalmente infringem as normas do Direito
Internacional Humanitário, tendo em vista que, em boa parte dos casos, há
influência do baixo índice de escolaridade e de instrução da população africana que
desconhece as normas existentes que regulam os conflitos beligerantes.
A existência de líderes de governo africano que estão sob
julgamento do Tribunal Penal Internacional é originada pela falta de democracia e de
ponderação destes Chefes de Estado, que buscam acabar com os conflitos internos
123
através do uso da força desproporcional e de métodos não ortodoxos com o fito de
alcançarem seus objetivos.
Desta forma, encontram-se sob julgamento do Tribunal Penal
Internacional, líderes milicianos e líderes ou membros de governos de países
africanos. Ressalta-se, ainda, que nenhum julgamento transitou em julgado, pois o
Tribunal Penal Internacional é uma instituição que carece de respaldo das grandes
potências, dentre elas China e Estados Unidos da América, que fazem parte do
Conselho de Segurança da ONU, que decidem sobre questões de crimes
internacionais, mas não assinaram o Tratado de Roma e nem se vislumbra a
possibilidade de adesão.
Nesses quase dez anos de funcionamento do Tribunal Penal
Internacional, os questionamentos permanecem: Será que realmente funciona? E,
como seria possível punir Estados que cometeram e continuam cometendo
atrocidades e violações aos Direitos Humanos?
O tempo não tem sido o melhor remédio. Se ações não forem
tomadas, a omissão também caracteriza, diante das atrocidades que ocorrem no
mundo, crime contra a humanidade.
As leis do Direito Internacional foram feitas para toda a humanidade
e não apenas para alguns. Todos devem respeitar a autonomia dos outros Estados,
a fim de dar maior efetividade às questões que envolvem tanto o Direito
Internacional quanto o Tribunal Penal Internacional.
Segundo informações extraídas do sítio oficial do Tribunal Penal
Internacional80, há processos contra indivíduos da República Democrática do Congo,
República de Uganda, República Centro-Africana e República do Sudão.
80
Disponível em: < http://www.icccpi.int/Menus/ICC/Situations+and+Cases/Situations/Situation+ICC+0204/>.
Acesso em 02/01/2012.
124
Recentemente, no início de 2011, foram recebidas denúncias contra a República do
Quênia, da Costa do Marfim e Líbia. Totalizando sete países envolvidos e vinte e
quatro pessoas processadas. Dentre estes Estados Africanos, temos as Repúblicas
de Uganda, do Congo, a Centro-Africana e do Quênia como Estados-Partes, o
Sudão e a Líbia como não Partes e a Costa do Marfim, que reafirmou a aceitação da
jurisdição do Tribunal, em 14 de dezembro de 2010. Devido à ordem de prisão do
presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al Bashir, em 2009 a União Africana
encerrou sua cooperação com o Tribunal Penal Internacional por não concordar com
aquela decisão do Tribunal.
A decisão da União Africana foi tomada durante uma reunião de
cúpula ocorrida na Líbia em julho de 200981. Os líderes divulgaram um comunicado
declarando que não cooperariam com a prisão de Bashir. O documento afirma ainda
que o pedido feito pelo grupo ao Tribunal, de adiamento da decisão sobre o caso do
líder sudanês, foi ignorado. Líderes africanos entendem o processo contra Bashir
como uma tentativa dos países ocidentais de interferir nos assuntos internos do
continente.
8.1. OS CASOS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO
Estão sob processo no Tribunal Penal Internacional quatro
indivíduos nacionais da República Democrática do Congo, acusados de infringirem
as disposições do Art. 5º do Estatuto de Roma. Estes violadores das normas do
81
Disponível em: < http://www.icccpi.int/Menus/ICC/Situations+and+Cases/Situations/Situation+ICC+0204/>.
Acesso em 02/01/2012.
125
Direito Internacional Humanitário são: Thomas Lubanga Dyilo; Germain Katanga,
conhecido pela a alcunha de ―Simba‖; Mathieu Ngudjolo Chui e Bosco Ntaganda.
Thomas Lubanga Dyilo está respondendo por acusações relativas a
crimes de guerra, uma vez que existem indícios que o apontam como o responsável
por aliciar crianças menores de quinze anos a participarem de seu exército.
Lubanga foi o primeiro réu a ser julgado pelo Tribunal, em 2006. Ele
é acusado de recrutar crianças com menos de quinze anos para lutar nos conflitos
étnicos na região de Ituri entre 2002 e 2003, na República Democrática do Congo.
Lubanga é ex-líder de um movimento rebelde da República Democrática do Congo,
a União de Patriotas Congoleses (UPC). O processo foi remetido ao Tribunal pelo
governo da República Democrática do Congo, em abril de 2004. Em 2009, Lubanga
foi liberado, pois se chegou à conclusão que ele não teria um julgamento justo, mas
a acusação entrou com novo recurso, sendo que o julgamento continua em
andamento e ele sob custódia do Tribunal.
Conforme explica Kai Ambos, a acusação contra Lubanga perante o
Tribunal pelo cometimento de crimes de guerra na República Democrática do
Congo, em setembro de 2002, teve um histórico processual conturbado. Em 2004,
Lubanga foi processado. Em 2006 foi convocado pela primeira vez para tomar
conhecimento dos objetos principais de acusação e para esclarecimentos sobre os
seus direitos. Em 2008, foi descoberto que o Promotor tinha feito amplo uso ilícito do
direito da observância de sigilo com relação a determinados documentos e
informações. Ainda em 2008, o Tribunal proferiu duas decisões: primeiramente
confirmou a suspensão do processo; depois, a respeito da liberação de Lubanga, o
Tribunal entendeu não estar permanentemente impedido de exercer a jurisdição e,
portanto,
a
libertação
incondicional
não
é
uma
consequência
inevitável,
126
especialmente se a ordem de manutenção da prisão puder ser revogada em um
futuro não muito distante. Finalmente, em 2009, o julgamento de Lubanga começou
perante o Tribunal82.
O processo do congolês Lubanga está sendo concluído, sendo o
primeiro desde a sua criação. Em dois anos e quatro meses de julgamento, os
magistrados ouviram os depoimentos de trinta e seis testemunhas por parte da
Promotoria e de vinte e quatro pela defesa. As crianças explicaram o horror vivido
ao terem de lutar nas milícias rebeldes, sendo obrigadas a matar conhecidos, em
uma idade que mal podiam compreender o que estavam fazendo.
Germain Katanga, o ―Simba‖ e Mathieu Ngudjolo estão sob custódia
do Tribunal Penal Internacional e respondem processo, acusados de liderarem
milícia que recrutava crianças para seu exército, de atacarem populações civis de
forma deliberada e cometerem assassinatos e crimes bárbaros de ordem sexual.
Bosco Ntaganda possui processo em trâmite na divisão de préavaliação que está analisando a procedência de acusação de crimes de guerra
imputados a ele.
8.2. O CASO DA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA
Em 20 de novembro de 2011, foi iniciado no Tribunal Penal
Internacional o julgamento do líder rebelde congolês Jean-Pierre Bemba Gombo. Ele
é acusado de crimes de guerra cometidos há oito anos na República CentroAfricana, quando então presidente daquele país. São estas as suas acusações:
assassinatos, estupros e pilhagens. Desde 2008, está preso em Haia. Foi o
82
A primeira confirmação da acusação do Tribunal Penal Internacional: o processo contra Thomas Lubanga
Dyilo, por Kai Ambos, disponível em http://www.reid.org.br, acesso em 18/03/2012.
127
responsável por graves mutilações, tanto na República do Congo como na
República Centro-Africana. Diante do Tribunal, Bemba está sendo acusado dos
crimes cometidos na República Centro-Africana. Os crimes de guerra cometidos na
República do Congo são anteriores ao Estatuto, através do qual o Tribunal Penal
Internacional entrou em vigor em julho de 2002, e por isso o Tribunal não pode
processá-lo.
8.3. O CASO DA REPÚBLICA DE UGANDA
No ano de 2005, a promotoria do Tribunal Penal Internacional
instaurou processo contra Joseph Kony, Vicent Otti, Okot Odhiambo, Dominc
Ongwen e Raska Lukwiya. Os referidos acusados são os líderes do grupo
guerrilheiro denominado Lord’s Resistence Army, LRA, em tradução livre, Exército
de Resistência do Senhor, o qual almeja tomar o poder de Uganda e formar um
Estado teocrático. O grupo foi formado em 1987. Hoje, passados quase sete anos, o
caso da República de Uganda vem sendo um dos conflitos mais longos da África.
O ex-promotor do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno
Ocampo, acusou os lideres da LRA por terem infringido trinta e três disposições do
Estatuto de Roma relativas a crimes contra a humanidade, como assassinatos,
estupros e trabalho escravo, bem como por crimes de guerra, concernentes a
pilhagens, agressões violentas e deliberadas à população civil e o aliciamento de
crianças para as forças armadas do grupo guerrilheiro.
128
8.4. OS CASOS DA REPÚBLICA DO SUDÃO
A guerra em Darfur, que eclodiu em 2003, já deixou pelo menos
trezentos mil mortos e obrigou dois milhões e setecentas mil pessoas a
abandonarem suas comunidades de origem, segundo dados da ONU 83.
Existem três casos da República do Sudão que estão sob
julgamento no Tribunal Penal Internacional. Tais casos são de violações ao Direito
Internacional Humanitário ocorridas na cidade de Darfur.
O primeiro caso protocolado pela promotoria do Tribunal Penal
Internacional no ano de 2007, busca a condenação de Ahmad Harun, antigo ministro
de relações interiores do Sudão e Ali Muhammad Ali Abd-Al-Rahman, "Ali Kushayb",
suposto líder da milícia apoiada pelo governo Janjaweed pela prática de crimes de
guerra e crimes contra a humanidade. Supostamente, são responsáveis por
assassinatos, estupros, deslocamento em massas e agressão a civis não envolvidos
nos conflitos da questão de Darfur84.
O presidente da República do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al
Bashir, está sendo acusado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra
relativos às agressões a civis que não estariam envolvidos nos conflitos de Darfur e
crimes contra a humanidade, devido à prática de atos como o deslocamento de
massas, a tortura e o estupro. Houve a emissão, por parte do Tribunal, de uma
segunda ordem de prisão (12 de julho de 2010) contra Al-Bashir na qual se agregam
três novas acusações de genocídio pelos crimes cometidos na região ocidental
83
Disponível em www.un.org/. Acesso em 02/01/2012.
A questão de Darfur é reconhecida pela ONU como o primeiro genocídio do século XXI e é resultado de
combates, iniciados em 2003, por grupos guerrilheiros que acusam o atual governo de negligenciar a religião
islâmica, pois o Sudão é uma república islã. (Almanaque Abril, 2009, p. 595).
84
129
sudanesa de Darfur, sendo que sobre Al-Bashir já pendia uma ordem de prisão,
emitida no dia 4 de março de 2009, por crimes de guerra e crimes contra a
humanidade. As novas acusações contra Al-Bashir se referem aos supostos
genocídios cometidos contra os grupos étnicos dos Fur, os Masalit e Zaghawa de
Darfur, vítimas de assassinatos, bem como torturas e incalculáveis danos
psicológicos, supostamente ordenados pelo presidente do Sudão, conforme
denúncia ao Tribunal. Aquele Órgão deixou claro que a segunda ordem de prisão é
complementar a anterior e, portanto, não a revoga. Até o dia de hoje, as ordens de
prisão foram ignoradas pelas autoridades do Sudão, que não assinaram o Estatuto
de Roma.
O coordenador da milícia denominada United Resistence Front, em
tradução livre, Frente Unida para a Resistência, General Bahr Idriss Abu Garda,
responde no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, por ser,
supostamente, responsável pela morte de pessoas e destruição de edificações e
materiais de forças de paz que se encontravam no Sudão. Em decisão recente, 08
de fevereiro de 2010, o General Abu Garda não será processado, assim decidiu o
Tribunal: ―A Corte concluiu que não há provas suficientes de que ele seja
penalmente responsável, como coautor ou coautor indireto, dos crimes dos quais é
acusado". O General Abu Garda foi o primeiro suspeito a se apresentar por vontade
própria e o primeiro a comparecer por crimes cometidos em Darfur.
Há mais dois novos casos na Seção de Pré-Julgamento, com
confirmação das acusações em 7 de março de 2011, sendo: Abdallah Banda
Abakaer Nourain, comandante chefe de justiça e igualdade do movimento liderança
coletiva e Saleh Mohammed Jerbo Jamus, um dos componentes da Frente de
Resistência Unidos. São supostamente responsáveis criminalmente como coautores
130
de três crimes de guerra, nos termos do Art. 25 (3) (a) do Estatuto de Roma:
violência contra a vida seja cometido ou tentado, na acepção do Art. 8º (2) (c) (i) do
Estatuto; dirigir intencionalmente ataques contra pessoas, instalações, materiais,
unidades ou veículos que participem numa missão de paz, na acepção do Art. 8º (2)
(e) (iii) do Estatuto, e pilhagem, na acepção do Art. 8º (2) (e) (v) do Estatuto.
8.5. OS CASOS DA REPÚBLICA DO QUÊNIA
Também se encontram na Seção de Pré-Julgamento dois processos
que envolvem seis líderes quenianos. O primeiro processo envolve o ex-ministro da
Educação, Ciência e Tecnologia do Quênia, William Samoei Ruto e Henry Kiprono
Kosgey, membro do partido ODM (Orange Democratic Movement), em tradução
livre, sigla do Movimento Democrático Laranja no Quênia. São acusados de crimes
contra a humanidade, entre eles, assassinatos e perseguições à população civil.
Joshua Arap Sang, que trabalhava na rádio Kass FM, no Quênia, está sendo
acusado pelos mesmos crimes e, ainda, o de usar seu programa para incitar a
violência entre diferentes grupos.
O segundo processo é contra Francis Kirimi Muthaura, atualmente
ocupando os cargos de Chefe do Serviço Público e Secretário do Gabinete da
República, contra Uhuru Muigai Kenyatta, atualmente ocupando os cargos de VicePrimeiro-Ministro e Ministro das Finanças da República e ainda contra Mohammed
Hussein Ali, que atualmente detém a posição de Chefe do Executivo da Empresa de
Correios do Quênia. Todos acusados de crimes contra a humanidade, entre eles,
assassinatos e perseguições à população civil.
131
As violências étnicas pós-eleitorais cometidas no Quênia, no final de
2007 e início de 2008, culminaram com a morte de um milhão e quinhentos mil
pessoas, além de trezentos mil deslocados.
8.6. OS CASOS DA LÍBIA
O ex-promotor do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno
Ocampo, havia pedido a prisão por crimes contra a humanidade do ditador líbio,
Muammar Kadhafi, antes de sua morte, em 22 novembro de 2011, também o pedido
da prisão de seu filho mais velho, Saif Al Islam e de Abdallah Al Senussi, Chefe dos
Serviços de Inteligência de seu regime, com base nas provas obtidas e evidências
diretas de que Kadhafi ordenou ataques contra civis, de que organizou o
recrutamento de mercenários e outras evidências diretas da participação de
ataques. Ocampo abriu as investigações para apurar os crimes contra a humanidade
cometidos na Líbia desde fevereiro de 2011. Entre as denúncias do Tribunal estão o
ataque a civis em vias públicas, disparos contra manifestantes com armas de fogo,
uso de armamento pesado em funerais e uso de franco-atiradores nos protestos.
Kadhafi foi o segundo Chefe de Estado contra quem o Tribunal pediu
uma ordem de prisão. O primeiro havia sido o presidente do Sudão, Omar Hassan
Ahmad Al Bashir.
Com a morte de Muamar Kadhafi, expira a ordem de captura
expedida pelo Tribunal Penal Internacional contra ele (mandados de prisão emitidos
em 27 de junho de 2011). Mas as ordens de prisão contra o seu filho Saif Al Islam e
contra o chefe de espionagem Abdullah Al Senussi continuam em vigor.
132
8.7. O CASO DA REPÚBLICA DA COSTA DO MARFIM
Laurent Gbagbo, ex-presidente da Costa do Marfim, responde a
quatro acusações de crimes contra a humanidade, incluindo assassinato e estupro.
Na crise, após a concorrida eleição presidencial na Costa do Marfim, cerca de três
mil pessoas foram mortas na onda de violência que se seguiu à recusa de Gbagbo
em aceitar sua derrota depois da contagem dos votos, em novembro de 2010. Mas
ele nega sua responsabilidade pela violência.
Gbagbo deve se apresentar novamente no dia 18 de junho de 2012,
quando o Tribunal irá deliberar as evidências e acusações contra ele.
Ocampo diz ter provas de que Gbagbo, após a divulgação do
resultado das eleições presidenciais do ano passado, atacou, assassinou e violentou
cidadãos por terem apoiado o outro candidato à presidência, Alassane Dramane
Ouattara. Na violência que eclodiu, mais de três mil pessoas morreram. Gbagbo foi
preso pelas tropas francesas em abril de 2011. Na acusação consta que o expresidente e os seus confidentes planejaram a violência de maneira consciente.
Ouattara foi instalado como presidente legítimo na Costa do Marfim.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente dissertação teve o objetivo de aferir a importância da
atuação do Tribunal Penal Internacional para a aplicação das normas do Direito
Internacional Humanitário, sobre tudo em matéria de genocídio.
Primeiramente, foi realizado um estudo e análise sobre o Direito
Internacional Humanitário, com o propósito de compreender o significado e a área
de atuação deste ramo do Direito Internacional. Deste modo, observou-se que o
Direito Internacional Humanitário é uma importante ferramenta que regulamenta as
guerras. Isto porque, o seu escopo, ao regular os conflitos beligerantes, é: tentar dar
segurança aos civis envolvidos nas guerras; arrefecer os combates armados aos
restringir o uso de certas armas, munições ou métodos; e vedar as condutas que
podem causar a morte e dizimação de uma população.
Para
que
os
responsáveis
pelo
cometimento
dos
crimes
considerados mais graves e preocupantes pelo cenário internacional fossem
punidos, idealizou-se o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
O Tribunal entrou em atividade em julho do ano de 2002 e passou a
ser o órgão responsável pela aplicação de uma pequena parte do Direito
Internacional Humanitário ao tipificar penalmente as condutas descritas no Art. 5º de
seu Estatuto Constitutivo. Logo, os crimes como o de genocídio, os de agressão, os
contra a humanidade e os de guerra, devem ser julgados, a partir de 1º de julho de
2002, quando se deu início da jurisdição daquele Tribunal, pois, é a partir desta data
que o Tribunal passa a ter competência para julgar os criminosos, caso os países
signatários do Estatuto de Roma não o façam.
134
Já existem casos que estão sob judice no Tribunal Penal
Internacional. Tais casos são todos do continente africano que desde o período do
neocolonialismo e, por conta disso, sofre com problemas de ordem política,
econômica e social.
Verificou-se na descrição dos casos que estão sob a égide do
Tribunal que em nenhum destes houve decisão transitada em julgado que
determinasse a pena a ser cumprida pelos infratores das leis humanitárias. Tal fato
se deve ao Tribunal ainda não possuir, no âmbito internacional, todo o respaldo
necessário que deveria ter, principalmente das grandes potências que não aderiram
ao Estatuto, como a China e os Estados Unidos da América, e também se deve à
complexidade na realização das investigações e no colhimento das provas que
instruirão as denúncias feitas àquele Tribunal.
Saltam aos olhos do mundo que os Estados Unidos da América não
respeitam as leis. Em campanha presidencial, o presidente norte americano Barack
Obama ventilou a possibilidade de aderir ao Tribunal e também de rever a situação
dos presos de Guantánamo, o que, até o presente, não foi feito.
Ademais, verifica-se que o Tribunal Penal Internacional realiza seus
julgamentos respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como
o princípio do duplo grau de jurisdição, o que proporciona aos acusados a
possibilidade de um julgamento justo que não viole seu direito de defesa.
É fundamental elucidar, ainda, a importância da cooperação dos
Estados-Partes do Tribunal Penal Internacional para que a atuação deste seja
eficiente e eficaz e a importância na aplicação das normas do Direito Internacional
Humanitário que o Tribunal protege.
135
A cooperação dos países signatários do Estatuto de Roma é
inestimável, pois a atuação do Tribunal Penal Internacional é complementar. Isso
significa que o Tribunal poderá atrair a jurisdição dos crimes previstos no Art. 5º de
seu Estatuto Constitutivo, tão somente quando os Estados não o fizerem.
Ademais, serão os Estados-Partes os responsáveis pelo auxílio nas
investigações que irão instruir as denúncias e por cumprir as determinações e
deliberações do Tribunal Penal Internacional como a entrega de pessoas, por
exemplo.
Logo, a atuação dos Estados é essencial, pois se estes aplicarem as
normas do Direito Internacional Humanitário não haverá a necessidade da
intervenção do Tribunal e os casos poderão ser julgados de formas mais célere.
A atuação deficiente dos países signatários acarretará no atraso da
punição dos infratores do Art. 5º do Estatuto de Roma, pois ao não atraírem a
jurisdição para julgarem essas controvérsias, o Tribunal Penal Internacional deverá
julgá-las e o não cumprimento de suas deliberações e determinações poderá gerar a
impunidade dos criminosos de guerra.
Desta forma, fica possível concluir a importância de haver um ramo
do direito que regulamente os conflitos armados e um órgão responsável pelo
julgamento dos criminosos de guerra. A guerra é uma realidade que está junto com
o ser humano desde os primórdios e são necessários métodos que coíbam e
diminuam a violência excessiva e o uso de métodos não ortodoxos que se mostram
presentes nos conflitos armados, uma vez que a paz ainda é uma realidade distante
em muitas regiões do planeta.
Por fim, destaca-se que mais importante do que haver métodos que
restrinjam os meios violentos presentes na guerra, é necessária a cooperação
136
internacional, não somente para a atuação efetiva do Tribunal Penal Internacional,
mas em todas as searas possíveis. A cooperação dos países para auxiliarem as
nações afligidas pela guerra e dos seres humanos entre si é indispensável para a
ajuda dos atingidos e para obtenção da paz.
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